Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
127/19.5YUSTR.L1-N.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 06/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
As situações de facto não são idênticas, mas diversas, quando no acórdão fundamento estamos perante a responsabilidade de um banco por trabalho suplementar dos seus trabalhadores, enquanto no acórdão recorrido estamos perante responsabilidade contraordenacional de membros do Conselho de Administração de uma instituição de crédito, derivada da apreciação e decisão de operações de concessão de crédito, concedidas a sociedades em que o arguido era igualmente gestor, agindo com conflito de interesses, apreciação e aprovação de operações de concessão de crédito, sem que tivesse sido assegurado que estas eram aprovadas por maioria de pelo menos dois terços (⅔) dos membros daquele órgão de administração, incumprimento do dever de implementar e assegurar um sistema de controlo interno adequado e eficaz no âmbito da função de gestão do risco de crédito.
Decisão Texto Integral:


Processo n. º 127/19.5YUSTR.L1-N.S1

(Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I.

1. AA e BB interpuseram recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 02.12.2021, transitado em julgado em 13.06.2022, por alegadamente estar em oposição relativamente à mesma questão de direito, com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 13.05.2004, e também já transitado em julgado.

2. No requerimento alegam em conclusão (transcrição):

«(…) 2. É interposto o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 437.º, n.º 2 do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 2.12.2021 (doravante “Acórdão Recorrido”), que teve um voto de vencido do Senhor Juiz Desembargador Presidente da Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão (à data).

3. Por força dos requisitos específicos exigidos no artigo 437.º, n.º 2 do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, o objeto do presente recurso apenas incide sobre o segmento decisório do Acórdão Recorrido correspondente às páginas 2003 a 2016, sob o ponto III.5.2.7 APRECIAÇÃO GLOBAL DA INVOCADA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL.

6.1. Nota Prévia

4. Antes de mais, esclarece-se que o presente recurso de extraordinário para uniformização de jurisprudência é interposto após a apresentação (à cautela) de outro recurso extraordinário, com o mesmo fundamento, pelos ora Recorrentes, idêntico ao presente recurso.

5. Com efeito, no passado dia 26 de Setembro de 2022, os ora Recorrentes interpuseram recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência do Acórdão Recorrido, para o Supremo Tribunal de Justiça, também por oposição com o Acórdão Fundamento identificado supra.

6. O referido recurso foi interposto naquela data por mera cautela, para o caso de o Tribunal da Relação de Lisboa ou o Supremo Tribunal de Justiça virem a entender que o trânsito em julgado do Acórdão Recorrido teria ocorrido com o trânsito em julgado do Acórdão doTC n.º 459/2022, proferido em 24 de Junho de 2022, que teve como objeto a recorribilidade do Acórdão Recorrido, para o STJ.

7. Sucede que, já posteriormente à apresentação de tal acórdão, quer o Tribunal Constitucional, quer o Tribunal da Relação de Lisboa já reconheceram e confirmaram que o Acórdão Recorrido transitou em julgado no dia 27 de Setembro de 2022, tendo as respectivas Secretarias Judicias emitido certidões certificando estas datas (DOCs. ... e ...).

8. É, assim, forçoso concluir que o Acórdão Recorrido transitou em julgado no dia 27 de setembro de 2022, razão pela qual a apresentação do presente recurso na data de hoje é tempestiva.

6.2. Admissibilidade do recurso de fixação de jurisprudência em processos contra-ordenacionais

9. Por força do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça, previsto nos artigos 437.º e ss. do CPP, é aplicável em processos contra-ordenacionais.

10. Caso não se admitisse a apresentação de recurso de fixação de jurisprudência em processo contra-ordenacional (o que se alega sem conceder), a interpretação em que se baseasse tal decisão seria inconstitucional, invocando-se, por isso, expressamente, as seguintes inconstitucionalidades:

11. Inconstitucionalidade material da interpretação conjugada das normas dos artigos 73.º e 75 do RGCO, artigo 437.º CPP e artigo 41.º, 1 do RGCO, no sentido de que, em processo contra-ordenacional, não é aplicável o recurso de fixação de jurisprudência previsto no artigo 437.º do CPP, por violação do direito fundamental de defesa em processo contra-ordenacional, conforme previsto no artigo 32.º, n.º 10, da CRP, e do princípio constitucional do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, conforme

previsto no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.

12. Inconstitucionalidade material da interpretação conjugada das normas dos artigos 73.º e 75 do RGCO, artigo 437.º CPP e artigo 41.º, 1 do RGCO, no sentido de que, em processo contra-ordenacional, não é aplicável o recurso de fixação de jurisprudência previsto no artigo 437.º do CPP, por violação do princípio da igualdade no acesso do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, previstos no artigo 13.º, n.º 1, da CRP, conjugado com o artigo 20.º, n.º 1, da CRP.

13. Por outro lado, encontram-se verificados (à luz dos artigos 437.º e 438.º do CPP) os requisitos para fixação de jurisprudência:

6.3. Contradição ou oposição de julgados quanto à mesma questão de direito 14. O Acórdão Recorrido está em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra a 13/05/2004, no âmbito do processo de recurso n.º 838/04, que se encontra publicado em www.dgsi.pt (“Acórdão Fundamento”) e cuja cópia se junta como DOC. ..., tendo a respectiva certidão já sido requerida junto do extinto Tribunal do Trabalho ..., conforme email que se junta como DOC. ..., protestando-se, por isso, juntar a certidão.

15. Em termos gerais e abstractos, o problema jurídico em causa, no presente recurso, pode ser reconduzido à seguinte questão: pode o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional ser alargado, por efeito de uma lei posterior à data da prática dos factos pelo arguido, que modifica a lei vigente à data da prática dos factos e introduz novas causas de suspensão mais prolongadas?

Acórdão Recorrido

16. O Acórdão Recorrido reconheceu que, no caso em apreço, ocorreu um facto suspensivo, subsumível ao disposto na al. c) do n.º 1 do art. 27.º-A do RGCO: foi proferida decisão que procedeu ao exame liminar do recurso da decisão administrativa (pág. 2004 do Acórdão Recorrido).

17. O Acórdão Recorrido entendeu que, perante tal causa de suspensão, haveria que atender à limitação do prazo de suspensão ali previsto, uma vez que o n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO não permite que a suspensão ultrapasse seis meses (pág. 2005 do Acórdão Recorrido).

18. Adicionando o prazo de seis meses a sete anos e meio decorrentes da aplicação do regime prescricional em causa, teríamos um prazo de prescrição global de oito anos (pág. 2005 do Acórdão Recorrido).

19. No entanto, o Acórdão Recorrido entendeu aplicar retroativamente os novos prazos de suspensão introduzidos pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24.10.2014 no RGICSF, o qual entrou em vigor em 23.11.2014, isto é, no decurso do prazo de prescrição de qualquer uma das infracções imputadas aos Recorrentes, previstas no RGICSF (cfr. pág. 2006 e segs. do Acórdão Recorrido).

20. O Acórdão Recorrido entendeu, assim, aplicar, ao caso dos autos, os novos prazos de suspensão atinentes à “notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão que aplique sanção até à notificação da decisão final do recurso”, introduzidos nos n.ºs 4 a 6 do artigo 209.º do RGICSF.

21. O Acórdão Recorrido concluiu com a aplicação de um alargamento do prazo de suspensão do procedimento contra-ordenacional previsto no artigo 27ºA, n.º 1, al. c) do RGCO para trinta meses ou cinco anos consoante os casos previstos nos n.ºs 4 a 6 do artigo 209.º do RGICSF.

Acórdão Fundamento

22. No caso do Acórdão Fundamento, discute-se igualmente uma dilação ou alargamento do prazo de prescrição (cfr. capítulo 2.1. do ponto “2 – O DIREITO” do DOC. ...), na medida em que ao tempo da infracção vigorava, no que tange à prescrição do procedimento por contra-ordenação, a redacção do art. 27º do DL. 433/82, de 27 de Fevereiro, a qual foi, posteriormente, alterada pela previsão normativa constante da Lei 109/2001, de 24/12, que dilatou o prazo aplicável da prescrição de dois anos para três anos, criando ainda um terceiro escalão.

23. O Acórdão Fundamento concluiu, no entanto, pela aplicação do regime globalmente mais favorável, em matéria de prescrição - ao contrário do Acórdão Recorrido, que concluiu pela aplicação do regime menos favorável.

24. Isto é, o arguido tem direito à aplicação do regime globalmente mais favorável, que no caso é o que resulta da nova Lei, sendo a coima aplicável a prevista na nova Lei para as infrações graves e o prazo de prescrição o aí previsto para essas infrações.

25. O arguido já não tem direito à aplicação simultânea da coima prevista para as infrações graves, segundo a nova Lei, e ao prazo de prescrição das infrações graves, segundo a lei antiga.

26. Isto, porque tem direito à aplicação do regime que numa análise global for mais favorável.

A mesma questão de direito

27. Não há dúvida que o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento versam sobre a mesma questão de direito, ou questão jurídica, a saber: o alargamento ou dilação do prazo prescricional do procedimento contra-ordenacional, ocorrida por modificação legislativa ocorrida no decurso de tal prazo.

