Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2562/20.7T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
PRESSUPOSTOS
IDENTIDADE DE FACTOS
QUESTÃO ESSENCIAL
ACORDÃO FUNDAMENTO
ACÓRDÃO RECORRIDO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O artigo 671.º, n.º 2, alínea b), do CPC, exige que ocorra contradição de jurisprudência entre o acórdão recorrido e um acórdão fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

II. Na contradição de julgados é fundamental que ocorra uma identidade entre as situações fácticas em confronto.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. Na presente acção declarativa com processo comum, em 29-6-2021, foi proferido o seguinte despacho:

“Registo da ação

Atento o pedido formulado pela autora – o reconhecimento do direito de propriedade a seu favor do pavilhão industrial sito na Cabeço ..., em ..., ..., instalado no prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial . . . sob o 111, freguesia de ..., concelho de ... a presente ação está sujeita a registo, nos termos conjugados dos arts 2º, nº1, al a) e 3º, nº1, al.a) do Código de Registo Predial.

Assim, remeta à Conservatória do Registo Predial competente certidão da petição inicial a fim de que se proceda ao registo da ação.

…”

2. Em 20.10.2021 a Conservatória do Registo Predial . . . (doravante designada por CRP), remeteu ofício à ora Recorrente, através do qual informou existirem desconformidades na descrição predial do prédio misto em apreço, o que determinou a necessidade de suprir as deficiências no pedido de registo da presente ação (AP. 2597 de 2021-08-11) – cfr. oficio constante de fls 109 dos autos.

3. Em 29.10.2021 a CRP, remeteu ao Tribunal um ofício informando que o registo da ação (AP. 2597 de 2021-08-11) foi lavrado provisório por dúvidas, pelos motivos constantes de despacho que junta - cfr. ofício constante de fls 110 a 112 dos autos.

4. Veio a autora alegar a sua ilegitimidade para suprir as deficiências do registo.

5. Na mesma data a CRP, notificou a autora que o registo referente à AP. Nº 2597 de 2021-08-11 foi lavrado provisório por dúvidas, pelos motivos constantes de despacho que junta.

Mais se consignou que dispõe de 6 meses, a contar da presente notificação para pedir a remoção de dúvidas. E nos termos doa rtº 141º, nº1 do CRP, o prazo para interposição do recurso hierárquico ou contencioso é de 30 dias a contar da presente notificação - cfr. ofício constante de fls 115 vº dos autos.

6. Em 13-12-2021 o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

“À autora cabe o impulso dos autos, nos termos previstos no art. 6º, nº1 do CPC, pelo que deverá a mesma providenciar pelo suprimento das dúvidas apontadas pela Srª Conservadora do Registo Predial, sem prejuízo do disposto no artº 281, nº1 do CPC”

7. Após, em 9-6-2022 veio a autora informar que por despacho de Qualificação da Srª Conservadora do Registo Predial de ... de 3-5-2022, foi recusada a remoção por dúvidas constantes do anterior despacho de Qualificação da Srª Conservadora do Registo Predial de ... de 28-10-2021, em virtude do qual foi interposto recurso hierárquico para o Conselho Directivo do IRN, IP.

Mais alega que “…com a interposição de recurso hierárquico ficou suspenso o prazo de caducidade do registo provisório…

Assim, não tendo havido negligência da A, por falta de impulso processual durante os últimos 6 meses, requer se digne considerar suspenso este prazo por justo impedimento, até decisão definitiva do recurso e da eventual impugnação judicial, não se considerando, por tal motivo, a eventual deserção da instância e a consequente extinção desta…”

8. Notificada para o efeito, veio a autora juntar documento comprovativo da interposição do recurso hierárquico em 6-6-2022.

9. Em 3-10-2022 foi proferido o seguinte despacho:

“A autora não demonstrou, não obstante ter sido notificada para o efeito, ter encetado diligências com visa ao prosseguimento dos autos, no prazo previsto no art. 281º, nº1, do C.P.C.

Nesta conformidade, e de harmonia com a citada disposição legal, declaro deserta a instância.

