Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3673/22.0T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ERNESTO VAZ PEREIRA
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
A fixação da pena conjunta obedece à consideração dos fatores do artigo 71º do CP e ao critério especial do artigo 77º, nº 1, do mesmo compêndio normativo, a saber, a consideração em conjunto dos factos e da personalidade unitária do arguido refletida em tais factos, sempre no respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração. E, com uso ou sem uso de fator de compressão, terão de estar sempre presentes o princípio da proporcionalidade, nos seus três subprincípios da necessidade, da adequação e da justa medida, sem sobrelevar a medida da culpa.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ªsecção criminal do Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO

I.1. No Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo Central Criminal de... - J... . por acórdão de 03/05/2023 foi o arguido/recorrente AA condenada, por via de cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas, nos processos 607/20.0..., 1410/19.5..., 282/20.1..., 18/20.7..., 526/20.0..., 979/19.0..., 240/20.6..., 2016/19.4... e 111/19.9... e, consequentemente, condenar o arguido na pena única de 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de prisão.

Não se conformando com a decisão condenatória, apenas quanto à medida da pena única aplicada, veio interpor o presente recurso para o STJ.

I.2. Apresentou a final as seguintes conclusões:

I - A medida da pena aplicada ao Recorrente é inadequada, por excessiva, tendo em conta, para além do mais o disposto nos arts. 40º, 71º, nºs. 1 e 2 e 77.º, n.º 1 do Cód. Penal, bem como o fim ressocializador das penas.

II - Na determinação da medida concreta da pena, deve o julgador atender à culpa do agente, às exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social daquele e ainda às exigências decorrentes do fim preventivo geral.

III - Sendo certo que as exigências de prevenção geral são significativas, não podemos, contudo, qualificá-las de “elevadas

IV - O Recorrente tem 56 anos de idade.

V - No seguimento do disposto no n.º 2 do art. 71,º do Código Penal, na determinação da medida concreta da pena deve ainda o Tribunal atender às circunstâncias que depuserem a favor do agente, como sejam as supra transcritas, sendo que as mesmas, não fazendo parte do tipo de crime, depõem, naturalmente, a favor do Recorrente, sendo que, in casu, face ao supra exposto e conjugando os factos dados como provados conclui-se serem diminutas as exigências de prevenção especial no que diz respeito ao Recorrente.

VI - Ao decidir como decidiu, e face ao supra exposto, conclui-se que o Meritíssimo Tribunal “a quo” violou as disposições conjugadas dos arts 40º, 71º, nº. 1 e 2 e 77.º, n.º 1 do Código Penal.”

E pede a revogação da decisão recorrida, “substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências.”

I.3. Veio resposta do MP finalizada com os seguintes remates conclusivos:

“1. Nos presentes autos foi proferido Douto Acórdão nos termos do qual

foi decidido:

Efectuar o cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos 607/20.0..., 1410/19.5..., 282/20.1..., 18/20.7..., 526/20.0..., 979/19.0..., 240/20.6..., 2016/19.4... e 111/19.9... e, consequentemente, condenar o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de prisão.

2. A moldura penal balizar-se-á entre o mínimo de 3 anos e 3 meses e 14 anos e 4 meses.

3. O arguido reflecte um passado criminal comprometido, essencialmente, com a violação repetida de bens jurídicos de protecção simultânea de património (nomeadamente crimes de burla).

4. O seu percurso de vida é pontuado por instabilidade pessoal e profissional.

5. Os crimes pelos quais foi condenado são causadores de alarme social e afectaram um número elevado de vítimas.

6. Assim, afigura-se-nos proporcional e adequada a aplicação ao arguido da pena de 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de prisão efectiva.”

E pugna pela improcedência do recurso.

I.4. O Sr PGA junto do STJ emitiu parecer, do qual fazemos ressaltar o seguinte:

Concorda com a realização do cúmulo nos termos em que foi efetuado.

Concorda com o “afastamento do cúmulo das penas aplicadas no processo 142/18.6..., por ter sido declarada extinta pelo cumprimento, o que não merece dúvidas, o mesmo sucedendo com a pena sofrida no processo 64/19.3..., pois que então se apurou estarem em curso diligências no sentido de declarar, ou não, extinta a pena, o que igualmente não merece qualquer censura (veja-se, aliás, a explicação que é dada, com recurso a Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, para esta não inclusão).

Relativamente às demais penas declaradas suspensas na sua execução, correta foi a sua inclusão no cúmulo, atenta a data deste e as datas em que os períodos de suspensão se iriam verificar (e, entretanto, verificaram) -- o processo 18/20.7... (pena de 1 ano e 2 meses de prisão aplicada em sede de decisão transitada em julgado em 21/03/2022 e que ficou suspensa por igual espaço de tempo1, tendo o período de suspensão decorrido na sua totalidade no dia 21/05/2023) e ainda nos processos 1410/19.5... (terminou em 09/06/2023 o período de suspensão) e 240/20.6... (em que no dia de ontem – 13/07/2023, terminou o prazo da suspensão).

Perante os factos integradores dos crimes praticados, bem assim como dos elementos dados como provados relativamente ao arguido, evola estarmos perante arguido que, desde há muito, se vem dedicando à prática de crimes que implicam graves consequências para os ofendidos, mostrando possuir personalidade propensa para a prática de atos delinquentes, sendo fortíssimas as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir.

Daqui – tal como referido pela Exmª Senhora magistrada do MºPº junto do Tribunal recorrido na sua resposta (que damos aqui por reproduzida para todos os efeitos, entendendo-se que seria meramente maçador repetir o que ali de forma muito completa foi alegado) - a correção da pena única achada (sendo que irá a mesma, ao que tudo indica, ser futuramente alterada, por o arguido aguardar ainda a realização de julgamentos em que é visado), nada havendo a censurar à decisão recorrida.”

E finaliza que o recurso deverá ser julgado totalmente improcedente.

I.5. Foi cumprido o artigo 417, nº 2, do CPP. Não veio resposta.

I.6. Foi aos vistos e decidiu-se em conferência

I.7. Admissibilidade e objeto do recurso

O recurso é admissível, por o arguido ter legitimidade, interesse em agir, estar em tempo, estar devidamente representado por advogado e incidir sobre acórdão final do tribunal coletivo que aplicou pena de prisão superior a cinco anos – art. 432, nº 1, al. c), do CPP.

Tendo em conta que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso (art. 412, nº 1), aqui o objeto do recurso é saber se, ao que alega o Recorrente, o acórdão recorrido, no que toca à medida concreta da pena única, violou as disposições conjugadas dos arts 40º, 71º, nº. 1 e 2 e 77.º, n.º 1 do Código Penal, porque (i) a medida da pena é excessiva e afronta a finalidade ressocializadora; (ii) as exigências de prevenção geral são significativas mas não são elevadas, ao contrário do considerado; (iii) são diminutas as exigências de prevenção especial no que diz respeito ao Recorrente; (iv) este tem 56 anos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Factos

O acórdão recorrido deu como provada a seguinte factualidade:

1-) No Processo Comum Singular n.º 607/20.0..., que corre termos no Juízo Local Criminal de ..., Comarca de Porto Este, foi o arguido condenado, por sentença proferida em 28/04/2022, transitada em julgado em 31/05/2022, pela prática de um crime de burla, praticados em 6/10/2020, na pena de 10 meses de prisão efectiva.

Ali resultou provado que:

1. Em data não concretamente apurada, mas seguramente antes do dia 06 de outubro de 2020, o arguido, por si ou por intermédio de terceira pessoa, anunciou para venda, no sítio internet, numa página da internet, designadamente: ...” várias peças de automóveis.