28. Em ambos os casos estamos perante um processo contra-ordenacional, bem como perante uma modificação legislativa posterior à da prática dos factos, a qual entrou em vigor durante o decurso do prazo prescricional ainda em curso.

Identidade das situações de facto

29. Estamos perante dois acórdãos dos Tribunais da Relação (um de Lisboa e outro de Coimbra) que se pronunciam sobre o alargamento da prescrição.

30. No Acórdão Recorrido, há um alargamento do prazo da prescrição de 8 anos para 10 anos ou 12 anos e meio, consoante a gravidade da infracção.

31. Ou seja, no aresto recorrido entende-se que a causa de suspensão “ordinária” é alargada ou dilatada para 30 meses ou 5 anos, consoante o caso, por entrada em vigor de nova legislação sectorial durante o processo contraordenacional e após a prática dos factos.

32. No Acórdão Fundamento, também se decide que seria aplicável um alargamento do prazo da prescrição: passa de dois anos para três anos.

A oposição de julgados

33. A oposição ou contradição reside na circunstância de –– perante o mesmo enquadramento normativo e factual – no Acórdão Fundamento se ter entendido que a alteração por alargamento do prazo global prescricional constitui uma sucessão de leis no tempo sujeita ao princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido, aplicando expressamente o artigo 3.º, n.º 2 do RGCO.

34. No Acórdão Recorrido, pelo contrário, entende-se que o mencionado alargamento global da prescrição não constitui um “caso de sucessão de leis penais no tempo, pelo que não estamos no âmbito do artigo 29.º, n.º 4 da CRP ou do artigo 3.º, n.º 1 do RGCO, mas antes no âmbito do disposto no artigo 5.º do Código de Processo Penal e do artigo 32.º da Constituição” (págs. 2013 e 2014 do Acórdão Recorrido).

35. Ou seja, a solução jurídica dada para a mesma questão jurídica é radicalmente oposta:

i. Sucessão de leis no tempo vs efeitos processuais imediatos

36. No Acórdão Fundamento, a modificação legislativa do prazo prescricional, no decurso do mesmo, configura um caso de sucessão de leis no tempo, devendo escolher-se, entre o regime que vigorava aquando da consumação da infracção, e o que se lhe sucede, o regime que for globalmente mais favorável.

37. No Acórdão Recorrido, a modificação legislativa do prazo prescricional, no decurso do mesmo, já não configura um caso de sucessão de leis no tempo, pelo que nada obstaria ao alargamento do prazo da prescrição, por via do alargamento do prazo de suspensão, mesmo que o regime for globalmente mais desfavorável para o arguido.

ii. Aplicação do regime globalmente mais favorável vs aplicação regime globalmente mais desfavorável

38. No Acórdão Fundamento, aplica-se a modificação legislativa, de modo a desagravar a coima aplicada ao arguido, a qual passou de € 9.310,00 para € 1.915,44.

39. No Acórdão Recorrido, conforme nele se reconhece, passou-se de uma decisão de extinção parcial por prescrição do procedimento contraordenacional, relativamente às infrações com termo em março de 2013, no caso do Recorrente ATC, “em virtude de se ter completado tal prazo no passado mês de agosto [de 2021] (antes, pois da redistribuição dos autos [no Tribunal da Relação de Lisboa]) e bem assim de uma prescrição da infracção praticada com termo em abril de 2013, por se ter completado o mesmo no mês de Setembro (escassos dias após a redistribuição dos autos [no Tribunal da Relação de Lisboa])” (pág. 2005 do Acórdão Recorrido), para uma decisão que considera que não se verifica qualquer prescrição, em relação a todos os Arguidos.

40. O Acórdão Recorrido converteu, igualmente, uma absolvição ou uma extinção parcial do procedimento contra-ordenacional no caso do Recorrente ATC numa condenação, através da aplicação retroativa de um novo prazo prescricional, porque estendeu o prazo de prescrição de 8 anos para 12 anos e meio, sem qualquer desagravamento da coima aplicada.

41. O novo regime é, assim, globalmente desfavorável aos Recorrentes, não havendo qualquer elemento do novo regime jurídico aplicado que seja favorável: através da aplicação do novo regime, o Acórdão Recorrido passou de uma extinção total ou parcial do procedimento contraordenacional dos Recorrentes, para uma espécie de renovação da instância sancionatória, tendo os Recorrentes sido condenados em coimas associadas a infracções já prescritas.

6.4. Decisões proferidas sob o mesmo quadro legal

42. No presente caso, estamos perante a aplicação do mesmo diploma legal – o RGCO – que é modificado posteriormente por leis sectoriais.

43. Ora, quer o Acórdão Recorrido, quer os “Acórdãos fundamento”, foram proferidos ao abrigo do mesmo quadro legal, i.e. do RGCO, em particular do artigo 3.º, n.º 2 do RGCO (sem que as normas deste diploma que foram aplicadas tenham sofrido qualquer alteração), pelo que o requisito em análise se encontra preenchido.

6.5. Trânsito em julgado do Acórdão Recorrido e do Acórdão Fundamento

44. O trânsito em julgado do Acórdão Fundamento é comprovado pela junção da respetiva certidão de trânsito em julgado, que se protestou juntar.

45. No que diz respeito ao trânsito em julgado do Acórdão Recorrido, o mesmo foi certificado por certidões judiciais emitidas pelo Tribunal Constitucional e pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que certificaram que o Acórdão Recorrido transitou em julgado no dia 27 de setembro de 2022 (DOCs. ... e ...).

6.6. Breves Alegações

46. O Acórdão Recorrido, para além de contrariar decisões de Tribunais superiores, é uma decisão profundamente errada, do ponto de vista jurídico, uma vez que:

47. Viola o caso julgado formado pelo despacho de recebimento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância, em outubro de 2020, no qual se decidiu que as normas do RGICSF constantes do artigo 209.º, n.ºs 4 a 6 não podiam ser aplicadas retroativamente a este processo e ainda o caso julgado formado pela sentença da 1ª instância, na parte não impugnada quanto à declaração da prescrição das infrações alegadamente praticadas pelos Recorrentes CC, AA, DD e EE antes de Março de 2012;

48. Contraria a própria Acusação do Ministério Público bem como a posição da Entidade Administrativa, que se manifestaram, neste processo, contra essa aplicação retroativa; e

49. Contraria jurisprudência uniforme há muito estabelecida, a qual foi afirmada, por exemplo, nos seguintes arestos de tribunais superiores:

a) Tribunal Constitucional: decisões n.º 227/92, de 17-6-92, proferido no recurso nº 388/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº 418, página 430; n.º 150/94, de 8-2-94, proferido no recurso nº 603/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 434, página 126.

b) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n.º 11/2005, de 3 de Novembro de 2005 (“O princípio da aplicação do regime mais favorável significa, no tocante às normas sobre prescrição, que nenhuma lei sobre prescrição mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos pode ser aplicada, bem como deve ser aplicado retroactivamente o regime prescricional que eventualmente se mostre mais favorável ao infractor.”).

c) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2018, proferido no proc. 736/03.4TOPRT.P2.S1 (“Como este Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo, de forma constante e pacífica, o apuramento do regime mais favorável perante sucessão de leis penais, de acordo com o disposto na primeira parte do n.º 4 do artigo 2º do Código Penal, é feito através do cotejo dos regimes em bloco da lei vigente e da lei pré-vigente ao caso em julgamento, ou seja, pondo em confronto a globalidade daqueles dois regimes e não apenas partes ou segmentos dos mesmos, confronto que há-de ser feito em concreto, isto é, tendo em consideração as circunstâncias específicas do caso em apreciação, visto que o texto legal ao estabelecer que é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável apenas admite a aplicação de um dos regimes.”), e acórdão de 2.04.2010, proferido no proc. 29/10.0YFLSB.S1.

d) Supremo Tribunal Administrativo: decisões de 29/09/2004, proferido no processo n.º 0521/04.

6.7. Sentido em que deve fixar-se a jurisprudência

50. Em face de todo o exposto, deverá fixar-se a seguinte jurisprudência: “As causas de suspensão introduzidas pelo Dec. Lei n.º 157/2014 nos n.ºs 4 a 6 do artigo 209.º RGICSF não podem ser aplicadas a infrações que têm por base factos anteriores ao da entrada em vigor deste diploma legal, por tal ser

contrário ao princípio da aplicação da lei mais favorável, em matéria de sucessão de leis contraordenacionais, no tempo”.

51. Em face do exposto, REQUER-SE que o presente recurso para fixação de jurisprudência seja admitido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 437.º do Código de Processo Penal, sendo concedido prazo, nos termos do n.º 1 do artigo 442.º do CPP ex vi artigo 446.º, n.º 1, do CPP e artigos 232.º do RGICSF e 41.º, n.º 1, do RGCO, para a apresentação de alegações, por escrito, pelos Recorrentes.

