Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
691/22.1JAPRT.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :
I. A atenuação especial da pena nos termos do art 4.º do Dec.–Lei n.º 401/82 é de conhecimento oficioso, mas não é de aplicação obrigatória e não opera automaticamente; trata-se de um poder-dever vinculado, sendo de aplicar sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

II. Essas razões não se verificam quando a personalidade do arguido revelada nos factos se mostra especialmente desvaliosa e vincadamente propensa a um comportamento endogenamente desconforme ao direito, o que sai ainda reforçado pelos factos apurados sobre o seu percurso de vida anterior e à sua postura no julgamento, não tendo entregue a arma de fogo que utilizou na prática do crime, podendo por tudo concluir-se que não está permeável a colher o benefício ressocializador resultante de uma sanção mais benevolente por parte do sistema de justiça.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


1. Relatório

1.1. No Processo Comum Colectivo n.º 691/22.1JAPRT, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do ... - Juiz ..., foi proferido acórdão a decidir:

“- Absolver AA da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. e), h) e i), conjugados com os arts. 14º, nº 1, 22º, nºs 1 e 2, als. a) e b), 23º, 26º e 73º do CP.

- Condenar AA pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de:

- Um crime de homicídio agravado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131º, do CP, 86º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 e arts. 22.º, n.º 1 e n.º 2, als. a) e b), 23.º, n.º 1, 73.º todos do CP, na pena parcelar, especialmente atenuada também por força do Decreto – Lei nº 401/82, de 23.09, de 6 anos de prisão.

- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nºs 1, al. c) do RJAM, 14º, nº 1 e 26º do CP, na pena parcelar, especialmente atenuada por força do Decreto – Lei nº 401/82, de 23.09, de 10 meses de prisão.

- Em cúmulo jurídico de penas, condenar AA na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão.

- Condenar o arguido nas custas do processo-crime, fixando-se a taxa de justiça em 3UC.

- Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar Universitário ..., E.P.E. e, em consequência condenar o demandado AA ao pagamento do montante de €28.704,57, a que acrescem os devidos juros de mora, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil, à taxa legal, sem prejuízo de eventuais alterações da referida taxa, até efectivo e integral pagamento.

- Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto da Segurança Social, I.P. e, em consequência condenar o demandado AA ao pagamento do montante global de €2.988,18, a que acrescem os devidos juros de mora, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil, à taxa legal, sem prejuízo de eventuais alterações da referida taxa, até efectivo e integral pagamento.

- Custas cíveis a cargo do demandado.

- Ao abrigo do disposto nos arts. 67º-A e 82º-A do CPP e 16º da Lei 130/2015, de 4-9, condenar AA a pagar ao assistente BB a compensação, oficiosamente arbitrada, no montante de € 50.000,00.

- Declarar perdidos a favor do Estado os projécteis e invólucro apreendidos, ficando os mesmos, após transito em julgado da presente decisão, exclusivamente à ordem e guarda da PSP, que, na oportunidade, promoverá o seu destino – art. 78º, Lei 5/2006, de 23.02.”

Inconformado com o decidido, interpôs o Ministério Público recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo:

“1 - O arguido AA foi condenado na douta decisão recorrida pela prática de: - Um crime de homicídio agravado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131º, do CP, 86º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 e arts. 22.º, n.º 1 e n.º 2, als. a) e b), 23.º, n.º 1, 73.º todos do CP, na pena parcelar, especialmente atenuada também por força do Decreto – Lei nº 401/82, de 23.09, de 6 anos de prisão. - Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nºs 1, al. c) do RJAM, 14º, nº 1 e 26º do CP, na pena parcelar, especialmente atenuada por força do Decreto – Lei nº 401/82, de 23.09, de 10 meses de prisão. - e em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão.

2 - Em aplicação das atenuações previstas nos artºs 73º e 74º do Código Penal, por força do regime penal especial para jovens previsto no Decreto-Lei nº401/82 de 23 de Setembro, passou-se para um limite máximo de pena aplicável reduzido de 1/3 e um limite mínimo reduzido a 1/5, obtendo-se, assim, as molduras penais abstractamente aplicáveis de l mês a 9 anos, 5 meses e 12 dias (homicídio agravado tentado) e de 1 mês a 3 anos e 4 meses de prisão (detenção arma proibida).

3 - Ora, salvo o devido respeito não se pode concordar e acompanhar o citado entendimento e decidida aplicação da atenuação decorrente do regime penal especial para jovens previsto no Decreto-Lei nº401/82 de 23 de Setembro, por a nosso ver, não se verificarem em concreto os respectivos pressupostos.

4 - Com efeito, o arguido cometeu os factos aos 19 anos de idade

5 - E visou o legislador, com o regime penal especial para jovens previsto no Decreto-Lei nº401/82 de 23 de Setembro, “consagrar um tratamento diferenciado que permita uma adequada individualização das reacções da sociedade” quanto aos jovens delinquentes daquela faixa etária.

6 - Releva em concreto a previsão legal do artº 4º daquele diploma legal, segundo a qual: “Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.”

7 - Mas, atentando-se no elenco dos factos provados, bem como na fundamentação da escolha e da medida da pena, temos que o tribunal a quo fez prevalecer a idade e desconsiderou a personalidade especialmente desvaliosa revelada pelo mesmo através da prática dos factos criminosos em causa e o seu percurso de vida até ao momento da prática dos factos e depois destes, que não se reduz nem se pode equacionar tão-só como sendo o típico perfil de um jovem delinquente, numa experimentação de desviância própria da idade, inexistindo a nosso ver a aludida natural capacidade de regeneração e a crença de que o mesmo possa infletir o seu rumo de vida a que aludiram os citados acórdãos.

8 - Com efeito e quanto a personalidade especialmente desvaliosa do arguido revelada nos factos, decorre da factualidade provada, que o arguido cometeu os factos, aos 19 anos de idade (cfr.ponto 40), num bairro social onde se verifica elevada incidência de problemáticas sociais e criminais (ponto 43), e na sequência de um desentendimento/confronto físico entre o seu pais e um terceiro relacionado com uma quantia de 100€ de uma terceira pessoa de que aquele se terá apropriado, contra a vontade desta (ponto 2),

9 - Não obstante, no local da contenda se encontrarem outras pessoas e tal desentendimento não passar de verbal e físico (ponto 3,4, 5, 6) o arguido não hesitou em sair desse local e ir-se munir de uma arma de fogo municiada e pronta a disparar que bem sabia ser ilegal (ponto 7, 17 e 18) , regressando ao mesmo e que veio a usar de forma inesperada pelos presentes nos termos descritos no ponto 8 a 15 da factualidade provada, tendo efectuado, não um mas sim dois disparos a curta distância, o que evidencia os propósitos vincados de tirar a vida a um dos presentes , sendo que ambos atingiram a vitima, um dos quais quando esta já se encontrava de costas, impedindo qualquer defesa por parte da mesma - pontos 9 a12, provocando-lhe as gravíssimas sequelas constantes das factualidade provada nos pontos 19 a 38.

10 - Assim, a conduta do arguido, ao sair do local da contenda - que envolvia apenas agressões físicas e verbais e com várias pessoas presentes, ao se ausentar do mesmo e munir-se de uma arma de fogo ilegal com o propósito de a utilizar, é de altíssima censurabilidade.

11 - Acresce que ao utilizar a arma nos termos em que o fez, o arguido demonstrou total desrespeito pela vida humana, designadamente da vítima que veio a ser atingida.

12 - E tal desconsideração e total desrespeito agravou-se com o facto de o mesmo ter efectuado não um, mas sim dois disparos a curta distância, ambos dirigidos a parte do corpo onde estão alojados órgãos vitais, sendo que o segundo disparo atingiu já a vítima quando esta se encontrava de costas.

13 - Quanto as consequências da sua conduta para a vítima, as lesões sofridas pela vítima, são como o próprio Tribunal a quo considera e a demais prova o atesta, gravíssimas e irreversíveis.

14 - Acresce que não se pode obviar ainda, como o fez o tribunal a quo neste segmento da decisão, às características de personalidade reveladas pelo arguido e o seu percurso de vida, anterior e posterior aos factos, porquanto para além dos considerados pelo Tribunal, certo é que também resultam provados os seguintes factos e se evidenciam os seguintes factores, que não foram devidamente sopesados:

15 - A habitação onde o arguido residia com o seu núcleo familiar estava situado em bairro social onde se verifica elevada incidência de problemáticas sociais e criminais - cfr. ponto 43 - para o que o arguido também contribuiu de forma decisiva, pois que na sua posse tinha uma arma de fogo ilegal e pronta a disparar que de imediato e na sequencia de um confronto físico entre um seu familiar e um terceiro de imediato se muniu, sucedendo-se os demais factos provados.

