Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
143/22.0T8VFC.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
PRESSUPOSTOS
ACORDÃO FUNDAMENTO
ACÓRDÃO RECORRIDO
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 11/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
Quando o fundamento específico do recurso é a existência de um conflito jurisprudencial, o recorrente deve juntar um único acórdão fundamento, nos termos do artigo 637.º, n.º 2, do CPC, não sendo esta uma situação em que quod abundat non nocet.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

*



Recorrente: Banda Lealdade

Recorrida: António Guilherme Francisco & C.ª Lda.

1. A autora – Banda Lealdade – vem interpor recurso de revista excepcional do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que confirma a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Pede, em suma, que o presente recurso seja julgado procedente e, em consequência, que o Acórdão recorrido seja revogado e substituído por outro que decida conforme requerido pela autora nos autos.

São as seguintes as conclusões da alegação de revista:

A) Tal como no Acórdão de 05.02.1985, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Pº 072437, deverá decidir-se nos presentes autos que a doação com reserva de uso ou habitação não constitui doação com clausula modal, mas antes doação com reserva;

B) Tal como no Acórdão de 31.01.2017, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Pº 258/10.7TCGMR.G1.S1, deverá decidir-se nos presentes autos que qualquer mecanismo que represente um obstáculo prático, de duração indefinida, à livre circulação dos bens é contrário à lei e à ordem pública;

C) Tal como no Acórdão de 25.02.1997, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Pº 087674,, o qual uniformizou Jurisprudência, deverá distinguir-se clausula modal de todas as reservas ao próprio direito de propriedade, como é o caso dos presentes autos, decidindo-se, em, conformidade que o mesmo constitui, sem margem para dúvidas, uma reserva e não, obviamente, uma cláusula modal;

D) Tal como no Acórdão de 14.01.2014, do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Pº 1026/12.7TVPRT.P1, deverá decidir-se que os direitos instrumentais à prossecução dos seus fins, como é o caso dos autos – sede para ministrar música – também estão contemplados na previsão normativa da isenção de custas;

E) Caso assim se não decida, conforme concluído de A a C, deverão então declarar-se inconstitucionais os artigos 2247º e 963º do Código Civil, quando entendidos que no sentido de permitirem atribuir usos vitalícios a título obrigacional, coartando assim o princípio da liberdade de transmissão inerente ao direito de propriedade consagrado no art. 62º da CRP, pois que não pode haver bens vinculados”.

Junta cópia do sumário do primeiro acórdão referido e cópia dos restantes três acórdãos referidos que, segundo alega, estão em contradição com o decidido no Acórdão recorrido e se qualificariam como “acórdãos-fundamento”.

2. A ré – António Guilherme Francisco & C.ª Lda. – pugna pela rejeição das alegações – “por não cumprirem os pressupostos de recorribilidade enunciados no artigo 672.°, n.°l, alinea c) e n.°2, alinea c) do CPC” – e, caso assim não se entenda, pela improcedência da revista e pela manutenção do Acórdão recorrido.

Conclui as suas contra-alegações assim:

1. A Recorrente, nas suas alegações, limita-se a juntar os Acórdãos que entende estarem em contradição com o Acórdão recorrido, transcrevendo-os quase de modo integral na sua peça, sem fazer qualquer análise fundamentada dos aspetos que considera idênticos e que estão em contradição, tal como a lei impõe...

2. Pelo que, desde logo, a Recorrente não cumpriu a obrigação imposta pela lei, no n.°2 do artigo 672.° do CPC, o que constitui motivo de rejeição das suas alegações, e que, desde já, aqui se requer.

3. A Recorrente junta e transcreve o texto dos Acórdãos-fundamento que entende estarem em contradição com o Acórdão recorrido, para sustentar a sua pretensão de que a cláusula testamentária objeto dos presentes autos não integra o conceito de cláusula modal - como entendeu e confirmou o Tribunal recorrido - não concretizando, no fundo, e mais uma vez, o conceito jurídico que entende estar compreendido naquela cláusula.

4. Porém, facto é que, os Acórdãos-fundamento invocados pela Recorrente não versam sobre matéria de facto comparável à dos presentes autos, ficando a questão de direito aquém dos mesmos.