3. Notificados os sujeitos processuais interessados foram apresentadas as seguintes respostas:

3.1. Banco de Portugal (transcrição na parte relevante, sem notas de rodapé):

«(…) 2. Em síntese, alega-se nesse requerimento que aqueles acórdãos transitaram ambos em

julgado, foram proferidos no domínio da mesma legislação e decidiram de forma oposta a mesma questão de direito que, na perspetiva dos Recorrentes, consiste no “alargamento ou dilação do prazo prescricional do procedimento contra-ordenacional, ocorrida por modificação legislativa ocorrida no decurso de tal prazo” (cfr. ponto 27 do requerimento de recurso).

3. Requerendo-se, a final, que seja fixada a seguinte jurisprudência: As causas de suspensão introduzidas pelo Dec. Lei n.º 157/2014 nos n.ºs 4 a 6 do artigo 209.º RGICSF não podem ser aplicadas a infrações que têm por base factos anteriores ao da entrada em vigor deste diploma legal, por tal ser contrário ao princípio da aplicação da lei mais favorável, em matéria de sucessão de leis contraordenacionais, no tempo (cfr. ponto 50 do requerimento de recurso).

4. Não se pode deixar de notar que, como os Recorrentes referem, em 26 de setembro de 2022, interpuseram, à cautela1, recurso em tudo semelhante ao que ora se responde, que não foi admitido, por despacho do Tribunal da Relação, proferido em 23 de outubro de 2022.

5. Ora, na data em que submete a presente resposta, ao Banco de Portugal foi dado conhecimento que os Recorrentes vieram reclamar daquele despacho para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 405.º do CPP, peticionando a admissão do recurso que interpuseram em 26 de setembro de 2022.

6. Ou seja, em último cenário – que não se concede mas não se pode deixar de gizar – a serem admitidos aquela reclamação e o presente recurso, o Supremo Tribunal de Justiça ver-se-ia na virtualidade de apreciar dois recursos idênticos na sua substância. Pelo que, só se pode depreender que o presente recurso terá, ele também, sido interposto à cautela da sobredita reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não proceder.

7. Como decorre da aplicação conjugada dos artigos 439.º, n.º 1, 441.º, n.º 1, e 442.º, n.º 1, todos do CPP, a presente resposta deve incidir apenas sobre os pressupostos – formais e substanciais – de admissibilidade do presente recurso, sendo apenas esse o escopo da presente resposta – por assim ser de direito, e em prol da eficiência e celeridade processuais.

8. Aliás, nos termos conjugados dos artigos 438.º, n.º 2, 440.º, n.º 3, 441.º, n.º 1, e 442.º, n.º 2, todos do CPP, nem se compreende o alcance dos pontos 157 a 185 do requerimento sob resposta (pp 43 a 50), que ensaiam umas “Breves Alegações”.

9. Não obstante, pretende o Recorrido manifestar, desde já, e de forma expressa, que, caso o recurso a que ora se reponde não venha a ser rejeitado, o que, por tudo quanto se dirá, não se admite, e apenas por cautela de patrocínio se equaciona, pretende apresentar alegações escritas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 442.º do CPP.

10. Assim, e como se passará a demonstrar, a inadmissibilidade legal do recurso sob resposta é óbvia e manifesta.

II. DO TRÂNSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO RECORRIDO

11. O recurso para fixação de jurisprudência – como o é o presente caso – é um recurso extraordinário e, como tal, visa a impugnação de decisão judicial já transitada em julgado, visando, portanto, a revogação do caso julgado.

12. Nesta medida, o regime do presente recurso apresenta especificidades e, no que toca ao regime de interposição, efeito e processamento, regem as normas previstas nos artigos 437.º a 445.º do CPP.

13. Conforme resulta da lei e da jurisprudência constante e uniforme deste Tribunal, a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação de um conjunto de pressupostos – uns de natureza formal e outros de natureza substancial.

14. Entre os pressupostos de natureza formal, destaca-se a necessidade da verificação do trânsito em julgado dos dois acórdãos em conflito (cfr. artigos 437.º, n.º 4 e 438.º, n.º 1, ambos do CPP) e a interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar – acórdão recorrido (cfr. artigo 438.º, n.º 1 do CPP).

15. Neste âmbito, dúvidas parecem não existir quanto ao trânsito em julgado do Acórdão Fundamento, de 13 de maio de 2004 (cfr. certidão que os Recorrentes protestam juntar).

16. Quanto ao Acórdão Recorrido, defendem os Recorrentes que é forçoso concluir que

transitou em julgado no dia 27 de setembro de 2022 e que, nessa medida, o prazo previsto no artigo 446.º, n.º 1 do CPP, terminou no transato dia 27 de outubro de 2022 (cfr. pontos 19 e 26 do requerimento de recurso sob resposta, respetivamente).

17. De acordo com a sua nota prévia, os Recorrentes sustêm este seu entendimento em quatro elementos, a saber:

a) uma certidão emitida pelo Tribunal Constitucional, no dia 27 de setembro de 2022 (cfr. ponto 12);

b) a decisão singular proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 11 de outubro de 2022, nos autos de processo em que foi proferido o Acórdão Recorrido (cfr. ponto 13 a 16);

c) uma certidão emitida pela secretaria do Tribunal da Relação de Lisboa, no dia 19 de outubro de 2022, (cfr. pontos 17 e 18), e

d) a decisão singular proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 23 de outubro de 2022, nos autos de processo 127/19.5YUSTR.L1-G (cfr. ponto 20).

Vejamos:

18. A certidão emitida pelo Tribunal Constitucional, no dia 27 de setembro de 2022, atesta,

única e somente, que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 546/2022, transitou em julgado em 27 de setembro de 2022.

19. De facto, os Recorrentes interpuseram recurso ordinário do Acórdão Recorrido para o Tribunal Constitucional que, pela Decisão Sumária n.º 496/2022, de 15 de julho de 2022, decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso, com fundamento na sua intempestividade.

20. Aquela decisão sumária foi, posteriormente, confirmada pelo Acórdão n.º 546/2022 do Tribunal Constitucional, de 29 de agosto de 2022, bem como pelo Acórdão n.º 620/2022 do Tribunal Constitucional, de 27 de setembro de 2022, que indeferiu, nomeadamente, as nulidades assacadas ao Acórdão n.º 546/2022 pelos demais recorrentes, mais considerando que, com a prolação do mesmo, se considerava transitado em julgado aquele Acórdão – ou seja, em 27 de setembro de 20222.

21. Ou seja, a certidão em causa apenas dá fé da data do trânsito em julgado do Acórdão n.º 546/2022 do Tribunal Constitucional, de 29 de agosto de 2022, não representando qualquer reconhecimento, confirmação ou certificação, por parte daquele Colendo Tribunal, de que o Acórdão Recorrido transitou em julgado no dia 27 de setembro de 2022 (cfr. pontos 11 e 24 do requerimento de recurso sob resposta).

2 Por despacho do Tribunal Constitucional, de 11 de outubro de 2022, foi também totalmente desatendida, quer a pretensão dos demais recorrentes de, após a prolação do Acórdão n.º 546/2022, convocarem, através do Presidente do Tribunal Constitucional, a intervenção do plenário, ao abrigo do disposto no artigo 79.º-A da LOTC, quer a nulidade daquele aresto, assacada a título subsidiário.

22. Quanto à decisão singular proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 11 de outubro de 2022, em que foram consideradas improcedentes as prescrições do procedimento contraordenacional invocadas – nomeadamente, pelos Recorrentes –, refira-se que da mesma vieram os ora Recorrentes reclamar para a conferência daquele Venerando Tribunal que, por recente Acórdão de 9 de novembro de 2022, declarou manifestamente infundado o incidente suscitado e determinou a sua tramitação em separado, mais determinando a baixa dos autos ao tribunal de primeira instância.

23. Nesta medida, não tendo aquela decisão ainda transitado na ordem jurídica, por própria ação dos aqui Recorrentes, ao contrário do que aqueles invocam, nada está decidido quanto ao trânsito em julgado do Acórdão Recorrido (cfr. ponto 24 do requerimento de recurso sob resposta).

24. No que respeita à certidão emitida pela secretaria do Tribunal da Relação de Lisboa, no

dia 19 de outubro de 2022, refira-se, antes do mais, que se trata de um ato da secretaria daquele tribunal, de que o Banco de Portugal não foi anteriormente notificado – pelo que sobre o mesmo não teve oportunidade de se pronunciar.

25. De resto, conjugando o texto daquela certidão, nomeadamente o trecho do qual consta que: “[a]pós, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que o acórdão transitou em julgado em 27-09-2022, conforme Acórdão n.º 620/2022 do Tribunal Constitucional”, com o que acima ficou dito, nomeadamente que, aquele Acórdão n.º 620/2022 considerou que, com a sua prolação – em 27 de setembro de 2022 –, se considerava transitado em julgado o Acórdão n.º 546/2022 do Tribunal Constitucional, de 29 de agosto de 2022;

26. Não se pode ter por consequente outra interpretação que não seja a de que, o acórdão [que] transitou em julgado em 27-09-2022, conforme Acórdão n.º 620/2022 do Tribunal Constitucional, foi o Acórdão n.º 546/2022 do Tribunal Constitucional, de 29 de agosto de 2022, e não o Acórdão Recorrido.

