Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2476/16.5T8LRA.C1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL.
Sumário :

Não há genuína contradição entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido quando um conceito ou argumento adotado no Acórdão fundamento conduz ao mesmo resultado a que chegou o Acórdão recorrido.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 2476/16.5T8LRA.C1.S2 (revista excecional)


Acordam na Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do CPC junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


Germiplanta – Viveiros de Plantas, Lda, Ré na presente ação emergente de acidente de trabalho em que é Autora AA e igualmente Ré a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., veio interpor recurso de revista excecional do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.04.2023 que considerou demonstrado que ocorreu violação, por omissão do empregador, de normas de segurança previstas na lei que se mostrem causais do acidente (artigo 18.º n.º 1 da LAT).


O segurador contra-alegou, defendendo que a revista excecional não deveria ser admitida e, em todo o caso, que caso o fosse não deveria proceder.

Como fundamento do seu recurso, o empregador invoca as alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC. Sublinhe-se que no introito do seu recurso faz alusão às alíneas a) e b), mas por lapso, já que a alínea b) não é desenvolvida enquanto fundamento nem nas alegações, nem nas suas Conclusões. Aliás, isso mesmo resulta do texto das alegações em que, a dado passo, se afirma “o n.º 1 do art.º 672.º do (N)CPC tem, desde logo, nas alíneas a) e c), os dois pressupostos em que nos iremos concentrar, para justificar a presente Revista excecional”.

Quanto ao fundamento previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º, afirma-se nas alegações que:

“Haverá que solidificar o entendimento da teoria do nexo de causalidade para efeitos de apuramento da responsabilidade da entidade empregadora prevista no art. 18º da Lei 98/2009, nomeadamente determinar se bastará que o acidente seja uma consequência normal, típica ou provável por consequência da violação das regras de segurança, ou se teremos de concluir pela prova de factos da dinâmica do acidente e que possam levar à conclusão inequívoca de que a violação das regras de segurança foi condição inequívoca e única para a produção do dano”.

É essa a questão que o Recorrente considera que justifica a intervenção deste Tribunal, a qual seria claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Por seu turno e quanto ao fundamento previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º, afirma existir uma oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento que identifica como o proferido por este Supremo Tribunal de Justiça proferido a 08-05-2012 no processo n.º 908/08.5TTBRG.P1.S1(Sampaio Gomes).

A este propósito pode ler-se no seu recurso designadamente o seguinte:

“[O] acórdão recorrido basta-se com a indicação de que a omissão seria UMA DAS CONDIÇÕES DO EVENTO e que A VIOLAÇÃO DAS NORMAS NÃO FOI INDIFERENTE PARA A PRODUÇÃO DO RESULTADO, sendo uma consequência PROVÁVEL da violação; mas a exigência no caso deveria ter sido maior, pois que teria de ficar demonstrado que foi a violação em causa que foi condição inequívoco para a verificação do dano, sem que existisse outro motivo ou outra circunstância suscetível de justificar a sua verificação. Ou seja, terá de ficar demonstrado que o facto danoso foi consequência direta, necessária e adequada do facto.

Não é essa a interpretação que o Acórdão recorrido faz da teoria da causalidade adequada, pois que na verdade não exige a prova da dinâmica do acidente no caso concreto, justificando apenas que a não colocação de dispositivos de proteção leva à conclusão da existência do nexo causal”.

Cumpre apreciar.

Começando a análise pelo segundo fundamento invocado, interessa, antes de mais, destacar que o Acórdão indicado como fundamento não exige que a violação das regras de segurança seja a causa exclusiva do acidente, o que a lei não requer para que se possa falar em “causalidade” e implicaria, de resto, a inutilidade em termos práticos da norma do artigo 18.º n.º 1 da LAT já que em regra o processo causal que conduz à verificação do acidente é complexo e integra várias causas.

No Acórdão fundamento o Tribunal foi confrontado com uma matéria de facto em que constava expressamente, no quesito 12, como não provado que a omissão de uma série de medidas de segurança (contenção da parede contígua, entivação na frente escavada e na própria vala, estabilização das paredes dos edifícios contíguos) tivesse sido a razão pela qual ocorreu o desmoronamento da parede do edifício contíguo que soterrou o sinistrado. Foi perante esta matéria factual que o Tribunal concluiu estar “por demonstrar se a conduta da Ré foi condição sem a qual o dano não se teria verificado e se foi adequada ao resultado, isto é, se produziu a causa donde resultou o dano”.

