Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
607/18.0T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: PODERES DA RELAÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 11/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
O art. 662.º do Código de Processo Civil implica que a fundamentação do acórdão recorrido seja adequada e suficiente para que se possa concluir que o Tribunal da Relação reavaliou os meios de prova disponíveis, reponderou todas as questões de facto suscitadas para formar uma convicção própria e respondeu a todas as questões de facto suscitadas, fundamentando a sua resposta.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Reclamante: AA

Reclamados: BB e A....., Companhia de Seguros,SA.

I. — RELATÓRIO

1. AA instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra BB, pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe:

I. — uma indemnização por danos patrimoniais no montante de €16.804,50 e

II. — uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €40.000,00 acrescidas “da condenação em indemnização e compensação a liquidar ulteriormente pelos danos patrimoniais e não patrimoniais futuros que venha a sofrer”.

2. O Réu contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção, e pediu a condenação da Autora como litigante de má fé.

3. Requereu a intervenção principal provocada de A....., Companhia de Seguros,SA..

4. A Interveniente A....., Companhia de Seguros,SA.. contestou, aderindo à defesa do Réu, e impugnou os danos invocados pela Autora.

5. A Autora respondeu à contestação, concluindo como na petição inicial.

6. O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os factos seguintes:

1) O réu é médico dentista desde o ano de 1993 e está inscrito na ordem dos médicos dentistas, sendo portador da cédula profissional n.º ..., com inscrição em vigor.

2) Há cerca de 20 anos, no consultório do réu, onde a autora compareceu na qualidade de paciente, aquele indicou aos pais da autora e à própria, que esta usasse aparelhos removíveis com vista a “corrigir os seus dentes que estariam desalinhados”.

3) Os pais da autora, confiando no réu, acederam a tal solicitação, e a autora foi sendo acompanhada pelo mesmo.

4) A autora iniciou o tratamento com aparelhos removíveis no ano de 1996.

4) No decurso do dito acompanhamento, o réu prescreveu à autora um tratamento ortodôntico, que consistia na colocação de aparelho fixo superior e inferior, com vista à correcção e alinhamento dos seus dentes.

5) O réu BB afirmou que este tratamento com aparelhos fixos [tratamento ortodôntico] era muito mais eficaz que os aparelhos removíveis, e que seriam a solução para o caso da autora.

6) O réu assegurou que este tratamento era o adequado à resolução do problema dentário que a autora padecia.

7) Os pais da autora e a autora sempre confiaram no réu, pensando que a filha estaria a ser bem seguida e o tratamento era o adequado para o caso da mesma.

8) No decorrer do tratamento acima referido, o réu extraiu os dentes pré-molares da autora, o que os pais da autora e a autora só aceitaram porque o réu BB lhes garantira ser necessário para o sucesso do tratamento.

9) Após a aplicação do aparelho fixo, o réu prescreveu que a autora usasse um aparelho de “contenção” no maxilar superior todas as noites durante um largo período de tempo.

10) O custo deste tratamento ascendeu pelo menos ao valor de tais pagamentos ascenderam, na sua totalidade, pelo menos ao montante de €2.865,36, que o réu recebeu.

11) No final do ano de 2015, numa consulta na Clínica da Universidade C...., sita na ..., a autora tomou conhecimento, de que o problema dentário de que então padecia poderia ser resolvido através da designada “cirurgia ortognática”.

12) Se a autora não tratasse o problema dentário de que padecia em 2015, poderia vir a padecer de dores nas articulações da face, disfunções de ATM (articulação temporomandibular), dores de cabeça, maior dificuldade de respiração, mastigação anormal.

13) Em 5 de Dezembro de 2017, por aconselhamento de um outro médico-dentista, a autora foi submetida a uma cirurgia ortognática, após o que foi submetida a um tratamento com “Brackets”, ou seja, aparelhos fixos superior e inferior.

14) Antes da cirurgia referida em 14), a autora foi submetida a uma intervenção/tratamento com a finalidade de colocação dos dentes na posição correcta para a cirurgia.

15) Por esse tratamento ortodôntico prévio e preparatório à cirurgia, pagou o montante de €2.350,00.

16) Despendeu em consultas, exames e estudos ortodônticos relativos ao tratamento iniciado no ano de 2015, o valor total de €593,00.

17) A cirurgia custou à autora a quantia de €9.001,50.

18) O tempo de recuperação da cirurgia foi de cerca de seis meses, sendo que a autora durante este tempo padece de edema o que lhe causa também sofrimento.

19) Aquando da consulta com o réu, foi diagnosticado à autora um avanço mandibular, pois encaixava o maxilar inferior à frente do maxilar superior.

20) O tratamento de ortodontia fixa aludido em 5) constituiu fase de um tratamento integral que foi proposto em 1996 pelo réu aos pais da autora.

21) Em 6 de Outubro de 1996, o réu extraiu um dos caninos de leite da autora para obter espaço necessário para a correcta erupção dos incisivos centrais e laterias permanentes do maxilar superior.

22) Ainda assim, os dentes caninos superiores permanentes da autora erupcionaram ectopicamente, ou seja, nasceram num local que não era o deles por falta de espaço.

23) Pois nasceram por cima dos primeiros pré-molares superiores permanentes.

24) Como solução deste problema, o réu propôs a extracção dos primeiros pré-molares superiores permanentes em ordem a os caninos (superiores permanentes) entrarem no seu lugar o que sucedeu, logrando a correcto posicionamento dos caninos superiores.

25) Porque tal intervenção não era suficiente para resolver o problema do atraso do maxilar superior (que provocava o avanço mandibular), foi seguido o procedimento aludido em 4) para compensar e corrigir a discrepância dentária (encaixe dos dentes) horizontal e vertical dos dentes, de forma a que a tal correcção permitisse uma oclusão (encaixe dos dentes e maxilares) funcional, harmoniosa e estética de acordo com os parâmetros de uma oclusão dentária normal.

26) Para tanto, antes da colocação da aparatologia fixa, o réu procedeu à extracção dos primeiros pré-molares inferiores permanentes.

27) Solução, essa, que foi proposta como opção aos pais da autora e aceite por estes.

28) No dia 5 de Fevereiro de 2005, o réu removeu os aparelhos ortodônticos correctivos que tinha colocado à autora.

29) Nessa altura o tratamento a finalidade da aplicação da aparatologia fixa foi alcançada, sendo que os dentes da frente do maxilar superior cobriam ligeiramente os dentes da frente do maxilar inferior.

30) Após a remoção dos referidos aparelhos, o réu prescreveu à autora a colocação de aparelhos de contenção essenciais para a eficácia do tratamento ortodôntico correctivo.

31) A contenção no maxilar superior geralmente faz-se com um aparelho removível de uso nocturno e a contenção no maxilar inferior com um aparelho fixo de uso permanente.

32) No dia 11 de Fevereiro de 2005, foi colocado na autora um aparelho de contenção removível no maxilar superior, o qual se destinava a ser obrigatoriamente usado à noite, durante o período de sono.

33) E em 12 de Março de 2005, foi então foi colocado na autora um aparelho de contenção fixo de uso permanente no maxilar inferior.

34) Por razões não concretamente apuradas, o aparelho fixo de contenção do maxilar inferior, da autora, deixou de estar colocado.

35) Em 22 de Abril de 2006, foi colocado um novo aparelho de contenção no maxilar inferior.

36) A cirurgia ortognática não é o tratamento aconselhável em pacientes em fase de crescimento.

37) A Ordem dos Médicos Dentistas, contratou com a com a empresa seguradora A....., Companhia de Seguros,SA., N.I.P.C. ... ... .09, com sede na Rua ..., ..., um contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil – titulado pela apólice n.º ......07.18.39, cujas condições particulares estão juntas a fls. 78 vs. e segs. com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido - mediante o qual esta empresa garante os pagamentos de indemnizações que possam ser exigidas aos seus membros a título de Responsabilidade Civil Profissional, actos, omissões ou erros, de carácter negligente, no exercício da sua profissão.