2. Acreditando no seu conteúdo e pretendendo adquirir o referido uma dessas peças, designadamente uma “colaça” para o seu veiculo da marca “nissan 300SX2”, o ofendido BB, em data não concretamente apurada, mas seguramente antes do dia 06.10.2020, encetou conversa telefónica com o arguido através do número de telemóvel .......49 que constava na página onde anunciava a venda, e negociou a compra da referida peça pelo valor de 600€ (seiscentos euros).

3. Assim, no dia 06.10.2020, o ofendido transferiu o valor de 600€ (seiscentos euros) para a conta bancária com o NIB: .... .... .... .... .... 6 indicada e titulada pelo arguido.

4. A partir do dia em que efetuou a transferência bancária, o arguido nunca mais atendeu as chamadas telefónicas efetuadas pelo ofendido, para saber qual é que lhe seria enviado a referida peça.

5. Efetivamente até à presente data o arguido não enviou referida peça ao ofendido, nem lhe devolveu o valor.

6. Através do ardil acima descrito, o arguido procurou e conseguiu convencer o ofendido a realizar a transferência bancária da quantia de 600€, locupletando-se assim com esta quantia, apesar de saber que não lhe enviaria a peça “colaça” para o automóvel do ofendido.

7. Actuou o arguido determinado a obter para si um enriquecimento de, pelo menos no valor de 600€, que bem sabia ser indevido, à custa do património alheio, não existindo razões para que o ofendido duvidasse do anunciado na referida página.

8. Com a sua actuação planeada e astuciosa, decidiu criar o arguido a convicção de que pretendia vender o bem em causa, o que sabia não ser verdade.

9. O arguido agiu de forma deliberada, livre, e consciente, bem sabendo ser o seu comportamento proibido e punido por lei.

2) No Processo Comum Singular n.º 1410/19.5... que corre termos no Juízo Local Criminal de .... J... ., foi o arguido condenado, por sentença proferida em 21/04/2022 e transitada em julgado em 9/06/2022, pela prática, em 11/09/2019, de um crime de burla, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano sob condição de, no mesmo prazo, entregar a quantia de €400.00 à Casa do Gaiato.

Ali se provou que:

1- O arguido elaborou um plano que consistia em arrogar ser vendedor de peças automóvel usadas e publicitar a sua venda no jornal denominado “Correio da Manhã” com vista a ludibriar eventuais interessados na compra das mesmas e, assim, apropriar-se das quantias que fossem transferidas por conta da falsa promessa de venda de tais objetos.

2. Nessa sequência, o arguido publicitou no jornal denominado “Correio da Manhã” um anúncio com os seguintes dizeres “PEÇAS USADAS VENDO, Motores, caixas velocidades, todo o tipo material mecânica, electricidade, chapa, airbags, etc. Entrega todo o PaísAA T: ... ... .49”.

3. CC, aqui ofendido, após ter tido conhecimento de tal anúncio e pretendendo adquirir peças para reparar uma viatura de sua propriedade, entrou em contato com o arguido através do número de telemóvel ... ... .49.

4. Nessa sequência, ambos acordaram a venda de peças de automóvel usadas pelo preço de € 850,00, informando o arguido que o ofendido deveria previamente proceder ao pagamento de metade desse valor (€ 425,00) para a conta com o IBAN PT50 .... .... .... .... .... 1, titulada por DD, EE e FF, mas utilizada pelo arguido, e que depois as peças seriam entregues através de uma transportadora, altura em que pagaria o remanescente.

5. Não desconfiando dos reais intentos do arguido, no dia 11 de setembro de 2019 o ofendido procedeu à transferência do valor de € 425 nos termos indicados pelo arguido.

6. Sucede que, como nunca foi sua intenção proceder à venda de qualquer peça, o arguido não enviou ao ofendido as peças solicitadas, nem nunca mais atendeu ou respondeu a qualquer contato do ofendido, tendo-se apropriado da quantia transferida pelo mesmo.

7. O arguido agiu com o propósito conseguido de enganar o ofendido, criando-lhe a falsa convicção que estava a adquirir peças de automóveis, e, assim, obter para si um enriquecimento a que sabia não ter direito, causando assim ao ofendido um prejuízo patrimonial no montante de, pelo menos, € 425,00.

8. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

3) No Processo Comum Singular n.º 282/20.1..., que corre termos no Juízo Local Criminal de ..., foi o arguido condenado, por sentença proferida em 24/03/2022 e transitada em julgado em 3/05/2022, pela prática, em 25/05/2020, de dois crimes de burla nas penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão e 1 ano e 3 meses de prisão, tendo sido condenado na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão efectiva.

Ali se provou que:

1. Em data não concretamente apurada, mas certamente desde 24-05-2020 o arguido anunciou na rede social facebook, no perfil “AA” a venda de um motor de veículo da marca Toyota, modelo 1400D4D.

2. Depois de visualizar o referido anúncio e por estar interessado, o ofendido GG acedeu a referido perfil e iniciou conversações com o anunciante através do sistema de mensagens daquela rede social, “messenger”, manifestando o seu interesse em adquirir o referido motor.

3. Nesse contacto o ofendido indagou o arguido se o motor estava ainda disponível para venda e qual o preço, tendo o arguido retorquido que tinha o motor disponível para venda pelo preço de 700,00 €.

4. Porque o ofendido não tinha muitos conhecimentos sobre motores e mecânica automóvel, pediu ao ofendido HH, pessoa que entendia do assunto, para que fosse o próprio a falar com o arguido, o que aquele anuiu, contactando o arguido para o n.º de telefone .......49 titulado pelo arguido.

5. No contacto estabelecido pelo ofendido HH o arguido transmitiu-lhe as condições do negócio, as características do motor e seu desempenho, de tal forma que o ofendido HH, convencido de que falava com alguém que entendia de mecânica e que lhe transparecera honestidade, questionou o arguido se teria para venda um motor para veículo Isuzu modelo 1700 TD, tendo o arguido respondido afirmativamente e informado que o preço era de 350,00 €.

6. Assim, convencidos da integridade dos negócios, no dia 26 de maio 2020, na ATM do posto de abastecimento da Repsol, em ..., os ofendidos por débito da conta .........01, do Banco BPI titulada pelo ofendido HH, efetuaram transferência bancária de 700,00 € e de 350,00 € para a conta .... ...............66, titulada pelo arguido e que este lhes havia informado nos contactos prévios.

7. De seguida o ofendido GG estabeleceu novo contacto com o arguido informando-lhe que já haviam efetuado a transferência, tendo o arguido comunicado que iria expedir os motores através do transitário T....., com sede no ....

8. Uma vez que o valor da compra do ofendido GG havia sido adiantada pelo ofendido HH através do débito na sua conta, o ofendido GG entregou ao ofendido HH os 700,00 €, referentes à sua compra.

9. Não obstante o acordado entre os ofendidos e arguido, este não enviou nenhum dos motores para a..., assim como deixou de estar contactável com os ofendidos.

10. Na verdade, o arguido desde o momento em que iniciou o processo negocial com os ofendidos sabia que não tinha intenções de enviar os aludidos motores ou outros, fazendo-os crer através do anuncio e das informações que prestara, que tinha os motores e que diligenciaria pelo seu envio para a R.A.M., conseguindo, assim, que os ofendidos efetuassem pagamento de 700,00 € e de 350,00 €, o que de outro modo não conseguiria.

11. Agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizado de obter benefício económico referido, como obteve, que sabia não ser legítimo, sabendo que causava prejuízos aos ofendidos, como causou, e que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.

4) No Processo Comum Singular n.º18/20.7..., que corre termos no Juízo de Competência Genérica de ..., foi o arguido condenado, por sentença proferida em 21-02-2022 e transitada em julgado em 21-03-2022 , pela prática, em 23/01/2020, de um crime de burla, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, subordinada ao pagamento da quantia que vier a ser fixada em sede de pedido de indemnização ao demandante, no prazo máximo de 6 meses.

Ali se provou que:

1. Em data não concretamente apurada, o arguido AA delineou um plano que consistia em publicar anúncios para venda de peças e acessórios de mecânica, sem que tivesse intenção de efectivamente vender qualquer bem com essas características, obtendo, dessa forma, proveitos económicos indevidos, às custas do património dos compradores dos objectos.

2. Para tanto, em data não concretamente apurada, mas anterior a 23/01/2020, o arguido publicitou na página do jornal “Correio da Manhã” um anúncio com o seguinte teor: “Peças Usadas Vendo – Motores, caixas de velocidades, todo o tipo material mecânica, electricidade, chapa, airbags, etc.- Entrega em todo o país.AA- T: ... ... .49”, sem que tivesse intenção de efectivamente vender qualquer bem com tais características.

3. No dia 23 de Janeiro de 2020, o arguido foi contactado por II, para o número de telemóvel ... ... .49, indicado no anúncio, o qual manifestou interesse em adquirir uma das peças publicitadas para venda.

4. Nesses contactos, depois de ter formulado o propósito de não remeter qualquer objecto, o arguido, na execução do plano previamente gizado, convenceu o referido II a transferir para a conta bancária por si indicada a quantia de 370,00 € (trezentos e setenta euros) a título de pagamento de preço, dizendo-lhe que posteriormente lhe iria enviar tal peça.

5. No mesmo dia 23 de Janeiro de 2020, crente que estava realmente a pagar o preço de aquisição do bem anunciado e que o arguido iria diligenciar pela respectiva remessa, o referido II diligenciou pelo pagamento do referido preço, procedendo à transferência do montante de 370,00 € (trezentos e setenta euros) para a conta bancária com o IBAN PT50 .... .... .... .... .... 8, da Caixa de Crédito Agrícola, de que a arguida DD é a única titular.

6. No entanto, o arguido não procedeu ao envio da peça que o ofendido pensava ter adquirido.

7. Apesar das diversas mensagens enviadas para o número indicado no anúncio entre o dia 06.02.2020 e o dia 28.05.2020, o arguido não procedeu ao envio da peça.

8. Em todas as circunstâncias acima descritas, agiu o arguido com o propósito concretizado de, pelos meios descritos, fazer crer ao ofendido que iria receber o mencionado bem, apesar de não o pretender fazer, assim o convencendo a transferir a referida quantia, que o arguido fez sua sem entregar a respectiva contrapartida, obtendo dessa forma um enriquecimento que sabia ser ilegítimo, às custas do património do ofendido, o que quis e conseguiu.

9. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

5) No Processo Comum Singular n.º 526/20.0..., que corre termos no Juízo de Competência Genérica de ..., foi o arguido condenado, por sentença proferida em 08-02-2022 e transitada em julgado em 19-04-2022, pela prática, em 10/11/2020, de um crime de burla qualificada, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

Ali se provou que:

1. O arguido AA engendrou um esquema de acordo com o qual, sob a aparência de ser o proprietário de vários motores e peças automóvel, negociando os mesmos e vendendo-os online, obter um elevado benefício económico injustificado, alcançado com a venda fraudulenta daqueles bens junto dos clientes que o contactavam.

2. Em execução de tal desígnio, desde, pelo menos 10 de Novembro de 2020, o

arguido AA, através de anúncios publicados nas plataformas de venda do OLX e do Custo Justo, publicitou a venda de motores em segunda mão e de outras peças automóvel.

3. Após tais publicitações de motores e de peças automóveis levadas a cabo pelo arguido, ao ser contactado, por endereço de correio eletrónico ou telefonicamente, por diversos interessados, o arguido AA chegava a acordo quanto ao preço da mercadoria, após o que fornecia aos interessados o IBAN PT.....................66, correspondente a uma conta bancária, do Banco Santander Totta, da qual o arguido é titular, no intuito de aí ser creditado o preço acordado.

4. Os interessados procediam ao pagamento do preço mediante transferência bancária para a conta indicada pelo arguido AA, ficando a aguardar o envio da mercadoria.

5. O arguido AA remetia aos interessados, por fotografia em anexo através de aplicações/redes sociais ou correio eletrónico, facturas, emitidas pelos montantes transferidos ou valores aproximados, em nome daqueles, no intuito de manter a aparência de cumprimento do negócio celebrado.

6. O arguido AA utilizou este mesmo artifício ardiloso, pelo menos com os seguintes três ofendidos: R........ ........ ......... . .........., Lda.; JJ e KK.

7. Com a sua conduta, o arguido AA beneficiou indevidamente e relativamente aos ofendidos supra identificados, da quantia total de €3796,00.

Assim concretizando,

8. Após visualizar um anúncio publicado no site OLX pelo arguido LL, trabalhador da sociedade ......... ........ ......... . ........... Lda., a pedido e em benefício desta, acordou com o arguido a compra de um motor FORD pelo valor de €676,50; um motor da marca CITROEN pelo valor de €553,50; um motor da marca RENAULT pelo valor de €1476,00.

9. A sociedade R....... procedeu ao pagamento do preço total de €2706,00 mediante transferência bancária efetuada no dia 10 de Novembro de 2020, para a conta bancária titulada pelo arguido no Banco Santander Totta com o IBAN PT.....................66.

10. O arguido remeteu para o correio electrónico da sociedade R......., por fotografia em anexo, as facturas n.º “058” e “059” em nome da sociedade R............... ......... . .........., Lda.

11. O arguido nunca remeteu a encomenda, suportando a sociedade R............... ......... . .........., Lda. o prejuízo de € 2706,00 (dois mil setecentos e seis euros).

12. Após visualizar um anúncio publicado no site CUSTOJUSTO pelo arguido AA, JJ acordou com o arguido a compra de um motor FORD pelo valor de €440,00.

13. JJ procedeu ao pagamento do preço total de €440,00 mediante transferência bancária efetuada no dia 19 de Dezembro de 2020, para a conta bancária titulada pelo arguido no Banco Santander Totta com o IBAN PT.....................66.

14. O arguido nunca remeteu a encomenda, suportando JJ o prejuízo de € 440,00 (quatrocentos e quarenta euros).

15. Após visualizar um anúncio publicado no site CUSTOJUSTO pelo arguido AA, KK acordou com o arguido a compra de um motor FORD pelo valor de €650,00.

16. KK procedeu ao pagamento do preço total de €440,00 mediante transferência bancária efetuada no dia 22 de Dezembro de 2020, para a conta bancária titulada pelo arguido no Banco Santander Totta com o IBAN PT......................6.

17. O arguido nunca remeteu a encomenda, suportando KK prejuízo de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros).

18. Em todas as ocasiões descritas o arguido AA criou nos ofendidos a aparência de ser o proprietário de vários motores e peças automóvel, negociando os mesmos e vendendo-os online, sem remeter tais motores aos compradores, obtendo um elevado benefício económico injustificado, alcançado com a venda fraudulenta daqueles bens junto dos ofendidos que o contactaram depois de visualizarem o anúncio dos motores e publicitação feitos pelo arguido, naquelas plataformas de vendas online.

