Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
316/14.9TUPRT.P2.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE
Data do Acordão: 02/01/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

Tendo o acidente de trabalho ocorrido após a entrada em vigor do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, número introduzido pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, o Fundo de Acidentes de Trabalho responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido atuação culposa.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 316/14.9TUPRT.P2.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

Nos presentes autos, que têm origem na ação emergente de acidente de trabalho interposta por AA contra Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, Comlimpeza Serviços de Limpeza Unipessoal, Lda e Instituto de Segurança Social, representado pelo Centro Distrital do Porto, sustentando ter sido vítima de acidente de trabalho do qual resultaram danos de natureza patrimonial e não patrimonial, veio a ser citado, na sequência da declaração de insolvência da 2.ª Ré (empregadora), o Fundo de Acidentes de Trabalho (doravante designado de FAT), o qual apresentou contestação.

Realizado o julgamento veio a ser proferida sentença com o seguinte teor:

“Em face do exposto, julgo parcialmente procedente por provada a ação instaurada por AA e condeno a Ré Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, a título de responsável subsidiária (nº 2 do art.º 37º, da Lei n.º 100/97) e o Fundo de Acidentes de Trabalho (art.º 1º do DL n.º 142/99, de 30 de abril, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL n.º 185/2007, de 10 de Maio), a pagarem àquele, com efeitos a partir de dia 19 de janeiro de 2016 (dia seguinte à data da alta):

a) a pensão anual e vitalícia de € 4.647,87;

b) o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente no valor de € 4.303,73.

c) a quantia de € 3.326,69, a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta.

d) a quantia de €18,50, a título de indemnização por despesas de deslocação desta.

e) a pagar o valor de € 1.392,35, a título de despesas de deslocações para realização de consultas e tratamentos médicos, quer para o Hospital de S..., quer para o Centro de Saúde ... quer para os tratamentos de fisioterapia que entretanto fez, na Clinica ..., em consequência do acidente de trabalho;

f) a pagar o valor de € 1.246,57 a título de pagamento de taxas moderadoras, consultas medicas, tratamentos de fisioterapia, exames complementares e medicamentos, em consequência do acidente de trabalho.

Vai ainda a Ré Companhia de Seguros Tranquilidade, SA a prestar ao Autor toda a assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, farmacêutica e hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde;

Condeno ainda a Ré Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, e o Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos atrás referidos, a pagar à Segurança Social a quantia de € 8.955,60, a título de prestações de subsídio de doença pagos por esta entidade ao Autor por força do mesmo acidente de trabalho.

A seguradora vai, ainda, condenada a pagar juros de mora incidentes sobre as prestações a cujo pagamento foi solidariamente condenada, desde o respetivo vencimento e até integral pagamento, à taxa legal.”

Tanto a Ré Seguradora, como o FAT, interpuseram recursos de apelação.

Na sequência dos referidos recursos, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual, após retificado em Conferência, vio a ter o seguinte teor:

“Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedentes ambas as apelações, alterando-se ainda assim parcialmente a sentença recorrida para:

- Julga-se parcialmente procedente por provada a ação instaurada por AA, condenando-se:

1. O Fundo de Acidentes de Trabalho, a pagar ao Sinistrado, com efeitos a partir de dia 19 de janeiro de 2016 (dia seguinte à data da alta):

a) a pensão anual e vitalícia de € 6.550,66;

b) o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente no valor de € 4.303,72;

c) a quantia de € 17.175,56, a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta.

d) a quantia de € 18,50, a título de indemnização por despesas de deslocação desta.

e) a pagar o valor de € 1.392,35, a título de despesas de deslocações para realização de consultas e tratamentos médicos, quer para o Hospital de S..., quer para o Centro de Saúde ... quer para os tratamentos de fisioterapia que, entretanto, fez, na Clínica Fisiátrica da Foz, em consequência do acidente de trabalho;

f) a pagar o valor de € 1.246,57 a título de pagamento de taxas moderadoras, consultas medicas, tratamentos de fisioterapia, exames complementares e medicamentos, em consequência do acidente de trabalho.