38) No âmbito daquele contrato de seguro, assume a posição de Segurado cada membro da Ordem dos Médicos Dentistas que, estando habilitado com formação adequada para exercer a actividade profissional, seja titular de Cédula Profissional emitida pela Ordem e com inscrição em vigor;

39) O réu celebrou igualmente com a mesma com a empresa seguradora A....., Companhia de Seguros,SA., um outro contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice n.º ............49 – cujas condições particulares e especiais estão juntas a fls.63 e segs. com o teor aqui se dá por integralmente reproduzido - que garante o pagamento de indemnizações que possam ser exigidas ao réu a título de Responsabilidade Civil Profissional, actos, omissões ou erros, de carácter negligente, no exercício da sua profissão, com o capital seguro para o risco de responsabilidade civil profissional de €300.000,00, sujeito a uma franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais, com um mínimo de €125,00.

6. Em contrapartida, o Tribunal de 1.ª instãncia deu como não provados os factos seguintes:

A) O réu garantiu que os dentes e maxilares ficariam bonitos e totalmente corrigidos, sem necessidade de qualquer outro tratamento, bastando aquele que fora prescrito (colocação de aparelho fixo superior e inferior e extracção de alguns dos seus dentes);

B) No decorrer do tratamento acima aludido, o réu extraiu os sisos superiores da autora;

C) A extracção dos dentes aludida em 8), 25) e 26) causou sofrimento à autora, nomeadamente dores físicas causadas pela aplicação da anestesia e com a própria extracção, bem como vergonha e angústia;

D) Tal extracção provocou limitações no tratamento cirúrgico a que a autora teve que se submeter e comprometerá para toda a vida, a autora quer estética, quer funcionalmente;

E) No ano 2013, numa consulta que teve com o réu, a autora referiu a este que não estava satisfeita com o tratamento efectuado pois os seus dentes, na verdade não estavam “alinhados” e que queria fazer novo tratamento, tendo este respondido que o desalinhamento “mal se notava” e que nem se deveria preocupar com isso;

F) Na consulta aludida em 11), a autora tomou conhecimento de que o seu problema dentário apenas poderia ser resolvido através da designada “cirurgia ortognática”;

G) A situação referida em … foi consequência da extracção dos dentes pré-molares levada a cabo pelo réu;

H) O conhecimento pela autora de que a extracção dos pré-molares foi um tratamento errado causou à autora dor, tristeza e angústia;

I) Em consequência do tratamento realizado pelo réu o tratamento prescrito em 2015 foi mais demorado;

J) E este tratamento nunca terá o sucesso que teria se o réu não tivesse efectuado o tratamento que lhe prescreveu uma vez que, por causa deste, os dentes da autora ficaram colocados em posições erradas;

K) À data em que a autora foi tratada e acompanhada pelo réu, a mesma já padecia do problema [mau posicionamento dos seus dentes e maxilares, designada por “mordida cruzada” ou “assimetria mandibular” e “retrusão maxilar”,

L) O tratamento cirúrgico a que a autora foi submetida poderia ter sido realizado 10 anos antes da data em que o mesmo ocorreu;

M) Para além dos montantes referidos em 15) a 17), a autora irá despender outras quantias até ao final do mesmo tratamento;

N) A autora, durante todo este período de tempo, padeceu de problemas respiratórios, dores de cabeça e dores nos maxilares, consequência do mau aconselhamento e mau tratamento prestado pelo réu;

O) E réu bem sabia que a sua conduta estava em desconformidade com as suas obrigações profissionais, deontológicas e com as leges artis;

P) E sabia que não atingiria os resultados que prometeu à autora;

Q) O não atingimento do resultado prometido pelo réu causou à autora angústia, ansiedade, profunda tristeza e vergonha, pensando que o seu problema nunca poderia ser corrigido;

R) O que levou a que a mesma sentisse vergonha de se relacionar com amigos, familiares e conhecidos, afectando-a nas suas relações profissionais;

S) A realização da cirurgia e o subsequente tempo de recuperação causou-lhe imensos transtornos a nível profissional;

T) ) Após a cirurgia e o período de recuperação da mesma, a autora ainda terá de padecer de mais dores, sofrimento, angustia, ansiedade e vergonha durante um longo período de tempo até finalizar o tratamento;

U) O avanço mandibular diagnosticado pelo réu não resultava de uma discrepância óssea, sendo provocado pela autora que assumia aquela posição de encaixe dos maxilares como sendo o seu encaixe normal e natural, que não era;

V) No ano de 1996, o réu propôs aos pais da autora a realização, em alternativa, do tratamento com aparelho ortodôntico removível no maxilar superior ou do tratamento de ortodontia fixa que deveria de ser levado a cabo num espaço temporal de 2 anos, quando a autora tivesse cerca de 11 anos;

W) Os pais da autora declinaram a opção de tratamento com aparatologia fixa a colocar quando este tivesse 11 anos, dizendo que esta era muito dispendiosa;

X) A proposta de extracção dos pré-molares, aludida em 24) e 26) ocorreu por impossibilidade de recorrer a aparatologia fixa correctiva;

Y) Nessa ocasião, o réu avisou os encarregados de educação da autora que tal solução não resolvia o problema do atraso do maxilar superior, mas apenas e só a situação dos caninos (superiores permanentes);

Z) Só em 2001 é que os pais da autora decidiram disponibilizar os meios financeiros necessários à conclusão do caso clínico, no caso, a aplicação de aparatologia fixa em ordem a corrigir a oclusão dentária, ou seja o encaixe correto dos dentes nos sentidos horizontal, vertical e transversal;

AA) Contra todas as indicações do réu, a autora não só não usou o aparelho de contenção superior de acordo com a prescrição médico-dentária, como removeu intencionalmente o aparelho fixo de contenção inferior;

BB) Na data aludida em 35), por força da referida ausência de contenção, o réu diagnosticou um ligeiro “apinhamento” no sector anterior inferior, nomeadamente nos dentes incisivos centrais inferiores permanentes;

CC) Os pagamentos realizados pelos pais da autora ao réu ascenderam ao total de €4.210,00.

7. Em consonância com a decisão proferida sobre a matéria de facto, o Tribunal de 1.ª instância julgou improcedente a acção e absolveu os Réus do pedido.

8. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação.

9. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 3 à página 17 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto da alínea A) dos factos declarados não provados, e que declare provado: «O Réu garantiu que os dentes e maxilares ficariam totalmente corrigidos, sem necessidade de qualquer outro tratamento, bastando aquele que fora prescrito (colocação de aparelho fixo superior e inferior e extracção de alguns dos seus dentes)».

2) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 17 à página 20 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto da alínea B) dos factos declarados não provados, e que declare provado: «No decorrer do tratamento acima aludido, o Réu extraiu os sisos superiores da Autora».

3) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 20 à página 22 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto da alínea C) dos factos declarados não provados, e que declare provado: «A extracção dos dentes aludida em 8), 25) e 26) causou sofrimento à Autora, nomeadamente, dores físicas causadas pela aplicação da anestesia e com a própria extracção».

4) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 22 à página 28 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto da alínea D) dos factos declarados não provados, e que declare provado: Tal extracção provocou limitações no tratamento cirúrgico a que a Autora teve que se submeter».

5) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 28 à página 34 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto da alínea E) dos factos declarados não provados, e que declare provado: «Em data não concretamente apurada, numa consulta que teve com o Réu no decurso do tratamento, a Autora referiu a este que não estava satisfeita com o tratamento efectuado pois os seus dentes, não estavam “alinhados”, tendo este respondido que o desalinhamento “mal se notava” e que nem se deveria preocupar com isso».

6) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 35 à página 44 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto da alínea F) dos factos declarados não provados, e que declare provado: «Na consulta aludida em 11), a Autora tomou conhecimento de que o seu problema dentário apenas podia ser resolvido através da designada cirurgia ortognática».

7) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 44 à página 52 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto da alínea H) dos factos declarados não provados, e que declare provado: «O conhecimento pela Autora de que a extracção dos pré-molares foi um tratamento errado causou à Autora dor e tristeza».

8) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 53 à página 57 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto da alínea I) dos factos declarados não provados, e que declare provado: «Em consequência do tratamento realizado pelo Réu o tratamento prescrito em 2015 foi mais demorado».

9) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 57 à página 63 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto da alínea J) dos factos declarados não provados, e que declare provado: «Devido ao tratamento que o Réu prescreveu à Autora, os dentes da Autora ficaram colocados em posições erradas».

10) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 63 à página 67 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto da alínea K) dos factos declarados não provados, e que declare provado: «À data em que a Autora foi tratada e acompanhada pelo Réu, a mesma já padecia do problema [mau posicionamento dos seus dentes e maxilares, designado por “mordida cruzada”, “assimetria mandibular”, “avanço mandibular” e “retrusão maxilar”».

11) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 67 à página 69 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto da alínea L) dos factos declarados não provados, e que declaro provado: «O tratamento cirúrgico a que a Autora foi submetida poderia ter sido realizado 10 anos antes da data em que o mesmo ocorreu».

12) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 69 à página 73 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto da alínea N) dos factos declarados não provados, e que declare provado: «A Autora, durante todo este período de tempo, padeceu de problemas respiratórios, dores de cabeça e dores nos maxilares, consequência do mau aconselhamento e mau tratamento prestado pelo Réu».

13) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 73 à página 77 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto da alínea Q) dos factos declarados não provados, e que declare provado: «O não atingimento do resultado prometido pelo Réu causou à Autora angústia, ansiedade e tristeza».

14) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 77 à página 84 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto 11) dos factos declarados provados, e que declare provado: «No final do ano de 2015, numa consulta na Clínica da Universidade C...., sita na ..., a Autora tomou conhecimento de que o problema dentário de que padecia apenas podia ser resolvido através da designada “cirurgia ortognática”».

15) Por causa dos fundamentos, especificados na página 84 do corpo destas alegações, impõe-se a respectiva rectificação do ponto 14) dos factos declarados provados, e que seja alterado para: «Antes da cirurgia referida em 13), a Autor foi submetida a uma intervenção / tratamento com a finalidade de colocação dos dentes na posição correcta para a cirurgia».

16) Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 84 à página 89 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto 24) dos factos declarados provados, e que declare não provado: «logrando um correcto posicionamento dos dentes caninos superiores».

17) Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 89 e 90 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto 25) dos factos declarados provados, e que declare apenas provado, que: «Porque tal intervenção não era suficiente para resolver o problema do atraso do maxilar superior (que provocava o avanço mandibular), foi seguido o procedimento aludido em 4) para compensar e corrigir a discrepância dentária (encaixe dos dentes e maxilar), funcional, harmoniosa e estética».

18) Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 99 e 100 do corpo destas alegações, impõe-se decisão que altere a decisão do ponto 29) dos factos declarados provados, e que declare não provado: «Nessa altura o tratamento a finalidade da aplicação da aparatologia fixa foi alcançada, sendo que os dentes do maxilar superior cobriam ligeiramente os dentes da frente do maxilar superior».

19) A relação estabelecida, no dia 12 de Janeiro de 1996 e que perdurou até ao dia 22 de Abril de 2006, entre o réu, médico dentista, e a autora, através dos seus pais, é de natureza contratual, na modalidade de contrato de prestação de serviços médicos dentários, previsto no artigo 1154.º do Código Civil.

20) A essa relação contratual aplicam-se o disposto no n.º 1 do artigo 762.º, nos artigos, 562.º, 563.º, 566.º, 798.º, e no n.º 1 do artigo 799.º, todos do Código Civil, bem como, o disposto no n.º 1 do artigo 483º do Código Civil, e, ainda, em especial, o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 8º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos Dentistas, publicado na 2.ª série, n.º 143, de 22 de Junho de 1999 do Diário da República, alterado pelo Regulamento Interno n.º 4/2006, publicado na 2.ª série, n.º 103, de 29 de Maio de 2006 do Diário da República.

21) Pelos factos que ficaram provados no segundo ponto 1), no ponto 4), nos pontos 5), 6), 8) e 19) da decisão de facto, e, ainda, pelas impugnações produzidas às alíneas A), J), K) da decisão de facto, e às impugnações produzidas aos pontos 24), 25) e 29) da decisão de facto, o réu não cumpriu a sua prestação debitória.

22) Os actos médicos dentários, praticados pelo réu, declarados provados nos pontos 3), 4), 8), 9), na primeira parte do ponto 24), 26, 32), 33) e 35) da decisão de facto, e dos factos que resultam das impugnações produzidas aos pontos 24), 25) e 29) da decisão de facto, e aos das suas alíneas A), J), K), foram manifestamente desadequados aos factos do ponto 19) da decisão de facto, e desadequados aos da impugnação produzida àquela alínea K) da decisão de facto.

23) O réu incumpriu o dever de informar a autora, e os seus pais, que a resolução do problema dentário, provado no ponto 19) da decisão de facto, e da que resulta da impugnação produzida àquela alínea K) da decisão de facto, apenas se resolvia pela sujeição da autora à cirurgia ortognática.

24) A autora provou a ilicitude, praticada pelo réu.

25) O réu não ilidiu a presunção de culpa, que sobre si impendia, até pelos factos que alegou e que foram declarados não provados pela decisão de facto nas suas alíneas v) a cc).

26) A autora provou pelos factos provados pela decisão de facto nos seus pontos 3) - aparelhos removíveis - 5) - aparelhos fixos - 9), 32), 33) e 35) - aparelhos de contenção - 8), 21), primeira parte do ponto 24), e ponto 26), extracção dos dentes pré-molares, dos primeiros pré - molares superiores permanentes e dos primeiros pré - molares inferiores permanentes, e a extracção dos sisos superiores, resultante da impugnação à alínea B) da decisão de facto, e, ainda, pelas impugnações produzidas às suas alíneas C), D), E), H), I), J), L), N), K) e Q), os danos e o nexo das suas causalidades das suas imputações ao Réu.

27) Face aos factos provados aos pontos 10), 15), 16) e 17), 8), na primeira parte do ponto 24), 26) e aos factos que resultam provados das impugnações produzidas àquelas alíneas C), D), E), H), I), J), L), N) e Q), a autora provou os valores dos danos patrimoniais, e os valores dos danos não patrimoniais para estes serem compensáveis na quantia de €40.000,00, perante o disposto no artigo 494.º e no n.º 1 do artigo 496º, ambos do Código Civil.

28) Atentos os factos provados nos pontos 37), 38) e 39) da decisão de facto, impõe-se que a sentença recorrida seja revogada, que a A....., Companhia de Seguros,SA. seja condenada a pagar à Autora a quantia de €53.428,88, e que o réu seja condenado a pagar à autora a quantia de €1.480,98, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a prolação do acórdão por este Tribunal da Relação do Porto até efectivos e integrais pagamentos.

10. O Réu contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

11. O Tribunal da Relação julgou totalmente improcedente o recurso de apelação.

12. Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista.

13. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

IV — Da síntese conclusiva. Nulidade do acórdão recorrido.

1ª- Por causa dos fundamentos especificados desde a página 4 à página 6 do corpo destas alegações, o acórdão recorrido está ferido da nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, porque omitiu apreciação e decisão das questões fácticas das primeira, segunda e sexta conclusões do recurso de apelação, relativas às impugnações dos pontos das alíneas A), B) e F) dos factos declarados não provados na decisão de facto da primeira instância.

2ª- Em consequência da procedência desta conclusão, impõe-se, nos termos previstos no nº 2 do artigo 684º do Código de Processo Civil, que seja ordenado que o processo baixe ao Tribunal da Relação do Porto para que reforme a sua decisão.

Da falta de efectiva reapreciação do acórdão recorrido da matéria de facto impugnada.

3ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 9 e 10 do corpo destas alegações, o acórdão recorrido, com o seu modo transcrito na respectiva página 10 de apreciação da questão fáctica da terceira conclusão do recurso de apelação, relativa à impugnação do ponto da alínea C) dos factos declarados não provados na decisão de facto da primeira instância, realmente não a reapreciou nem os específicos quatro fundamentos invocados pela recorrente, e, consequentemente, violou o dever, inscrito no nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º, todos do Código de Processo Civil.

4ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 10 e 11 do corpo destas alegações, o acórdão recorrido, com o seu modo transcrito na respectiva página 11 de apreciação da questão fáctica da quarta conclusão do recurso de apelação, relativa à impugnação do ponto da alínea D) dos factos declarados não provados na decisão da primeira instância, realmente não a reapreciou nem os específicos quatro fundamentos invocados pela recorrente, e, consequentemente, violou o dever, inscrito no nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º, todos do Código de Processo Civil.

5ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 12 e 13 do corpo destas alegações, o acórdão recorrido, com o seu modo transcrito na respectiva página 12 de apreciação da quinta conclusão do recurso de apelação, relativa à impugnação do ponto da alínea E) dos factos declarados na decisão de facto da primeira instância, realmente não a reapreciou nem os específicos quatro fundamentos invocados pela recorrente, e, consequentemente, violou o dever, inscrito no nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º, todos do Código de Processo Civil.

6ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 14, 15 e 16 do corpo destas alegações, o acórdão recorrido, com o seu modo transcrito na respectiva página 14 de apreciação da questão fáctica da sétima conclusão do recurso de apelação, relativa à 54 impugnação do ponto da alínea H) dos factos declarados não provados na decisão de facto da primeira instância, realmente não a reapreciou nem os específicos cinco fundamentos invocados pela recorrente, e, consequentemente, violou o dever, inscrito no nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º, todos do Código de Processo Civil.

7ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 17 à página 21 do corpo destas alegações, o acórdão recorrido, com o seu modo transcrito na respectiva página 17 de apreciação da questão fáctica da oitava conclusão do recurso de apelação, relativa à impugnação do ponto da alínea I) dos factos declarados não provados na decisão de facto da primeira instância, realmente não a reapreciou nem os específicos cinco fundamentos invocados pela recorrente, e, consequentemente, violou o dever, inscrito no nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º, todos do Código de Processo Civil.

8ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 21, 22 e 23 do corpo destas alegações, o acórdão recorrido, com o modo transcrito na respectiva página 22 de apreciação da questão fáctica da nona conclusão do recurso de apelação, relativa à impugnação do ponto da alínea J) dos factos declarados não provados na decisão de facto da primeira instância, realmente não a reapreciou nem os específicos cinco fundamentos invocados pela recorrente, e, consequentemente, violou o dever, inscrito no nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º, todos do Código de Processo Civil.

9ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 23, 24 e 25 do corpo destas alegações, o acórdão recorrido, com o seu modo transcrito na respectiva página 24 de apreciação da questão fáctica da décima conclusão do recurso de apelação, relativa à impugnação do ponto da alínea K) dos factos declarados não provados na decisão de facto da primeira instância, realmente não a reapreciou nem os específicos seis fundamentos invocados pela recorrente, e, consequentemente, violou o dever, inscrito no nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º, todos do Código de Processo Civil.

10ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 25, 26 e 27 do corpo destas alegações, o acórdão recorrido, com o seu modo transcrito na respectiva página 26 de apreciação da questão fáctica da décima primeira conclusão do recurso de apelação, relativa à impugnação do ponto da alínea L) dos factos declarados não provados na decisão de facto da primeira instância, realmente não a reapreciou nem os específicos cinco fundamentos e as específicas três ilações, que a recorrente invocou, e, consequentemente, violou o dever, inscrito no nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º, todos do Código de Processo Civil.

11ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 27, 28 e 29 do corpo destas alegações, o acórdão recorrido, com o seu modo transcrito na respectiva página 28 de apreciação da questão fáctica da décima segunda conclusão do recurso de apelação, relativa à impugnação do ponto da alínea N) dos factos declarados não provados na decisão de facto da primeira instância, realmente não a reapreciou nem os específicos seis fundamentos invocados pela recorrente, e, consequentemente, violou o dever, inscrito no nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º, todos do Código de Processo Civil.

12ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 29 à página 31 do corpo destas alegações, o acórdão recorrido, com o seu modo transcrito na respectiva página 31 de apreciação da questão fáctica da décima terceira conclusão do recurso de apelação, relativa à impugnação do ponto da alínea Q) dos factos declarados não provados na decisão de facto da primeira instância, realmente não a reapreciou nem os específicos quatro fundamentos invocados pela recorrente, e, consequentemente, violou o dever, inscrito no nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º, todos do Código de Processo Civil.

13ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 32 e 33 do corpo destas alegações, o acórdão recorrido, com o seu novo transcrito na respectiva página 33 de apreciação da questão fáctica da décima quarta conclusão do recurso de apelação, relativa à impugnação do ponto 11) dos factos declarados provados na decisão de facto da primeira instância, realmente não a reapreciou nem os específicos seis fundamentos invocado pela recorrente, e, consequentemente, violou o dever, inscrito no nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º todos do Código de Processo Civil.

14ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 33, 34 e 35 do corpo destas alegações, o acórdão recorrido, com o seu modo transcrito na respectiva página 34 de apreciação da questão fáctica da décima sexta conclusão do recurso de apelação, relativa à impugnação do ponto 24) dos factos declarados provados na decisão de facto da primeira instância, realmente não a reapreciou nem os específicos seis fundamentos invocados pela recorrente, e, consequentemente, violou o dever, inscrito no nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º, todos do Código de Processo Civil.

15ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 35 e 36 do corpo destas alegações, o acórdão recorrido, com o seu modo transcrito na respectiva página 35 de apreciação da questão fáctica da décima sétima conclusão do recurso de apelação, relativa à impugnação ao ponto 25) dos factos declarados provados na decisão de facto da primeira instância, realmente não a reapreciou nem o específico fundamento invocado pela recorrente, e, consequentemente, violou o dever, inscrito no nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º, todos do Código de Processo Civil.

16ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 36 à página 39 do corpo destas alegações, ao acórdão recorrido impunha-se que, por aplicação do disposto no artigo 249º do Código Civil, rectificasse o manifesto lapso de escrita da palavra final « superior», constante da décima oitava conclusão do recurso de apelação, para a palavra « inferior », e o seu modo transcrito na respectiva página 36 de apreciação da questão fáctica rectificada dessa décima oitava conclusão do recurso de apelação, relativa à impugnação do ponto 29) dos factos declarados provados na decisão de facto da primeira instância, realmente não a reapreciou nem os específicos sete fundamentos invocados pela recorrente, e, consequentemente, violou o dever, inscrito no nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º, todos do Código de Processo Civil.

17ª- Na procedência da terceira à décima sexta das anteriores conclusões, impõe-se que seja determinada a anulação do acórdão recorrido e a baixa do processo ao Tribunal da Relação do Porto para que, efectivamente, reaprecie as questões fácticas das terceira, quarta, quinta, sétima, oitava, nona, décima, décima primeira, décima segunda, décima terceira, décima quarta, décima sexta, décima sétima e décima oitava conclusões do recurso de apelação, referentes à impugnação da respectiva decisão de facto da primeira instância, e que nessa reapreciação, efectivamente cumpra o respectivo dever do nº 1 do artigo 662º, e os ónus, impostos pelo nº 4 do artigo 607º, ex vi parte final do nº 2 do artigo 663º, todos do Código de Processo Civil.

Da crítica à fundamentação de direito do acórdão recorrido e à sua decisão de direito.

18ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 50 à página 53 do corpo destas alegações, a relação estabelecida, no dia 12 de Janeiro de 1996 e que perdurou até ao dia 22 de Abril de 2006, entre o Réu, médico dentista, e a recorrente, através dos seus pais, é de natureza contratual, na modalidade de contrato de prestação de serviços médicos dentários, previsto no artigo 1154º do Código Civil, a que se aplica o disposto no artigo 762º, nos artigos 562º, 563º, 566º, 798º, no nº 1 do artigo 799º, e no nº 1 do artigo 483º, todos do Código Civil, e, ainda, em especial, o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 8º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos Dentistas, publicado na 2ª série, nº 143, de 22 de Junho de 1999 do Diário da República, alterado pelo Regulamento Interno nº 4/2006, publicado na 2ª série, nº 103, de 29 de Maio de 2006 do Diário da República,

19ª- Aquando da consulta com o Réu, foi diagnosticado à recorrente um avanço mandibular, pois encaixava o maxilar inferior à frente do maxilar superior.

20ª- O Réu afirmou que o tratamento com aparelhos fixos [ tratamento ortodôntico ] era mais eficaz que os aparelhos removíveis, que seriam a solução para o caso da recorrente, e assegurou que este tratamento era o adequado à resolução do problema dentário que a recorrente padecia, e os pais da recorrente e esta sempre confiaram no Réu, pensando que estaria a ser bem seguida e que o tratamento era o adequado para o caso da recorrente.

21ª- Aquela relação estabelecida é contrato de prestação de serviços dentários de resultado, de resolução pelo Réu daquele problema de avanço mandibular do maxilar inferior relativamente ao maxilar superior de que a recorrente padecia.

22ª- O Réu não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia do cumprimento dessa sua prestação debitória de resolver aquele problema do avanço mandibular do maxilar inferior.