19. Após receber as quantias solicitadas, e quando instado pelos ofendidos sobre o não recebimento dos motores, o arguido AA manteve o artifício de que se tratava de um negócio verdadeiro e começava por desculpar-se, invocando problemas no serviço de transportes, até que deixava de estar contactável.

20. O arguido AA não desenvolve qualquer outra actividade profissional remunerada, sendo os proventos desta actividade de vendas fraudulentas online a sua principal fonte de rendimento.

21. O arguido AA previu e quis, agindo de acordo com um plano previamente delineado por si, publicitar a venda de motores e peças automóvel através da internet, dos quais não era possuidor, ludibriando os interessados na compra daqueles bens quanto à sua intenção de venda, convencendo os ofendidos a pagarem-lhe o preço acordado, mediante transferência bancária para conta por si titulada, o que fez ciente que a mercadoria encomendada não iria ser remetida, no intuito concretizado de obter um beneficio ilegítimo do montante total de €3796,00 (três mil setecentos e noventa e seis Euros).

22. Mais previu e quis arguido AA, no intuito de manter a confiança dos ofendidos, proceder à emissão de facturas, em nome dos clientes, mantendo o artifício de que os motores seriam remetidos, o que nunca chegou a suceder, tudo em prejuízo daqueles ofendidos, que não receberam os motores, nem recuperaram as quantias pagas, bem sabendo o arguido que não tinha direito àquelas quantias.

23. O arguido AA agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que não entregaria aos ofendidos os motores que publicitava e

vendia, bem sabendo que toda a sua descrita conduta era proibida e punida por lei

6) No Processo Comum Singular n.º111/19.9..., que corre termos no Juízo Local Criminal da ..., foi o arguido condenado, por sentença proferida em 08-06-2020 e transitada em julgado em 12-11-2021, pela prática, em 7-03-2019, de um crime de burla qualificada, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão.

Ali se provou que:

1 - Em data anterior a 07.03.2019, o arguido AA, com o propósito de obter para si vantagem económica, publicitou para venda, na secção de classificados do jornal diário Correio da Manhã, um anúncio com os seguintes dizeres: “Peças usadas, VENDO, Motores, caixas velocidades, todo tipo material mecânica, eletricidade, chapa, airbags, etc. Entrega todo País. Sr. Marques. T: ... ... .49”.

2 - Na sequência do anúncio mencionado em 1., no dia 07.03.2019, o ofendido MM contactou o arguido, através do número ... ... .49, que se apresentou como sendo “AA” e acordou com este a compra de um motor para um veículo de marca Peugeot, modelo 206hdi, de 90cv.

3 - Assim, estipularam que o ofendido transferiria o valor de €650,00 para a conta com o IBAN PT50 .... .... .... .... .... 8, titulada pelo arguido AA e DD, para pagamento do dito motor.

4 - O arguido forneceu o seu IBAN ao ofendido, tendo para esse efeito enviado uma mensagem de correio eletrónico com tais dados, a partir do endereço ... e para o endereço do ofendido – ... – assinando aquela mensagem com o nome “AA”. Convicto do negócio celebrado e com o propósito de cumprir o acordado, nesse dia 07.03.2019, pelas 18.49h, o ofendido efetuou a transferência bancária da quantia de 650,00€ para a conta bancária com IBAN indicado em 3. e co titulada pelo arguido AA.

5 - Sucede que o arguido, até à data, não enviou o motor nos termos acordados, tampouco devolveu o montante recebido, deixando de atender as chamadas que o ofendido lhe fez depois de efetuado aquele pagamento

6 - O arguido AA sabia que, ao colocar um anúncio de venda na secção de “classificados” de um jornal diário como é o “Correio da Manhã”, ali se exibindo como vendedor de várias peças usadas para veículos, como se de para venda se tratasse, e ao encetar negociações com o ofendido para a aquisição de um motor, criava neste a convicção de que o negócio se iria concretizar nos termos anunciados e depois acordados.

7 - Mais sabia o arguido que a publicitação daquele anúncio, no local e pela forma como foi feito, era um meio idóneo a criar a convicção no ofendido da concretização do negócio, o que levou a que este efetuasse o pagamento de €650,00 (seiscentos e cinquenta euros), provocando-lhe desta forma um empobrecimento pelo menos em igual valor. Ao agir da forma descrita, o arguido teve como propósito alcançar para si benefícios e enriquecimento que sabia não lhe serem devidos e como tal ilegítimos, o que conseguiu, enriquecendo o seu património no montante de €650,00 (seiscentos e cinquenta euros), à custa do empobrecimento do ofendido MM, que se viu privado deste valor.

8 - Apesar de o arguido ter afirmado não ter profissão, faz da prática de burlas seu modo de vida, sendo uma das suas fontes de rendimento.

7) No Processo Comum Singular n.º 979/19.9..., que corre termos no Juízo Local Criminal de ...- J... .., foi o arguido condenado, por sentença proferida em 21/12/2021 e transitada em julgado em 29/04/2022, pela prática, em 26/06/2019, de um crime de burla na pena de 7 meses de prisão.

Ali se provou que:

1. Em data não concretamente apurada, mas certamente anterior a 25 de junho de 2019, o arguido AA delineou um plano, através do qual pretendeu locupletar-se indevidamente com quantias pecuniárias provenientes de possíveis indivíduos que o contactassem para adquirir peças usadas.

2. Para esse efeito, em 25 de junho de 2019 o arguido AA publicou no jornal “Correio da Manhã”, o anúncio com o seguinte teor: ”Peças Usadas.Vendo.Motores, caixas velocidades, todo o tipo de material mecânica, eletricidade, chapa, airbags, etc. Entrega todo o País. AA. T:... ... .49.”

3. Após ter publicado o referido anúncio nas circunstâncias de tempo e de lugar melhor referidas supra, o arguido AA foi contactado no dia 25 de junho de 2019 através do telefone ... ... .49, por NN, representante legal da sociedade D....... ........ . .......... ....... . ........, Lda., que visualizou o anúncio publicado pelo arguido nesse dia no referido jornal.

4. O arguido AA, entre 25 e 26 de junho de 2019, utilizou o contacto ... ... .49 através do qual manteve conversações com NN e com o filho deste, OO, por contactos telefónicos e de mensagens via whatsapp

5. O arguido AA acordou com NN, representante legal da sociedade D....... ........ . .......... ....... . ........, Lda. na venda do material que interessava à sociedade pelo montante de 734,00€, o qual seria enviado para a sede da sociedade, em ..., através da T............. .... ......

6. Assim, o arguido indicou a NN que o pagamento da quantia de 734,00€ deveria ser efetuado através de transferência bancária para a conta com o NIB .........................8., sedeada na Caixa de Crédito Agrícola ..., C.R.L. e titulada por DD.

7. Em cumprimento do acordo celebrado entre ambos, no dia 26 de junho de 2019, pelas 11H42, na caixa ATM localizada no Posto de Abastecimento da Repsol, sito na 2ª Circular, sentido Norte7Sul, junto ao ......, OO, a pedido de NN, procedeu à transferência da quantia de 734,00€, a partir da conta n.º .............59, titulada pela sociedade ........ ........ . .......... ....... . ........, Lda, para a conta bancária com o NIB .........................8, que lhe foi indicada pelo arguido e enviou o comprovativo.

8. Após o referido dia 27 de junho de 2019, o arguido AA não procedeu ao envio dos artigos ou à devolução da quantia transferida, até à presente data.