2. A Ré Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, sem prejuízo do direito de regresso que lhe assiste consagrado no artigo 79.º, n.º3 da LAT a:

a) a pensão anual e vitalícia de € 4.647,87;

b) o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente no valor de € 4.362,58;

c) a quantia de € 11.688,21, a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta;

d) a quantia de € 18,50, a título de indemnização por despesas de deslocação desta;

e) a pagar o valor de € 1.392,35, a título de despesas de deslocações para realização de consultas e tratamentos médicos, quer para o Hospital de S..., quer para o Centro de Saúde ... quer para os tratamentos de fisioterapia que, entretanto, fez, na Clínica Fisiátrica da Foz, em consequência do acidente de trabalho;

f) a pagar o valor de € 1.246,57 a título de pagamento de taxas moderadoras, consultas médicas, tratamentos de fisioterapia, exames complementares e medicamentos, em consequência do acidente de trabalho.

Mantendo-se o demais decidido e constante do dispositivo da sentença recorrida, sendo que à quantia que a Seguradora tem obrigação de pagar, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta, deve ser deduzida a quantia € 8.955,60.

Custas de cada uma das Apelações pelos respetivos Apelantes.”

Inconformado, o Réu Fundo de Acidentes de Trabalho interpôs recurso de revista nos termos gerais e, subsidiariamente, revista excecional.

Nas Conclusões 7, 8 e 9 do seu recurso afirma expressamente que a questão que fundamenta o recurso é a condenação do FAT ao pagamento a título principal das prestações agravadas por violação pelo empregador das regras de segurança.

Mas decorre do seu recurso que o FAT pretende, também, discutir uma outra questão, a saber, se o FAT será responsável pela totalidade da retribuição e não apenas pela parte não transferida para a Seguradora.

Afirma-se, com efeito, que:

“Deverá assim ser alterada a decisão no sentido do não pagamento pelo FAT, a título principal, das prestações em que foi condenado, limitando a sua responsabilidade ao pagamento da pensão anual e da indemnização por incapacidades temporárias, calculadas em função da retribuição não transferida para a Seguradora, sem qualquer parcela correspondente ao agravamento por atuação culposa do empregador” (sublinhado nosso). Cfr., igualmente, Conclusões 28 e 30.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Por despacho do Relator e uma vez cumprido o disposto no artigo 655.º n.º 1 foi decidido não haver “dupla conformidade” quanto à questão da responsabilidade a título principal ou subsidiário do FAT pelo pagamento das prestações calculadas com agravamento, em resultado da ocorrência do acidente por atuação culposa da entidade empregadora, pelo que o seu recurso foi admitido quanto a este segmento, ao abrigo do disposto no artigo 671.º, n.º 1 do CPC, com efeito devolutivo.

Mas entendeu-se existir já “dupla conformidade” quanto à questão de saber se a responsabilidade do FAT se estende à totalidade da retribuição ou abrange apenas a parcela de € 47,00 não transferida para o segurador, porquanto ambas as instâncias afirmaram a responsabilidade do FAT pela totalidade da retribuição.

Decidiu-se, igualmente, proceder primeiramente ao julgamento do recurso interposto ao abrigo do artigo 671.º, tanto mais que a revista excecional foi interposta subsidiariamente.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso do FAT quanto ao segmento agora em apreço (a questão da responsabilidade do FAT pelas prestações calculadas com agravamento).