16 - o seu percurso escolar pautou-se pelo desinvestimento abandonando o sistema de ensino aos 15 anos, concluindo o 5º ano de escolaridade com várias retenções e ao nível laboral não regista qualquer profissão vinculada, subsistindo do rendimento social de inserção;

17 - A toda a sua actuação, nada obstou a circunstância de nos dias seguintes estar previsto o nascimento do seu filho e as responsabilidades que tal lhe acarretaria, pois que à data residia já na ... - também num bairro referenciado por algumas problemáticas sociais associadas a criminalidade cfr. ponto 50 - com a sua companheira com 15 anos de idade já estar grávida e em fim de tempo, tendo o seu filho nascido apenas 9 dias depois dos factos em causa nestes autos, que o arguido bem sabia,

18 - Após o cometimento dos factos o arguido ausentou-se para parte incerta, não assumindo os seus comportamentos, vindo a ser detido na ..., na sequência de mandados de detenção fora de flagrante delito,

19 - Em sede de audiência de julgamento, optou o arguido inicialmente por não prestar declarações, vindo a ser reproduzidas as que havia prestado em interrogatório judicial de arguido detido onde o mesmo não assumiu os factos e apresentou uma versão dos mesmos infirmada por todos os demais elementos de prova (e bem assim pelas suas próprias declarações finais que viria a produzir a que infra nos iremos referir), o que determinou a produção de toda a prova indicada na acusação e pela vítima, incluindo a prestação dos depoimentos verdadeiramente sofridos da vítima e seus familiares e amigos, com as consequentes repercussões emocionais para os mesmos, revelando assim o arguido mais uma vez uma personalidade avessa ao bem estar dos demais, que poderia ter evitado, caso assumisse no inicio da audiência e julgamento os seus actos.

20 - Ademais, apenas em sede de declarações finais veio o arguido afirmar que as testemunhas declararam a verdade, pelo que a sua assunção dos factos nos termos em que o fez, embora confessórios, nenhum acrescento trouxeram à prova já produzida, além de que se mostram desacompanhadas de qualquer acto que traduza verdadeiro arrependimento, pois que nenhuma reparação e ou pedido de perdão fez e ou dirigiu a vítima até a presente data não obstante conhecer e saber das gravíssimas sequelas e limitações que lhe provocou, não podendo assim a nosso ver serem valoradas como verdadeiro arrependimento.

21- Acresce que não consta sequer dos autos o arguido ter entregue e ou indicar onde se encontra a arma de fogo ilegal utilizada no cometimento dos factos em causa nestes autos, mantendo assim a sua posse ilegal e o perigo de nova utilização da mesma;

22 - Por outro lado, no local onde residia a data dos factos, quer o arguido quer o seu agregado eram conhecidos e sobre quem recai uma imagem social com contornos negativos devido ao seu envolvimento em situações judiciais - ponto 51

23 - O arguido apresenta um discurso autoconcentrado nos custos pessoais e familiares decorrentes deste confronto com a justiça penas, bem como alguma imaturidade na tomada de decisões;- ponto 61

24 - E, por último, conforme referido pelo Tribunal a quo na sua fundamentação, o arguido é um jovem impulsivo, denotando imaturidade,

25 - Nesta conformidade, a personalidade do arguido revelada nos factos – pela gravidade das suas consequências para a vítima, o seu modo de actuação - motivação e recurso a arma de fogo ilegal que tinha na sua posse e pronta a disparar, bem como os bens jurídicos pessoais atingidos – mostra-se “especialmente desvaliosa” e “vincadamente propensa” a um comportamento endogenamente desconforme ao direito, o que sai reforçado pelos factos apurados sobre o seu percurso pessoal anterior e à sua postura de vida e no julgamento nos autos, não tendo até à presente data entregue a arma de fogo que tinha na sua posse, concluindo-se necessariamente que não está o arguido minimamente permeável a colher o benefício ressocializador resultante de uma sanção mais benevolente por parte do sistema de justiça.

26 - Antes se impõe, quanto a ele, e nesta fase da sua vida, uma penalização expressiva e clara pelo sistema de justiça, pois que só esta comportará um claro juízo de censura e reprovação por parte da sociedade, que permita a tomada de consciência necessária à ressocialização neste caso, pois que apesar de em declarações finais ter assumido os factos, não demonstrou o arguido sincero arrependimento, nem entregou até à data a arma de fogo ilegal por si utilizada e ou indicou onde se encontra, nem demonstrou qualquer outro sinal de respeito/reparação à vítima dos seus actos – somente evidenciou comiseração por si próprio e pelas consequências que este processo lhe acarretaram.

27 - O tribunal a quo, apesar de as percepcionar, não apreciou corretamente as elevadíssimas exigências de prevenção geral em concreto verificadas,

28 - De igual modo, desvalorizaram-se as exigências de prevenção especial, omitindo-se a análise dos factores concretos relacionados com as potencialidades de reinserção social e de reequilíbrio pessoal do arguido, sendo que a favor deste só a sua juventude e ausência de antecedentes criminais milita – e nada mais, não se podendo desconsiderar a personalidade demonstrada e todo o seu percurso de vida supra referido, e que o reconhecimento do mal cometido não foi acompanhado de actos que verdadeiramente o revelem, nem com a reparação por qualquer modo da vitima, nem com a entrega da arma e ou indicação do local onde se encontra, que o tribunal a quo não considerou.

29 - De notar que nem a circunstância de estar iminente o nascimento do seu primeiro filho, inibiu o arguido de praticar os factos em causa nestes autos.

30 - Faltou assim aqui melhor ponderar os tipos de crime em causa e o que estes revelam de uma personalidade jovem, impulsiva e imatura, que expressa assim a sua indiferença para com a vida em sociedade e da vida humana, já que a questão premente e prévia para a ressocialização do arguido é a exigência de conformar e reconfigurar asua personalidade a esse nível, sendo que o mesmo - podendo - nada fez até à data, para reparar a vítima e ou entregar a arma ilegal que tinha na sua posse.

31. Impõe-se ter ainda em conta, nesta apreciação, que o arguido mantém a arma ilegal na sua posse e que o agregado familiar do arguido se insere em bairro também ele associado a problemáticas sociais, sendo assim elevado risco de cometimento de novos crimes.

32 - Tal juízo fundado permitiria afastar, de forma legítima, a aplicação do referido regime especial para jovens delinquentes, que não foi feito para que beneficie de atenuação quem, não obstante a idade, evidencia uma personalidade imune aos efeitos nocivos para os outros das suas condutas.

33 - Conceder-lhe o benefício da aplicação ainda do regime penal especial para jovens constitui um prémio imerecido para o arguido e descura os interesses fundamentais da comunidade que não o compreenderia.

34 - As molduras penais abstractamente aplicáveis aos crimes provados deveriam pois manter-se as resultantes : - dos arts 23º, 131º e 86º da lei 5/2006 de 23/02 - de 2 anos, 1 mês e 18 dias e 14 anos, 2 meses e 20 dias; - dos artigos 86º, nº1 alínea c) do RJAM e 14º 1 6º do C.P. - 1 a 5 anos;

35 - Neste quadro legal, e aceitando-se nesta parte o demais fundamentado pelo Tribunal quo quanto à determinação da pena, sempre será de pugnar que ao crime de homicídio agravado na forma tentada cometido deve corresponder pena concreta de pelo menos 8 anos de prisão, e ao crime de detenção de arma proibida a pena concreta de 2 anos de prisão, ambas mesmo assim muito próximas dos limiares médios das respectivas molduras, tendo em conta uma visão global dos factos e as elevadíssimas exigências de prevenção geral e especial em concreto verificadas e numa pena única de pelo menos 8 anos e 10 meses de prisão.

36 - Só assim, mediante a não-aplicação do regime penal especial para jovens, previsto no D/L nº401/82 de 23/09, porque a tal não se adequa a conduta e a personalidade do arguido, se respeitarão integralmente as finalidades legais das penas, de acordo com o estipulado no artº 40º, nº1, do Código Penal: “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.”

37 - Assim sendo, ao decidir como referido quanto à determinação concreta da pena e sua escolha, o tribunal a quo violou, antes do mais, o disposto no artº40º, nº1, do Código Penal, e no artº 4º do D/L nº401/82 de 23/09.

Nessa conformidade, revogando parcialmente a decisão recorrida, de modo a não aplicar ao arguido o regime penal especial para jovens, com consequente atenuação especial, quanto à determinação da pena do arguido, e quanto ao crime de homicídio agravado na forma tentada cometido, aplicar-se pena concreta de pelo menos 8 anos de prisão, e ao crime de detenção de arma proibida a pena concreta de 2 anos de prisão, e numa pena única de pelo menos 8 anos e 10 meses de prisão.”