27. Por fim, quanto à decisão singular proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 23 de outubro de 2022, nos autos de processo 127/19.5YUSTR.L1-G, retiram os Recorrentes que “em coerência com a anterior Decisão singular de 11 de Outubro de 2022, (...) o Excelentíssimo Juiz Desembargador Relator não admitiu o anterior recurso extraordinário” (cfr. ponto 20 do requerimento de recurso sob resposta).

28. Constata-se, porém, que percorrida aquela decisão, nada é referido quanto à concreta data do trânsito em julgado do Acórdão Recorrido.

29. O que vem referido naquela decisão é justamente que, por razões de previsibilidade, estabilidade e segurança, no firmamento da data do trânsito em julgado, uma decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou reclamação.

30. Sucede que, no caso em apreço, como acima se referiu, o Tribunal Constitucional, mais do que não se ter pronunciado pela inconstitucionalidade de quaisquer das normas ou respetiva interpretação operada pelo Acórdão Recorrido, decidiu não tomar conhecimento do objeto dos recursos interpostos pela CEMG e demais Recorrentes, com fundamento na sua intempestividade.

31. Nessa medida, não sendo mais suscetível recurso ordinário do Acórdão Recorrido, nos termos do disposto no artigo 75.º do Regime Geral das Contraordenações, e não tendo os recursos para o Tribunal Constitucional sido admitidos, não operou, s.m.o., o efeito suspensivo previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

III. DA FALTA DE OPOSIÇÃO ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E O ACÓRDÃO

FUNDAMENTO

32. Sem prejuízo do que acima se expôs, o requerido recurso extraordinário não preenche os pressupostos de natureza substancial dos quais depende a sua admissibilidade.

33. Sendo o recurso para fixação de jurisprudência um recurso excecional, com tramitação especial e autónoma, o seu objetivo primordial é a estabilização e a uniformização da jurisprudência, com vista a eliminar conflitos originados por duas decisões opostas proferidas sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.

34. Além daqueles dois requisitos, que resultam diretamente da lei, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de forma uniforme e pacífica, considera ainda a necessidade da identidade essencial da situação de facto de ambos os acórdãos em confronto.

35. Entendem os Recorrentes pela identidade da questão de direito, a saber: o alargamento ou dilação do prazo prescricional do procedimento contra-ordenacional, ocorrida por modificação legislativa ocorrida no decurso de tal prazo (cfr. ponto 117 do requerimento de recurso);

36. Tratada no domínio da mesma legislação, isto é, a aplicação do mesmo diploma legal – o RGCO (cfr. ponto 148 do requerimento de recurso);

37. Em que a solução jurídica dada para a mesma questão jurídica – pelo Acórdão Recorrido

e pelo Acórdão Fundamento – é radicalmente oposta (cfr. ponto 35 do requerimento de recurso).

38. Na visão dos Recorrentes, o Acórdão Recorrido decide em total oposição ao Acórdão  Fundamento, uma vez que, no Acórdão Fundamento, face a uma alteração por dilatação do prazo global prescricional, se entendeu que “constituía uma sucessão de leis no tempo sujeita ao princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido, aplicando expressamente o artigo 3.º, n.º 2 do RGCO” (cfr. ponto 33 do requerimento de recurso).

39. E, no Acórdão Recorrido, se entender que não se está perante “(...) um caso de sucessão

de leis penais no tempo, pelo que não estamos no âmbito do artigo 29.º, n.º 4 da CRP ou do artigo 3.º, n.º 1 do RGCO, mas antes do disposto no artigo 5.º do Código de Processo Penal e do artigo 32.º da Constituição” (cfr. ponto 34 do requerimento de recurso).

40. Sucede que, para que exista uma oposição relevante entre julgados, é necessário que os

acórdãos tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação e haja um conflito, ao resolver o mesmo problema de direito, dando soluções opostas.

41. Ora, percorrido o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido a 13 de maio de 2004, verificamos que na situação em causa está a ser analisada uma contraordenação laboral, sendo que os factos a que respeita a infração se reportam a 4 de dezembro de 2000.

42. Ao tempo vigorava, no que tange à prescrição do procedimento, a redação do artigo 27.º do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de fevereiro, na versão que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 244/95, de 14 de setembro, que estabelecia dois prazos de prescrição:

um, de dois anos, para as contraordenações a que fosse aplicável uma coima de valor

superior a 750.000$00 e outro, de um ano, para os restantes casos.

43. Sucede que tal previsão normativa foi alterada pela Lei n.º 109/2011, de 24 de dezembro, que veio aumentar o prazo de prescrição de dois anos para três anos, criando um terceiro escalão.

44. Por seu turno, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 2 de dezembro de 2021, versa sobre contraordenações previstas no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (“RGICSF”), sendo que nas pp. 2003 a 2016 daquele aresto é analisado se ocorreu a prescrição de alguma das infrações em que, nomeadamente, os ora Recorrentes foram condenados, atendendo à entrada em vigor em 23 de novembro de 2014, do Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro de 2014.

45. Comparando a situação em causa no Acórdão Fundamento com a situação em análise no Acórdão Recorrido verificamos, desde logo, que os acórdãos não foram proferidos no domínio da mesma legislação, pois num caso estamos perante uma contraordenação laboral e no outro perante contraordenações previstas e punidas pelo RGICSF. Logo, o substrato factual também nunca pode ser o mesmo.

46. Com efeito, e conforme preconizado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de janeiro de 2017, processo n.º 895/14.DPGLSB.L1-A.S15, não se verifica uma oposição relevante de julgados, visto que só se está perante a mesma questão de direito, “quando se recorra às mesmas normas, reclamadas para aplicar a uma certa situação fáctica, e elas forem interpretadas de modo diferente”.

47. Além do mais, invocam os Recorrentes que se trata da mesma questão de direito, pois em ambos os Acórdãos se verifica uma sucessão de leis com dilação ou alargamento do prazo de prescrição.

48. Ora, se do Acórdão Fundamento parece resultar uma sucessão de leis no tempo com a alteração dos prazos de prescrição do procedimento contraordenacional, e respetiva ampliação;

49. Já no Acórdão Recorrido o que se verifica é que, perante a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 157/2014, há uma ampliação do prazo de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional relativo às infrações previstas no RGICSF, sendo que, à data de tal entrada em vigor, não tinha ainda decorrido o prazo de prescrição contado do termo das condutas ilícitas imputadas.

50. Assim, verifica-se que não estamos perante a mesma questão de direito.

51. Aliás, tal como cabalmente esclarece o próprio Acórdão Recorrido, não se está perante um caso de sucessão de leis penais no tempo, pelo que não estamos no âmbito do artigo 29.º, n.º 4 da CRP ou do artigo 3.º, n.º 1 do RGCO, mas antes do disposto no artigo 5.º do Código de Processo Penal e do artigo 32.º da Constituição, pois o preceito não incide sobre o instituto da prescrição em si mesmo, antes apenas estabelece a suspensão da contagem de um prazo pré-existente e não utiliza o que entretanto passou.

52. Neste sentido, vide também a recente jurisprudência do Tribunal Constitucional: Acórdãos n.º 660/2021, de 29 de julho de 2021, e n.º 798/2021, de 21 de outubro de 2021.

53. Facilmente se conclui do Acórdão Recorrido, que o Tribunal da Relação de Lisboa nem sequer se confrontou com uma questão de escolha do regime mais favorável às contraordenações, resultante de sucessão de leis no tempo, com incidência sobre o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.

54. Assim, e contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, não há coincidência entre a questão de direito conhecida no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento pelo que os mesmos não acolhem soluções antagónicas da mesma questão fundamental de direito.

55. Só pode “[c]onclui[r]-se, assim, estarmos perante normas diferentes, aplicadas a situações de facto diferentes, que chegaram a conclusões diferenciadas, pelo que não se verifica a necessária oposição de julgados”.

56. Em face do exposto, só se pode concluir que não foi afrontada a solução ditada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão de 13 de maio de 2004, inexistindo qualquer oposição de julgados entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento, pelo que sempre será de rejeitar o presente recurso, por falta dos pressupostos substanciais da sua admissibilidade.

(…)
a) Deve ser rejeitado o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto por AA e BB, por não ser admissível, nem se verificar oposição de julgados, nos termos do disposto nos artigos 440.º, n.ºs 3 e 4, e 441.º, n.º 1, todos do CPP; (…)».

3.2. Ministério Público (transcrição):

«Afigura-se-nos que, ressalvado o devido respeito por diversa e melhor opinião, não colhem manifestamente as razões aduzidas pelos recorrentes.

O Ministério Público, acompanha na íntegra as doutas alegações apresentadas pelo Banco de Portugal, cujo teor dá aqui por integralmente reproduzido para os legais efeitos.

De todo o modo sempre se dirá que, contrariamente ao alegado pelos recorrentes, nomeadamente do entendimento preconizado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de março de 2021, não deve o presente recurso extraordinário ser admitido, por intempestividade, nos termos do artigo 438.º, n.º 1 do CPP.

Por seu turno, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, não há coincidência entre a questão de direito conhecida no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento, pelo que os mesmos não acolhem soluções antagónicas da mesma questão fundamental de direito.