Custas pela autora. …”

10. Inconformada com esta decisão, veio a autora interpor recurso de apelação pelo qual pretendem a modificação da decisão.

11. O Tribunal da Relação conheceu do recurso e decidiu:

“Acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso procedente e em consequência revogam a decisão recorrida, determinando o normal prosseguimento dos autos.

Custas a cargo dos recorridos.”

12. Não se conformando com a decisão as RR - GESTOLIVA IMOBILIÁRIA, S.A. e O..., S.A. - apresentaram recurso de revista, admitido pelo Tribunal da Relação, tendo invocado que o faziam ao abrigo do disposto no artigo 671.º, n.º 2, alínea b), do CPC.

13. Nas conclusões do recurso consta (transcrição):

A. O presente recurso é admissível, nos termos do disposto no artigo 671.º, n.º 2, alínea b), do CPC, por tal norma também compreender as oposições de acórdãos relativamente a acórdãos proferidos em qualquer Relação.

B. O Tribunal a quo andou mal ao julgar procedente o recurso interposto pela Autora/ora Recorrida, revogando a decisão recorrida, e determinando o normal prosseguimento dos autos.

C. Por despacho de 13-12-2021, o Tribunal de 1.ª Instância determinou que cabia à Autora (aqui Recorrida) providenciar pelo suprimento das dúvidas apontadas pela Conservadora do Registo Predial, por ser à mesma que cabia o impulso processual dos autos.

D. Consta expressamente de tal despacho, através da referência “(…) sem prejuízo do disposto no art. 281º, nº1, do C.P.C.”, a cominação da deserção da instância, caso não houvesse impulso processual (através da remoção das dúvidas no registo da ação), por parte da Autora (aqui Recorrida), no prazo legal de 6 meses.

E. A Autora (aqui Recorrida):

i. Não recorreu do despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância, a 13-12-2021, pelo que se conformou com o mesmo;

ii. Não providenciou pelo suprimento das dúvidas apontadas pela Conservadora do Registo Predial;

iii. Não recorreu graciosamente, nem judicialmente, do despacho de qualificação, proferido pela Conservadora do Registos da Conservatória do Registo Predial de ..., de 28-10-2021.

F. A Conservadora do Registos da Conservatória do Registo Predial de ..., por despacho de qualificação de 03-05-2022, recusou a remoção por dúvidas, decisão essa que era a única legalmente admissível, ao abrigo do artigo 69º, n.º 1, e), do Código do Registo Predial.

G. A Autora (aqui Recorrida) interpôs recurso hierárquico de tal despacho de qualificação de 03-05-2022.

H. No caso do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (Acórdão-fundamento), o Tribunal de 1.ª Instância atribuiu ao autor a obrigação de promover a remoção das dúvidas, no âmbito do registo da ação, em virtude de tal registo ser obrigatório, tendo determinado a deserção da instância, por o autor não ter demonstrado a remoção das dúvidas, junto da Conservatória, no prazo de 6 meses, previsto no artigo 281.º, n.º 1, do CPC.

I. Contrariamente ao Tribunal a quo, no âmbito do Acórdão recorrido, no Acórdão- fundamento, foi entendido:

i. Por um lado, que, como o registo da ação é obrigatório nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do CRPredial, o dever do registo é condição necessária para a continuação da tramitação do processo; e

ii. Por outro, que, tendo a parte se conformado com a decisão do Tribunal de 1.ª Instância em lhe passar o ónus do registo da ação (concretização do mesmo, com a promoção da remoção das dúvidas, junto da Conservatória do Registo Predial), e não tendo demonstrado a remoção das dúvidas, o Tribunal de 1.ª Instância andou bem ao ter declarado a deserção da instância, visto que o autor não cumpriu o ónus que tinha sido determinado pelo Tribunal, não obstante ter sido informado da cominação do artigo 281.º, n.º 1, do CPC.

J. O Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que existe uma censurabilidade suficientemente forte para fazer emergir a aplicação do regime da deserção da instância, em razão de o autor não ter cumprido o determinado pelo Tribunal de 1.ª Instância, não obstante ter-se conformado com o mesmo (visto que não recorreu de tal decisão).