5. Tais Acórdãos-fundamento não se mostram relevantes para a apreciação da causa, porquanto a matéria factual que reside nos mesmos não se mostra comparável à factualidade dos presentes autos, não estando presente qualquer contradição da matéria de direito entre os Acórdãos como pretende fazer valer a Recorrente.

6. Tudo isto faz com que as alegações apresentadas pela Recorrente não mereçam qualquer acolhimento, sendo desprovidas de fundamento e suporte jurisprudencial, devendo, por isso, improceder.

7. No que concerne à isenção de custas, no caso em apreço, a Recorrente peticionou que fosse declarado extinto o "usufruto" que entende ter sido constituído a favor da aqui Recorrida por cláusula testamentária, pedindo, ainda, que seja reconhecido o direito de propriedade da Recorrente sobre o espaço que a Recorrida ocupa no rés-do-chão do imóvel objeto dos presentes autos.

8. Como tal, a Recorrente, ao interpor a ação declarativa de condenação que deu inicio aos presentes autos, não atuou exclusivamente no âmbito das especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo estatuto. Isto porque, o reconhecimento da propriedade sobre o Rés-do-chão daquele prédio e a consequente declaração de extinção do "usufruto" a favor da aqui Recorrida não configura a prossecução de um fim atribuído à Recorrente pelo seu Estatuto.

9. Tal atuação configura, pois, um fim conveniente que não é suscetivel de lhe isentar das custas processuais aqui em causa.

10. Assim, andou bem o Acórdão recorrido quando condenou a Recorrente no pagamento das custas, não merecendo o mesmo qualquer censura.

11. Porém, e mesmo perante esta decisão do Tribunal da Relação, a Recorrente apresentou recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça - cujo efeito é meramente devolutivo - e não liquidou a correspondente taxa de justiça, mais uma vez. Pelo que, nem deveria também, por esta via, ser admitido o presente recurso.

12. A Recorrente vem, ainda, alegar que as normas contidas nos artigos 2247.° e 963.° do Código Civil devem ser declaradas inconstitucionais, porquanto entende que as mesmas coartem o princípio da liberdade de transmissão inerente ao direito de propriedade consagrado no artigo 62.° da CRP.

13. Ora, em primeiro lugar, não pode a Recorrente ampliar o pedido em sede de última instância sem nunca tê-lo feito na 1.ª e 2.ª instâncias ...

14. A verdade é que, a Recorrente, ainda assim, se limita a pedir a inconstitucionalidade daquelas normas sem nunca referir e concretizar porque é que a aplicação das mesmas se mostra inconstitucional no caso em apreço.

15. Com efeito, nas suas alegações a Recorrente, em momento algum, peticiona a desaplicação das normas contidas nos artigos 2247.° e 963.° do Código Civil, pressuposto base para suscitar adequadamente a inconstitucionalidade...

16. Facto é que, apenas se limita a pedir que as mesmas sejam declaradas inconstitucionais de forma vaga, sem fundamentação e sem conteúdo factual, o que por si só não configura uma suscitação processualmente adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa”.

3. A Exma. Senhora Desembargadora proferiu despacho em que pode ler-se:

A A./apelante, notificada do acórdão proferido por este Tribunal da Relação, veio interpor recurso de revista excecional.

A decisão quanto à verificação dos pressupostos da revista excecional, previstos no art. 672º nº 1 do CPC., compete ao Supremo Tribunal de Justiça, por força do nº 3 do citado preceito.

Assim, remeta os autos ao Supremo Tribunal de Justiça”.

4. Subidos os autos a este Supremo Tribunal, a ora Relatora proferiu despacho convidando a recorrente a suprir as deficiências das suas alegações, designadamente conformando-as com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC no que respeita tanto ao número como ao conteúdo dos documentos juntos com o presente recurso.

5. Em resposta a este convite, a recorrente veio apresentar as suas conclusões “corrigidas” e cinco documentos:

A conclusões são as seguintes:

A) Tal como no Acórdão de 05.02.1985, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Pº 072437, deverá decidir-se nos presentes autos que a doação com reserva de uso ou habitação não constitui doação com clausula modal, mas antes doação com reserva;

B) Decidiu o Acórdão de 05.02.1985, do Supremo Tribunal de Justiça, Pº 072437: I - Não constitui doação com clausula modal, mas antes doação com reservas do direito de habitação, o contrato pelo qual marido e mulher doam a um dos seus filhos, para efeitos de casamento, um predio, e " reservam para seus filhos solteiros, enquanto o forem, o direito de cozinharem na cozinha do donatario juntamente com este, dando-se bem com ele e portando-se bem, e de viverem " em determinados quartos do imovel, " com direito tambem de entrar na sala e de se servirem das camas existentes nos quartos reservados.