23ª- Os actos, realizados pelo Réu, desde o ano de 1996 até ao dia 22 de Abril de 2006, foram desadequados à resolução daquele problema do avanço mandibular do maxilar inferior que o Réu não resolveu.

24ª- A fundamentação de direito do acórdão recorrido e a sua decisão de direito violaram o disposto nas normas da antecedente décima oitava conclusão,

25ª- E impõe-se que a sua decisão seja revogada, e que o Tribunal da Relação do Porto profira outra decisão, depois de suprir a nulidade das antecedentes primeira e segunda conclusões, e, ainda, depois de efectivamente reapreciar as questões fácticas das antecedentes terceira, quarta, quinta, sexta, sétima, oitava, nona, décima, décima primeira, décima segunda, décima terceira, décima quarta, décima quinta, e décima sexta conclusões, e tendo presente que a relação estabelecida é contrato de prestação de serviços dentários de resultado,

Por só assim se aplicar o direito devido e se fazer justiça.

14. O Réu contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.

15. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

A) Tendo em conta que estamos perante uma manifesta situação de DUPLA CONFORME, nos termos do disposto no art.º 671 n.º 3, art.º 629 n.º 2 al. a), b) c) e d) e art.º 672.º do C.P.C., o presente recurso não é admissível, devendo o mesmo ser desde já não ser admitido.

B) Atenta a irrecorribilidade do acórdão Recorrido as nulidades por omissão de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, deveriam ter sido invocadas junto do Tribunal recorrido, nos termos das disposições conjugadas do n.º 4 do mesmo artigo 615º e 671º, nº 3, ambos do CPC.

C) A nulidade em causa não poderia ter sido invocada em sede de recurso, mas sim por requerimento e junto do tribunal recorrido.

D) Não o tendo sido, não poderá esta questão ser objecto de apreciação em sede de recurso, sem prejuízo de o próprio tribunal recorrido poder conhecer as Nulidades invocadas, o que deverá fazer, caso entenda terem sido cometidas, sanando-as (art.º 617.º n.º 1 e 2 do C.P.C.).

E) O tribunal “a quo” fez uma apreciação altamente cuidada da prova produzida e fê-lo pelo próprio cotejo que o Exmos Desembargadores levaram a cabo dos meios probatórios deduzidos em juízo

F) É hoje completamente pacífico na Doutrina e na Jurisprudência que o Tribunal não está vinculado a proferir juízo sobre todos os argumentos do recurso, quedando-se a sua obrigação pela apreciação das concretas questões suscitadas e não de todos os argumentos que fundamentam tais questões, tudo o que sucedeu nos presentes autos.

G) Não existiu qualquer violação dos art.º 662.º n.º 1, art.º 607.º n.º 4.º, 663.º, n.º 2.º todos do C.P.C.

H) Improcedendo as questões de facto e não tendo havido impugnação da decisão de direito “qua tale” improcedem necessariamente as questões de direito levantadas, atenta a inexistência de qualquer factualidade que conforme a posição da Recorrente.

16. O Tribunal da Relação do Porto pronunciou-se sobre as nulidades arguidas pela Autora nos seguintes termos:

Tendo sido notificado do teor do acórdão proferido nos autos que julgou o recurso de apelação por si interposto totalmente improcedente e consequentemente confirmou a decisão recorrida, veio a apelante AA inconformada com o teor do mesmo veio invocar que o mesmo está ferido da nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, porque omitiu apreciação e decisão das questões fácticas das primeira, segunda e sexta conclusões do recurso de apelação, relativas às impugnações dos pontos das alíneas A), B) e F) dos factos declarados não provados na decisão de facto da primeira instância e ainda dele veio interpor recurso de revista para o S.T. de Justiça .

O recorrido BB veio pugnar pela inexistência das apontadas nulidades e pela não admissibilidade do recurso de revista.

Cumpre decidir.

Julgamos que é manifesta a falta de razão da autora/apelante, sendo evidente o seu inconformismo com o decidido e, assim a arguição de nulidades, mormente no âmbito do complexo e até prolixo elenco factual trazido aos autos um meio para tentar obstar ao trânsito da decisão.

Ora, como é sabido, segundo o disposto no art.º 615.º n.º1 al. d), “ex vi” do n.º1 do art.º 666.º, ambos do C.P.Civil, a sentença (“in casu”, o acórdão) é nula se deixa de conhecer na sentença de questões de que devia tomar conhecimento ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Este vício traduz-se no incumprimento ou desrespeito por parte do julgador, do dever prescrito no art.º 608.º n.º2 do C.P.Civil, cfr. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 690 e Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, pág. 247, segundo o qual deve o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

A nulidade da al. d) do n.º1 do art.º 615.º do C.P.Civil, é assim a sanção pela violação do disposto no art.º 608.º n.º 2 do C.P.Civil, o qual impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação mas, por outro lado, de só poder ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo tratando-se de questões do conhecimento oficioso do tribunal (omissão ou excesso de pronúncia). Havendo, neste campo, que distinguir entre “questões a apreciar” e “razões” ou “argumentos” avançados pelas partes, bem como aconselhar cautela por forma a não confundir tais situações com eventuais fundamentos para a modificabilidade da decisão de facto.

No que importa, é como refere Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 143: “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”

Isto é, a nulidade sobre a qual nos estamos a debruçar, circunscreve-se, tão só, às questões/pretensões submetidas ao tribunal pelas partes, cujo conhecimento foi omitido por este, em violação do dever consignado nos últimos dos normativos acima citados.

Mas vejamos.

“In casu” alega a apelante que este Tribunal omitiu a apreciação da impugnação que fez do facto julgado não provado em 1.ª instância e aí elencado sob a alínea F).

Ora, é manifesto e objetivo que a diferença entre o facto provado em 1.ª instância sob o n.º11 do respetivo elenco e o dito facto não provado é a expressão “apenas”.

Desta feita basta ler com a devida atenção o que se consignou no acórdão em apreço a respeito de tal questão de facto - “…dir-se-á que quanto ao facto 11 julgado provado em 1.ª instância, o mesmo corresponde exatamente ao que foi declarado pela testemunha CC que viu a autora numa consulta de mestrado na faculdade – C.... – tinha a mesma já mais de 20, ou seja, em 2015 e que aí lhe disseram então que para resolver o problema que a mesma apresentava poderiam tentar um tratamento de camuflagem ortodôntica ou uma cirurgia ortognática, sendo que se optasse por esta, ela teria de ser feita noutro local, tendo a autora abandonado a consulta sem qualquer emitir qualquer decisão”.

Ou seja, para qualquer cidadão mediano, do assim consignado decorre a total falta de correspondência com a realidade do facto, por isso mesmo julgado não provado em 1.ª instância sob a alínea F) e, por tal razão por este tribunal assim conhecido e julgado não merecedor da alteração requerida pela apelante. Mais, a alteração pretendida pela apelante à redação do facto julgado provado em 1.ª instância e elencado sob o n.º11 e, por este tribunal não aceite, teria com efeito direto e imediato a alteração do facto julgado não provado sob a alínea F) do respetivo elenco, que assim teve necessariamente de ficar inalterado.

No que concerne ao facto julgado provado em 1.ª instância e aí elencado sob a alínea A), como resulta expressamente do teor do acórdão em apreço, nele e no âmbito da reapreciação da prova realizada, mormente da evolução temporal dos tratamentos efetuados pelo réu à autora/apelante, escreveu-se “sendo nossa convicção, pelo global da prova produzida nos autos, que o réu jamais prometeu à autora o alcance de um qualquer resultado no final dos tratamentos que levou a efeito”, logo manifesto é de concluir que se apreciou a referida questão tendo-se decidido pela não alteração do decidido em 21.º instância. Mais, como está provado nos autos, “o réu apenas assegurou que este tratamento era o adequado à resolução do problema dentário que a autora padecia”. E por fim, há que haver honestidade intelectual uma vez que o presente litígio versa so9bre uma questão importante de saúde -normal funcionamento maxilo/mandibular e de devida oclusão dentária, e não sobre qualquer questão de “beleza”.