Igualmente inconformado com o decidido, interpôs o arguido recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo:

“I. A verdade é que o recorrente não se conforma com a medida quer das penas parcelares quer da pena única concretamente aplicada pelo douto Tribunal a quo, por a considerar desproporcional e exagerada.

II. Ora, no caso concreto do arguido recorrente não podemos deixar de pensar que não foi devidamente tida em consideração a globalidade da sua conduta aliada ao seu percurso de vida.

III. Como facilmente se conclui da leitura do texto do Acórdão ora em crise o argumento fundamental para aplicação de uma pena tão dura foi a satisfação de uma das finalidades das penas, qual seja a da prevenção geral.

IV. Na verdade, a pena que lhe foi aplicada espelha grandemente uma conceção negativa de prevenção especial que não é admissível no nosso sistema jurídico-penal.

V. Salvo o devido respeito, subjaz na decisão recorrida um efeito de defesa social através da segregação do recorrente, como se o julgador procurasse atingir a sua neutralização social duradoura.

VI. A comunidade efectivamente necessita de sentir que este tipo de criminalidade é fortemente punido, porém necessita também de sentir que a pena aplicada é justa, proporcional e adequada ao caso concreto.

VII. Como bem saberão V. Exas., uma conceção negativa da prevenção especial ultrapassa qualquer limite axiológico inerente a um Estado de Direito Democrático, e subverte-o.

VIII. O arguido recorrente apresentou a sua versão dos factos pelos quais vinha acusado, mas tal foi claramente desvalorizada pelo Tribunal a quo.

IX. E o recorrente bem sabendo quais os seus direitos, bem sabendo que o silencio em nada a iria prejudicar preferiu falar, aliás optou por falar e fê-lo com verdade.

X. E fê-lo porque era sua vontade colaborar com a justiça, demonstrara arrependimento e mostrar ao Tribunal a quo que mudou.

XI. Não podemos, ainda, desconsiderar o arrependimento demonstrado pelo recorrente que nos leva necessariamente a concluir que o seu comportamento anterior é um acto isolado na sua vida.

XII. A verdade é que condenação nos moldes concretos do Acórdão ora em crise traduz-se para o recorrente num duro revés na tentativa individual de restabelecimento, uma vez que a sua integração no mundo laboral ficará seriamente comprometida, pelas dificuldades que certamente terá em arranjar colocação laboral quando voltar a estar em liberdade.

XIII. Para não falar das dificuldades que terá em restabelecer os elos de ligação com o filho menor, a família e a sociedade em geral que, por ora se mantem intactos.

XIV. No caso concreto punir o recorrente com uma pena de prisão que terá necessariamente de ser efectiva terá um efeito mais nocivo e menos eficiente ao nível das necessidades de prevenção do que se lhe fosse aplicada uma pena inferior.

XV. Claramente ainda vai o arguido recorrente a tempo de apresenta um percurso de vida afastado do típico criminoso que vemos associados a esta criminalidade de tal forma que estamos em crer que existe a possibilidade de efectuar um juízo de prognose social favorável ao arguido.

XVI. Pode, assim, afirmar-se que relativamente ao arguido é possível formular um juízo favorável no tocante às exigências de prevenção de futuras delinquências podendo formular-se um juízo de prognose social favorável tendo o recorrente interiorizado a gravidade do actos praticados.

XVII. Por conseguinte, o acórdão recorrido deverá ser revogado no segmento decisório respeitante às penas parcelares e pena única prisão, devendo a mesma ser condenada em alternativa numa pena de prisão mais próxima do limite mínimo da moldura penal legalmente admissível, assim se respeitando as normas dos artigos 70.º, 71.º, n.º 1, do Código Penal.

Princípios e disposições legais violadas ou incorrectamente aplicadas: Artigos 40.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º e 77.ºdo Código Penal.”

O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido, concluindo:

“Pela nossa parte, em consonância com a discordância da posição do arguido, dir-se-á e tão somente que a nossa discordância com a decisão, prende-se, apenas com a aplicação do regime dos jovens adultos- Decreto-Lei nº401/82, de 23 de setembro-, que jamais deveria ter sido objeto de escolha e contemplando o arguido, aqui recorrente, pelo que as medidas concretas das penas, quer parcelares, quer da pena única aplicadas ao arguido, não poderiam ter sido mais baixas;

Daí que o recurso e a pretensão que envolve, se mostra completamente improcedente;

Assim, não lhe assistindo motivo de procedência das suas pretensões, resta-nos propugnar pela sua condenação ainda que de forma mais gravosa e como foi apontado em sede de recurso.”

O arguido respondeu ao recurso Ministério Público, concluindo:

“Bem andou o Tribunal a quo quer na análise da prova que conduziu à fixação dos factos provados quer quanto absolvição do arguido.

A decisão sobre esta matéria encontra-se motivada, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo, nenhuma delas proibidas por lei, e todas de livre apreciação do julgador, segundo as regras da experiência comum e a sua convicção (artº 127º), operando a sua análise crítica (artº 374º, 2 - todos do CPP).

Tal como resulta da fundamentação da matéria de facto, o tribunal "a quo" considerou e ponderou para efeitos de condenação a conjugação de toda a prova produzida e sobretudo ponderou a ausência da mesma.

Parece esquecer-se o recorrente que indubitavelmente há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo coma sua livre convicção.

É um facto que a aplicação do regime penal para jovens não é obrigatória e muito menos automática.

Porém, a aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos, não deixa de ser o regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária, não se fundando e nem exigindo uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente (neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 03/03/2005 e de 11/04/2007, in http://www.dgsi.pt).

Assim, dúvidas não restam que bem andou o Tribunal a quo ao aplicar o regime penal dos jovens em face do relatório social do arguido que é demonstrativo da possibilidade de fazer um juízo de prognose favorável à reinserção social do recorrente sendo o mesmo aconselhável em face da juventude e do percurso do arguido até à presente data.

Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente por não lhe assistir qualquer razão.”

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu desenvolvido e bem fundamentado parecer, no sentido da total procedência do recurso interposto pelo Ministério Público, com a consequente improcedência do recurso do arguido.

O arguido nada acrescentou, o processo foi aos vistos e teve lugar a conferência.

1.2. O acórdão recorrido, na parte que releva para o recurso, é o seguinte:

“Factos provados:

1. No dia ....-2-2022, entre as 16h15 e as 16h20, na via pública próximo da entrada nº 403, do bloco 2, da Rua ..., situada no Bairro ..., ..., ocorreu uma discussão seguida de confronto físico envolvendo pelo menos CC, pai do arguido, e DD, então cunhado do assistente BB.

2. Na origem desta altercação esteve um rumor relacionado com CC, também conhecido por EE”, pai do arguido, se ter apoderado de uma quantia de valor ao certo não apurado, mas na ordem dos 100,00 €, pertencente a terceira pessoa e contra a vontade desta, sendo certo que o relacionamento entre aquele CC e DD já era conflituoso.

3. Tal altercação deu lugar a que se juntassem várias pessoas, junto da entrada nº 403, do bloco 2, da Rua ..., sita no Bairro ..., onde residia a irmã do ofendido, FF e DD, com as filhas de ambos.

4. Para além do mais, nesse dia almoçou em casa da irmã do assistente/ofendido, o respectivo agregado familiar daquela, o assistente BB, a mãe deste e dois amigos GG e HH.

5. Assim, por força daquela altercação todas as pessoas que almoçaram em casa de FF e DD acabaram por se deslocar à rua, mais precisamente àquela entrada nº 403.

6. Por sua vez, para além do pai do arguido, estavam ainda na rua a sua mãe II e o arguido.

7. Por força de novos confrontos físicos (socos) entre CC, pai do arguido, e DD já junto à entrada nº 403, o arguido foi a casa, mais precisamente à entrada 159, do Bloco 8, do Bairro ..., buscar uma arma - semiautomática, curta, de calibre 6.35 mm Browning (também designada na terminologia anglo-americana .25ACP ou .25 AUTO), carregada com várias munições com este calibre de projéctil, em boas condições de funcionamento e pronta a disparar e cujas características e modo de funcionamento conhecia.