C) Tal como no nosso caso, trata-se aqui da reserva de um espaço do imóvel doado para terceiros: naquele para moradia, neste para uso comercial, sendo que o invocado Acórdão é muito claro (V. ponto 9) na definição de que a ocupação de espaço do imóvel doado é sempre uma doação com reserva e não com encargo, citando, para essa distinção, o Prof. Antunes Varela, no seu ponto 8, pois não há a imposição de qualquer cláusula modal ou obrigação pessoal à A., pelo que,

D) Sendo o seu conteúdo o equivalente a um usufruto, o prazo máximo, nos termos do art. 1443º do CC, é de 30 anos ou, nos termos do art. 1490º, apenas o direito de uso, e por maioria de razão, o prazo continuaria a ser de 30 anos, pois, conforme dele se extrai, ainda que se tratasse de cláusula modal ou encargo haveria sempre um limite temporal, no caso concreto do Acórdão a vida do donatário, o que no nosso caso concreto terá de ser o prazo de 30 anos, pois que não pode constituir-se uma limitação indefinidamente, quer pelo princípio a maiori ad minus, pois se o direito real correspondente não pode ser superior a 30 anos, não seria uma mera obrigação pessoal (com o mesmo conteúdo, na prática) que se tornaria eterna e, também assim, porque é essa a ratio legis dos citados preceitos 1443º e 1490º.

E) Tal como no Acórdão de 31.01.2017, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Pº 258/10.7TCGMR.G1.S1, deverá decidir-se nos presentes autos que qualquer mecanismo que represente um obstáculo prático, de duração indefinida, à livre circulação dos bens é contrário à lei e à ordem pública;

F) Decidiu o Acórdão de 31.01.2017, Supremo Tribunal de Justiça, Pº 258/10.7TCGMR.G1.S1: “Sendo contrários à lei e à ordem pública, devem reputar-se como não escritos o encargo e a condição, contidos em cláusula testamentária, prevendo um mecanismo que representaria um obstáculo prático, de duração indefinida, à livre circulação dos bens (bem imóvel e bens móveis) com que se compôs as quotas dos herdeiros - aliás, em violação da própria legítima - comprometendo ou esvaziando também o direito de partilha dos herdeiros, direito irrenunciável e indisponível.”

G) O caso deste acórdão tem por identidade com o dos autos sub judice a existência de encargos (no nosso limitações) que, no dizer deste invocado Acórdão, “violam um princípio que deve considerar-se de ordem pública no nosso sistema legal, a saber, o da livre circulação de bens”: naquele impedindo a alienação de quotas da herança, no nosso impondo ao prédio um ónus ou obrigação quase real conforme se prefira ad aeternum (pois que uma sociedade pode ter vida por muitas vidas humanas), o que contraria até o art. 62º da CRP, no sentido de que não pode haver bens vinculados (Vide Nota VIII do Professor Gomes Canotilho ao referido artigo), pelo que, nesse caso, então tal cláusula teria de ter-se por não escrita, conforme os artigos 2230º e 2186º do Código Civil.

H) Tal como no Acórdão de 25.02.1997, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Pº 087674,, o qual uniformizou Jurisprudência, deverá distinguir-se clausula modal de todas as reservas ao próprio direito de propriedade, como é o caso dos presentes autos, decidindo-se, em, conformidade que o mesmo constitui, sem margem para dúvidas, uma reserva e não, obviamente, uma cláusula modal;

I) Decidiu o Acórdão de 25.02.1997, do Supremo Tribunal de Justiça, Pº 087674: “E uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: A cláusula modal a que se refere o artigo 963.º do Código Civil abrange todos os casos em que é imposto ao donatário o dever de efectuar uma prestação, quer seja suportada pelas forças do bem doado, quer o seja pelos restantes bens do seu património.”