K. Entendimento que é contrário ao perfilhado pelo Tribunal a quo, não só relativamente à posição das consequências da não realização do registo da ação (pois, no Acórdão-fundamento, é entendido que o registo, sendo obrigatório, constitui uma condição necessária para a continuação da tramitação do processo; ao contrário do Acórdão recorrido, em que se entendeu que o não registo da ação não justifica a paralisação ou suspensão dos autos), mas também no que respeita às consequência do incumprimento do que foi estabelecido pelo Tribunal de 1.ª Instância, no que se reporta à decisão de o processo ficar a aguardar pelo impulso do autor, com menção expressa ao artigo 281.º, n.º 1, do CPC (visto que, no Acórdão-fundamento, é entendido que não deixa de existir uma decisão do Tribunal de 1.ª Instância, com a qual o autor se conformou, e que não foi cumprida, permitindo o autor que o processo fique parado, não obstante conhecer o entendimento do Tribunal; ao contrário do Acórdão recorrido, em que o Tribunal a quo apenas considerou que tal dever impendia sobre o Tribunal e não sobre o autor, pelo que, entendeu que não havia fundamento para a instância estar parada).

L. O Tribunal a quo, também ao contrário do Acórdão-fundamento, não dá qualquer importância ao facto de a decisão proferida a 13-12-2021 não ter sido alvo de recurso, tendo a Autora (ora Recorrida) se conformado com a mesma, permitindo, assim, que os presentes autos estivessem parados, mesmo sabendo que, de acordo com o pensamento do Tribunal, cabia-lhe o impulso processual, pelo que, não se pode deixar de entender que ocorreu uma negligência por parte da Autora/aqui Recorrida, havendo que retirar consequências de tal comportamento.

M. O certo é que a Autora/aqui Recorrida estava plenamente ciente que dispunha de 30 dias, desde a notificação do ofício da CRP ..., datado de 29-10-2021, para apresentar recurso hierárquico, ou de 6 meses para remover as dúvidas do registo.

N. Aguardando os presentes autos por tal impulso da Autora/aqui Recorrida.

O. A Autora/aqui Recorrida nada fez no sentido de remover as dúvidas e suprir as deficiências do registo predial da presente ação, apenas se manifestando no dia 09-06-2022, através do requerimento com a referência Citius n.º 8781183, informando o junto do Tribunal de 1.ª Instância que havia apresentado recurso hierárquico da decisão da CRP ..., datada de 03-05-2022.

P. Sucede que a decisão da CRP ..., datada de 03-05-2022, sustentada no artigo 69.º, n.º 1, alínea e), do CRPredial, é a única que poderia ser tomada, estando a Conservatória legalmente vinculada à mesma, devendo recusar o registo lavrado provisório por dúvidas, quando as mesmas, findo o prazo conferido para o efeito, não se mostrem removidas.

Q. Tornando-se assim inócuo o recurso hierárquico apresentado pela Autora/aqui Recorrida, sobre o despacho de recusa de registo, uma vez que a Autora/aqui Recorrida deixou esgotar o prazo que dispunha para remover as dúvidas inerentes ao averbamento do registo (seis meses).

R. E caso a Autora/aqui Recorrida pretendesse apresentar recurso hierárquico da decisão da Conservatória, dispôs do período de 30 dias – conforme lhe foi expressamente notificado – contadas a partir do ofício de 29-10-2021.

S. Por não ter reagido ao ofício de 29-10-2021, a Autora/aqui Recorrida permitiu que o mesmo se consolidasse na ordem jurídica, restando-lhe assim diligenciar no sentido de remover as dúvidas do registo, dentro do prazo que dispunha para o efeito, o que também não fez.

T. Na data em que a Autora/aqui Recorrida decidiu tomar alguma iniciativa (09-06- 2022) mostrava-se já esgotado o prazo para poder remover as dúvidas do registo (razão pela qual existe o despacho de recusa de registo datado de 03-05-2022).