2. Fundamentação

De Facto

Foram os seguintes os factos dados como provados nas instâncias:
1.Comlimpeza, Serviços de Limpeza Unipessoal,Lda, celebrou com a Companhia de Seguros Tranquilidade, SA um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, titulado pela apólice 0..., nos termos do qual aquela transferiu para esta a responsabilidade infortunística por acidentes que envolvessem o Autor, pelo salário de € 535,00 x 14 meses, acrescido de subsídio de alimentação no valor de € 37,80 x 11 meses.
2.O Autor é beneficiário da Segurança Social, inscrito com o nº 1... 74. 3.O Autor nasceu em ... de ... de 1971.
4.No dia 14 de janeiro de 2014, o Autor encontrava-se a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da Ré Comlimpeza, Serviços de Limpeza, Unipessoal, Lda, executando serviços de limpeza de vidros.
5.Por incumbência da entidade empregadora, o Autor encontrava-se a limpar os vidros das janelas dos escritórios de um cliente da Ré, situados no 1.º andar do edifício.
6.Nessas circunstâncias, o Autor escorregou e caiu, sem qualquer tipo de apoio e auxílio, de uma altura aproximadamente de 4 m.
7.No dia 15 de janeiro de 2014, o Autor deslocou-se aos serviços clínicos da 1ª Ré a fim de ser acompanhado pelos respetivos serviços médicos.
8.Dado o seu quadro clínico, o Autor foi submetido a operação osteossíntese dos dois calcâneos, em 28 de janeiro de 2014, no Hospital da A...., operação a cargo dos serviços clínicos da 1ª Ré.
9. Tendo tido alta três dias depois desta cirurgia.
10. Como contrapartida do seu trabalho, o Autor auferia os seguintes valores:
a. Retribuição base ilíquido de 535,00€ (14 vezes por ano);
b. Subsídio de alimentação diário de 1,80€ (37,80€ x11meses).

11. Em consequência da queda referida em 6.º, o Instituto da Segurança Social pagou ao Autor a quantia de € 15.524,33 a título de subsídio por doença no período decorrido entre 10.03.2014 e 27.02.2017.

12. O Autor é portador de incapacidade permanente parcial (IPP) de 25,91%.

13.a) O acordo referido em 4.º dos factos assentes foi celebrado verbalmente com a 2ª Ré, Comlimpeza, Serviços de Limpeza Unipessoal, Lda no dia 24 de julho de 2008 (resposta ao item 1º).
13[1].b) Para além dos valores referidos em 10), o Autor auferia o valor do passe de rede geral STCP (ABC), no montante de € 47,00 mensais (resposta ao item 2º).

14.Na sequência da queda referida em 6.º dos factos assentes, o Autor embateu direta e bruscamente com os pés no solo, tendo fraturado os calcanhares de ambos os pés (resposta ao item 3º).
15.Logo após a ocorrência do acidente, o Autor deu entrada no Hospital P..., tendo sido transferido para o Hospital G... (resposta ao item 4º).
16. Após a cirurgia referida em 8.º dos factos assentes, o organismo do Autor rejeitou o material de osteossíntese (resposta ao item 5º).
17. Tendo a 1ª Ré recusado a continuação do seu acompanhamento médico, o que o obrigou a recorrer à médica da USF ... (resposta ao item 6º).

18. Uma vez que apresentava infeção e complicações pós-operatórias (osteomielite crónica), a médica do USF encaminhou o Autor para o Hospital de S..., onde o mesmo veio a ser submetido a nova cirurgia, em 12 de abril de 2014, tendo tido alta em 2 de maio de 2014 (resposta ao item 7º).
19. O Autor iniciou tratamentos de fisioterapia na clínica ... no verão de 2014, com intervalos, por episódios de infeção, até fevereiro de 2015 (resposta o item 8º).
20. No dia 7 de julho de 2015, devido a nova infeção, o Autor deu entrada no serviço de ortopedia no Hospital de S... e a 8 de julho de 2015 voltou a ser operado ao pé esquerdo (resposta ao item 10º).
21.Teve alta definitiva em 18 de janeiro de 2016 da consulta de ortopedia do Hospital G... (resposta ao item 11º).
22. O Autor esteve em situação de incapacidade temporária absoluta de 15 de janeiro de 2014 a 18 de janeiro de 2016, num total de 734 dias (resposta ao item 12º).
23. Como consequência direta e necessária do acidente, a nível funcional, o Autor sofreu e apresenta as seguintes lesões e sequelas:
Marcha claudicante, com recurso a ajudas técnicas (uma canadiana). Membro inferior direito:
Cicatriz cirúrgica irregular e deprimida, em L, com dor referida ao toque localizada na face lateral do calcanhar e inferior à região maleolar com 10,5 cm de comprimento total.