J) Trata-se da doação de um imóvel, tal como no nosso caso, tendo por diferença naquele ficar o donatário adstrito a uma obrigação de renda, no dizer do douto Acórdão, a “um vínculo”, enquanto no nosso haver sim, citando o mesmo acórdão, “uma limitação do conteúdo dos poderes”, o qual definiu a contrario que o caso dos nossos autos (deixar usar um espaço do próprio imóvel doado) não é nem nunca poderá ser considerado uma cláusula modal nem nenhum encargo, antes sim uma limitação, ou seja, uma reserva, ou seja, um direito de uso, sendo assim a deixa legada à ora Recorrida é, no seu conteúdo, uma reserva e não uma cláusula modal, pelo que equivalente a um usufruto/uso ou utilização, sendo o prazo máximo, nos termos do art. 1443º do CC ou art. 1490º, nunca superior a 30 anos.

K) Como se diz no testamento dos nossos autos “utilização”, o que corresponde até linguisticamente ao uso, mas ainda que fosse designação distinta, conforme o invocado Acórdão para o caso que versa: “A circunstância de esta cláusula haver sido, expressamente, autoqualificada de modal não resolve, como é evidente, a questão, sabido, como é, que o tribunal é livre no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito -artigo 664.º do Código de Processo Civil.”

L) Tal como no Acórdão de 14.01.2014, do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Pº 1026/12.7TVPRT.P1, deverá decidir-se que os direitos instrumentais à prossecução dos seus fins, como é o caso dos autos - sede para ministrar música - também estão contemplados na previsão normativa da isenção de custas;

M) No nosso caso trata-se de aumentar o espaço útil da sede, o que é uma melhoria para a aprendizagem pois que se trata de uma actividade de conjunto, sendo que por força desta invocada interpretação a ora Recorrente está isenta de custas, nos termos da al. f) do art. 4º n.º 1 do RCP.

N) Caso assim se não decida, conforme concluído de A a C, deverão então declarar-se inconstitucionais os artigos 2247º e 963º do Código Civil, quando entendidos que no sentido de permitirem atribuir usos vitalícios a título obrigacional, coartando assim o princípio da liberdade de transmissão inerente ao direito de propriedade consagrado no art. 62º da CRP, pois que não pode haver bens vinculados.

O) Foram assim violados, salvo o devido respeito, entre outras normas, os artigos 963º, 1443º, 1490º, 2230º e 2186º, 2247º e 963º do Código Civil; art. 664.° do CPC (na sua versão anterior - hoje art. 5o); a al. f) do art. 4º n.º 1 do RCP; e o art. 62º da CRP”.

Verificou-se que, além da reformulação completa das suas alegações, os documentos juntos com estas novas conclusões eram, apesar da falta de referências fornecidas pela recorrente, os seguintes:

1 – Texto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.02.1985 (Proc. 72 437) (na versão publicada, segundo se averiguou, no Boletim do Ministério da Justiça, 1985, n.º 344, pp. 406-410);

2 – Texto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.01.2017 (Proc. 268/10.7TCGMR.G1.S1);

3 – Anotação de Antunes Varela ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.02.1968, publicada na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 102.º, n.º 3384, pp. 39-43.

4 – Texto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.02.1997 (Proc. 087674); e

5 – Texto do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.01.2014 (Proc. 1026/12.7TVPRT.P1).

6. A recorrida apresentou resposta que, ao abrigo do princípio do contraditório (cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC), foi admitido na medida em que foi admitido o requerimento da recorrente.

7. Em 26.09.2023 foi proferido pela presente Relatora despacho com o seguinte teor central:

No artigo 637.º, n.º 2, do CPC, invocado no precedente despacho, dispõe-se:

“O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento1.

Resulta claro deste preceito, desde logo, que só pode ser indicado um Acórdão-fundamento para cada questão bem como que deve ser apresentada a respectiva cópia.

Uma vez que, como se assinalou no precedente despacho, a recorrente, por um lado, referia quatro acórdãos como “acórdãos-fundamento” e, por outro lado, juntava cópia do sumário do primeiro acórdão e cópia dos restantes três, considerou-se ser adequado convidar a recorrente a suprir estas deficiências, quer dizer: a fazer corresponder a cada questão o seu (único) acórdão-fundamento e a juntar cópia (não apenas o sumário) de cada um.