U. E durante este lapso temporal – superior a 6 meses – manteve-se o respeitável Tribunal de 1.ª Instância, bem como as Recorrentes, a aguardar pelo impulso processual da Autora/aqui Recorrida, que nunca aconteceu.

V. Ocupando ainda o tempo e recursos dos próprios Tribunais.

W. Pelo que a decisão que se impunha nos presentes autos é a que veio a ser tomada pelo douto despacho do Tribunal de 1.ª Instância que declarou deserta a instância, em face da negligência da Autora/aqui Recorrida em dar impulso processual que a si lhe competia.

X. Comportando assim a douta decisão do Tribunal de 1.ª Instância, a única possível e expetável, face à negligência da Autora/aqui Recorrida em conferir o impulso processual nos presentes autos.

Y. Sendo que o recurso hierárquico apresentado no dia 09-06-2022 - oito dias antes do final do prazo previsto no artigo 281.º, n.º 1, do CPC – e que se revela mero expediente dilatório – nenhum efeito pode produzir quer quanto à recusa do registo desta ação, quer quanto à falta de impulso processual da Autora/aqui Recorrida por mais de seis meses.

Z. A taxa de justiça constitui uma contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça.

AA. A aplicar-se o remanescente da taxa de justiça, cria-se uma situação de desproporção entre a relação sinalagmática que a taxa pressupõe entre o custo do serviço do sistema de justiça e o valor devido, pelo que se requer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.

14. Foram oferecidas contra-alegações, onde se conclui (transcrição):

A. O tribunal a quo decidiu bem ao considerar procedente a Apelação do Tribunal da Relação de Évora interposta pela agora Recorrida da douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santarém.

B. A Recorrida não segue o entendimento perfilhado pelas agora Recorrentes, de que, com base na disposição legal invocada, o Acórdão da Relação é passível de recurso não só quando está em contradição com Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça mas também quando esta contradição ocorre com outro Acórdão proferido por qualquer Relação…

C. No caso dos autos, ao que parece, não existe contradição alguma entre o douto acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, e qualquer douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.

D. Ainda que assim não fosse, o douto Acórdão recorrido, está em perfeita sintonia com diversos outros acórdãos - invocados também no douto Acórdão recorrido - quer do STJ quer da Relação de Lisboa, Porto, Coimbra e Guimarães.

E. Consta do douto Acórdão recorrido, além do mais, e com relevância, que:

a) Em 29-6-2021, foi proferido o seguinte despacho:“ Registo da ação: Atento o pedido formulado pela autora – o reconhecimento do direito de propriedade a seu favor do pavilhão industrial sito na Cabeço ..., em ..., ..., instalado no prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial . . . sob o nº 111, freguesia de ..., concelho de ... – a presente ação está sujeita a registo, nos termos conjugados dos arts 2º, nº1, al a) e 3º, nº1, al.a) do Código de Registo Predial.

b) Em 20.10.2021 a Conservatória do Registo Predial . . . remeteu ofício à ora Recorrente, através do qual informou existirem desconformidades na descrição predial do prédio misto em apreço, o que determinou a necessidade de suprir as deficiências no pedido de registo da presente ação (AP. 2597 de 2021-08-11).

c) Em 29.10.2021 a CRP, remeteu ao Tribunal um ofício informando que o registo

da ação (AP. 2597 de 2021-08-11) foi lavrado provisório por dúvidas, pelos motivos constantes de despacho que junta.

d) Veio então a autora alegar a sua ilegitimidade para suprir as deficiências do registo.

e) Na mesma data a CRP notificou a autora que o registo referente à AP. Nº 2597 de 2021-08-11 foi lavrado provisório por dúvidas.

f) Mais se consignou que dispõe de 6 meses, a contar da notificação para pedir a remoção de dúvidas. …

g) Em 13-12-2021 o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: À autora cabe o impulso dos autos, nos termos previstos no art. 6º, nº1 do CPC, pelo que deverá a mesma providenciar pelo suprimento das dúvidas apontadas pela Srª Conservadora do Registo Predial, sem prejuízo do disposto no artº 281, nº1 do CPC.