Finalmente e no que se reporta ao facto julgado não provado em 1.ª instância e aí elencado sob a alínea B) – ou seja, terá o réu extraído os dentes sisos superiores à autora

Ora, como resultou da reapreciação da prova feita por este tribunal ficou-nos a segura convicção de que a autora foi paciente do réu, pelo menos desde 1996 a 2005/2006, ou seja, desde os 7/8 anos da mesma aos seus 16/17 anos, revela desde logo, como chegou a ser declarado por testemunhas ouvidas, que nessa ocasião, à mesma naturalmente não tinham ainda surgido os dentes do siso, o que geralmente apenas surge entre os 17 e os 21 anos. Logo, o facto julgado não provado son a alínea A) dos factos não provados em 1.ª instância, revelou-se pelo global da prova realizada nos autos um facto de realidade impossível.

Em suma, e não obstante não se ter feito expressa referência a tais factos na reapreciação e decisão da prova efetuada, a verdade é que como resulta de uma atenta e honesta leitura do acórdão em causa tais factos foram analisados, interpretados e decididos. Pelo que, sem necessidade de outros considerandos, este tribunal conheceu do que lhe estava imposto e lhe era permitido, pelo inexiste no acórdão em reclamação a invocada nulidade por omissão de pronúncia.

IV – Pelo exposto e, atento tudo o acima consignado, acordam em conferência os Juízes desta secção cível em desatender a presente reclamação, julgando a arguição da nulidade do acórdão proferido nos autos totalmente improcedente, não se admitindo o pretenso recurso de revista.

Custas pela apelante/reclamante.

17. Em seguida, a Exma. Senhora Juíza Desembargadora Relatora proferiu o seguinte despacho:

Como atrás se referiu a apelante veio também pretender interpor recurso de revista do acórdão proferido nos autos para o S.T. de Justiça.

Ora, o acórdão proferido por este Tribunal da Relação confirmou, como se pode ver pelo seu teor, por fundamentação essencialmente idêntica e sem qualquer voto de vencido, a decisão proferida em 1.ª instância e, assim sendo, verifica-se a denominada dupla conforme, cfr. art.º 671 n.º3 do C.P.Civil, e não se estando perante qualquer situação de o recurso ser sempre admissível, nem foi interposto fundamentadamente qualquer recurso de revista excecional, é inadmissível o referido recurso de revista ordinária para o S.T.J, o que se decide.

Notifique.

18. Inconformada, a Autora veio apresentar reclamação, ao abrigo do art. 643.º do Código de Processo Civil.

19. O Réu veio declarar “[q]ue, não pretend[ia] responder à presente reclamação, na medida em que a sua posição acerca da (in)nadimissibilidade do Recurso de Revista em causa já [tinha sido] suficientemente expendida na Resposta ao próprio Recurso”.

20. Em 20 de Setembro de 2023, foi proferida decisão singular, deferindo a reclamação e requisitando o processo principal ao tribunal recorrido, nos termos do art. 643.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.

21. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

— se o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia sobre a impugnação dos factos dados como não provados sob as alíneas A), B) e F);

— se o Tribunal da Relação violou a lei de processo, por não uso dos poderes de reapreciação da matéria de facto relativamente aos factos dados como provados sob os n.ºs 11, 24 , 25 e 29 [conclusão 13.ª a 16.ª do recurso de revista];

— se o Tribunal da Relação violou a lei de processo, por não uso dos poderes de reapreciação da matéria de facto relativamente aos factos dados como não provados sob as alíneas C), D), E) H), I), J), K), L), N) e Q) [conclusões 3.ª a 12.ª do recurso de revista];

— se os Réus, agora Recorridos, devem ser responsabilizados pelo não cumprimento das obrigações decorrentes de um contrato de prestação de serviço médico [conclusões 18.º a 24.ª do recurso de revista].

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

22. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes 1:

1) O réu é médico dentista desde o ano de 1993 e está inscrito na ordem dos médicos dentistas, sendo portador da cédula profissional n.º ..., com inscrição em vigor.

1) Há cerca de 20 anos, no consultório do réu, onde a autora compareceu na qualidade de paciente, aquele indicou aos pais da autora e à própria, que esta usasse aparelhos removíveis com vista a “corrigir os seus dentes que estariam desalinhados”.

2) Os pais da autora, confiando no réu, acederam a tal solicitação, e a autora foi sendo acompanhada pelo mesmo.

3) A autora iniciou o tratamento com aparelhos removíveis no ano de 1996.

4) No decurso do dito acompanhamento, o réu prescreveu à autora um tratamento ortodôntico, que consistia na colocação de aparelho fixo superior e inferior, com vista à correcção e alinhamento dos seus dentes.

5) O réu BB afirmou que este tratamento com aparelhos fixos [tratamento ortodôntico] era muito mais eficaz que os aparelhos removíveis, e que seriam a solução para o caso da autora.

6) O réu assegurou que este tratamento era o adequado à resolução do problema dentário que a autora padecia.

7) Os pais da autora e a autora sempre confiaram no réu, pensando que a filha estaria a ser bem seguida e o tratamento era o adequado para o caso da mesma.

8) No decorrer do tratamento acima referido, o réu extraiu os dentes pré-molares da autora, o que os pais da autora e a autora só aceitaram porque o réu BB lhes garantira ser necessário para o sucesso do tratamento.

9) Após a aplicação do aparelho fixo, o réu prescreveu que a autora usasse um aparelho de “contenção” no maxilar superior todas as noites durante um largo período de tempo.

10) O custo deste tratamento ascendeu pelo menos ao valor de tais pagamentos ascenderam, na sua totalidade, pelo menos ao montante de €2.865,36, que o réu recebeu.

11) No final do ano de 2015, numa consulta na Clínica da Universidade C...., sita na ..., a autora tomou conhecimento, de que o problema dentário de que então padecia poderia ser resolvido através da designada “cirurgia ortognática”.

12) Se a autora não tratasse o problema dentário de que padecia em 2015, poderia vir a padecer de dores nas articulações da face, disfunções de ATM (articulação temporomandibular), dores de cabeça, maior dificuldade de respiração, mastigação anormal.

13) Em 5 de Dezembro de 2017, por aconselhamento de um outro médico-dentista, a autora foi submetida a uma cirurgia ortognática, após o que foi submetida a um tratamento com “Brackets”, ou seja, aparelhos fixos superior e inferior.

14) Antes da cirurgia referida em 13), a autora foi submetida a uma intervenção/tratamento com a finalidade de colocação dos dentes na posição correcta para a cirurgia 2.

15) Por esse tratamento ortodôntico prévio e preparatório à cirurgia, pagou o montante de €2.350,00.

16) Despendeu em consultas, exames e estudos ortodônticos relativos ao tratamento iniciado no ano de 2015, o valor total de €593,00.

17) A cirurgia custou à autora a quantia de €9.001,50.

18) O tempo de recuperação da cirurgia foi de cerca de seis meses, sendo que a autora durante este tempo padece de edema o que lhe causa também sofrimento.

19) Aquando da consulta com o réu, foi diagnosticado à autora um avanço mandibular, pois encaixava o maxilar inferior à frente do maxilar superior

20) O tratamento de ortodontia fixa aludido em 5) constituiu fase de um tratamento integral que foi proposto em 1996 pelo réu aos pais da autora.

21) Em 6 de Outubro de 1996, o réu extraiu um dos caninos de leite da autora para obter espaço necessário para a correcta erupção dos incisivos centrais e laterias permanentes do maxilar superior.

22) Ainda assim, os dentes caninos superiores permanentes da autora erupcionaram ectopicamente, ou seja, nasceram num local que não era o deles por falta de espaço.

23) Pois nasceram por cima dos primeiros pré-molares superiores permanentes.

24) Como solução deste problema, o réu propôs a extracção dos primeiros pré-molares superiores permanentes em ordem a os caninos (superiores permanentes) entrarem no seu lugar o que sucedeu, logrando a correcto posicionamento dos caninos superiores.

25) Porque tal intervenção não era suficiente para resolver o problema do atraso do maxilar superior (que provocava o avanço mandibular), foi seguido o procedimento aludido em 4) para compensar e corrigir a discrepância dentária (encaixe dos dentes) horizontal e vertical dos dentes, de forma a que a tal correcção permitisse uma oclusão (encaixe dos dentes e maxilares) funcional, harmoniosa e estética de acordo com os parâmetros de uma oclusão dentária normal.

26) Para tanto, antes da colocação da aparatologia fixa, o réu procedeu à extracção dos primeiros pré-molares inferiores permanentes.

27) Solução, essa, que foi proposta como opção aos pais da autora e aceite por estes.

28) No dia 5 de Fevereiro de 2005, o réu removeu os aparelhos ortodônticos correctivos que tinha colocado à autora.