Este convite ao suprimento constituiu a concessão de uma oportunidade extraordinária à recorrente (saliente-se que o que a norma prevê é, literalmente, a “imediata rejeição”).

Mas esta oportunidade está limitada à correcção destes aspectos ditos “formais” e não representa – não pode representar – um pretexto para a recorrente apresentar novas alegações ou para reformular alegações no seu teor ou em substância.

No caso contrário, estar-se-ia a conceder àquele que apresentou alegações imperfeitas mais tempo do àquele que cuidou, no mesmo prazo, de as apresentar de forma irrepreensível, o que não seria, manifestamente, conforme ao princípio da igualdade e, portanto, não seria justo.

Sucede que a recorrente aproveita esta oportunidade para alterar significativamente as suas conclusões: veja-se que as conclusões, que eram, inicialmente, apenas quatro [cfr. A) a E)], são agora vinte [cfr. A) a O)], ou seja, quadruplicou-se o seu número.

Pela razão acima exposta só deve ter-se em consideração a versão reformulada na medida em que isso não exorbite da estrita identificação do Acórdão-fundamento, que era o propósito principal do convite ao suprimento.

Ora, no presente recurso de revista, a recorrente suscita as seguintes três questões:

1) a qualificação da disposição testamentária [cfr. conclusões A) a C)];

2) a isenção de pagamento de custas, ao abrigo do al. f) do artigo 4º n.º 1 do RCP [cfr. conclusão D)].

3) a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 2247.º e 963.º do CC por violação do artigo 62.º da CRP [cfr. conclusão E)].

Verifica-se que, após exercício da oportunidade de suprimento, para a questão enunciada em 1) são – continuam a ser – invocados três Acórdãos: os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5.02.1985 (Proc. 72 437), de 31.01.2017 (Proc. 268/10.7TCGMR.G1.S1) e de 25.02.1997 (Proc. 087674) e para a questão 3) (que não tem, de facto, autonomia em relação a ela), não é – continua a não ser – invocado nenhum acórdão.

Resta a questão enunciada em 2), ou seja, relativa à isenção de custas. Para ela é invocado um único Acórdão: o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.01.2014 (Proc. 1026/12.7TVPRT.P1). E junta-se também a respectiva cópia. O que significa que estão cumpridos os requisitos legalmente exigidos pelo artigo 637.º, n.º 2, do CPC quanto a esta questão.

Pelo exposto, remetam-se os autos à Formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do CPC”.

8. Na sequência disto, veio a recorrente apresentar requerimento em que expõe:

BANDA LEALDADE, Recorrente nos autos, vem, em sequência do douto Despacho de fols., dizer e requerer o seguinte:

1. No douto Despacho de fols. de 30.08.2023 convidou-se a Recorrente a “suprir as deficiências das suas alegações, designadamente conformando-se com o disposto no art. 637º n.º 2 no que respeita tanto ao número como ao conteúdo dos documentos juntos com o presente recurso.”

2. A este Despacho não se opuseram os Recorridos;

3. O douto Despacho é claro ao mandar suprir as deficiências (o que se entende como sendo todas) e não apenas aquelas que enuncia como obrigatórias “designadamente”;

4. Foi o que fez então a Recorrente;

5. Ao que também não se opuseram os Recorridos;

6. Pelo que não fará agora sentido, após a apresentação das mesmas, restringir esse suprimento apenas ao conteúdo do “designadamente”, quando não foi isso que se ordenou. Além disso,

7. A questão dos três acórdãos era e continua a ser apenas uma: a qualificação da disposição testamentária. Ora,

8. Salvo melhor opinião, “o” Acórdão fundamento a que se refere o art. 637º do CPC será obviamente o mínimo necessário, pois que a lei não diz que ele seja apenas um, nem isso faria sentido, pois quanto mais jurisprudência existir no outro lado do conflito, maiores serão as razões do Recurso. De qualquer modo,

9. E caso assim se não entenda, o Acórdão fundamento será sempre o primeiro invocado, sendo os demais subsidiários e subsequentes a ele, o que assim se requer”.

9. A recorrida apresentou resposta, defendendo a rejeição imediata das alegações da recorrente.


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Veja-se.