h) Em 9-6-2022 veio a autora informar que por despacho de Qualificação da Srª Conservadora do Registo Predial de ... de 3-5-2022, foi recusada a remoção por dúvidas constantes do anterior despacho de Qualificação da Srª Conservadora do Registo Predial de ... de 28-10- 2021, em virtude do qual foi interposto recurso hierárquico para o Conselho Directivo do IRN, IP.

i) Invocando, ainda, que “…com a interposição de recurso hierárquico ficou suspenso o prazo de caducidade do registo provisório…” . E, ainda:

j) E, ainda, que, não tendo havido negligência da A, por falta de impulso processual durante os últimos 6 meses, requer que fosse suspenso este prazo, por justo impedimento, até decisão definitiva do recurso e da eventual impugnação judicial, não se considerando, por tal motivo, a eventual deserção da instância e a consequente extinção desta…”.

k) Notificada para o efeito, veio a autora juntar documento comprovativo da interposição do recurso hierárquico em 6-6-2022.

l) Em 3-10-2022 foi proferido o seguinte despacho: “A autora não demonstrou, não obstante ter sido notificada para o efeito, ter encetado diligências com visa ao prosseguimento dos autos, no prazo previsto no art. 281º, nº1, do C.P.C. Nesta conformidade, e de harmonia com a citada disposição legal, declaro deserta a instância.

m) Inconformada com esta decisão, veio a autora interpor recurso de apelação pelo qual pretende a modificação da decisão, terminando com as respectivas alegações, formulando as seguintes conclusões: (…).

F. Como bem reconhece o douto Acórdão recorrido, atualmente, a extinção da ins tância passou a depender de despacho judicial que, após constatar a inércia negli gente da parte em promover os ulteriores termos do processo, a julgue verificada.

G. Na esteira de um outro Acórdão do Supremo, de 05.07.2018 (processo nº 105415/12.2YIPRT.P1.S1), em Acórdão de 3 de outubro de 2019, onde se frisa que “não releva, para efeitos de deserção da instância, que o processo esteja a aguardar o impulso processual da parte por um período superior a 6 meses, se sobre a parte não recair o ónus específico de promoção da atividade processual, ou seja, se aparte não estiver onerada com o ónus de impulso subsequente, mediante aprática de determinados atos cuja omissão impeça o prosseguimento da causa”.

H. Com efeito, “tal vicissitude radica no princípio da auto-responsabilidade das partes, na medida em que lhes incumba o impulso processual subsequente, o que deve ser aferido, à luz do disposto na diretriz

geral do artigo 6.º, n.º 1, do CPC, em função do ónus de impulso especialmente imposto por lei àquelas, cumprindo, por seu turno, ao juiz dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação”1.

I. Como claramente se diz no Acórdão da Relação de Guimarães de 23.11.2017, atualmente, a regra em matéria de registo das ações reais é esta: deve o Tribunal promover oficiosamente o registo.

J. Tendo em atenção as alterações dadas pela Lei nº 116/2008, de 4 de Julho, e pela Lei nº 30/2017, e de acordo com o atual CRPredial, estão obrigados a promover o registo: a) Os tribunais no que respeita às acções, às decisões e a outros procedimentos e providências ou actos judiciais” (…).

K. Logo, não é o facto de ter sido proferido despacho a determinar que os autos aguardassem o impulso processual da autora, “sem prejuízo do disposto no art.º 281.º do CPC”, que, por si só, “faz recair sobre os mesmos qualquer ónus cujo incumprimento determine a extinção da instância, por deserção, sendo necessário que o ónus de promoção da atividade processual decorra de alguma norma legal.” (citado Acórdão de 3 de outubro de 2019).

L. Pelo que, nos presentes autos como naqueles em que foi proferido o Acórdão acabado de citar, “não havia qualquer fundamento para o Tribunal de 1ª Instância considerar a instância parada e determinar que os autos ficassem a aguardar impulso processual por parte dos interessados.

M. Pelo que a alusão que naquele despacho foi feita ao previsto no art. 281º do CPC revela-se sem conteúdo na medida em que o prosseguimento da instância não estava dependente de qualquer impulso processual por parte dos interessados.