Em face do exposto, é de concluir que não se verifica oposição de julgados entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento, inexistindo qualquer violação da jurisprudência proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão de 13 de maio de 2004, no âmbito do processo de recurso n.° 838/04, pelo que sempre é de rejeitar o presente recurso, por falta dos pressupostos substantivos da sua admissibilidade.

Assim, salvo o devido respeito, consideramos que não assiste razão aos recorrentes, pois a nosso ver não só o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto por AA e BB é intempestivo, nos termos do artigo 438.º, n.º 1 do CPP; como também não é admissível, nem se verifica oposição de julgados, nos termos do disposto nos artigos 440.º, n.ºs 3 e 4, e 441.º, n.º 1, todos do CPP, devendo em qualquer das situações ser rejeitado o recurso.

Termos em que se conclui pela não verificação dos requisitos legais previstos no art.º 437º do Cód. de Processo Penal, por não existir identidade das situações de facto subjacentes a cada um dos acórdãos.

Em suma, não estamos perante dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas. O que determina a rejeição do recurso, por inadmissibilidade legal, nos termos dos art°s. 440º n.ºs 3 e 4, e 441º n.º 1, todos do Cód. de Processo Penal».

4. Na vista a que se refere o art. 440.º/1 CPP, o Ministério Público sustentou, entre o mais, o seguinte:

«É extemporânea a interposição do presente recurso para fixação de jurisprudência; Não há oposição de julgados; Motivo por que deve ser rejeitado (cfr, arts. 414º/2, 420º/1-b), 437º/1 e 441º/1 do Código de Processo Penal)».

5. Responderam AA e BB sustentando a tempestividade do recurso; que os acórdãos, fundamento e recorrido, foram proferidos sob o mesmo quadro legislativo, constante do art. 3.º/2, do RGCO; a igualdade entre a questão jurídica colocada no acórdão fundamento e a colocada no acórdão recorrido e, finalmente, a diversidade da solução jurídica.

6. Colhidos os vistos e após conferência cumpre decidir, decisão que na fase preliminar do recurso se circunscreve a aquilatar da sua admissibilidade ou rejeição (art. 441.º, CPP).

II.

1. Os arts. 437.º/1/2/3 e 438.º/1/2, do CPP, assim como a jurisprudência pacífica deste STJ (PEREIRA MADEIRA, Código de Processo Penal, Comentado, 2021, p. 1402), fazem depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência dos seguintes pressupostos:

a) Formais:

1.1. Legitimidade do recorrente;

1.2. Interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido;

1.3. Identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão fundamento), com menção do lugar da publicação, se publicação houver;

1.4. Trânsito em julgado do acórdão fundamento.

b) – Substanciais:

1.5. Que os acórdãos respeitem à mesma questão de direito;

1.6. Sejam proferidos no domínio da mesma legislação;

1.7. Assentem em soluções opostas a partir de idêntica situação de facto;

1.8. Que as decisões em oposição sejam expressas.

2. Quanto a estes dois últimos requisitos - soluções opostas a partir de idêntica situação de facto; decisões em oposição expressas -, constitui jurisprudência assente deste Supremo Tribunal que só havendo identidade de situações de facto nos dois acórdãos é possível estabelecer uma comparação que permita concluir, quanto à mesma questão de direito, que existem soluções jurídicas opostas, bem como é necessário que a questão decidida em termos contraditórios seja objeto de decisão expressa, isto é, as soluções em oposição têm de ser expressamente proferidas (ac. STJ 30.01.2020, proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1, 5.ª, ac. STJ 11.12.2014, proc. 356/11.0IDBRG.G1-A.S1 – 5.ª) acrescendo que, de há muito, constitui também jurisprudência pacífica no STJ que a oposição de soluções entre um e outro acórdão tem de referir-se à própria decisão, que não aos seus fundamentos (ac. STJ 30.01.2020, proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1, 5.ª, ac. de 13.02.2013, Proc. 561/08.6PCOER-A.L1.S1).

3. Os requerentes AA e BB, condenados pelo acórdão recorrido, têm legitimidade e interesse em agir (arts. 401.º/1/b, e 437.º/5, CPP).

4. Em tema de tempestividade do recurso, vamos aceitar, por comodidade de argumentação, que o mesmo é tempestivo.

5. No requerimento de interposição do recurso os recorrentes identificam o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão fundamento), mencionando o lugar da publicação e data do respetivo trânsito em julgado (30.09.2021), circunstância relevante e que não resulta da mera consulta do sítio eletrónico onde se encontra publicado.

6. Os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência são, como vimos, (1) que os acórdãos respeitem à mesma questão de direito; (2) sejam proferidos no domínio da mesma legislação;(3) assentem em soluções opostas a partir de idêntica situação de facto; (4), finalmente, que as decisões em oposição sejam expressas.

7. Em ordem a aquilatar da verificação dos requisitos substanciais vejamos o percurso argumentativo dos dois acórdãos:

7.1. Acórdão fundamento [proferido em 13.05.2004, pelo TRC] foi decidido o seguinte:

«2.1 – Os factos a que respeita a infracção aqui noticiada reportam-se a 4 de Dezembro de 2000.

Ao tempo vigorava, no que tange à prescrição do procedimento por contra-ordenação, a redacção do art. 27º do DL. 433/82, de 27 de Fevereiro, na versão que lhe foi dada pelo DL. 244/95, de 14/9, que estabelecia dois prazos para o efeito: um, de dois anos para as contra-ordenações a que fosse aplicável uma coima de valor superior a 750.000$00; outro, de um ano para os restantes casos.

Tal previsão normativa foi alterada pela Lei 109/2001, de 24/12, que dilatou o falado prazo de dois anos para três anos, criando um terceiro escalão.

Pretexta a recorrente que, tendo a Lei 99/2003, de 27/8, (que aprovou o Código do Trabalho), entrado em vigor em 1.12.2003, e revogado a legislação ao abrigo da qual a arguida foi administrativamente sancionada, correspondendo-lhe, na nova Codificação, uma moldura sancionatória mais favorável, deverá ser esta a aplicável. E assim, considerando que a infracção imputada constitui ora uma contra-ordenação apenas grave (versus muito grave na legislação revogada), punível, como no caso, com uma coima entre 15 e 40 UC’s, o prazo de prescrição é o da alínea b) do art. 27º do DL. 433/82, na versão anterior à Lei n.º 109/2001, de 24/12, ou seja, um ano. Pelo que, considerando o teor dos Acórdãos do S.T.J., n.ºs 6/2001 e 2/2002, e visto o mais referido quanto às notificações da decisão administrativa e do despacho de admissão do recurso da mesma interposto, decorreu já o prazo de prescrição de um ano e meio antes de ocorrer a respectiva suspensão, pelo que a prescrição se verificou em 4.6.2002, a não ser que tenha havido suspensão, cujo tempo teria de ser ressalvado...o que no caso não aconteceu.

Salvo o devido respeito, não se verificou esta excepção, falhando de todo a razão à Recorrente. Com efeito:

Sendo fora de dúvida que a arguida sempre beneficiará do princípio, relativo à sucessão dos regimes sancionatórios no tempo (segundo o qual a lei vigente à data da prática do facto for posteriormente modificada se aplicará a lei mais favorável ao arguido – art. 3º/2 do RGCO, 'ex vi' do art. 615º do Código do Trabalho) e sendo, por isso, certo – e independentemente do mais – que a moldura sancionatória relevante é a acima já falada de 15 a 40 UC’s, a solução por si preconizada não se nos afigura, todavia, sufragável, com o devido respeito, como sucintamente vamos demonstrar.

A ponderação e opção pelo regime mais favorável, quanto ao ponto em apreciação, (: a sucessão da lei relativa aos prazos prescricionais do procedimento contra-ordenacional), constitui uma questão temporalmente delimitada e não pode deixar de considerar-se no contexto global do quadro normativo em vigor ao tempo da prática do facto em cotejo com a sobrevinda modificação legal.

Ou seja – dito de outro modo talvez mais claro – a escolha do regime da prescrição há-de fazer-se entre o regime que vigorava aquando da consumação da infracção e o que se lhe sucede, o da lei posteriormente modificada, sendo aplicável o que for considerado globalmente mais favorável.

Coloca-se assim entre a redacção do art. 27º do DL. 433/82, vigente ao tempo, (Dezembro de 2000) e a que lhe foi dada em finais de 2001, pela Lei n.º 109/2001.

E considerando, necessariamente, o correspondente enquadramento normativo, maxime o regime de punição então em vigor.

Deste modo, e visto que a coima aplicável ao caso ultrapassava largamente o montante máximo aí previsto (750.000$00), a prescrição do procedimento seria a prevista na alínea a) do art. 27º: dois anos.

Se atentarmos na circunstância de ao tempo se não poder contar com o ‘apport’ trazido posteriormente, de forma impositiva, pelos Acórdãos do S.T.J., n.ºs 6/2001 e 2/2002 (in D.R., I Série-A, de 30.3.01 e de 5.3.02, respectivamente), sempre se imporá concluir que o regime da lei nova e ora vigente será o mais favorável...independentemente de se nos afigurar que, em qualquer dos cenários, (dois ou três anos, nas versões do art. 27º antes e depois da Lei 109/2001), não transcorreu ainda o prazo da prescrição.

