Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO RESPONSABILIDADE | ||
Data do Acordão: | 02/01/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
Sumário : |
Tendo o acidente de trabalho ocorrido após a entrada em vigor do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, número introduzido pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, o Fundo de Acidentes de Trabalho responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido atuação culposa. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 316/14.9TUPRT.P2.S1
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
1. Relatório
Nos presentes autos, que têm origem na ação emergente de acidente de trabalho interposta por AA contra Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, Comlimpeza Serviços de Limpeza Unipessoal, Lda e Instituto de Segurança Social, representado pelo Centro Distrital do Porto, sustentando ter sido vítima de acidente de trabalho do qual resultaram danos de natureza patrimonial e não patrimonial, veio a ser citado, na sequência da declaração de insolvência da 2.ª Ré (empregadora), o Fundo de Acidentes de Trabalho (doravante designado de FAT), o qual apresentou contestação. Realizado o julgamento veio a ser proferida sentença com o seguinte teor: “Em face do exposto, julgo parcialmente procedente por provada a ação instaurada por AA e condeno a Ré Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, a título de responsável subsidiária (nº 2 do art.º 37º, da Lei n.º 100/97) e o Fundo de Acidentes de Trabalho (art.º 1º do DL n.º 142/99, de 30 de abril, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL n.º 185/2007, de 10 de Maio), a pagarem àquele, com efeitos a partir de dia 19 de janeiro de 2016 (dia seguinte à data da alta): a) a pensão anual e vitalícia de € 4.647,87; b) o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente no valor de € 4.303,73. c) a quantia de € 3.326,69, a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta. d) a quantia de €18,50, a título de indemnização por despesas de deslocação desta. e) a pagar o valor de € 1.392,35, a título de despesas de deslocações para realização de consultas e tratamentos médicos, quer para o Hospital de S..., quer para o Centro de Saúde ... quer para os tratamentos de fisioterapia que entretanto fez, na Clinica ..., em consequência do acidente de trabalho; f) a pagar o valor de € 1.246,57 a título de pagamento de taxas moderadoras, consultas medicas, tratamentos de fisioterapia, exames complementares e medicamentos, em consequência do acidente de trabalho. Vai ainda a Ré Companhia de Seguros Tranquilidade, SA a prestar ao Autor toda a assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, farmacêutica e hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde; Condeno ainda a Ré Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, e o Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos atrás referidos, a pagar à Segurança Social a quantia de € 8.955,60, a título de prestações de subsídio de doença pagos por esta entidade ao Autor por força do mesmo acidente de trabalho. A seguradora vai, ainda, condenada a pagar juros de mora incidentes sobre as prestações a cujo pagamento foi solidariamente condenada, desde o respetivo vencimento e até integral pagamento, à taxa legal.” Tanto a Ré Seguradora, como o FAT, interpuseram recursos de apelação. Na sequência dos referidos recursos, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual, após retificado em Conferência, vio a ter o seguinte teor: “Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedentes ambas as apelações, alterando-se ainda assim parcialmente a sentença recorrida para: - Julga-se parcialmente procedente por provada a ação instaurada por AA, condenando-se: 1. O Fundo de Acidentes de Trabalho, a pagar ao Sinistrado, com efeitos a partir de dia 19 de janeiro de 2016 (dia seguinte à data da alta): a) a pensão anual e vitalícia de € 6.550,66; b) o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente no valor de € 4.303,72; c) a quantia de € 17.175,56, a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta. d) a quantia de € 18,50, a título de indemnização por despesas de deslocação desta. e) a pagar o valor de € 1.392,35, a título de despesas de deslocações para realização de consultas e tratamentos médicos, quer para o Hospital de S..., quer para o Centro de Saúde ... quer para os tratamentos de fisioterapia que, entretanto, fez, na Clínica Fisiátrica da Foz, em consequência do acidente de trabalho; f) a pagar o valor de € 1.246,57 a título de pagamento de taxas moderadoras, consultas medicas, tratamentos de fisioterapia, exames complementares e medicamentos, em consequência do acidente de trabalho. 2. A Ré Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, sem prejuízo do direito de regresso que lhe assiste consagrado no artigo 79.º, n.º3 da LAT a: a) a pensão anual e vitalícia de € 4.647,87; b) o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente no valor de € 4.362,58; c) a quantia de € 11.688,21, a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta; d) a quantia de € 18,50, a título de indemnização por despesas de deslocação desta; e) a pagar o valor de € 1.392,35, a título de despesas de deslocações para realização de consultas e tratamentos médicos, quer para o Hospital de S..., quer para o Centro de Saúde ... quer para os tratamentos de fisioterapia que, entretanto, fez, na Clínica Fisiátrica da Foz, em consequência do acidente de trabalho; f) a pagar o valor de € 1.246,57 a título de pagamento de taxas moderadoras, consultas médicas, tratamentos de fisioterapia, exames complementares e medicamentos, em consequência do acidente de trabalho. Mantendo-se o demais decidido e constante do dispositivo da sentença recorrida, sendo que à quantia que a Seguradora tem obrigação de pagar, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta, deve ser deduzida a quantia € 8.955,60. Custas de cada uma das Apelações pelos respetivos Apelantes.”