N. Pelo que, como bem se reconhece no douto Acórdão recorrido, “para além de a referida obrigação de promover o registo da ação não impender sobre o autor, mas sim sobre o Tribunal, nada justifica a paralisação ou suspensão dos autos até à comprovação do referido registo, devendo, pelo contrário, o processo prosseguir a sua normal tramitação enquanto o Tribunal realiza as diligências tendentes ao dito registo, nenhumas consequências advindo da eventual impossibilidade de efetivar tal registo ou de o efetivar sem dúvidas”.

O. Logo, também não têm qualquer razão as Recorrentes quando alegam obstinadamente e, portanto, com manifesta má fé, que o processo esteve a aguardar impulso “por negligência da Autora”, por mais seis meses e que esta, conhecedora dos factos, “nada fez” e que “… não tomou qualquer diligência no sentido de remover as dúvidas do registo” e, ainda, “… sabendo que o processo iria ficar parado à espera do seu impulso processual, escolheu nada fazer” … (fls. 26 a 31 das Alegações das Recorrentes).

15. Distribuídos os autos, o art.º 652.º do CPC impõe ao relator que verifique se alguma circunstância obsta à admissão do recurso.

E, nessa conformidade, foi proferido um despacho convite, onde se disse:

(transcrição)

“Na situação dos presentes autos, o recurso veio interposto ao abrigo do art.º 671.º, n.º2, al. b), do CPC, onde se lê:

“2 - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a) (…..) ;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”

E os recorrentes invocam uma contradição entre o acórdão recorrido e outro proferido por um Tribunal da Relação, e não já do STJ.

Louvando-se numa interpretação doutrinal - José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 3.º, Artigos 627.º a 877.º, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, Março 2022 – indicam que devem também considerar-se aqui incluídos os Ac. dos Tribunais da Relação.

A orientação jurisprudencial do STJ dominante – e que se segue - não tem acompanhado esta leitura do preceito legal, considerando que aqui estão apenas os acórdãos do STJ, como o legislador disse.

Mesmo que assim não se entendesse, quando um recurso é interposto com fundamento em contradição jurisprudencial, incumbe aos recorrentes demonstrar a referida contradição, com explicitação clara dos seus elementos:

- identidade fáctica;

- identidade da questão jurídica;

-identidade da norma legal aplicada;

- decisão oposta no confronto dos elementos de identidade.

No que respeita à identidade dos acórdãos em confronto, da leitura efectuada decorre não existir coincidência numa aspecto essencial: em determinado momento do processo o tribunal proferiu um despacho em que entendeu já nada poder fazer para suprir as dúvidas da conservatória, relegando para as partes a tarefa de o empreenderem e fixando-lhe um prazo – e as partes aceitaram ser sua a referida obrigação (ou ónus); no acórdão recorrido uma equivalente decisão do tribunal nunca foi proferida, colocando a dúvida de saber se decorria da lei a existência do dever da parte de resolver as dúvidas da conservatória pelo facto de a lei falar no registo da acção, ou se esse dever incumbia ao tribunal;

Quanto à questão fundamental de direito discutida nos arestos em confronto também não ocorre identidade, porquanto no acórdão fundamento a questão resolvida pelo acórdão era a de saber se o tribunal teria de ouvir a parte antes de decidir pela deserção (cf. o objecto do recurso, composto das seguintes questões: 5.1.1. – nulidade do acórdão; 5.1.2. Ilegalidade do despacho por violação do art.º5º CPC e 8º, n.1 do CRP, nunca o tribunal conhecendo da questão de saber se a acção podia prosseguir sem o registo e sem o suprimento das irregularidades que conduziam à sua não concretização como registo definitivo), enquanto no acórdão recorrido a questão é outra, como aliás os recorrentes indicam e que pretendem seja analisada no recurso de revista.

Admitindo-se que ocorre um obstáculo à admissão do recurso, notifiquem-se as partes para se pronunciarem, querendo, no prazo legal, após o que se decidirá.

Sem custas.

Notifique.”