8. De regresso à entrada nº 403, do bloco 2, da Rua ..., sita no Bairro ..., onde continuava a confusão, o arguido dirigiu-se, com a mão atrás das costas, para DD que suspeitando que este estava armado lhe desferiu um pontapé no peito, vulgo “frontal”, tendo em consequência AA recuado cerca de dois metros, e, em acto contínuo, com o corpo já perfeitamente equilibrado, de forma rápida e àquela distância, empunhou e apontou a arma de fogo supra descrita que trazia consigo na direcção daquele DD, pressionou o gatilho por duas vezes, efectuando assim um primeiro disparo e logo de seguida um segundo disparo.

9. Visava o arguido atingir o corpo de DD que se encontrava na referida entrada n.º 403, onde também se encontravam outras pessoas e nomeadamente o assistente, não obstante, o primeiro disparo atingiu o tronco do assistente BB (no momento em que este estava de frente para o arguido), que de imediato se voltou para fugir, mas sem êxito, pois quando se encontrava de costas para o arguido foi atingido, no tronco, pelo segundo disparo.

10. Em face da curta distância a que o arguido AA se encontrava de BB e perante a forma rápida e inesperada com que empunhou a arma, a apontou e disparou por duas vezes consecutivamente, o assistente não conseguiu fugir, nem teve qualquer possibilidade de se defender ou proteger.

11. Os disparos efectuados pelo arguido AA com a referida parma, atendendo à natureza desta, à forma como foi utilizada, ao número de disparos realizados àquela distância e à parte do corpo visada, tinham aptidão para produzir o efeito pretendido pelo arguido, que era o de causar a morte de DD.

12. Os dois projécteis de 6.35 mm Browning, assim disparados pelo arguido AA com essa arma de fogo, visando atingir DD, acertaram no tronco do assistente BB, que, de imediato, caiu no chão, perdendo a sensibilidade nas pernas.

13. O primeiro projéctil penetrou no corpo do assistente BB na transição toraxicoabdominal, onde se situa a porção anterior do hemitórax direito, na sua metade inferior, com direcção inferior, posterior e da direita para a esquerda, em trajecto intra-abdominal que atingiu o fígado e o rim direito, ficando alojado na coluna sacrococcígea (coluna lombar).

14. O segundo projéctil penetrou no corpo do assistente BB e ficou alojado a nível subcutâneo na região dorsolombar, a nível da L2.

15. A zona do corpo do assistente BB atingida pelo arguido AA aloja órgãos vitais e estruturas cuja integridade é essencial para a manutenção da vida, nomeadamente, a nível abdominal e além dos órgãos efectivamente atingidos, os grandes vasos abdominais (aorta abdominal e complexo mesentérico) e o pâncreas.

16. O arguido AA agiu deliberada, livre e conscientemente com o propósito de tirar a vida de DD, resultado que apenas não conseguiu alcançar por motivos alheios à sua vontade e por mero acaso, bem sabendo que, ao actuar da forma exposta, a sua conduta era adequada a causar morte daquela pessoa, resultado que representou e pretendeu que acontecesse. Mais sabia ser a sua conduta proibida e punida por lei.

17. O arguido AA não possui, nem nunca possuiu, licença de uso, detenção ou porte de arma de fogo e munições com o aludido calibre, nem existe qualquer registo ou manifesto de armas ou munições em seu nome.

18. O arguido AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, no que concerne à detenção e utilização daquela arma de fogo e respectivas munições de igual calibre, cujas características e modo de funcionamento conhecia, bem sabendo que não tinha licença de uso, detenção ou porte de arma de fogo e munições, nem que tal arma e munições estavam registadas e manifestadas, ciente, portanto, de que não estava autorizado a actuar dessa forma e que o fazia fora das condições legalmente permitidas. Mais sabia ser a sua conduta proibida e punida por lei.

19. O assistente na data dos factos exercia a profissão de montador de andaimes, tendo celebrado, a ... .03.2021, contrato de trabalho temporário, a termo incerto, com a sociedade S..., Lda., auferindo cerca de €710,43/mês, sendo que em consequência da conduta do arguido ficou incapacitado para o trabalho, sofrendo um prejuízo patrimonial de valor não concretamente apurado.

20. O assistente na data dos factos namorava, planeava juntar-se com a sua namorada e ter filhos, sendo que, por força da condição física e psíquica em que ficou em consequência da conduta do arguido, tal relacionamento terminou.

21. O assistente tinha 29 anos de idade, sendo um jovem alegre, cheio de vida, saudável, trabalhador, praticava futebol, gostava de andar de bicicleta e fazer caminhadas, actividades que em consequência directa e necessária do arguido se encontra fisicamente impossibilitado de fazer.

22. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o assistente sentiu, no momento, dores, ficou sem sentir as pernas, sentiu desespero, raiva, revolta, fez tudo de tudo para se manter acordado, pensou que ia morrer, teve medo e sentiu pânico.

23. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o assistente sente, actualmente, angustia face às limitações físicas com que ficou, sente-se frustrado, desanimado, constrangido, triste e revoltado, sem vontade de viver, sente que só dá trabalho à sua mãe(cuidadora),sentindo-se impotente.

24. Com efeito, em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o assistente sofreu e sofre dores, ferimentos e lesões irreversíveis, à presente data ainda não totalmente consolidadas, com alterações das suas capacidades físicas e mentais, nomeadamente: - Na porção anterior do hemitórax direito, na sua metade inferior, onde o primeiro projéctil entrou; - No fígado e no rim direito, atingidos pelo primeiro projéctil no seu trajecto, com laceração hepática, lesão da junção pielo-ureteral/ureter proximal do rim direito, lesão do músculo à direita e comprometimento da função do rim direito; - Na coluna sacrococcígea (coluna lombar), onde o primeiro projéctil ficou alojado, com traumatismo vertebro-medular (TVM) que provocou lesão medular com afectação do sistema neurológico e paraplegia irreversível, decorrente do impacto directo causado pelo trajecto deste projéctil em L1; - Na região dorsolombar, com fractura da ponta da faceta de L3 à direita, e a nível da L2, sem provocar lesões significativas, onde o segundo projéctil ficou alojado; -Cicatriz abdominal xifopúbica cirúrgica, observando-se cicatriz pericentimétrica no hipocôndrio direito, que corresponderá ao orifício de entrada de um dos projécteis; - Cicatriz irregular, dismórfica, com sensivelmente 2 a 2,5 cm de maior diâmetro, na linha média da transição dorsolombar, que se relaciona com extracção percutânea de um dos projécteis.

25. As lesões resultantes da actuação do arguido AA implicaram o comprometimento da função locomotora do assistente BB, que se desloca exclusivamente em cadeira de rodas, não sendo ainda possível prever até que ponto se irá verificar alguma recuperação funcional, que sempre será, em condições normais e caso se verifique, muito limitada.

26. A nível funcional, o assistente BB não tem praticamente força muscular no membro inferior direito, ainda que tenha recuperado alguma sensibilidade nesse membro.

27. As lesões resultantes da actuação do arguido AA acarretaram também a incapacidade do assistente BB em controlar emissão de fezes e urina, necessitando, por isso, de fraldas e algaliação.

28. Por causa das lesões resultantes da actuação do arguido AA, o assistente BB tem reduzida de forma muito significativa a capacidade de realizar as suas actividades e de utilizar o seu corpo, sendo que se suspeitou que a lesão renal poderia vir a evoluir para a perda completa do rim direito.

29. No que se reporta a fenómenos dolorosos, devido às lesões resultantes da actuação do arguido AA, o assistente BB sofre de espasmos musculares recorrentes na musculatura da coxa esquerda, com alodínia nessa região, sendo o único tipo de sensibilidade que aí mantém.

30. Relativamente à cognição e afectividade, em virtude das lesões irreversíveis e do sofrimento infligido em resultado da actuação do arguido AA, o assistente BB chora com facilidade, padece de ansiedade, com episódios de alteração do sono em que acorda desorientado e revive o evento, encontrando-se apreensivo acerca das suas perdas funcionais e impacto futuro.

31. As referidas lesões demandaram, para o contínuo de doença, com afectação da sua capacidade de trabalho geral e profissional.

32. Mercê dos ferimentos sofridos e da sua gravidade, o assistente BB só não perdeu a vida por mero acaso, porquanto foi prontamente assistido por médicos e enfermeiros do INEM que se deslocaram ao local, transportado de urgência para o Centro Hospitalar ... e submetido de imediato a intervenções médico-cirúrgicas, tendo estado mecanicamente ventilado, em sedoanalgesia (coma induzido) durante 10 dias, período no qual permaneceu em unidade de cuidados intensivos e com prognóstico reservado.