Limitação da mobilidade articular do tornozelo ara todos os movimentos: extensão passiva máxima de 10º graus, flexão passiva máxima de 2º graus, sem movimentos de inversão e eversão;
Dor referida ao dorso do pé na flexão e a área do tendão de Aquiles durante a execução do movimento de extensão do tornozelo;
Não consegue realizar agachamentos, não consegue caminhar em pontas dos pés, nem em calcanhares;
Membro inferior esquerdo:
Cicatriz cirúrgica deprimida com dor referida à palpação, localizada na face lateral do calcanhar e inferior à região maleolar, com uma porção linear horizontal com 7 cm de comprimento de onde partem duas porções lineares e verticais, a mais posterior com 7 cm de comprimento e a mais anterior com 3,5 cm de comprimento;
-Limitação da mobilidade articular do tornozelo para todos os movimentos: extensão passiva máxima de 30º graus, flexão passiva máxima de 8º raus, sem movimentos de inversão e eversão;
Dor referida à área anatómica do tendão de Aquiles, durante a execução do movimento de extensão do tornozelo;
Não consegue realizar agachamento;
Não consegue caminhar em pontas dos pés, nem em calcanhares (resposta ao item 13º).
24. Como consequência direta e necessária do acidente, o Autor apresenta como sequela a dificuldade na marcha necessitando de apoio de canadianas ou de 3ª pessoa (resposta ao item 14º).
25. Ainda em consequência do acidente, o Autor encontra-se incapacitado para o exercício da sua atividade profissional habitual (resposta ao item 15º).
26. O Autor necessitará ainda de ajudas medicamentosas recorrentes e consultas da especialidade de Medicina Física e de Reabilitação para a avaliação da necessidade de realização de tratamentos por essa especialidade (resposta ao item 16º).
27.Desde a data do acidente até à presente data, encontra-se a ser seguido pelo SNS, mormente Centro de Saúde ... e ..., e continua a estar incapacitado em absoluto para o trabalho habitual (resposta ao item 17º).
28.O Autor ainda se encontra em tratamento das lesões sofridas na sequência do acidente que foi vítima (resposta ao item 18º).
29.O Autor por força do acidente de que foi vítima, suportou e tem suportado todas as despesas de deslocações para realização de consultas e tratamentos médicos, quer para o Hospital de S..., quer para o Centro de Saúde ... quer para os tratamentos de fisioterapia que, entretanto, fez, na Clínica Fisiátrica da Foz, cujo montante total é de € 1.392,35 (resposta ao item 19º).

30.Ainda em consequência do acidente, o Autor gastou € 18,50 em deslocações para o tribunal e para o INML (resposta ao item 20º).

31.Bem como teve despesas no valor de € 1.246,57 a título de pagamento de taxas moderadoras, tratamentos de fisioterapia, exames complementares, medicamentos e consultas médicas (resposta ao item 21º).

32.O Autor sente-se triste por se ver com dificuldades de se locomover (resposta ao item 22º).

33.O Autor era, antes do acidente, uma pessoa saudável e independente, sociável, trabalhando de forma muito ativa (resposta ao item 24º).
34.O Autor era, antes do acidente, dotado de agilidade, nomeadamente ao nível dos seus membros, gostava de praticar desporto, movimentos que na sequência das lesões e sequelas referidas do presente articulado, se encontram drasticamente limitados (resposta ao item 25º).
35.Após o acidente e como consequência do mesmo, o Autor sente dores, tornou-se uma pessoa triste, sentindo-se fisicamente diminuído (resposta ao item 26º).
36.Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 4.º e 5.º da matéria assente, o Autor colocou-se do lado de fora das janelas, em cima de uma cobertura de chapa ali existente e efetuou a limpeza da janela direita, pelo lado de fora da mesma (resposta ao item 27º).
37.Posteriormente o Autor circulou pela cobertura exterior até à janela do lado esquerdo, com o intuito de ali realizar a sua limpeza, estando a cerca de 4,5 metros do solo (resposta ao item 28º).
38.Entretanto, quando se preparava para se sentar no parapeito da janela, em virtude de a mesma se encontrar húmida, o Autor escorregou na cobertura, acabando por cair de pé (resposta ao item 29º).
39.Na altura em que caiu ao solo, o Autor não fazia uso de qualquer equipamento de segurança, nem individual, nem coletivo (resposta ao item 30º).