Destarte – e porque se trata, 'in casu', de uma contra-ordenação a que é aplicável uma coima de valor superior a 2.493,99 Euros – o procedimento só se extinguirá, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática da infracção hajam decorrido os três anos do prazo normal, acrescido de mais metade, com ressalva do tempo de suspensão, que não pode ultrapassar seis meses – arts. 27º, b), 27º-A, n.º2 e 28º, n.º3, todos do DL. 433/82, na redacção da falada Lei n.º 109/2001.

Não pode, pois, aproveitar-se duplamente do princípio da sucessão e aplicação da lei no tempo, com o alcance pretendido pela recorrente: a circunstância de se ter modificado posteriormente a lei relativa ao regime sancionatório não contende com o quadro normativo vigente, ao abrigo do qual se determinou o regime prescricional, cuja lei não sofreu alteração.

Ou seja: à consideração do regime prescricional mais favorável – que não foi objecto de qualquer alteração e cujos pressupostos se estabilizaram antes – irreleva de todo a circunstância da posterior alteração da moldura sancionatória ou de punição».

7.1.1. No acórdão fundamento a questão de direito decidida, na parte que aqui releva, foi a da «prescrição do procedimento por contra-ordenação», concretamente a aplicação «do art. 27º do DL. 433/82, de 27 de Fevereiro, na versão que lhe foi dada pelo DL. 244/95, de 14/9» ou na versão «alterada pela Lei 109/2001, de 24/12». O regime substantivo sancionatório aplicado foi o DL 421/83, e o Código do Trabalho.

7.1.2. O caso da vida real tratado tinha a ver com a aplicação de uma coima pelo IDICT por violação das regras relativas ao registo das horas de trabalho suplementar (art. 10.º/1, DL 421/83), por parte de uma agência bancária.

7.2. No acórdão recorrido [proferido em 02.12.2021 pelo TRL] foi decidido o seguinte (transcrição parcial, omitindo a nota 29, por irrelevante, no caso):

«III.5.2.7. APRECIAÇÃO GLOBAL.

Importa agora apurar se ocorreu a prescrição de alguma das infracções em que os ora Recorrentes foram condenados. Em face de todas as supra mencionadas circunstâncias conjugadas com a subsequentes notificações de despachos/decisões aos ora Recorrentes, e admitindo que o regime substantivo sancionatório aplicável às infracções previstas no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) seja o vertido anterior à versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24/10, importa considerar que prazo de prescrição a tomar em consideração no tratamento da questão suscitada nestes autos é, pois, o de cinco anos, sucessivamente interrompido, face ao disposto no n.º 1 do artigo 209.º desse diploma e 28º do RGCO. Atenta a restrição do efeito pleno da interrupção operada no n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, há que se fazer intervir a limitação aí prevista que impõe a adição de apenas metade do prazo da prescrição. Temos, assim, por força deste quadro fáctico e normativo, a conversão do prazo relevante para sete anos e meio. Porém, o legislador determinou que se ressalvasse, na contagem, o tempo de suspensão – cf. o referido n.º 3. Ora, no caso em apreço, ocorreu um facto suspensivo, subsumível ao disposto na al. c) do n.º 1 do art. 27.º-A do RGCO: foi proferida decisão que procedeu ao exame liminar do recurso da decisão administrativa («Os Recorrentes foram notificados do despacho que procedeu ao exame preliminar da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa mediante expediente enviado ao Ilustre Advogado via citius em 15.04.2021»). A este respeito, esclareceu o Supremo Tribunal de Justiça com intuito de fixação de jurisprudência, através do seu Acórdão de 13.01.2011 (processo n.º 401/07.3TBSR-A.C1-A.S1, in http://www.dgsi.pt), que: “a suspensão do procedimento por contra-ordenação cuja causa está prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, inicia-se com a notificação do despacho que procede ao exame preliminar da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa e cessa, sem prejuízo da duração máxima imposta pelo n.º 2 do mesmo artigo, com a última decisão judicial que vier a ser proferida na fase prevista no Capítulo IV da Parte II do Regime Geral das Contra-Ordenações. O referido capítulo, sob a epígrafe «Recurso e processo judiciais», abrange também os arts. 73.º a 75.º, que regulam o recurso em 2.ª instância. Sendo a presente decisão proferida nessa fase, ainda estaria suspenso o prazo por força de tal disposição, apenas assim não sucedendo porque há que atender à limitação do prazo de suspensão ali previsto, pois o n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO não permite que a suspensão ultrapasse seis meses. Adicionando o prazo de seis meses aos mencionados sete anos e meio, teríamos um prazo de prescrição global de oito anos. Tal prazo de prescrição seria depois acrescido da suspensão supra mencionada de 160 dias, determinada por força do “lock down” decretado em virtude da pandemia, que já vimos ser aplicável, e levaria a que se considerasse decorrido tal prazo e extinto o procecimento contra-ordenacional relativo às infracções com termo até março de 2013, em virtude de se ter completado tal prazo no passado mês de agosto (antes, pois da redistribuição dos autos) e bem assim à infracção praticada com termo em abril de 2013, por se ter completado o mesmo no mês de Setembro (escassos dias após a redistribuição dos autos). Porém, sucede que no decurso do prazo de prescrição de qualquer uma das infracções imputadas previstas no RGICSF entrou em vigor em 23.11.2014, o Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24.10.2014. Tal diploma foi publicado na sequência da crise financeira ocorrida nos anos anteriores à sua publicação, crise que pôs em causa a confiança necessária à actividade bancária - pois é com base nela que todo o sistema funciona – por força das inúmeras falhas, designadamente de natureza humana, que foram, então, assinaladas. Tal crise, mais do que nunca, destacou a importância central do papel do sector bancário, gerada pela “bancarização das economias hodiernas” que “implica que, mais do que nunca, sejam garantidas as condições de segurança dos fundos confiados pelos depositantes e a sua boa gestão” e levou a uma intensa produção normativa, designadamente a nível da União Europeia, que determinaram um reforço e um endurecimento dos poderes regulatórios no âmbito da actividade bancária. As diversas iniciativas que tiveram lugar no plano internacional para o reforço do sistema financeiro culminaram com a publicação, por parte do Comité de Basileia de Supervisão Bancária, de um conjunto de medidas visando a densificação do quadro regulamentar prudencial aplicável às instituições de crédito, designado por quadro regulamentar de Basileia III. No contexto daquelas iniciativas internacionais, importa mencionar, ao nível da União Europeia, o Grupo de Alto Nível sobre a Supervisão Financeira, que convidou a União Europeia a desenvolver um conjunto mais harmonizado de medidas de regulação financeira. Neste contexto, o Conselho Europeu sublinhou também a necessidade de estabelecer um conjunto único de regras europeias aplicáveis a todas as instituições de crédito e empresas de investimento. A Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (Diretiva n.º 2013/36/UE), e o Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (Regulamento (UE) n.º 575/2013), passaram então a constituir o enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade das instituições de crédito e que estabelece o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. A Diretiva n.º 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.º 575/2013 implementam na União Europeia o quadro regulamentar de Basileia III, substituindo a Diretiva n.º 2006/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e ao seu exercício (Diretiva n.º 2006/48/CE), e a Diretiva n.º 2006/49/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativa à adequação dos fundos próprios das empresas de investimento e das instituições de crédito, que haviam já sido sujeitas, nos últimos anos, a diversas alterações. Pode ler-se nos Considerandos da Diretiva em causa que: “(…)

(51) A crise financeira demonstrou as ligações existentes entre o setor bancário e o denominado "sistema bancário paralelo" ("shadow banking"). Algumas atividades do sistema bancário paralelo são úteis para separar os riscos do setor bancário, evitando assim eventuais repercussões negativas sobre os contribuintes e impactos sistémicos. Todavia, uma perceção mais cabal das operações do sistema bancário paralelo e das suas ligações às entidades do setor financeiro e uma regulamentação mais estrita que assegure a transparência, a redução do risco sistémico e a eliminação de práticas inadequadas são elementos necessários à estabilidade do sistema financeiro. A apresentação de relatórios adicionais pelas instituições pode contribuir em parte para o efeito, mas será também necessária uma nova regulamentação específica.

(52) Para recuperar a confiança dos cidadãos da União no setor financeiro, é essencial um aumento da transparência das atividades das instituições, especialmente no que se refere aos lucros obtidos, aos impostos pagos e aos subsídios recebidos. Consequentemente, a obrigatoriedade de apresentação de relatórios neste domínio pode ser considerada um importante elemento da responsabilidade social das instituições perante os interessados e a sociedade em geral.