33. Com efeito, o assistente deu entrada no serviço de urgência do CH... pelas 16h56 do dia 06-02-2022, trazido pela VMER, hemodinamicamente estável. Foi encaminhado para a sala de emergência, por ter sido atingido por 2 projécteis - "uma porta de entrada base tórax direito anterior abaixo do mamilo, e uma porta de entrada no dorso". Ao exame objectivo apresentava ventilação espontânea, estabilidade hemodinâmica, embora taquicárdico,estado de consciência normal (valor 15 na escala de comas de Glasgow). Tinha distensão abdominal, descrita como muito dolorosa à palpação superficial, paraplegia dos membros inferiores com nível sensitivo até L2-L3, sem reflexo anal e com faixa disestésica de D12 a L2-L3. O exame imagiológico demonstrou presença de dois corpos estranhos - projécteis - um deles a nível subcutâneo junto à apófise espinhosa de L2, o outro na vertente posterior do canal medular ao nível de S2. Apresentava fracturas em L1 e L3 (facetas articulares). Registou-se também hemoperitoineu, lesão renal grau III/IV no rim direito e laceração hepática, havendo ainda suspeita de ruptura do cólon. Foi submetido a tratamento cirúrgico em regime de emergência por neurocirurgia, cirurgia geral e urologia. Prosseguiu cuidados no CHV..., onde iniciou tratamento de reabilitação através do CRN.

Durante o internamento padeceu de úlcera de pressão maleolar; trombose venosa profunda na veia femoral comum direita, tratados conservadoramente. Teve também acompanhamento por Psiquiatria de Ligação, dada a natureza do evento e das lesões resultantes, estando descrita “reação de ajustamento normal e adequada (…) caracterizada sobretudo por alguma sintomatologia ansioso-depressiva e labilidade emocional”, sem necessidade de tratamento farmacológico. Em Maio desenvolveu quadro de febre. Esteve reinternado no serviço de Urologia CH... entre 11-05-2022 e 25-05-2022 (suspendendo temporariamente internamento no CRN), por infecção por Kelbsiella, tendo sido detectado abcesso no rim direito. A infecção foi tratada conservadoramente (com antibioterapia).

34. A 17.05.2022 o assistente, tal como no presente, desloca-se exclusivamente em cadeira de rodas; apresenta choro fácil, ansiedade, episódios de alteração do sono em que acorda desorientado e revive o evento; demonstra ainda apreensão acerca das suas perdas funcionais e impacto futuro; apresenta incontinência urinária e de fezes, necessitando de algaliação e uso de fralda; sofre de espasmos musculares recorrentes na musculatura da coxa esquerda, com alodínia nessa região (refere ser o único tipo de sensibilidade que mantém aí); o assistente recuperou alguma sensibilidade no membro inferior direito, ainda praticamente sem força muscular; encontra-se impedido de realizar as suas actividades normais, dado encontrar-se com os membros inferiores praticamente paralisados, estar nefrostomizado e algaliado e precisar de estar em regime de alectuamento; o assistente encontra-se inactivo profissionalmente desde o evento em apreço.

35. Desde a data do evento e até ao presente o assistente toma medicação, cujo custo não foi possível apurar.

36. O assistente actualmente faz autoalgaliação várias vezes ao dia, para esvaziamento vesical, e controla as dejecções com fármacos, também de forma autónoma; mantém espasmos musculares dolorosos na coxa esquerda, referindo, no entanto, melhoria desse sintoma; consegue efectuar movimentos ligeiros com o membro inferior direito, continuando com pouca força muscular; consegue realizar as suas actividades da vida diária mais autonomamente, após treino no CRN, ainda com dificuldades importantes tendo em conta as limitações inerentes à perda funcional dos membros inferiores, pelo que precisa ainda de terceira pessoa que o auxilie.

37. A 22/11/2022 o assistente já não apresentava risco de perda renal à direita por infecção.

38. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o assistente foi admitido na sala de emergência do Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Universitário ..., E.P.E., tendo os custos dos cuidados de saúde ao mesmo prestados importado em €28.704,57, não tendo este valor sido pago.

39. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido o Instituto da Segurança Social, I.P. pagou ao assistente, a título de subsídio de doença durante o período de 07.02.2022 a 24.06.2022, o montante de €1.798,38 (subsídio diário de €15,74) e durante o período de 26.06.2022 a 23.09.2022, o montante de €1.189,80 (subsídio diário de €13,60), num total de €2.988,18.

Mais se provou.

40. Na data dos factos o arguido tinha 19 anos de idade.

41. Nada consta no certificado de registo criminal do arguido.

42. AA, que integra um conjunto de sete irmãos, protagonizou um processo de desenvolvimento psicossocial num ambiente familiar caracterizado pela coesão e solidariedade, de etnia .... O agregado familiar de origem do arguido é constituído pelos pais, ambos com 44 anos, desempregados, e por 4 irmãos, com 19, 16, e gémeas de 6 anos de idade, subsistindo do RSI.

Os pais desenvolviam ambos actividade de vendedores ....

43. A habitação onde AA residia juntamente com o núcleo familiar, está situada em bairro social onde se verifica elevada incidência de problemáticas sociais e criminais.

44. O seu percurso escolar, pautou-se pelo desinvestimento, abandonando o sistema de ensino com 15 anos de idade, concluindo o 5º ano de escolaridade com várias retenções.

45. Ao nível laboral não regista qualquer experiência profissional vinculada, subsistindo do Rendimento Social de inserção (RSI).

46. AA permaneceu no agregado familiar de origem até estabelecer relação afectiva com coabitação, em 2021, com JJ, com 15 anos de idade, altura a partir da qual passou a residir maioritariamente em casa dos pais da companheira na zona da .... Contudo, efectuava deslocações regulares ao agregado familiar de origem, no ....

47. O casal tem um descendente nascido a ....02.2022, aos cuidados da companheira e familiares desta.

48. À data dos fatos o arguido já estava a residir na .... Estava inserido no agregado familiar da companheira, constituído por aquela, por KK, “sogro”, que se dedica à recolha de sucata, LL, “sogra”, 47 anos, doméstica, MM, “cunhado”, 30 anos, e NN, filho do arguido e de JJ.

49. A mãe de JJ é tia materna do arguido e neste concelho residem também os seus avós maternos. São evidenciados neste agregado sentimentos de afectividade e solidariedade.

50. A família reside em habitação camarária, situada num pequeno bairro referenciado por algumas problemáticas sociais associadas à criminalidade.

51. Insere-se na zona urbana da cidade, onde o arguido, bem como o agregado são conhecidos e sobre quem recai uma imagem social com contornos negativos devido ao seu envolvimento em situações judiciais.

52. O quotidiano do arguido era dedicado ao convívio com a família e recolha de sucata juntamente com o “sogro”.

53. O agregado é beneficiário do RSI no valor mensal de 159 euros, a que acresce a pensão de invalidez e complemento recebidos por KK e 180 euros respeitantes ao filho do arguido (prestação familiar).

54. As despesas fixas mensais respeitam à renda mensal da habitação no valor de 6 euros, electricidade, gás e água, num valor conjunto médio que ronda os 77 euros mensais.

55. Apesar de algumas dificuldades de ordem económica não são detectadas privações ao nível das necessidades básicas de subsistência.

56. Este agregado familiar afirma ter condições para receber o arguido quando restituído à liberdade, mantendo as mesmas condições que na data da reclusão daquele.

57. Os elementos do agregado familiar de origem do arguido preservam o apoio afectivo e material àquele, consubstanciado em visitas regulares ao estabelecimento prisional.

58. AA encontra-se preso no Estabelecimento Prisional ... desde ...-02-2022 à ordem do presente processo.

59. Em meio prisional o arguido tem adoptado uma conduta em conformidade ao disciplinado, evidenciou motivação na aquisição de competências laborais, primeiramente inserido como faxina e desde ...-04-2022 na ....

60. Relativamente aos factos pelos quais está acusado, reconhece a ilicitude deste tipo de comportamento delituoso e a existência de potenciais vítimas, manifestando vivenciar com penosidade a sua presente situação jurídico-penal.

61. Apresenta um discurso autocentrado nos custos pessoais e familiares decorrentes deste confronto com o sistema de justiça penal, bem como alguma imaturidade na tomada de decisões.

62. O arguido em declarações finais reconhecimento do mal cometido, confessou os factos integradores de responsabilidade criminal tal como supra descritos, afirmando ter agido conforme o depoimento das testemunhas ouvidas em audiência.

(…)

Escolha e medida da pena.

Em consonância com o disposto no art. 71º do CP, interpretado à luz do art. 40º do mesmo diploma legal, a determinação da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido. Fixando-se o limite máximo daquela de acordo com a culpa; o limite mínimo, de acordo com as exigências de prevenção geral; e a pena a aplicar, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso concreto convenham.

Tudo isto sem prejuízo do respeito devido aos limites mínimos e máximos da pena aplicável em abstracto.