Tomando-se o presente requerimento como uma reclamação para a Conferência, que é possível apresentar ao abrigo do artigo 652.º, n.º 2, do CPC, pode antecipar-se já, e sem necessidade de grandes desenvolvimentos, que não há razão para alterar a decisão singular que a recorrente põe em causa.

Em primeiro lugar, verifica-se que a recorrente entende que foi convidada a suprir todas as deficiências das suas alegações. Tem de esclarecer-se que o entendimento não é correcto. A recorrente foi claramente convidada a suprir as deficiências das suas alegações, “designadamente conformando-as com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC no que respeita tanto ao número como ao conteúdo dos documentos juntos com o presente recurso”. Estava patente quais eram as deficiências objecto de suprimento e, na verdade, as únicas deficiências que é possível suprir nesta fase. Quaisquer outras, não poderiam ser supridas, nem que o tribunal quisesse. Como se explicou na decisão reclamada, nada justificaria, de facto, “brindar” os recorrentes menos diligentes com uma nova oportunidade para proceder a alterações que não fossem meramente formais, desde logo pelo perigo que isso representaria para preservação do princípio da igualdade.

Em segundo lugar, verifica-se que a recorrente entende – continua a entender – que, sendo a questão apenas uma, não fica impedida a invocação de três acórdãos-fundamentos, sendo, aliás, desejável. Também aqui há que insistir no esclarecimento já feito na decisão singular. A lei não deixa margem para equívoco: pressupondo uma questão, o artigo 637.º, n.º 2, do CPC refere-se ao (a-o) acórdão-fundamento. De resto, teria bastado à recorrente consultar a base de dados deste Supremo Tribunal de Justiça para imediatamente encontrar acórdãos interpretando a norma neste sentido [cfr., por todos, o Acórdão de 30.04.2009 (Proc. 2822/18.7T8VNF.G1.S1)].

Além do incumprimento formal da lei, e ao contrário do que pensa a recorrente, a invocação de uma pluralidade de acórdãos não é uma situação desejável nem sequer uma situação em que possa dizer-se que “quod abundat non nocet”. Explica-o bem Abrantes Geraldes a propósito da revista excepcional: “[p]or razões que facilmente se compreendem, a sustentação da admissibilidade da revista excecional deve fazer-se a partir da apresentação e apreciação de um único acórdão (relativamente a cada questão de direito cuja resposta motive a interposição de recurso), não sendo de tolerar a apresentação de diversos arestos, deixando para o STJ o ónus de proceder à sua destrinça2 e, a propósito da revista para uniformização de jurisprudência, que “[p]or razões pragmáticas, relativamente à questão de direito objeto de controvérsia jurisprudencial, juntar-se-á apenas um único acórdão, ainda que existam outros no mesmo sentido, salvo se houver multiplicidade de questões sujeitas a semelhante divergência, qualquer delas fundamental para a decisão do caso concreto3. A regra do acórdão único vale para todos os recursos de revista em que tenha de ser apurada uma contradição jurisprudencial, nomeadamente para os recursos interpostos nos termos do artigo 629.º, n.º 2, als. c) e d), e do artigo 671.º, n.º 2, al. b), do CPC, que, pela identidade de fundamento, devem ficar todos sujeitos a um regime comum4.

Finalmente, a recorrente dispõe-se a aceitar, à falta de outra solução, que o Acórdão-fundamento seja o Acórdão alegado em primeiro lugar mas já sem utilidade. A recorrente teve a sua oportunidade de suprimento, decidiu manter a pluralidade de acórdãos-fundamento e a decisão foi proferida. Cabe a esta Conferência apenas decidir se a confirma ou revoga. Em face do que se disse, a decisão não pode deixar de ser a primeira.

Pelo exposto, confirma-se o despacho reclamado e mantém-se a decisão de remessa à Formação nos termos explicitados.


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Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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Lisboa, 2 de Novembro de 2023

Catarina Serra (relatora)

Ana Paula Lobo

Isabel Salgado

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1. Sublinhado nosso.

2. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020 (6.ª edição), p. 441.

3. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., p. 543 (nota 793) (sublinhados do autor).

4. No sentido da sujeição dos recursos interpostos ao abrigo da al. c) e da al. d) do n.º 2 do artigo 629.º, do artigo 672.º, n.º 2, al. c), e do artigo 688.º, n.º 1, do CPC a um regime comum, cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., p. 73.