9. NN, na qualidade de legal de representante sociedade D....... ........ . .......... ....... . ........, Lda, confiou que o arguido fosse uma pessoa séria dado que, no decurso das negociações, este sempre referiu que procederia ao envio dos produtos após o pagamento e o envio do respetivo comprovativo, motivo pelo qual concretizou a transferência da quantia de 734,00€.

10. Com a conduta descrita, o arguido AA quis ludibriar NN e a sociedade D....... ........ . .......... ....... . ........, Lda., fazendo-os crer, erradamente, de que dispunha dos bens acima referidos para venda e que procederia ao envio dos mesmos caso este último procedesse ao pagamento da quantia acordada, deste modo obtendo para si um benefício patrimonial ilegítimo e causando um prejuízo patrimonial à referida sociedade correspondente àquele valor, intentos que logrou alcançar.

11. O arguido AA apenas conseguiu concretizar dos seus intentos, porquanto conseguiu, através do estratagema ardiloso acima descrito, conduzir o representante legal da sociedade D....... ........ . .......... ....... . ........, Lda à realização da transferência bancária no montante de 734,00€ e à correspondente diminuição do seu património.

12. O arguido AA agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei

8) No Processo Comum Singular n.º 2016/19.4..., que corre termos no Juízo Local Criminal de...- J... ., foi o arguido condenado, por sentença proferida em 30/11/2021 e transitada em julgado em 29/04/2022, pela prática, em 26/06/2019, de um crime de burla na pena de 18 meses de prisão.

Ali se provou que:

1 - No dia 25 de julho de 2017 a arguida DD abriu a conta de depósitos n.º .........07 à ordem junto da instituição bancária Caixa de Crédito Agrícola ... –..., tendo constituído como seu representante o arguido AA.

2 - Em data não determinada, o arguido AA colocou no site do “Custo Justo” um anúncio para venda de um motor.

3 - Em data indeterminada, mas poucos dias antes do dia 21 de agosto de 2019, esse anuncio foi visto pelo ofendido, PP qual, tendo ficado interessado na aquisição do referido motor, entrou em contacto telefónico com o arguido AA através, o qual o informou que vendia o motor, que o mesmo pertencia a uma viatura apreendida e que o teria adquirido com o propósito de vender as peças.

4 - Deste modo, arguido e ofendido acordaram em fechar negócio, sendo que, nos termos do mesmo, o ofendido pagaria pelo motor, através de depósito bancário na conta com o NIB .... .... ...........98, a quantia de € 550 e que o motor seria enviado por uma transportadora.

5 - Em 21 de Agosto de 2019, o ofendido, em ...-..., ao balcão do banco Caixa de Crédito Agrícola, depositou a quantia acordada, ou seja, € 550, na mencionada conta bancária da qual é titular a arguida DD.

6 - Embora o arguido tenha recebido o montante acordado e pago pelo ofendido, este nunca lhe enviou qualquer motor ou devolveu o montante pago, tendo as chamadas telefónicas realizadas pelo ofendido deixado de ser atendidas pelo arguido.

7 - Com o comportamento do arguido, o ofendido ficou lesado na quantia de € 550 (quinhentos e cinquenta euros).

8 - O arguido colocou o anúncio na internet e estabeleceu contacto com o ofendido sem ter qualquer intenção de vender o aludido motor.

9 - O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, com o intuito de ludibriar o ofendido (bem como quaisquer outras pessoas que com contactasse), que acreditou na veracidade do anúncio disponibilizado através da internet, para dessa forma este lhe entregar a quantia correspondente ao preço do motor e por essa via obter para o próprio um benefício que sabia ser ilegítimo, em prejuízo deste, o que logrou conseguir.

10 - Bem sabia o arguido AA que se não tivesse colocado o anúncio e não tivesse criado a convicção no que anunciava, o ofendido não teria transferido para a conta bancária titulada pela arguida qualquer quantia, pelo que, dessa forma, obteve para o próprio uma vantagem patrimonial indevida em detrimento da situação patrimonial daquele.

11 - Sabiam além do mais o arguido que essa conduta era proibida e punida por lei.

9) No Processo Comum Singular n.º 64/19.3..., que corre termos no Juízo Local Criminal de ...- J... ., foi o arguido condenado, por sentença proferida em 26/11/2021 e transitada em julgado em 2/02/2022, pela prática, em 3/2019, de um crime de burla na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com a condição de, nesse prazo, pagar a quantia de € 730.50 ao ofendido.

Ali se provou que:

1. Em março de 2019, o arguido AA tinha anunciado na imprensa escrita, mais concretamente no Jornal de Notícias, que tinha disponível para venda peças usadas, como motores, caixas de velocidades, todo o tipo de material de mecânica e eletricidade, material de chapa e airbags, com entrega em todo o país.

2. A arguida DD vivia em condições análogas às dos cônjuges com o arguido sendo conhecedora do referido anúncio.

3. O assistente QQ é mecânico numa oficina sita na Rua ..., em ..., ..., e aí tinha para reparação, mais concretamente para substituição do motor, o veículo automóvel com a matrícula ..-..-MI, tendo tido conhecimento daquele anúncio através do proprietário dessa viatura.

4. Nessa sequência, e porque aquele anúncio em tudo se assemelhava a um legítimo anúncio de venda, no início de março de 2019, com recurso ao número de telefone ... ... .49, que no mesmo era facultado pelo arguido, o assistente manifestou perante aquele a sua intenção em adquirir um motor para aquela viatura, altura em que o arguido lhe assegurou que um tinha um disponível para venda, pelo preço de 730,50€, que enviaria ao assistente, através de transportadora, para a morada que viesse a ser indicada pelo mesmo, logo que chegasse à sua posse o comprovativo da transferência bancária daquele valor.

5. Para tanto, através de mensagem escrita remetida através do referido número ... ... .49, o arguido remeteu para o telemóvel do assistente o NIB para pagamento, correspondente ao .... .... .... .......73, da conta do Banco CTT, titulada pela arguida DD, conforme acordado por ambos os arguidos.

6. Nesse mesmo contacto, o arguido reiterou perante o assistente que procederia ao envio do motor para a referida oficina, aquando da receção do comprovativo de pagamento.

7. No entanto, o que o arguido anunciou e assegurou perante o assistente não correspondia à realidade, já que o mesmo não dispunha daquele motor para venda, visando apenas obter uma vantagem patrimonial à custa do património daquele.

8. Convencido pelo arguido, no dia 6 de março de 2019, pelas 10h00m, através de uma máquina ATM, em ..., o assistente QQ efetuou a transferência dos €730,50, utilizando para o efeito o NIB que lhe fora indicado, através da sua conta n.º .........97, da loja de ... do Banco CTT, após o que remeteu ao arguido o respetivo comprovativo.

9. Pese embora o arguido tenha recebido aquela quantia e o respetivo documento comprovativo da transferência bancária, não remeteu ao assistente o motor em apreço, conforme se obrigara, alegando inicialmente que o mesmo teria sido enviado, por engano, para a cidade de ..., onde se comprometeu a ir buscá-lo e a entregá-lo pessoalmente ao assistente, o que o arguido não fez, nem então nem até à presente data, como nunca fora seu propósito.

10. Nos contactos que se seguiram, e de que iria receber o motor em causa imediatamente após o envio do comprovativo de pagamento.