A determinação da natureza e medida da pena far-se-á, assim, em função da culpa do arguido, por forma a satisfazer as particulares exigências de prevenção especial, tendo em vista a recuperação daquele e apelando ao seu sentido de responsabilidade na coesão de todo o restante tecido social, sem deixar de atender à ideia de intimação e dissuasão ou de pura prevenção geral negativa e ainda sem perder de vista a prevenção geral positiva.

Diz o art. 70º, do CP que se "ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."

O crime de homicídio prevê uma moldura penal abstracta de prisão de 8 a 16 anos, sendo, nos termos do n.º 3, do art. 86º da Lei n.º 5/2006, de 23/02, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, do que resulta uma moldura penal abstracta de prisão de 10 anos e 8 meses a 21 anos e 4 meses.

Impõe-se proceder à especial atenuação da pena, por força do disposto no art. 23º, n.º 2, do CP, sendo que o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço e o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior (art. 73º, do CP), passando a moldura penal abstracta a ser de prisão de 2 anos, 1 mês e 18 dias a 14 anos, 2 meses e 20 dias.

Por seu turno, a moldura penal abstracta aplicável ao crime de detenção de arma proibida é de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

Só o crime de detenção de arma proibida prevê alternativamente pena de prisão ou multa.

Vejamos então e quanto ao arguido que em termos de prevenção geral e, por forma a não pôr em causa a crença da comunidade na validade do sistema e das normas jurídicas violadas, há que realçar que a comunidade dificilmente compreenderia a aplicação ao arguido de penas não detentivas, mesmo relativamente ao ilícito em que a lei prevê a possibilidade de imposição de pena de multa em alternativa.

Com efeito, entendemos que a protecção dos bens jurídicos como finalidade da punição não ficaria assegurada se fosse dada prevalência à pena não detentiva prevista na lei para o referido ilícito.

“O Supremo Tribunal de Justiça já teve ocasião de se pronunciar, a propósito de questão diversa, sobre as penas compósitas de prisão e de multa (Ac. 28.6.2001, proc. n.º 1567/01, relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira), historiando a evolução legislativa e o pensamento do legislador sobre esta questão, desde a versão originária do C. Penal. Como aí se cita, o Prof. Figueiredo Dias sobre a pena complementar de multa refere: "Uma tal pena «mista» é, numa palavra profundamente dessocializadora, além de contraditória com o sistema dos dias de multa: este quer colocar o condenado próximo do mínimo existencial adequado à sua situação económico-financeira e pessoal, retirando-lhe as possibilidades de consumo restantes, quando com a pena «mista» aquele já as perde na prisão! E mostrando-se sensível a esta apreciação crítica, o legislador deu-lhe guarida já que, segundo o preâmbulo do DL n.º 48/95, de 15 de Março, expressamente se aceitou «o abandono da indesejável prescrição cumulativa das penas de prisão e multa na parte especial”

Pelos mesmos motivos porque na vigência do Código Penal anterior eram visíveis os inconvenientes das chamadas penas mistas de prisão e multa, na vigência do actual, em caso de cúmulo jurídico, é de evitar, na medida do possível, a aplicação de pena parcelar de multa com pena de prisão, devendo em tal caso, salvo razões ponderáveis, dar-se preferência a uma pena única de prisão. Mais, se na pena única conjunta importa incluir necessariamente uma pena de prisão, impõe-se, na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas «penas mistas» de prisão e multa. - Cfr. Sumário do ASTJ de 29.06.2004, Pereira Madeira com Simas Santos e Santos Carvalho no Processo 05P2106, in www.dgsi.pt;

É assim de todo aconselhável e adequada a opção pela pena de prisão quanto ao crime de detenção de arma proibida, por ajustada à gravidade do ilícito em causa, bem como às necessidades de prevenção geral e especial, seguindo-se assim de perto o entendimento do STJ, bem como o dos Ac. TRP de 22-09-2010, proferido no 439/07.0PUPRT.P1, in http://www.dgsi.pt/jtrp. e no processo nº 240/10.4SPPRT.P2, da 1ª Secção Criminal do TRP, gentilmente cedido pelo seu relator, Desembargador Castela Rio.

Posto isto, impõe-se ponderar, atenta a idade do arguido à data dos factos – uma jovem com 19 anos de idade – a aplicação do regime especial dos jovens imputáveis prevenido no Decreto – Lei nº 401/82, de 23.09.

Como é sabido, subjazem aos objectivos do regime especial dos jovens imputáveis, com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos, constante do citado diploma, relevantes interesses públicos de justiça e de política criminal.

Resulta expressivamente do preâmbulo do mencionado DL nº 401/82 que esses objectivos se traduzem no intuito de, sempre que possível e adequado às exigências concretas de prevenção especial e geral, se optar, relativamente aos jovens imputáveis, por medidas ou sanções que, tendo em conta o processo real de desenvolvimento do jovem, promovam a sua responsabilização e socialização ou ressocialização sem os referidos riscos evitáveis de efeitos criminógenos de estigmatização e de marginalização frequentemente ligados às medidas institucionais, designadamente às penas de prisão (…).

Em harmonia com tais objectivos, esse regime especial prescreve, além do mais, no seu art. 4º que, no caso de ser de aplicar pena de prisão, ela deve ser especialmente atenuada – independentemente da verificação das circunstâncias com os efeitos previstos na segunda parte do nº 1 do art. 72º do C.P., indicadas, a título exemplificativo, no nº 2 deste artigo – sempre que o Tribunal tenha sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

O regime que ora se chama à colação acolheu o ensinamento de outros ramos do saber que explicam que na adolescência e no início da idade adulta, os jovens adaptam-se ou não, melhor ou pior, em maior ou menor grau, às várias transformações que vivenciam. Neste ciclo de vida, não raramente, os jovens enveredam por condutas ilícitas, mas em regra a criminalidade é um fenómeno efémero e transitório (como referem Norman A. Sprinthall; W. Andews Cllins, Psicologia do Adolescente, uma abordagem desenvolvimentista, 1994, pág. 501).

Como resulta do art. 4º do mencionado diploma, a aplicação do regime nele consagrado só se justifica se o tribunal tiver sérias razões para crer que da atenuação resultariam vantagens para a integração social. Não basta, pois, considerar a idade do arguido. Deve o tribunal convencer-se, em razão de elementos objectivos e fundamentados, que a atenuação especial da pena irá facilitar o processo de reinserção social que a própria pena visa.

É certo que os factos cometidos pelo arguido são muito graves, violadores do bem jurídico máximo (vida) e da defesa da ordem e segurança públicas contra o cometimento de crimes, em particular contra a vida e a integridade física, o que se reflecte nas molduras penais aplicáveis, e revelam uma personalidade em desconformidade com a pressuposta pela ordem jurídica.

Mas, por outro lado, é preciso não esquecer que o arguido tinha apenas 19 anos de idade à data da prática dos factos e não há notícia de antecedentes criminais. É um jovem impulsivo, denotando imaturidade, no entanto reconhece a ilicitude dos factos praticados e a existência de potenciais vítimas, manifestando vivenciar com penosidade a sua presente situação jurídico-penal.

Em meio prisional o arguido tem adoptado uma conduta em conformidade ao disciplinado, evidenciou motivação na aquisição de competências laborais, primeiramente inserido como faxina e desde ...-04-2022 na ....

O arguido tem família constituída e tem um filho nascido a ........2022, beneficiando do apoio daquela e da sua família de origem.

De notar que os factos ocorreram numa situação em que o pai do arguido se havia envolvido em confrontos físicos e que os ânimos estavam exaltados, tendo o arguido sido atingido com um pontapé no peito que lhe desferiu DD.

Finalmente, haverá que considerar todo o meio evolvente em que se deu o processo de crescimento do arguido, conforme plasmado na factualidade provada e as suas declarações finais de reconhecimento do mal cometido e de credibilização do depoimento das testemunhas, um início de um processo reflexivo sobre a conformação da sua conduta com as normas vigentes.

Assim, entende-se ser de aplicar o regime penal para jovens delinquentes e a atenuação especial da pena nele prevista.

As molduras abstractas para os crimes cometidos pelo arguido especialmente atenuadas, nos termos dos artigos 4º do Decreto – Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro e 73º do Código Penal, passam a ser as seguintes:

- 1 mês a 9 anos, 5 meses e 22 dias para o crime de homicídio agravado, na forma tentada;

- 1 mês a 3 anos e 4 meses para o crime de detenção de arma proibida.

Importa agora ponderar o grau de ilicitude dos factos, devendo, no caso da tentativa de homicídio ser relevada a elevadíssima gravidade das lesões causadas, o internamento a que a vítima foi sujeita, tendo sido operada, o seu padecimento, bem como as gravíssimas limitações físicas que resultaram para a vitima.