29) Nessa altura o tratamento a finalidade da aplicação da aparatologia fixa foi alcançada, sendo que os dentes da frente do maxilar superior cobriam ligeiramente os dentes da frente do maxilar inferior.

30) Após a remoção dos referidos aparelhos, o réu prescreveu à autora a colocação de aparelhos de contenção essenciais para a eficácia do tratamento ortodôntico correctivo.

31) A contenção no maxilar superior geralmente faz-se com um aparelho removível de uso nocturno e a contenção no maxilar inferior com um aparelho fixo de uso permanente.

32) No dia 11 de Fevereiro de 2005, foi colocado na autora um aparelho de contenção removível no maxilar superior, o qual se destinava a ser obrigatoriamente usado à noite, durante o período de sono.

33) E em 12 de Março de 2005, foi então foi colocado na autora um aparelho de contenção fixo de uso permanente no maxilar inferior.

34) Por razões não concretamente apuradas, o aparelho fixo de contenção do maxilar inferior, da autora, deixou de estar colocado.

35) Em 22 de Abril de 2006, foi colocado um novo aparelho de contenção no maxilar inferior

36) A cirurgia ortognática não é o tratamento aconselhável em pacientes em fase de crescimento.

37) A Ordem dos Médicos Dentistas, contratou com a com a empresa seguradora A....., Companhia de Seguros,SA., N.I.P.C. ... ... .09, com sede na Rua ..., ..., um contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil – titulado pela apólice n.º ......07.18.39, cujas condições particulares estão juntas a fls. 78 vs. e segs. com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido - mediante o qual esta empresa garante os pagamentos de indemnizações que possam ser exigidas aos seus membros a título de Responsabilidade Civil Profissional, actos, omissões ou erros, de carácter negligente, no exercício da sua profissão.

38) No âmbito daquele contrato de seguro, assume a posição de Segurado cada membro da Ordem dos Médicos Dentistas que, estando habilitado com formação adequada para exercer a actividade profissional, seja titular de Cédula Profissional emitida pela Ordem e com inscrição em vigor;

39) O réu celebrou igualmente com a mesma com a empresa seguradora A....., Companhia de Seguros,SA., um outro contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice n.º ............49 – cujas condições particulares e especiais estão juntas a fls.63 e segs. com o teor aqui se dá por integralmente reproduzido - que garante o pagamento de indemnizações que possam ser exigidas ao réu a título de Responsabilidade Civil Profissional, actos, omissões ou erros, de carácter negligente, no exercício da sua profissão, com o capital seguro para o risco de responsabilidade civil profissional de €300.000,00, sujeito a uma franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais, com um mínimo de €125,00.

23. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:

A) O réu garantiu que os dentes e maxilares ficariam bonitos e totalmente corrigidos, sem necessidade de qualquer outro tratamento, bastando aquele que fora prescrito (colocação de aparelho fixo superior e inferior e extracção de alguns dos seus dentes);

B) No decorrer do tratamento acima aludido, o réu extraiu os sisos superiores da autora;

C) A extracção dos dentes aludida em 8), 25) e 26) causou sofrimento à autora, nomeadamente dores físicas causadas pela aplicação da anestesia e com a própria extracção, bem como vergonha e angústia;

D) Tal extracção provocou limitações no tratamento cirúrgico a que a autora teve que se submeter e comprometerá para toda a vida, a autora quer estética, quer funcionalmente;

E) No ano 2013, numa consulta que teve com o réu, a autora referiu a este que não estava satisfeita com o tratamento efectuado pois os seus dentes, na verdade não estavam “alinhados” e que queria fazer novo tratamento, tendo este respondido que o desalinhamento “mal se notava” e que nem se deveria preocupar com isso;

F) Na consulta aludida em 11), a autora tomou conhecimento de que o seu problema dentário apenas poderia ser resolvido através da designada “cirurgia ortognática”;

G) A situação referida em … foi consequência da extracção dos dentes pré-molares levada a cabo pelo réu;

H) O conhecimento pela autora de que a extracção dos pré-molares foi um tratamento errado causou à autora dor, tristeza e angústia;

I) Em consequência do tratamento realizado pelo réu o tratamento prescrito em 2015 foi mais demorado;

J) E este tratamento nunca terá o sucesso que teria se o réu não tivesse efectuado o tratamento que lhe prescreveu uma vez que, por causa deste, os dentes da autora ficaram colocados em posições erradas;

K) À data em que a autora foi tratada e acompanhada pelo réu, a mesma já padecia do problema [mau posicionamento dos seus dentes e maxilares, designada por “mordida cruzada” ou “assimetria mandibular” e “retrusão maxilar”,

L) O tratamento cirúrgico a que a autora foi submetida poderia ter sido realizado 10 anos antes da data em que o mesmo ocorreu;

M) Para além dos montantes referidos em 15) a 17), a autora irá despender outras quantias até ao final do mesmo tratamento;

N) A autora, durante todo este período de tempo, padeceu de problemas respiratórios, dores de cabeça e dores nos maxilares, consequência do mau aconselhamento e mau tratamento prestado pelo réu;

O) E réu bem sabia que a sua conduta estava em desconformidade com as suas obrigações profissionais, deontológicas e com as leges artis;

P) E sabia que não atingiria os resultados que prometeu à autora;

Q) O não atingimento do resultado prometido pelo réu causou à autora angústia, ansiedade, profunda tristeza e vergonha, pensando que o seu problema nunca poderia ser corrigido;

R) O que levou a que a mesma sentisse vergonha de se relacionar com amigos, familiares e conhecidos, afectando-a nas suas relações profissionais;

S) A realização da cirurgia e o subsequente tempo de recuperação causou-lhe imensos transtornos a nível profissional;

T) ) Após a cirurgia e o período de recuperação da mesma, a autora ainda terá de padecer de mais dores, sofrimento, angustia, ansiedade e vergonha durante um longo período de tempo até finalizar o tratamento;

U) O avanço mandibular diagnosticado pelo réu não resultava de uma discrepância óssea, sendo provocado pela autora que assumia aquela posição de encaixe dos maxilares como sendo o seu encaixe normal e natural, que não era;

V) No ano de 1996, o réu propôs aos pais da autora a realização, em alternativa, do tratamento com aparelho ortodôntico removível no maxilar superior ou do tratamento de ortodontia fixa que deveria de ser levado a cabo num espaço temporal de 2 anos, quando a autora tivesse cerca de 11 anos;

W) Os pais da autora declinaram a opção de tratamento com aparatologia fixa a colocar quando este tivesse 11 anos, dizendo que esta era muito dispendiosa;

X) A proposta de extracção dos pré-molares, aludida em 24) e 26) ocorreu por impossibilidade de recorrer a aparatologia fixa correctiva;

Y) Nessa ocasião, o réu avisou os encarregados de educação da autora que tal solução não resolvia o problema do atraso do maxilar superior, mas apenas e só a situação dos caninos (superiores permanentes);

Z) Só em 2001 é que os pais da autora decidiram disponibilizar os meios financeiros necessários à conclusão do caso clínico, no caso, a aplicação de aparatologia fixa em ordem a corrigir a oclusão dentária, ou seja o encaixe correto dos dentes nos sentidos horizontal, vertical e transversal;

AA)Contra todas as indicações do réu, a autora não só não usou o aparelho de contenção superior de acordo com a prescrição médico-dentária, como removeu intencionalmente o aparelho fixo de contenção inferior;

BB) Na data aludida em 35), por força da referida ausência de contenção, o réu diagnosticou um ligeiro “apinhamento” no sector anterior inferior, nomeadamente nos dentes incisivos centrais inferiores permanentes;

CC) Os pagamentos realizados pelos pais da autora ao réu ascenderam ao total de €4.210,00;

O DIREITO

24. O art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

25. Embora o acórdão recorrido tenha confirmado a decisão proferida pelo Tribunal de 1.º instância, a questão suscitada pela Autora, agora Reclamante, relaciona-se com o não uso do poder de reapreciação da matéria de facto, em violação do art. 662.º do Código de Processo Civil.

26. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado constantemente que a questão do não uso do poder de reapreciação da matéria de facto, em violação do art. 662.º, não é prejudicada pela regra do art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil 3.

27. Ora a Autora, agora Reclamante, pelo menos na aparência, suscita questões que correspondem a um não uso dos poderes de reapreciação da matéria de facto.