11. Ao atuar como descrito, o arguido AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de enriquecer o seu património no valor de €730,50 o que conseguiu, causando ao assistente o correspetivo prejuízo, cientes de que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

Mais se prova que:

A pena em causa não foi, ainda, declarada extinta, encontrando-se em curso diligências em ordem a aferir do destino da mesma.

10) No Processo Comum Singular n.º 240/20.6..., que corre termos no Juízo Local Criminal de ...- J... ., foi o arguido condenado, por sentença proferida em 21-10-2021 e transitada em julgado em 13-05-2022, pela prática, em 26-02-2020, de um crime de burla na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período sujeita a regime de prova e ao pagamento ao ofendido do valor de €550.00.

Ali se provou que:

1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 26.02.2020, o arguido AA gizou um plano consistente na publicitação de venda de peças de automóveis de modo a persuadir terceiros de que se dedicava a tal atividade, levando-os, dessa forma, a adquiri-las.

2. Em execução de tal plano, em data não concretamente apurada, mas anterior a 26.02.2020 o arguido publicitou na rede social Facebook - Marketplace a venda de um motor de um veículo da marca Renault, modelo Clio, pelo preço de € 550,00.

3. No dia 26.02.2020, RR acedeu à referida rede social e manifestou a sua intenção em adquirir o referido motor.

4. Nessa conformidade, no dia 27.02-2020, após acertar, via telefone, os dados referentes ao pagamento devido, designadamente o NIB da conta bancária, RR efetuou uma transferência bancária no montante de € 550,00 para a conta com o NIB .... .... .... .... .... 8, titulada pelos arguidos.

5. Todavia, o arguido não pretendia vender tal motor, nunca tendo procedido à sua entrega ao ofendido, tendo feito seu os € 550,00 que este lhes pagou

6. Ao fazer crer a RR, mediante a publicação da venda numa plataforma que é criada com o objetivo de promover a venda de produtos on-line, que pretendia vender o motor de um veículo da marca Renault, modelo Clio, o arguido bem sabia que o ludibriava.

7. Efetivamente, o arguido apenas visou obter um proveito económico de € 550,00 a que sabia não ter direito, diminuindo nesse valor o património de RR, o qual só lhe entregou tal montante por ter sido persuadido de que os factos acima descritos correspondiam à realidade.

8. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

11) No Processo Comum Singular n.º142/18.6..., que corre termos no Juízo de Competência Genérica de ..., foi o arguido condenado, por sentença proferida em 14/07/2021 e transitada em julgado em 30/09/2021, pela prática, em 29/05/2018, de um crime de burla na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

A pena em causa foi declarada extinta pelo cumprimento em 18-01-2023.

Ali se provou que:

1. Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior ao dia 25 de Maio de 2018, o arguido AA concebeu um plano para ludibriar terceiros e, desse modo, obter dinheiro para gastar em proveito próprio.

2. Em concretização desse plano, o arguido publicou um anúncio, no Jornal “Correio da Manhã”, relativo à venda de peças usadas de “motores, caixas velocidades, todo tipo material mecânica, eletricidade, chapa, airbags, etc.”, com o propósito de vir a receber o respetivo preço e nada enviar ao comprador.

3. No dia 25 de Maio de 2018, a sociedade ofendida “HERDADE D. ....... ......... ........, S.A.”, na pessoa do seu legal representante SS, interessada na aquisição de um motor para uma viatura de marca e modelo “Renault Kangoo”, contactou o arguido, através do contacto telefónico nº .......29 e do endereço de correio eletrónico ... , e acordou o montante a pagar pelo equipamento, a forma de pagamento e as respetivas condições e especificações para o seu envio.

4. Para a realização do referido negócio, ambos acordaram que a sociedade ofendida efetuaria o pagamento de EUR 750,00 (setecentos e cinquenta euros) para o N.I.B. nº .... .... .... ....... 05, referente à conta bancária da qual o ora arguido era e é titular, bem como que depois o arguido enviaria, via C.T.T., o respetivo equipamento para o seguinte destinatário:

TT

Zona Industrial – ...

...

Tel. .......02.

5. No dia 29 de Maio de 2018, a sociedade ofendida procedeu à transferência bancária do montante de EUR 750,00 (setecentos e cinquenta euros) da sua conta para a referida conta titulada pelo arguido, sendo este último o beneficiário da respetiva transferência.

6. A sociedade ofendida somente procedeu a tal pagamento porque acreditou, pelos diversos contactos mantidos com o arguido, que o motor lhe iria ser imediatamente remetido por correio.

7. Porém, o arguido nunca enviou o motor à sociedade ofendida.

8. Após a sociedade ofendida ter efetuado a transferência acima referida, o arguido jamais respondeu às suas tentativas de contacto por via de mensagens de correio eletrónico.

9. O arguido colocou aquele anúncio no Jornal “Correio da Manhã”, levando os que o consultassem a crer que aquele possuía equipamentos para venda e que os entregaria após o pagamento do respetivo preço, o que veio a suceder com a sociedade ora ofendida.

10. Porém, o arguido nunca teve a intenção de enviar, como não enviou até à presente data, o dito motor à sociedade ofendida, provocando-lhe um prejuízo patrimonial de EUR 750,00 (setecentos e cinquenta euros).

11. Ao colocar o referido anúncio no dito Jornal, o arguido agiu com o intuito concretizado e conseguido de obter um benefício patrimonial que de outro modo não obteria e que sabia que não lhe era devido, fazendo sua a quantia recebida e causando, assim, à sociedade ofendida um prejuízo de montante equivalente, contanto que esta nunca recebeu o aludido motor nem foi ressarcida desse montante.

12. O arguido atuou de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei criminal, e teve sempre capacidade para se determinar de acordo com tal conhecimento.

Das Condições Pessoais e Económicas do arguido:

AA é o mais novo de dois irmãos e cresceu num agregado de origem descrito como sendo detentor de uma condição social e económica estável, em que ambos os pais trabalhavam como feirantes, atividade itinerante na qual, desde criança, o arguido refere ter sido integrado e ter exercido a tempo inteiro, logo após abandonar os estudos, assim que concluiu o 6º ano de escolaridade.

O arguido é natural de... – ..., localidade onde residiu com o seu agregado de origem até aos vinte e um anos, idade em que afirmou ter contraído matrimónio, autonomizando-se. Mais tarde, na sequência do divórcio do casal, AA emigrou para ... onde viveu vários anos, alguns dos quais em união de facto com uma companheira, a qual diz ser mãe dos seus dois filhos, ambos já de maioridade.

Em 2013, voltou a residir em Portugal, movimentando-se habitualmente entre as regiões de ..., ... e ..., sendo neste último concelho que fixou residência com uma nova companheira, que conheceu nesse mesmo ano. Após cerca de sete anos de vida em comum, o casal separou-se no final de 2020, face à tensão gerada pelo acumular dos processos com que o arguido se tem vindo a confrontar nestes últimos anos e nos quais a companheira passou a estar envolvida.

Desde que ocorreu a separação, o arguido alterou a sua residência para ..., tendo a mãe (82 anos, viúva, reformada) na sua companhia.

No início da vida adulta, o arguido obteve formação profissional na área da mecânica de automóveis, à qual se foi dedicando como segunda atividade, em simultâneo com outras profissões que exerceu: feirante, cortador de carnes num supermercado e motorista de ligeiros. AA assumiu depois como profissão principal a atividade de mecânico de automóveis, após ter estado emigrado para..., onde trabalhou por conta de outrem e, posteriormente, por conta própria, numa oficina que, alegadamente, encerrou quando regressou definitivamente a Portugal.