A culpa do arguido é intensa, dado radicar na sua vertente mais grave – a do dolo directo.

O desconexo motivo para a tentativa de homicídio, tradutor de uma personalidade do arguido imatura e profundamente impulsiva.

As exigências de prevenção geral, não apenas negativa, de intimidação, mas sobretudo positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação das normas ocorrida, fazem-se sentir, principalmente no quadro actual da sociedade, com fortíssima intensidade, uma vez que tal tipo de crime tem vindo a causar grande perplexidade quanto à sua difusão e forte alarme social, assistindo a sociedade incrédula a tais tipos de situações, em que por um qualquer motivos, se atenta contra a vida humana.

E ainda maior é a preocupação quando se assiste à utilização de armas de fogo, estando a sua posse, pese embora as restrições legais, cada vez mais disseminada, não obstante a perigosidade que as mesmas acarretam.

Assim, a necessidade da reafirmação contrafáctica de tais normas, é muito elevada.

No que diz respeito à prevenção especial (negativa e positiva ou de socialização), mas também com relevância por via da culpa, há a considerar: - a ausência de antecedentes criminais do arguido; todo o percurso de vida do arguido, incluindo as habilitações literárias, as condições sociais, familiares e económicas, etc, designadamente as existentes na data da prática dos factos, bem assim as suas condições de vida actuais, tal como resulta da matéria de facto provada; a idade do arguido na data dos factos, um jovem com 19 anos de idade; as declarações do arguido no final do julgamento de reconhecimento do mal cometido e de credibilização do depoimento das testemunhas, um inicio de um processo reflexivo sobre a conformação da sua conduta com as normas vigentes.

Assim, ponderado tudo quanto vai dito, considera-se adequada e suficiente, tendo, ainda, em conta as exigências gerais de culpa e de prevenção, aplicar ao arguido pelo crime de homicídio agravado, na forma tentada, a pena parcelar de 6 anos de prisão e pelo crime de detenção de arma proibida a pena parcelar de 10 meses de prisão.

Estabelece o art. 77º, do CP que:

“1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.

4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.”

A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.º 2, do art.º 77º, do CP, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura, varia entre o mínimo de 6 anos de prisão e o máximo de 6 anos e 10 meses de prisão.

Segundo preceitua o supra citado n.º 1 do art. 77.º do CP, na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que deverá ter-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente.

Assim, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.

No que concerne à personalidade do agente importa avaliar se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência, (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade.

Analisando os factos verifica-se que os mesmos constituem um complexo delituoso ocorrido em particulares circunstâncias, sendo que o arguido não tem antecedentes criminais, pelo que somos a defender que os mesmos constituem uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do arguido.

Destarte, considerando os motivos subjacentes à prática dos factos, atendendo ainda aos factos apurados, à ilicitude e culpa decorrentes dos mesmos, e à personalidade do arguido documentada também nas condutas concretamente empreendidas, e todas as acima circunstâncias que militam em favor e desfavor do arguido, o tribunal julga por justo e equilibrado fixar a pena única de 6 anos e 3 meses de prisão.”

2. Fundamentação

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas respectivas conclusões (art. 412.º, n.º 1, do CPP), as questões a apreciar respeitam a: no recurso do Ministério Público, aplicação do regime penal previsto para jovens delinquentes e medida das penas parcelares e única; no recurso do arguido, medida das penas parcelares e única.

Atenta a identidade de questão colocada nos dois recursos, no concernente à medida das penas parcelares e única, proceder-se-á a tratamento conjunto. A abordagem simultânea não prejudicará a análise e ponderação dos motivos apresentados nos dois recursos, onde, na impugnação das penas, se concluiu respectivamente com petições de sinal contrário: o Ministério Público peticionou o agravamento das penas, o arguido a redução.

Da leitura da motivação e das conclusões do recurso do Ministério Público constata-se que pugna pelo agravamento das penas na sequência da desaplicação do regime penal para jovens delinquentes. Da leitura da motivação e das conclusões do recurso do arguido constata-se que pede a redução de penas, pois “punir o recorrente com uma pena de prisão que terá necessariamente de ser efectiva terá um efeito mais nocivo e menos eficiente ao nível das necessidades de prevenção do que se lhe fosse aplicada uma pena inferior”, e conclui com uma proposta de pena de prisão “que terá necessariamente de ser efectiva” mas será mais ”eficiente ao nível das necessidades de prevenção” se “for aplicada pena inferior”.

2.(a) Da aplicação do regime penal previsto para jovens delinquentes

O arguido tinha dezanove anos de idade à data da prática dos factos, e o tribunal usou da faculdade de atenuação especial da pena prevista no art. 4.º do Dec.-Lei n.º 401/82, diploma que prevê um regime específico para jovens entre os dezasseis e os vinte e um anos de idade.

De acordo com a norma aplicada, o juiz deve atenuar especialmente a pena nos termos dos arts 72.º e 73.º do CP quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça não tem sido absolutamente uniforme na aplicação deste regime. As posições orientam-se, por um lado, no sentido de que a atenuação deve operar sempre perante a juventude do condenado salvo em presença de factores negativo, pelo outro, no sentido de que a atenuação não deve acontecer a não ser em presença de circunstâncias positivas a acrescer à juventude do condenado (v. Souto Moura, A jurisprudência do STJ sobre fundamentação e critérios de escolha e medida da pena, Revista do CEJ, nº 13, pp. 112-113).

Perfilha-se a posição de que “a aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é tanto obrigatória como oficiosa”. E “ela constitui o regime regra aplicável a todos os arguidos que estejam compreendidos nas categorias etárias que prevê, verificados os pressupostos que condicionam a sua aplicação; constitui no rigor um regime específico e não um regime especial. É o que resulta do art. 2.º do D.L. 401/82” (acórdão do STJ de 07.11.2007, rel. Henriques Gaspar).

Este regime específico de jovens, ou regime-regra para jovens, não deixa, no entanto, de ser de aplicação não automática. E implica a ponderação dos factos em conjunto com a personalidade do jovem condenado, já que a norma exige a existência de sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social.

Numa síntese do acórdão do STJ de 31.3.2011 (rel. Raul Borges), a atenuação especial ao abrigo do regime visando os jovens adultos não é de aplicação necessária e obrigatória, não opera de forma automática, é de conhecimento oficioso, a consideração da sua aplicação não constitui uma mera faculdade do juiz mas um poder-dever vinculado, de concessão vinculada, de aplicar sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, não se dispensando a equacionação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação, devendo ser fundamentada a não aplicação.

No caso presente, o Ministério Público recorre do acórdão começando por se insurgir contra a aplicação ali efectuada do regime penal especial previsto para jovens delinquentes.

O tribunal procedeu à aplicação do regime dando relevância à idade, impulsividade e imaturidade do arguido, à ausência de antecedentes criminais, à boa conduta prisional, ao apoio familiar, às circunstâncias que rodearam os factos. No entanto, esta decisão sai fragilizada no confronto das razões ora apresentadas pelo Ministério Público, a que o acórdão não oferece realmente resposta.

Ou seja, inexiste no acórdão uma base factual suficientemente consistente no sentido de poder permitir o reconhecimento de vantagem para a reintegração social do jovem condenado, na opção pela aplicação do regime legal em causa. Já que, como se disse, este regime não é de aplicação automática, exige a existência de sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social, razões que têm de resultar da ponderação dos factos em conjunto com a personalidade do jovem condenado.

Assim, em total correspondência com os factos provados do acórdão, acompanha-se o Ministério Público quando sinaliza a personalidade especialmente desvaliosa do arguido revelada nos factos, ao sair do local para se munir de uma arma de fogo ilegal com o propósito de a utilizar, ao efectuar não um mas dois disparos a curta distância dirigidos a parte do corpo que aloja órgãos vitais; as características de personalidade do arguido e a sua vida anterior e posterior aos factos, para além dos considerados pelo Tribunal, como seja o seu percurso escolar abandonando o sistema de ensino aos 15 anos, concluindo o 5.º ano de escolaridade com várias retenções, o não exercício de profissão, subsistindo do rendimento social de inserção, a ausência para parte incerta após os factos, tendo assumido os factos apenas nas declarações finais, sem actos que traduzam verdadeiro arrependimento, sem reparação e/ou pedido de perdão à vítima não obstante conhecer as gravíssimas limitações que lhe provocou, sem entrega ou indicação do local onde se encontra a arma de fogo ilegal utilizada no crime.