(53) As deficiências em matéria de governo das sociedades num certo número de instituições contribuíram para a assunção de riscos excessivos e imprudentes no setor bancário que levaram ao fracasso de algumas instituições e a problemas sistémicos nalguns Estados-Membros e a nível mundial. As disposições de caráter genérico sobre o governo das instituições e o caráter não vinculativo de uma parte substancial do regime de governo das sociedades, essencialmente baseado em códigos de conduta facultativos, não facilitaram suficientemente a aplicação efetiva de boas práticas de governo pelas instituições. Em certos casos, a falta de um equilíbrio de poderes eficaz dentro das instituições teve como consequência uma falta de supervisão efetiva da tomada de decisões de gestão, o que exacerbou estratégias de gestão de curto prazo e excessivamente arriscadas. O papel pouco claro das autoridades competentes na supervisão dos sistemas de governo das instituições não permitiu uma supervisão suficiente da eficácia dos processos de governo interno. 27.6.2013 Jornal Oficial da União Europeia L 176/343 PT

(54) Para prevenir repercussões potencialmente negativas de sistemas de governo das sociedades inadequadamente concebidos numa gestão adequada dos riscos, os Estados-Membros deverão introduzir princípios e normas destinados a garantir uma supervisão efetiva pelo órgão de administração, promover uma sólida cultura de risco a todos os níveis das instituições de crédito e empresas de investimento e permitir que as autoridades competentes supervisionem a adequação dos sistemas internos de governo das sociedades. Esses princípios e normas deverão ser aplicados tendo em conta a natureza, escala e complexidade das atividades de cada instituição. Os Estados- -Membros deverão poder impor princípios e normas de governo das sociedades além dos requeridos pela presente diretiva.(…)”. (o destacado é nosso). O Dec. Lei n.º 157/2014 já mencionado, publicado no uso da autorização legislativa da Lei n.º 64/2014, de 28.07, procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva n.º 2013/36/UE, introduzindo no ordenamento jurídico nacional as alterações necessárias à implementação das normas previstas na mesma, respeitando assim os compromissos assumidos pelo Estado Português nesta matéria. Procurou-se tornar o regime sancionatório previsto no Regime Geral mais adequado e eficiente, introduzindo algumas alterações no mesmo com o intuito de contribuir para a agilização do processo de contraordenação e ao robustecimento do poder interventivo do Banco de Portugal, sem contudo prejudicar os direitos e as garantias de defesa do arguido, em linha com os referidos diplomas europeus (30).

(30) A este propósito, pode ler-se no Acórdão proferido em 11.09.2019 por este Tribunal da Relação no âmbito do apenso “C”, que “evolução legislativa” indica “a maior e especial preocupação do legislador em fazer convergir o direito nacional com o direito da União Europeia e em conferir maior eficácia e celeridade ao processo de contra-ordenação, como aliás é anunciado no preâmbulo do DL 157/2014 (RGICSF) e no qual o efeito do recurso de impugnação judicial se mostra essencial meio de atingimento desses desideratos. Daqui que, na falta de norma expressa e mostrando-se claramente compatível, não só com os princípios gerais do RGCO e do RGICSF, como em absoluta consonância com a finalidade pretendida e expressa pelo legislador no citado Art.º 228.°-A do RGICSF sobre o efeito do recurso, se terá de convocar, por via subsidiária, tal como propôs o Ministério Público, o regime do Art.º 414.°/1 do CPPenal (ex vi Art.º 41.°/1 do RGCO e Art.º 232.º do RGICSF), ou seja, não só a organização dos Art.ºs 228.° a 232.° do RGICSF, como a dos Art.ºs 62.º a 72.º do RGCO assim o indicam, como, sob pena de se fazer letra morta do preceito eventualmente aplicável do Art.º 228.°-A do RGICSF, tem de se entender que o tribunal no despacho de admissão do recurso de impugnação judicial, tem de lhe fixar o efeito legal nos termos conjugados dos artigos citados, não podendo dar cumprimento ao Art.º 72.º/2 do RGCO, preparando os autos para prosseguirem para julgamento, e nada dizer quanto ao efeito do recurso ou diferir para momento processual posterior e incerto essa decisão. (…)”. Cf. ainda o que se consignou no despacho de 25-06-2020 acerca da aplicabilidade do disposto no artigo 228ºA do RGICSF introduzido pelo Dec. Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro.

Ora, com a entrada em vigor do citado diploma, o artigo 209º do RGICSF passou a prever que “sem prejuízo de outras causas de suspensão ou de interrupção da prescrição, a prescrição do procedimento por contraordenação se suspende a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão que aplique sanção até à notificação da decisão final do recurso, não podendo tal suspensão ultrapassar os 30 meses, caso a infração seja punível com coima até (euro) 1 500 000, tratando-se de pessoas coletivas, ou com coimas até (euro) 500 000, tratando-se de pessoas singulares, ou cinco anos, caso a infração seja punível com coima superior àqueles montantes, sendo estes prazos elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.”

O prazo de suspensão do procedimento contra-ordenacional a que já anteriormente fizemos referência e que encontrava previsão apenas no artigo 27ºA, n.º 1, al. c) do RGCO sofreu pois um alargamento para trinta meses ou cinco anos consoante os casos ali previstos. Estabelecem agora os números 4, 5 e 6 do artigo 209º, n.º 4 do RGICSF que a suspensão resultante da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão que aplique a sanção, até à notificação da decisão final do recurso, atentas as coimas abstractamente aplicáveis, não pode ultrapassar os trinta meses, nos casos do n.º 5 do artigo 209º, e os cinco anos, naqueles previstos no artigo 209º, n.º 6. Assim, em vez do prazo de suspensão de seis meses, temos agora, no que concerne às infracções previstas no RGICSF, o prazo de suspensão de, pelo menos, trinta meses, que acresce ao já mencionado prazo de sete anos e meio, e aos períodos da suspensão “Covid” a que nos referimos. Ora, em face da jurisprudência citada e muito recente do Tribunal Constitucional em matéria de aplicação aos processos pendentes em matéria de causas e prazos de suspensão do procedimento contra-ordenacional decorrentes da legislação publicada por força da pandemia que tem assolado o mundo, e dos argumentos ali invocados, não encontramos razão que justifique a não aplicação do prazo mais longo de suspensão, desde logo atenta a natureza contra ordenacional (e não criminal) das infracções em causa, e bem assim a circunstância de se tratar disso mesmo, de um alargamento do prazo de suspensão, e não de uma causa de interrupção, não inutilizando o tempo decorrido até à sua entrada em vigor, apenas se aplicando para o futuro desde a data da entrada em vigor do diploma que prevê tal alargamento. Recordando excertos dos referidos Acórdãos do Tribunal Constitucional, ali se refere que na doutrina e jurisprudência alemãs e italianas se admite “claramente que uma lei nova alargue o prazo de prescrição em curso, desde que este não se tenha ainda esgotado. Assim, nos casos em que a lei nova amplia a duração do tempo necessário para que se verifique a prescrição, importará distinguir a hipótese «em que, à data da entrada em vigor da lei, já decorreu o tempo da prescrição do crime, da situação em que a prescrição ainda não está concluída. No primeiro caso, a aplicação retroativa da nova disciplina é inadmissível: decorrido o tempo necessário para que ocorra a prescrição, o agente deixa de poder ser punido e deverá poder confiar neste estado de coisas […]». Ao contrário, «qualquer ampliação do prazo que intervenha antes de verificada a prescrição de acordo com a lei vigente à data da prática do crime […] pode aplicar-se aos factos cometidos antes do início da sua entrada em vigor. Esta aplicação não atenta contra o princípio da irretroatividade: a ratio deste princípio é tutelar a expetativa do cidadão em saber previamente se e em qual medida poderá vir a ser punido, e não já fazê-lo saber por quanto tempo deverá permanecer escondido após o cometimento do facto até poder voltar tranquilamente à vida do dia a dia. É evidente que o autor do crime pode fazer cálculos desta natureza, mas o princípio da irretroatividade não está orientado para a proteção de semelhantes cálculos» (Manuale di Diritto Penale, Parte Generale, Milão, 2004, Giuffrè Editore, p. 59).” (o destacado é nosso) Nos mesmos faz-se referência a que a construção exposta – cujo essencial acaba por reconduzir-se à ideia de que a retroatividade proibida em matéria de prescrição do procedimento criminal tem como marco temporal de referência, não o facto criminoso, mas o terminus do prazo prescricional fixado na lei em vigor à data da respetiva prática constituindo uma situação de retroatividade de segundo grau (artigo 12º, n.º 2, segunda parte, do Código Civil), "retroatividade inautêntica" ou "retrospetividade", que só poderia ser julgada inconstitucional se ofendesse de modo arbitrário, inesperado ou desproporcionado, expectativas do agente do crime contemporâneas da prática do facto (artigo 2º e 29º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição), sendo que para apreciar da proporcionalidade de qualquer ofensa a direitos fundamentais importa sempre lançar mão dos critérios previstos no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 335º do Código Civil. Ora, não se podendo inferir do princípio da confiança, que constitui corolário do Estado de direito democrático, a exata cognoscibilidade de todas as causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal no momento da prática do facto consideramos que a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto – aliás, encontra-se fora do respetivo âmbito de proteção (cf., de novo, o Acórdão n.º 500/2021). Quer isto dizer que, na linha de pensamento de GIAN LUIGI GATTA, e FREDERICO COSTA PINTO a que já fizemos referência, quando o prazo de prescrição não tenha ainda atingido o seu fim, ao determinar o prolongamento da suspensão do mesmo prazo, a lei superveniente não torna punível um facto não punível – o legislador não altera, no preceito indicado, a sua valoração sobre o facto típico ou a imputação do mesmo - nem agrava a sanção respetiva: o legislador limita-se a conceder ao Estado, por qualquer motivo, neste caso por força de crise financeira de efeitos devastadores da economia mundial, e dos rendimentos e poupanças dos contribuintes (que estiveram sujeitos a severas medidas de restrição), mais tempo para apurar os factos e a responsabilidade criminal. Não estamos, pois, perante um caso de sucessão de leis penais no tempo, pelo que não estamos no âmbito do artigo 29º, n.º 4 da CRP ou do artigo 3º, n.º 1 do RGCO, mas antes no âmbito do disposto no artigo 5º do Código de Processo Penal e do artigo 32º da Constituição, pois o preceito não incide sobre o instituto da prescrição em si mesmo, antes apenas estabelece a suspensão da contagem de um prazo pré-existente e não inutiliza o que entretanto passou.