No Acórdão recorrido o acervo factual é inteiramente distinto, destacando-se da matéria dada como provada, para este efeito, os seguintes pontos:

“(…)


H) A máquina onde ocorreu o acidente é uma máquina de preparação de substrato de produtos hortícolas


I) Composta por 3 elementos: desembalador, passadeira e misturadora.


J) O substrato é acondicionado em big bags e colocado no desembalador, passando depois para a passadeira que o transporta até à misturadora.


K) A passadeira é movimentada por tambores colocados nas extremidades.


L) No decorrer do transporte do substrato pela passadeira, algumas quantidades do substrato vão-se acumulando entre a tela da passadeira e os tambores.


M) O que sucedeu nos momentos que antecederam o acidente referido em D).


N) Por via dessa acumulação, o responsável da Germiplanta-Viveiros de Plantas, Lda., BB, ordenou à autora que efetuasse a limpeza e desobstrução do tambor com auxílio de uma régua de madeira.


O) O que a autora fez.


P) No decorrer da limpeza a autora ficou entalada entre o tambor e a passadeira, que a puxou para a zona interior da máquina, arrastando-lhe o braço, que se espetou no parafuso (esticador do tambor).


Q) A tarefa de limpeza/desobstrução foi efetuada com a máquina em funcionamento.


R) Conforme lhe havia sido indicado pelo responsável da Germiplanta-Viveiros de Plantas, Lda.


S) A máquina não possuía qualquer proteção que impedisse o contacto da autora com as zonas interiores da máquina.


T) Nem havia sido adotada qualquer outra medida adequada a evitar o contacto com as zonas de risco da máquina, para além da existência de botões de emergência, que não eram acessíveis do local onde a autora sofreu o sinistro (…)”.


Decorre desta matéria de facto, inteiramente distinta daqueloutra sobre a qual se debruçou o Tribunal no Acórdão fundamento, que, adotando o critério definido no Acórdão fundamento é possível afirmar, sem margem para dúvidas, que a conduta da Ré foi a condição sine qua non para a produção do dano. Com efeito, e para além da ausência de medidas de segurança (factos S e T) houve aqui uma ordem direta do responsável da Ré para que a trabalhadora efetuasse a operação de limpeza com a máquina em funcionamento (factos N, O, Q, R). A violação das normas a que se reporta o artigo 18.º n.º 1 da LAT não respeita apenas a normas legais, abrangendo outras normas técnicas e de experiência. Ordenar a um trabalhador que efetue uma operação de limpeza com uma máquina em funcionamento é causa do acidente, estando, por conseguinte, demonstrada a “dinâmica do acidente no caso concreto”.


E daí que o Acórdão recorrido afirme expressamente que:


“{F]oi a ordem do gerente e responsável da empresa, com poder de autoridade e direção sobre a trabalhadora, e a quem esta devia obediência, ordem essa violadora das concretas medidas de segurança previstas para a tarefa de limpeza da máquina de sementeira, que foi a causa de a trabalhadora efetuar a limpeza/desobstrução da máquina com esta em movimento e com uma ripa de madeira, sem que a máquina estivesse munida de dispositivos de proteção que evitasse o contacto do corpo dos trabalhadores com as partes inferiores da mesma, do que resultou o entalamento do braço da autora, risco aliás previsto em todas as avaliações de riscos realizadas e de que a entidade empregadora tinha conhecimento necessário”.


Nestas condições forçoso é concluir que não há genuína contradição entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido já que a aplicação do critério adotado no Acórdão fundamento conduz ao mesmo resultado a que chegou o Acórdão recorrido.


Ora daqui resulta, também, que não procede o fundamento invocado da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.


Existe efetivamente divergência jurisprudencial quanto ao conceito de causa, mas é necessário para que a mesma possa fundar uma revista que tal divergência tenha uma incidência sobre o desfecho do concreto processo em que tal revista se insere. O que aqui não sucede já que a dinâmica do acidente sempre permitiria concluir que a ordem para efetuar a operação com a máquina em funcionamento foi a causa adequada do acidente.


Decisão: Acorda-se em não admitir a revista excecional


Custas pelo Recorrente


Lisboa, 11 de outubro de 2023


Júlio Gomes (Relator)


Mário Belo Morgado


Ramalho Pinto