Neste comprovado contexto factual, como não acompanhar a conclusão final efectuada em recurso no sentido de que “a personalidade do arguido revelada nos factos – pela gravidade das suas consequências para a vítima, o seu modo de actuação - motivação e recurso a arma de fogo ilegal que tinha na sua posse e pronta a disparar, bem como os bens jurídicos pessoais atingidos – mostra-se “especialmente desvaliosa” e “vincadamente propensa” a um comportamento endogenamente desconforme ao direito, o que sai reforçado pelos factos apurados sobre o seu percurso pessoal anterior e à sua postura de vida e no julgamento nos autos, não tendo até à presente data entregue a arma de fogo que tinha na sua posse, concluindo-se necessariamente que não está o arguido minimamente permeável a colher o benefício ressocializador resultante de uma sanção mais benevolente por parte do sistema de justiça”.

Indicados no parecer do Senhor Procurador-Geral Adjunto, em casos semelhantes ao presente e no mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos deste STJ de 27.05.2020 (Rel. Nuno Gonçalves) e de 06.05.2021 (Rel. Helena Moniz), lendo-se no sumário deste:

«I - O regime de atenuação especial da pena para jovens delinquentes não constitui um “efeito automático” resultante da juventude do arguido, mas uma consequência, a ponderar caso a caso, em função dos crimes cometidos, do modo e tempo como foram cometidos, do comportamento do arguido anterior e posterior ao crime, e de todos os elementos que possam ser colhidos do caso concreto e que permitam concluir que a reinserção social do delinquente será facilitada se for condenado numa pena menor.

II - Atendendo ao comportamento anterior e posterior à prática dos crimes, não se apresentam evidências seguras que permitam que o julgador possa fazer um prognóstico favorável ao arguido quanto a uma maior facilidade de ressocialização se lhe for aplicado o regime especial referido.»

Em suma, tudo ponderado, considera-se ser de revogar a decisão do tribunal na parte em que procedeu no acórdão à aplicação do regime penal para jovens delinquentes, por não se poder concluir que dessa aplicação resultem sérias vantagens para a reinserção social do condenado.

Justifica-se antes a ponderação das penas concretas à luz da moldura abstracta prevista para os crimes da condenação, sem fazer operar a atenuação especial de pena decorrente do art. 4.º do Dec.–Lei n.º 401/82, cuja desaplicação ora se decide.

2.(b) Da medida das penas parcelares e única

Pretende o recorrente Ministério Público o agravamento das penas parcelares para pelo menos 8 anos de prisão e 2 anos de prisão, respectivamente, e da pena única para pelo menos 8 anos e 10 meses de prisão.

Como se disse, o recorrente pugnou pelo agravamento das penas na sequência da desaplicação do regime penal previsto para jovens delinquentes. E a procedência do recurso naquela parte repercute-se coerentemente na decisão da presente questão. No entanto, a elevação das penas deverá ficar aquém do pretendido, já que se deve atender a outros motivos, retirados também do recurso do arguido.

O recorrente arguido peticionou a redução das penas argumentando que “punir o recorrente com uma pena de prisão que terá necessariamente de ser efectiva terá um efeito mais nocivo e menos eficiente ao nível das necessidades de prevenção do que se lhe fosse aplicada uma pena inferior”, e concluindo com uma proposta de pena de prisão “que terá necessariamente de ser efectiva” mas será mais ”eficiente ao nível das necessidades de prevenção” se “for aplicada pena inferior”.

É evidente que, agora, a juventude do arguido terá de passar a relevar expressivamente como atenuante geral. E devendo a pena ser sempre executada num sentido pedagógico e ressocializador, punindo-se sobretudo para reintegrar e não para castigar, há que encontrar a sua justa medida, que, garantindo a protecção dos bens jurídicos, não inviabilize a reinserção do condenado na sociedade.

No acórdão, consideraram-se as molduras abstractas para os crimes cometidos pelo arguido especialmente atenuadas (também) nos termos do art 4.º do Dec.–Lei n.º 401/82 (e não só nos termos do 23.º, n.º 2, e 73.º do CP). Ou seja, fixaram-se as penas parcelares nas molduras abstractas de prisão de 1 mês a 9 anos, 5 meses e 22 dias, para o crime tentado de homicídio agravado, e 1 mês a 3 anos e 4 meses, para o crime de detenção de arma proibida.

As molduras abstractas a considerar agora são a de prisão de 2 anos, 1 mês e 18 dias a 14 anos, 2 meses e 20 dias, para o crime tentado de homicídio agravado - o tipo homicídio prevê uma moldura penal abstracta de prisão de 8 a 16 anos, agravada de um terço nos limites mínimo e máximo, nos termos do n.º 3, do art. 86º da Lei n.º 5/2006, o que dá a moldura abstracta de prisão de 10 anos e 8 meses a 21 anos e 4 meses, que sofre depois a atenuação especial decorrente do art. 23.º, n.º 2 e 73.º do CP – e a de prisão de 1 a 5 anos (a multa já foi afastada), para o crime de detenção de arma proibida.

No acórdão teceram-se adequadas considerações gerais sobre a pena, e elegeram-se, também acertadamente, todas as circunstâncias que relevavam a favor e contra o arguido. As operações ali efectuadas, quer no respeitante à determinação das penas parcelares, quer no respeitante à pena única, mostram-se no geral correctas, procedendo-se agora à elevação da medida das penas aplicadas apenas na decorrência das molduras abstractas novas, mais gravosas.

Assim, no acórdão foi correctamente ponderado o grau de ilicitude dos factos, a elevadíssima gravidade das lesões causadas à vítima, o internamento a que a foi sujeita, o seu padecimento, as gravíssimas limitações físicas que para ela resultaram; o dolo directo e intenso; a personalidade imatura e impulsiva do arguido revelada no facto.

Consideraram-se ali, sempre correctamente, as exigências de prevenção geral, de fortíssima intensidade.

No que respeita à prevenção especial (negativa e positiva ou de socialização), considerou-se a ausência de antecedentes criminais, todo o percurso de vida do arguido, as condições sociais, familiares e económicas, a idade na data dos factos.

De relevar ainda, como o recorrente arguido ora sinaliza, a circunstância de o condenado ter sido recentemente pai, já na situação de reclusão, beneficiando do apoio e da proximidade dos familiares, e havendo assim uma particular vantagem na conservação dos elos de ligação com o filho, a família e a sociedade em geral.

Partindo, então, dos dispositivos nucleares dos arts 40.º e 71.º, n.º 1 do CP, relacionando os princípios da culpa e da prevenção, no quadro constitucional da proibição do excesso, tendo como certo que a finalidade primeira da aplicação da pena reside na prevenção geral, que a pena deve “ser medida basicamente com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto”, e que o “desvalor do facto deve ser valorado à luz das necessidades individuais e concretas de socialização do agente” (Anabela Rodrigues, A Medida da Pena Privativa da Liberdade pp. 570-576), nas novas molduras abstractas agravam-se as penas parcelares, respectivamente, para 7 anos de prisão (crime de homicídio qualificado tentado) e 18 meses de prisão (detenção de arma proibida).

A pena abstracta do cúmulo jurídico é agora de 7 anos a 8 anos e 6 meses de prisão, cumprindo reponderar a pena única nesta nova moldura.

Na determinação da pena concreta são agora considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, de acordo com o comando de art. 77.º, nº 1 do CP.

A existência deste critério especial obriga, na conhecida lição de Figueiredo Dias, a conexionar os arts 77.º, n.º 1 e 71.º, n.º 2 do CP, tudo se devendo passar “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade revelará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente. (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 291).

Também no acórdão se considerou acertadamente que os factos “constituem um complexo delituoso ocorrido em particulares circunstâncias, sendo que o arguido não tem antecedentes criminais, pelo que somos a defender que os mesmos constituem uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do arguido”.

Tudo ponderado, e tendo presente que a privação de liberdade quando necessária “não deve ser em medida que prejudique a resposta às imposições de prevenção especial de socialização” (Anabela Rodrigues) e que se estará perante uma situação de pluriocasionalidade ainda não radicada na personalidade, considera-se que a pena única se deve fixar em 7 anos e 6 meses de prisão.

3. Decisão

Face ao exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso do Ministério Público e improcedente o recurso do arguido, e, em consequência, fixam-se as penas parcelares em 7 anos de prisão (crime tentado de homicídio agravado), 18 meses de prisão (crime de detenção de arma proibida), e a pena única em 7 anos e 6 meses de prisão.

Custas pelo recorrente arguido fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s – (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP).

Lisboa, 25.10.2023

Ana Barata Brito, relatora

Pedro Branquinho Dias, adjunto

Sénio dos Reis Alves, adjunto