Não há indicadores da associação do arguido a problemáticas aditivas que condicionem o seu comportamento/estilo de vida.

AA vivia à data da reclusão com a atual companheira.

Ao nível laboral, o arguido trabalhou por conta própria como mecânico e vendedor de peças para automóveis.

Quando restituído à liberdade, o condenado pretende integrar o agregado constituído pela actual companheira e a mãe. Ao nível laboral, o arguido pretende, trabalhar com o irmão do cunhado da companheira, que tem uma oficina de mecânica situada na freguesia de ..., não tendo apresentado documentos comprovativos.

Em contexto prisional mostra-se genericamente adaptado, não havendo, até à presente data, registo de procedimentos disciplinares, no entanto, por vezes incompatibiliza-se com os pares e questiona as regras institucionais. Teve uma repreensão escrita no dia 27/12/2022 por ter tentado apropriar-se de um bem que pertencia a outro recluso.


***


Dos Antecedentes Criminais do arguido:

O arguido, para além das condenações supra aludidas, tem averbadas no seu certificado de registo criminal as seguintes condenações:

- em 15.11.2006 em ... – ..., por factos praticados em 17.6.2000 na pena de 1 ano e 3 meses suspensa na sua execução por 3 anos pela prática do crimes de “apropiacion indebida” –

- em 5.7.2007 em ... – ..., por factos praticados em 29.4.2004 na pena de multa por 6 meses pela prática do crimes de “impago de prestaciones económicas familiares”

Em 6.3.2008 em ... – ..., por factos praticados em 7.3.2003 na pena de multa 1 ano de prisão suspensa por 2 anos pela aprática de um criem de “estafa”;

- Proc n.º 432/92.6... TBLMG, do extinto 1.. ..... do Tribunal Judicial de Lamego, por sentença de 25.10.2007, transitada em julgado em 19.11.2007, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, praticado em 30.10.1992, tendo sido condenado numa pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 4,50, o que perfaz o total de € 675,00, extinta por prescrição.

- Proc n.º 73/05.0... PRPRT, do extinto 1.. ..... 1.ª secção dos juízos criminais do ..., por sentença de 28.4.2008, transitada em julgado em 27.10.2008, pela prática de um crime de burla simples, praticado em 19.12.2004, tendo sido condenado numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, o que perfaz o total de € 480,00, convertida em 80 dias prisão subsidiária.

- Proc n.º 194/97.0... TBVLN, do Tribunal judicial de Valença, por sentença de 21.7.2008, transitada em julgado em 22.9.2008, pela prática de um furto qualificado, praticado em 9.1996, tendo sido condenado numa pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz o total de € 500,00, extinta por prescrição.

- Proc n.º 1884/96.0... JAPRT, do Juízo Local Criminal do... J., por sentença de 30.10.2012, transitada em julgado em 17.12.2012, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, praticado em 28.12.1995 na pena de 300 dias de multa à taxa diária de € 5.00;

- Proc n.º 124/16.2... YRGMR, do Juízo de Competência genérica de ... – Tribunal Judicial da Comarca de viana do Castelo, por sentença de 5.8.2016, transitada em julgado em 16.8.2016, pela prática de um crime de burla simples, praticado em 2008 na pena de 6 meses de prisão.

- Proc n.º 649/14.4... PIPRT, do Juizo Local Criminal do ... .., por sentença de 8.6.2016, transitada em julgado em 8.7.2016, pela prática de um crime de burla simples, praticado em 3.4.2014 na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 5.00, extinta pelo cumprimento;

- Proc n.º 195/16.1... GAPRD, do Juizo local Criminal de... .. – Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, por sentença de 22.11.2017, transitada em julgado em 7.1.2019, pela prática de um crime de burla simples, praticado em 8.3.2016 na pena de 8 meses de prisão suspensa por um ano mediante a condição de o arguido pagar ao assistente no prazo de 6 meses a quantia de 150,00, extinta pelo cumprimento;

- Proc n.º 460/18.3... GBCNT, do Juizo local criminal de ... – Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, por sentença de 26.3.2019, transitada em julgado em 3.4.2019, pela prática de um crime de burla simples, praticado em 3.10.2018 na pena de 1 ano de prisão suspensa por um ano, já julgada extinta;

II.2. A motivação foi a seguinte:

A motivação do tribunal assentou nas certidões das sentenças aos autos, informações de fls. 175 e 238, relatório social a fls. 25 a 27 e certificado de registo criminal a fls. 41 a 62 dos autos.

II.3. Direito

II.3.1. Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP).

Os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça restringem-se exclusivamente ao reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP), sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432.º

Lida a decisão recorrida, não se vislumbra a ocorrência de qualquer dos vícios previstos nas alíneas a), b) ou c) do n.º 2 do art. 410º, do CPP, nem nulidades ou irregularidades de conhecimento oficioso. Por isso, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto acima transcrita, a qual nessa parte se mostra devidamente motivada.

II.3.2. Do cúmulo foi excluída a pena, suspensa na sua execução, aplicada no processo n.º 142/18.6..., por se encontrar extinta.

E bem – artigo 57, nº 1, do CP (cfr ac. de 13/09/2023, 228/23.5..., Sénio Alves).

II.3.3.E também não se integrou no cúmulo a efetuar a pena aplicada no processo n.º 64/19.3... por não se saber se já se mostra extinta ou não.

E bem – artigo 57, nº 1, do CP, importando saber antes se, já decorrido o período de suspensão da execução da pena, a pena foi declarada extinta ou não. Se, extinta, não entra no cúmulo.

II.3.4. Está correta também a desconsideração do cúmulo já efetuado no processo 282/20.1... e a consideração das duas penas parcelares aí aplicadas, porque como o Supremo o vem dizendo não há cúmulo de cúmulos.

II.3.5. Integraram-se as penas aplicadas nos processos nºs 1410/19.5..., no processo 18/20.7..., e no processo 240/20.6..., suspensas nas suas execuções, ainda com as suspensões a decorrerem. O que não merece censura.

Como se disse no ac. do STJ de 22/06/2021, 626/07.1PBCBR.S1, António Gama,

“I - Não existe óbice legal à realização de cúmulo jurídico entre penas de prisão e penas suspensas, ou apenas entre penas suspensas, por conhecimento superveniente do concurso.

II - O caso julgado relativo à formulação do cúmulo jurídico vale rebus sic stantibus, ou seja, se as circunstâncias se alterarem por, afinal, do concurso fazer parte outro crime e outra pena, o caso julgado fica sem efeito e as penas parcelares adquirem toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura do concurso.

III - Podendo o legislador ter excluído do conhecimento superveniente do concurso de crimes as penas de prisão suspensas na sua execução, não o fez, por boas razões político criminais e em respeito ao princípio da igualdade. Desde logo por razões de prevenção geral e especial.

IV - Na realização de cúmulo jurídico impõe-se especial cuidado quando são consideradas penas de prisão suspensas na sua execução. Para o efeito de determinação da pena única do concurso só devem ser consideradas as penas de prisão suspensas que ainda não tenham sido declaradas extintas e não estejam prescritas. Se as penas foram declaradas extintas ou estão prescritas não entram no cúmulo jurídico.

V - Se o período de suspensão de execução da pena de prisão – inicialmente fixado, ou em resultado de prorrogação ditada por decisão transitada em julgado – ainda não decorreu, não se verifica óbice a que a pena suspensa se englobe no cúmulo jurídico.