Inconformado, o Réu Fundo de Acidentes de Trabalho interpôs recurso de revista nos termos gerais e, subsidiariamente, revista excecional. Nas Conclusões 7, 8 e 9 do seu recurso afirma expressamente que a questão que fundamenta o recurso é a condenação do FAT ao pagamento a título principal das prestações agravadas por violação pelo empregador das regras de segurança. Mas decorre do seu recurso que o FAT pretende, também, discutir uma outra questão, a saber, se o FAT será responsável pela totalidade da retribuição e não apenas pela parte não transferida para a Seguradora. Afirma-se, com efeito, que: “Deverá assim ser alterada a decisão no sentido do não pagamento pelo FAT, a título principal, das prestações em que foi condenado, limitando a sua responsabilidade ao pagamento da pensão anual e da indemnização por incapacidades temporárias, calculadas em função da retribuição não transferida para a Seguradora, sem qualquer parcela correspondente ao agravamento por atuação culposa do empregador” (sublinhado nosso). Cfr., igualmente, Conclusões 28 e 30.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Por despacho do Relator e uma vez cumprido o disposto no artigo 655.º n.º 1 foi decidido não haver “dupla conformidade” quanto à questão da responsabilidade a título principal ou subsidiário do FAT pelo pagamento das prestações calculadas com agravamento, em resultado da ocorrência do acidente por atuação culposa da entidade empregadora, pelo que o seu recurso foi admitido quanto a este segmento, ao abrigo do disposto no artigo 671.º, n.º 1 do CPC, com efeito devolutivo. Mas entendeu-se existir já “dupla conformidade” quanto à questão de saber se a responsabilidade do FAT se estende à totalidade da retribuição ou abrange apenas a parcela de € 47,00 não transferida para o segurador, porquanto ambas as instâncias afirmaram a responsabilidade do FAT pela totalidade da retribuição. Decidiu-se, igualmente, proceder primeiramente ao julgamento do recurso interposto ao abrigo do artigo 671.º, tanto mais que a revista excecional foi interposta subsidiariamente. Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso do FAT quanto ao segmento agora em apreço (a questão da responsabilidade do FAT pelas prestações calculadas com agravamento).