De Direito

A única questão que se coloca no presente recurso é a de determinar se o FAT responderá pelas prestações calculadas com o agravamento decorrente da atuação culposa do empregador (artigo 18.º da LAT).

O art.º 82.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro dispõe que “a garantia do pagamento das pensões estabelecidas na presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulamentados em legislação especial” e, por seu turno, o artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril estabelece que compete ao FAT “garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objetivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável”, mas no seu n.º 5, na redação atual, prevê que “o FAT responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido atuação culposa”.

Este n.º 5 foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, e este Tribunal teve já ocasião de decidir que, não tendo a natureza de lei interpretativa, não se aplica a acidentes de trabalho ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor (Acórdão do STJ, proferido a 17/06/2010, no recurso n.º 675/2001.P1.S1, Relator Conselheiro Mário Pereira).

Todavia, e como sublinha o douto Parecer do Ministério Público junto aos autos neste Tribunal, o acidente de trabalho em apreço ocorreu depois da entrada em vigor do referido n.º 5, isto é, depois de 11 de maio de 2007 – dos factos 4 a 6 resulta que o acidente de trabalho ocorreu a 14 de janeiro de 2014 –, pelo que há que dar razão ao Recorrente e afirmar que a responsabilidade do FAT não se estende ao agravamento da responsabilidade por acidentes de trabalho decorrente do artigo 18.º da LAT.

Tanto mais que o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 161/2011, publicado no DR nº 82/2011, Série II, de 28.04.2011, decidiu já não julgar inconstitucional a norma do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio, na parte em que aditou um n.º 5 ao artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, limitando a responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho às prestações que seriam devidas caso não tivesse havido atuação culposa da entidade empregadora.

3. Decisão: Concedida a revista, condenando-se o FAT a pagar ao Autor:

a) a pensão anual e vitalícia de € 4.647,87[2], devida desde 19.01.2016;

b) o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, no valor de € 4.303,72;

c) a quantia de € 12.454,65, a título de indemnização referente aos períodos de incapacidade temporária absoluta[3];

d) o montante de € 18,50, a título de indemnização por despesas de deslocação;

e) o montante de € 1.392,35, a título de despesas de deslocações para realização de consultas e tratamentos médicos;

f) o montante de € 1.246,57 a título de pagamento de taxas moderadoras, consultas médicas, tratamentos de fisioterapia, exames complementares e medicamentos, em consequência do acidente de trabalho.

Mantém-se no demais o Acórdão recorrido, mormente quanto á responsabilidade da Ré Seguradora.

Remeta-se à Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, junto desta Secção Social, para conhecer o outro segmento da revista do FAT.

Sem custas.

Lisboa, 1 de fevereiro de 2023

Júlio Gomes (Relator)

Ramalho Pinto

Mário Belo Morgado

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[1] Por lapso são identificados na matéria de facto dada como provada nas instâncias dois factos com o mesmo número 13. Optamos por designar um deles como 13 a) e o outro como 13 b).
[2] Decorre dos factos 10 e 13b que a retribuição anual do trabalhador era no montante de € 8.422,80 e o trabalhador teve alta a 18 de janeiro de 2016 (facto 21). O trabalhador sofre de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (facto 25), sendo portador de uma incapacidade permanente parcial de 25,91%. Quanto à pensão anual e vitalícia por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, de acordo com a alínea b) do n.º 3 do artigo 48.º da LAT será de € 8.422,80 x (0,2591 x 0,2 + 0,5), ou seja, € 4.647,87.
[3] A retribuição diária era de € 23,40 (€ 8.422,80 : 12 : 30) e, por força do artigo 48.º, n.º 3 alínea d) da LAT a prestação por incapacidade temporária absoluta corresponde a uma indemnização diária igual a 70% da retribuição nos primeiros 12 meses (€ 23,40 x 70% x 365 dias = € 5.978,70) e 75& no período subsequente (€ 23,40 x 75% x 369 dias = € 6.475,95).