(fim de transcrição)

16. O recorrente respondeu ao convite, dizendo (extractos):

- quanto ao tipo de acórdãos em confronto:

“Salvo o devido respeito por melhor opinião, as Recorrentes não concordam com o entendimento com o qual este Colendo Tribunal refere que defenderá, quanto à (não) admissão do recurso, ao abrigo do artigo 671.º, n.º 2, al. b), do CPC, por o Acórdão- fundamento ser de um Tribunal da Relação e não deste Colendo Supremo Tribunal.


Ou seja, decorre do exposto que foi aprovada na generalidade da Assembleia da República, uma Proposta de Lei que clarificava o pretendido pelo Legislador: que o recurso de decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual, proferidas por uma Relação, podem ser objeto de revista se estiverem em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça.”

- quanto à contradição entre acórdãos apresentados:

Conforme tem vindo a ser entendimento da Jurisprudência e da Doutrina, o reconhecimento da existência de contradição de julgados, depende da verificação cumulativa de requisitos formais e substanciais, sendo de carácter substancial os

seguintes:

i) identidade da questão fundamental de direito;

ii) identidade do regime normativo aplicável; e

iii) essencialidade da divergência para a resolução de cada uma das causas.

….

Salvo o devido respeito, os Acórdãos em confronto preenchem os requisitos acima expostos, havendo, assim, a identidade necessária para a oposição de julgados.”

Em seguida o recorrente procura demonstrar que existe a referida contradição, reportando-se a cada um dos elementos que entende deverem ser observados.

17. A recorrida apresentou a sua resposta ao convite, revendo-se na posição defendida no despacho convite. Mais se propõe juntar documento superveniente, se o tribunal o julgar conveniente.

II. Fundamentação

De facto

Relevam os elementos constantes do relatório supra.

De Direito

Considerando que o recorrente exerceu o contraditório ao despacho convite do Tribunal e nele manifesta a sua discordância face ao entendimento que aí se indicou como sendo a sua perspectiva de análise, a decisão relativa à admissão do recurso é a que se indica em seguida.

O recorrente apresenta, na sua essência, dois argumentos:

1 – Uma orientação doutrinal, suportada igualmente num projecto de alteração legal, que não chegou a ser concretizado pelo legislador;

2- A ideia de que o confronto entre acórdãos que traduzem oposição de julgados pode prescindir da toda e qualquer identidade da situação fáctica a que as decisões de reportam.

Nenhuma das justificações é de acolher.

A primeira contraria a lei vigente, que é vinculativa para o aplicador do direito – o juiz – e que dela não se pode afastar com base em orientações doutrinais ou projectos de alteração legal que não chegaram a ser concretizados.

O afastamento de lei expressa ou a sua interpretação restritiva ou em sentido mais amplo do que se colhe do seu teor literal pressupõe que se encontre uma justificação mais profunda do que a aventada pelo recorrente.

A segunda porque a aplicação da lei nunca pode prescindir dos factos. E a contradição entre decisões é necessariamente um confronto entre a aplicação do direito a um conjunto de factos que tenham identidade (alguma) entre si, a que acrescem os demais requisitos.

A referência que o recorrente faz a ac. do STJ relativo ao processo n.º 558/20.8T8GMR.G1.S1-A é aliás um elemento que confirma o que se disse, e não o inverso, como se pode deduzir da leitura do extracto citado (sublinhado, agora, para facilidade de identificação):

O preenchimento destes requisitos, cuja apreciação deve ser feita com rigor, supõe que as soluções encontradas em ambos os acórdãos alegadamente em conflito correspondem a interpretações divergentes do mesmo regime normativo, situando-se no âmbito da interpretação e aplicação do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental; têm na sua base situações materiais análogas ou equiparáveis, pressupondo uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto;

….”

Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação apresentada no despacho convite, que constitui igualmente fundamento da presente decisão.

Isso significa que o recorrente não tem razão, pelo que não se admite o recurso interposto.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados, não se toma conhecimento do objecto do recurso.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 12 de Outubro de 2023


Relatora: Fátima Gomes

1º adjunto: Dr Lino Ribeiro

2º adjunto: Dr Ferreira Lopes