VI - Relativamente às penas de prisão suspensas, em que decorreu o prazo de suspensão, não devem ser incluídas no cúmulo sem que antes se esclareça a situação jurídica, o que vale por dizer, sem que se averigue sobre a sua extinção, prorrogação do prazo de suspensão ou revogação. É que, decorrido o prazo da suspensão, as penas são declaradas extintas se não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.

VII - As penas suspensas, quando cumpridas parcialmente e/ou em que foi satisfeita condição de suspensão, que não tenham sido revogadas – pois em caso de revogação determina-se o cumprimento da pena fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado –, mas que entrem em cúmulo jurídico de pena de «diferente natureza» no âmbito de conhecimento superveniente de crimes, podem dar origem a «desconto que parecer equitativo».

No caso, a pena aplicada no proc. nº 1410/19.5... terminaria o seu período de suspensão em 09/06/2023. Nada obstava, pois, ao seu cúmulo em 03/05/2023, data do acórdão cumulatório.

A pena aplicada no 18/20.7... terminaria o período de suspensão em 21/05/2023, donde não havia obstáculo à sua integração no cúmulo em 03/05/2023.

A pena aplicada no 240/20.6... terminaria o seu período de suspensão em 13/07/2023, pelo que igualmente não existia impedimento à sua integração no cúmulo.

II.3.6. Tendo em conta o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 9/16 do STJ e com os dados aqui presentes, resulta que efetivamente o marco temporal a considerar para cúmulo é a decisão de 08/06/2020, transitada em 12/11/2021, e que abrangerá as condenações por factos anteriores.

O que foi concretizado.

II.4. Diz o Recorrente que o acórdão recorrido violou as disposições conjugadas dos arts 40º, 71º, nº. 1 e 2 e 77.º, n.º 1 do Código Penal, (i) porque a medida da pena é excessiva e afronta a finalidade ressocializadora; (ii) as exigências de prevenção geral são significativas mas não são elevadas, ao contrário do considerado; (iii) são diminutas as exigências de prevenção especial no que diz respeito ao Recorrente; (iv) este tem 56 anos.

Como expressamente o esclareceu o Recorrente, só vem impugnada a medida da pena única.

Vejamos:

“Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo que a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”, art. 78, nº 1, do CP, e “o disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado”, nº 2 do mesmo artigo.

Nos termos do artigo 40, nº 1, do CP a aplicação de penas visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E, nos termos do nº 2, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Nestes termos, na esteira da esquemática formulação do Professor Figueiredo Dias, in “Direito Penal Parte Geral”, I, 3ª Edição Gestlegal, 96, recorrentemente citada pelo STJ, “(1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais.

A fixação da pena conjunta obedece à consideração dos diversos fatores do artigo 71º do CP e ao critério especial do artigo 77º, nº 1, do mesmo compêndio normativo, a saber, a consideração em conjunto dos factos e da personalidade unitária do arguido refletida em tais factos, sempre no respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração.

E sendo regra que a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes, imperioso é que, na confecção da pena conjunta, com ou sem uso de fator de compressão, estejam sempre presentes o princípio da proporcionalidade, nos seus três subprincípios da necessidade, da adequação e da justa medida.

No caso a moldura penal abstrata da pena conjunta vai de três anos e três meses, pena parcelar mais elevada, a catorze anos e quatro meses, soma de todas as penas parcelares aplicadas, tendo a pena aplicada de seis anos e dez meses ficado muito mais próxima do mínimo do que do máximo.

Segundo Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

Acrescenta ainda: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

“É o momento de olhar a “floresta”, sem que cada árvore perca a sua individualidade.”, in “As reacções criminais no direito português”, Maria da Conceição Ferreira da Cunha, UC Editora, 2022, pag. 191.

Refere Cristina Líbano Monteiro, in “A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, que o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.

Como se disse no acórdão recorrido, “O arguido reflecte um passado criminal comprometido, essencialmente, com a violação repetida de bens jurídicos de protecção simultânea de património (nomeadamente crimes de burla).”

E, sublinhemos, os crimes pelos quais foi condenado são causadores de alarme social e afetaram um número elevado de vítimas, prejudicando a transparência do comércio jurídico e a confiança nas propostas comerciais e a segurança do património individual. A ilicitude apresenta-se como elevada quer pelo modus operandi quer pela audácia, temeridade e pertinácia da atuação quer pelo carácter imparável da mesma, tendo consumado em cerca de ano e meio dez crimes de burla, dois deles qualificados.

O dolo é direto, intenso e permanente. a culpa é elevada e suporta a medida concreta da pena única. Também os interesses da prevenção especial (carência de socialização) são intensos, considerando os sinais negativos revelados pela personalidade do arguido. E, como nota Taipa de Carvalho, in “Direito Penal, Parte Geral – Questões fundamentais”, sem que a função da ressocialização signifique uma espécie de “lavagem ao cérebro”, haverá, porém, que interpelar o arguido para consequente auto-adesão do mesmo à indispensabilidade social dos valores essenciais. Aqui as necessidades de prevenção especial revelam-se vivamente prementes. Quanto à personalidade evidenciam os factos e o historial do arguido, forte tendência para o cometimento de crimes contra o património, em manifesta propensão e continuidade de atuação, tendência tão arreigada que nem as condenações anteriores lhe serviram de admonição.

As exigências de prevenção geral assumem o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa, de intimidação, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face á violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da regra infringida. (cfr “Noções de Direito Penal”, Simas Santos, et alii, 8º edição, Rei dos livros, pag. 187).

E, ao invés do que afirma o Recorrente, são aqui elevadas, porque a sociedade reclama a garantia da transparência do comércio e da segurança das propostas comerciais, ademais sendo oferecidas em meios de grande circulação, prevenindo o engano de qualquer um, tanto mais que maioritariamente vão ao engano aqueles que têm menos posses.

Por isso, reduzir a pena única, como pretendido pelo recorrente, mostra-se desajustado e comprometeria irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas.

Pesam muito e fortemente os seus antecedentes criminais, no histórico pesado apresentado, com cometimento entre 2006 e 2018 de dois crimes de emissão de cheque sem provisão, de cinco crimes de burla de um crime de furto qualificado. Além dos três crimes praticados em ....

Mas, mesmo considerando só o facto global aqui em apreciação, projetam-se aí qualidades desvaliosas da personalidade do arguido, que numa ponderação unitária da expressão que tiveram no conjunto dos factos, são, no mínimo, indicadoras de uma tendência criminosa. Importa, portanto, terminar com a adequação da sua personalidade aos factos cometidos.

Na avaliação da personalidade expressa nos factos importa considerar todo um processo de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deverá ser ponderado. E, diga-se, a madura idade do arguido não o desculpa nem lhe atenua os comportamentos. Antes o obriga a maior reflexão e prudência na prática de atos incrimináveis e a maior atenção nas advertências que as sucessivas condenações constituíram.

Concluindo, imposta pelas exigências de prevenção geral e pelas necessidades de prevenção especial, mostra-se necessária, adequada e proporcional, sem ultrapassar a medida da culpa a pena única aplicada. Não se mostrando violados os artigos 40º, 71º, nºs. 1 e 2 e 77.º, n.º 1 do Cód. Penal não se justifica intervenção correctiva deste Supremo..

III. DECISÃO

Assim, acordam na 3ª secção criminal do STJ, em negar provimento ao recurso do arguido AA, mantendo-se o acórdão cumulatório recorrido.

Custas pelo Recorrente com taxa de justiça que se fixa em cinco (5) UC’s.


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STJ, 11 de outubro de 2023

Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Relator)

Teresa de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)

Ana Barata Brito (Juíza Conselheira Adjunta)