2. Fundamentação
De Facto Foram os seguintes os factos dados como provados nas instâncias: 11. Em consequência da queda referida em 6.º, o Instituto da Segurança Social pagou ao Autor a quantia de € 15.524,33 a título de subsídio por doença no período decorrido entre 10.03.2014 e 27.02.2017. 12. O Autor é portador de incapacidade permanente parcial (IPP) de 25,91%. 13.a) O acordo referido em 4.º dos factos assentes foi celebrado verbalmente com a 2ª Ré, Comlimpeza, Serviços de Limpeza Unipessoal, Lda no dia 24 de julho de 2008 (resposta ao item 1º). 14.Na sequência da queda referida em 6.º dos factos assentes, o Autor embateu direta e bruscamente com os pés no solo, tendo fraturado os calcanhares de ambos os pés (resposta ao item 3º). 18. Uma vez que apresentava infeção e complicações pós-operatórias (osteomielite crónica), a médica do USF encaminhou o Autor para o Hospital de S..., onde o mesmo veio a ser submetido a nova cirurgia, em 12 de abril de 2014, tendo tido alta em 2 de maio de 2014 (resposta ao item 7º). Limitação da mobilidade articular do tornozelo ara todos os movimentos: extensão passiva máxima de 10º graus, flexão passiva máxima de 2º graus, sem movimentos de inversão e eversão; 30.Ainda em consequência do acidente, o Autor gastou € 18,50 em deslocações para o tribunal e para o INML (resposta ao item 20º). 31.Bem como teve despesas no valor de € 1.246,57 a título de pagamento de taxas moderadoras, tratamentos de fisioterapia, exames complementares, medicamentos e consultas médicas (resposta ao item 21º). 32.O Autor sente-se triste por se ver com dificuldades de se locomover (resposta ao item 22º). 33.O Autor era, antes do acidente, uma pessoa saudável e independente, sociável, trabalhando de forma muito ativa (resposta ao item 24º).
De Direito A única questão que se coloca no presente recurso é a de determinar se o FAT responderá pelas prestações calculadas com o agravamento decorrente da atuação culposa do empregador (artigo 18.º da LAT). O art.º 82.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro dispõe que “a garantia do pagamento das pensões estabelecidas na presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulamentados em legislação especial” e, por seu turno, o artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril estabelece que compete ao FAT “garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objetivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável”, mas no seu n.º 5, na redação atual, prevê que “o FAT responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido atuação culposa”. Este n.º 5 foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, e este Tribunal teve já ocasião de decidir que, não tendo a natureza de lei interpretativa, não se aplica a acidentes de trabalho ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor (Acórdão do STJ, proferido a 17/06/2010, no recurso n.º 675/2001.P1.S1, Relator Conselheiro Mário Pereira). Todavia, e como sublinha o douto Parecer do Ministério Público junto aos autos neste Tribunal, o acidente de trabalho em apreço ocorreu depois da entrada em vigor do referido n.º 5, isto é, depois de 11 de maio de 2007 – dos factos 4 a 6 resulta que o acidente de trabalho ocorreu a 14 de janeiro de 2014 –, pelo que há que dar razão ao Recorrente e afirmar que a responsabilidade do FAT não se estende ao agravamento da responsabilidade por acidentes de trabalho decorrente do artigo 18.º da LAT. Tanto mais que o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 161/2011, publicado no DR nº 82/2011, Série II, de 28.04.2011, decidiu já não julgar inconstitucional a norma do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio, na parte em que aditou um n.º 5 ao artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, limitando a responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho às prestações que seriam devidas caso não tivesse havido atuação culposa da entidade empregadora.
3. Decisão: Concedida a revista, condenando-se o FAT a pagar ao Autor: a) a pensão anual e vitalícia de € 4.647,87[2], devida desde 19.01.2016; b) o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, no valor de € 4.303,72; c) a quantia de € 12.454,65, a título de indemnização referente aos períodos de incapacidade temporária absoluta[3]; d) o montante de € 18,50, a título de indemnização por despesas de deslocação; e) o montante de € 1.392,35, a título de despesas de deslocações para realização de consultas e tratamentos médicos; f) o montante de € 1.246,57 a título de pagamento de taxas moderadoras, consultas médicas, tratamentos de fisioterapia, exames complementares e medicamentos, em consequência do acidente de trabalho. Mantém-se no demais o Acórdão recorrido, mormente quanto á responsabilidade da Ré Seguradora. Remeta-se à Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, junto desta Secção Social, para conhecer o outro segmento da revista do FAT. Sem custas.
Lisboa, 1 de fevereiro de 2023
Júlio Gomes (Relator) Ramalho Pinto Mário Belo Morgado _____________
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