E já vimos que tal interpretação tem acolhimento pleno quer no TEDH, quer no TJUE (31).

(31) Neste sentido deve confrontar-se o que supra dissemos a propósito das decisões proferidas pelo TEDH no Acórdão “Preveti v. Itália” e pelo TJUE nos Acórdãos “Taricco” (I e II).

Foi a situação de crise financeira a que fizemos referência que evidenciou a necessidade e fundamentou a aprovação do pacote legislativo em que se insere a referida medida de alargamento do prazo de suspensão, por forma a evitar nova situação com as gravosas consequências da anterior.

A suspensão encontra-se legitimada por Lei de Autorização aprovada pela Assembleia da República e pelo artigo 27ºA, n.º 1 do RGCO (também pelo artigo 120º, n.º 1 do Código Penal), que prevê a possibilidade de existirem leis especiais sobre a matéria, o que torna o regime português mais amplo nesta matéria, que o alemão ou o italiano.

A medida é proporcional, adequada à realidade e aos objectivos do legislador, que pretendeu com a reforma do regime, prevenir crises com as consequências nefastas para os cidadãos, que advieram da mesma crise financeira que a motivou, traduz-se no acrescentar de um período mínimo de suspensão, plenamente justificado em face das consequências da referida crise, até nas estruturas das Instituições de Crédito, assegura o tratamento igual de todos os arguidos e respeita o princípio da confiança, pois o artigo 27ºA, n.º 1 salvaguarda a possibilidade de o legislador publicar diplomas relativos à suspensão da contagem do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional. Ora, perante a entrada em vigor do Dec. Lei n.º 157/2014 citado, que como vimos, ampliou o prazo de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional relativo às infracções previstas no RGICSF, em face da configuração dos ilícitos levada a cabo na sentença recorrida e não tendo, à data de tal entrada em vigor, decorrido o prazo de prescrição contado do termo das condutas ilícitas imputadas, a aplicação do novo prazo de suspensão não comporta qualquer ilegalidade e muito menos qualquer inconstitucionalidade. A este quadro acrescem as suspensões de contagem prazo impostas no contexto da adopção de medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica que já fizemos referência, que, como vimos, perfaz um período global de suspensão de 160 dias. Tudo visto, importa concluir que perante os factos e o enquadramento jurídico realizados na sentença recorrida, a prescrição não ocorreu relativamente a qualquer dos ilícitos imputados e previstos no RGICSF. A este tema voltaremos se, a final, entendermos que pela procedência das pretensões recursivas, não é correto o enquadramento fático-jurídico realizado pelo Tribunal Recorrido, isto é, caso se conclua pela procedência dos recursos que determine alteração dos pressupostos de facto e de direito tidos em conta na decisão recorrida».

7.2.1. No acórdão recorrido a questão de direito decidida, na parte que aqui releva, foi a da relevância, como causa de suspensão do procedimento contraordenacional, da publicação e entrada em vigor, em 23.11.2014, do DL 157/2014, que procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva n.º 2013/36/UE, introduzindo no ordenamento jurídico nacional as alterações necessárias à implementação das normas previstas na mesma, respeitando assim os compromissos assumidos pelo Estado Português nesta matéria (p. 2009). Entendeu o acórdão recorrido que com a entrada em vigor do citado diploma, o artigo 209º do RGICSF passou a prever que “sem prejuízo de outras causas de suspensão ou de interrupção da prescrição, a prescrição do procedimento por contraordenação se suspende a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão que aplique sanção até à notificação da decisão final do recurso, não podendo tal suspensão ultrapassar os 30 meses, caso a infração seja punível com coima até (euro) 1 500 000, tratando-se de pessoas coletivas, ou com coimas até (euro) 500 000, tratando-se de pessoas singulares, ou cinco anos, caso a infração seja punível com coima superior àqueles montantes, sendo estes prazos elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.” E concluiu: O prazo de suspensão do procedimento contra-ordenacional a que já anteriormente fizemos referência e que encontrava previsão apenas no artigo 27ºA, n.º 1, al. c) do RGCO sofreu pois um alargamento para trinta meses ou cinco anos consoante os casos ali previstos.

O regime legal aplicado foi o introduzido pelo DL 157/2014 no art. 209.º do RGICSF.

7.2.2. O caso da vida real tratado tinha a ver com a aplicação de coimas pelo Banco de Portugal a uma instituição de crédito e a membros do seu Conselho de Administração por violação de normas regulamentares.

8. Recordemos os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência:

(1) que os acórdãos respeitem à mesma questão de direito;

(2) sejam proferidos no domínio da mesma legislação;

(3) assentem em soluções opostas a partir de idêntica situação de facto;

(4) finalmente, que as decisões em oposição sejam expressas.

8. A questão de direito decidida no acórdão recorrido, pertence ao âmbito mais geral da problemática da prescrição do procedimento contraordenacional em resultado do funcionamento em concreto, ou não, de causas de suspensão, quer «por força do lock down decretado em virtude da pandemia», quer das consagradas no art. 209.º do RGICSF e arts 27.º-A e 28.º/3 do RGCO. Na solução normativa a que chegou a decisão recorrida pesou a jurisprudência do TEDH, TJUE e do TC. O regime substantivo aplicado foi o RGICSF e o RGCO.

9. Já o acórdão fundamento tratou da aplicação do art. 27.º do RGCO, na redação vigente na data dos factos, que estabelecia dois prazos de prescrição, «a) dois anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima superior ao montante máximo previsto no n.º 1 do artigo 17.º; b) um ano, nos restantes casos», ou a redação introduzida pela L 109/2011, que consagrou os seguintes prazos «a) [c]inco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79; b) [t]rês anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79; c) [u]m ano, nos restantes casos».

10. As situações de facto não são idênticas, mas diversas; enquanto no acórdão fundamento estamos perante a responsabilidade de um banco por trabalho suplementar dos seus trabalhadores, no acórdão recorrido estamos, entre o mais, perante responsabilidade contraordenacional de membros do Conselho de Administração de uma instituição de crédito, derivada da apreciação e decisão de operações de concessão de crédito, concedidas a sociedades em que o arguido era igualmente gestor, agindo com conflito de interesses, apreciação e aprovação de operações de concessão de crédito, sem que tivesse sido assegurado que estas eram aprovadas por maioria de pelo menos dois terços (⅔) dos membros daquele órgão de administração, incumprimento do dever de implementar e assegurar um sistema de controlo interno adequado e eficaz no âmbito da função de gestão do risco de crédito, etc.

11. Quanto aos requisitos - soluções opostas a partir de idêntica situação de facto; decisões em oposição expressas -, também referimos que constitui jurisprudência assente deste Supremo Tribunal que só havendo identidade de situações de facto nos dois acórdãos é possível estabelecer uma comparação que permita concluir, quanto à mesma questão de direito, que existem soluções jurídicas opostas. Ora, como resulta do percurso argumentativos dos trechos transcritos dos acórdãos – recorrido e fundamento –, não estamos perante idêntica situação de facto nem a questão de direito foi a mesma, não bastando, como é fácil de ver, que pertençam a um mesmo instituto jurídico, no caso a prescrição. Enquanto o acórdão fundamento analisou e decidiu uma questão de sucessão de leis em que a última alterou o prazo de prescrição, propriamente dito, no acórdão recorrido a questão é diversa e prende-se com a (ir)relevância no computo do prazo de prescrição da alteração por via do alargamento de um prazo de suspensão da prescrição. As normas jurídicas, como resulta claro do que antecede, também são diversas. Como já referido, só estamos perante a mesma questão de direito, decidida de modo oposto, quando a situação fáctica é similar e convocando as mesmas normas se chegue a solução diferente. Não foi o caso.

12. Do que precede resulta que os acórdãos em questão não enfrentaram a mesma questão de direito, nem assentaram em soluções opostas a partir de idêntica situação de facto, pelo que improcede a pretensão dos recorrentes devendo o recurso ser rejeitado (art. 441.º/1, CPP).

III.

Nestes termos e com tais fundamentos, acorda-se em rejeitar o recurso.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 7 UCs a que acresce o pagamento de 4 UCs a título de sanção processual – artigos 448º e 420º, n.º 3.

*

Supremo Tribunal de Justiça, 07.06.2023.

António Gama (Relator)

Orlando Gonçalves

Leonor Furtado