28. Entrando na apreciação das questões suscitadas:

29. A primeira questão consiste em averiguar se o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia sobre a impugnação dos factos dados como não provados sob as alíneas A), B) e F).

30. Os factos dados como provados sob as alíneas A), B) e F) são do seguinte teor.

A) O réu garantiu que os dentes e maxilares ficariam bonitos e totalmente corrigidos, sem necessidade de qualquer outro tratamento, bastando aquele que fora prescrito (colocação de aparelho fixo superior e inferior e extracção de alguns dos seus dentes);

B) No decorrer do tratamento acima aludido, o réu extraiu os sisos superiores da autora;

F) Na consulta aludida em 11), a autora tomou conhecimento de que o seu problema dentário apenas poderia ser resolvido através da designada “cirurgia ortognática”.

31. Em relação ao facto dado como não provado sob a alínea A), o Tribunal da Relação explica que, ao afirmar a convicção de que “o Réu jamais prometeu à Autora o alcance de um qualquer resultado no final dos tratamentos”, está a confirmar-se que o facto deve dar-se como não provado.

32. Em relação ao facto dado como não provado sob a alínea B), o Tribunal da Relação explica que, ao afirmar-se a convicção de que, ao afirmar-se a convicção de que a Autora foi tratada pelo Réu “pelo menos desde 1996 a 2005/2006”, ou seja, desde os 7/8 anos aos 16/17 anos da Autora, está a confirmar-se que o facto deve dar-se como não provado.

Em geral, os dentes do siso surgem entre os 17 e os 21 anos, pelo que o facto dado como não provado sob a alínea B) sempre seria “de realidade impossível”.

33. Em relação ao facto dado como provado sob a alínea F), o Tribunal da Relação explica que, entre o facto dado como provado sob o n.º 11 e o facto dado como não provado sob a alínea F) há uma relação de semelhança:

I. — O facto dado como provado sob o n.º 11 é do seguinte teor:

11) No final do ano de 2015, numa consulta na Clínica da Universidade C...., sita na ..., a autora tomou conhecimento, de que o problema dentário de que então padecia poderia ser resolvido através da designada “cirurgia ortognática”.

II. — O facto dado como não provado sob a alínea F) é do seguinte teor:

F) Na consulta aludida em 11), a autora tomou conhecimento de que o seu problema dentário apenas poderia ser resolvido através da designada “cirurgia ortognática”.

III. — Face à relação de semelhança entre o facto dado como provado sob o n.º 11 e o facto dado como não provado sob a alínea F), a fundamentação dada pelo acórdão recorrido para manter como provado o facto descrito sob o n.º 11 implica logicamente manter como não provado o facto descrito sob a alínea F):

“… é manifesto e objetivo que a diferença entre o facto provado em 1.ª instância sob o n.º11 do respetivo elenco e o dito facto não provado é a expressão ‘apenas’.… basta ler com a devida atenção o que se consignou no acórdão em apreço a respeito de tal questão de facto — ‘…dir-se-á que quanto ao facto 11 julgado provado em 1.ª instância, o mesmo corresponde exatamente ao que foi declarado pela testemunha CC que viu a autora numa consulta de mestrado na faculdade – C.... – tinha a mesma já mais de 20, ou seja, em 2015 e que aí lhe disseram então que para resolver o problema que a mesma apresentava poderiam tentar um tratamento de camuflagem ortodôntica ou uma cirurgia ortognática, sendo que se optasse por esta, ela teria de ser feita noutro local, tendo a autora abandonado a consulta sem qualquer emitir qualquer decisão’.

Ou seja, para qualquer cidadão mediano, do assim consignado decorre a total falta de correspondência com a realidade do facto, por isso mesmo julgado não provado em 1.ª instância sob a alínea F) e, por tal razão por este tribunal assim conhecido e julgado não merecedor da alteração requerida pela apelante. Mais, a alteração pretendida pela apelante à redação do facto julgado provado em 1.ª instância e elencado sob o n.º11 e, por este tribunal não aceite, teria com efeito direto e imediato a alteração do facto julgado não provado sob a alínea F) do respetivo elenco, que assim teve necessariamente de ficar inalterado”.

34. Os argumentos apresentados no acórdão de conferência para explicar por que é que não há nulidade por omissão de pronúncia devem subscrever-se sem qualquer reserva.

35. A segunda e a terceira questões consistem em averiguar:

I. — se o Tribunal da Relação violou a lei de processo, por não uso dos poderes de reapreciação da matéria de facto relativamente aos factos dados como provados sob os n.ºs 11, 24 , 25 e 29 [conclusões 13.ª a 16.ª do recurso de revista];

II. — se o Tribunal da Relação violou a lei de processo, por não uso dos poderes de reapreciação da matéria de facto relativamente aos factos dados como não provados sob as alíneas C), D), E) H), I), J), K), L), N) e Q) [conclusões 3.ª a 12.ª do recurso de revista].

36. O art. 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil determina que

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

37. Como se escreve, p. ex., nos acórdãos do STJ de 14 de Dezembro de 2016 — proferido no processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1 —, de 12 de Julho de 2018 — proferido no processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1 — e de 12 de Fevereiro de 2019 — proferido no processo n.º 882/14.9TJVNF-H.G1.A1 —,

“… o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa escapa ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674º nº 3 e 682º nº 2 do Código de Processo Civil), estando-lhe interdito sindicar a convicção das instâncias pautada pelas regras da experiência e resultante de um processo intelectual e racional sobre as provas submetidas à apreciação do julgador. Só relativamente à designada prova vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige certa espécie de prova para a demonstração do facto ou fixa a força de determinado meio de prova, poderá exercer os seus poderes de controlo em sede de recurso de revista” 4;

“… está vedado ao STJ conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhe sendo permitido sindicar a actuação da Relação nos casos da designada prova vinculada ou tarifada, ou seja quando está em causa um erro de direito (arts. 674.º, n.º 3, e 682.º, nº 2)” 5.

38. Em todo o caso, como se diz, designadamente, no acórdão do STJ de 30 de Maio de 2019 — processo n.º 156/16.0T8BCL.G1.S1 —,

“[n]ão obstante a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no tocante à decisão sobre a matéria de facto ser residual e de o n.º 4 do artigo 662.º do Código de Processo Civil ser peremptório a determinar a irrecorribilidade das decisões através das quais o Tribunal da Relação exerce os poderes previstos nos n.ºs 1 e 2 da mesma norma, é admissível julgar o modo de exercício destes poderes, dado que tal previsão constitui ‘lei de processo’ para os efeitos do artigo 674.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil”.

39. O art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil determina que o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa — e, em consonância com o art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação deve “formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” 6.

40. Entre os pontos consensuais, ou quase consensuais, está o de que não há violação do art. 662.º do Código de Processo Civil quando a fundamentação do acórdão recorrido seja adequada e suficiente para que se possa concluir que o Tribunal da Relação reavaliou os meios de prova disponíveis, reponderou todas as questões de facto suscitadas, para formar uma convicção própria, e respondeu a todas as questões de facto suscitadas, fundamentando a sua resposta 7.

41. Em relação aos factos dados como provados sob os n.ºs 11, 24, 25 e 29, o Tribunal da Relação fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:

41. I. —Quanto ao facto dado como provado sob o n.º 11, cujo teor é o seguinte:

11) No final do ano de 2015, numa consulta na Clínica da Universidade C...., sita na ..., a autora tomou conhecimento, de que o problema dentário de que então padecia poderia ser resolvido através da designada “cirurgia ortognática”,

diz-se no acórdão recorrido:

“… corresponde exactamente ao que foi declarado pela testemunha CC que viu a autora numa consulta de mestrado na faculdade – C.... – tinha a mesma já mais de 20, ou seja, em 2015 e que aí lhe disseram então que para resolver o problema que a mesma apresentava poderiam tentar um tratamento de camuflagem ortodôntica ou uma cirurgia ortognática, sendo que se optasse por esta, ela teria de ser feita noutro local, tendo a autora abandonado a consulta sem qualquer emitir qualquer decisão”;

42. II. — Quanto ao facto dado como provado sob o n.º 24, cujo teor é o seguinte:

24) Como solução deste problema, o réu propôs a extracção dos primeiros pré-molares superiores permanentes em ordem a os caninos (superiores permanentes) entrarem no seu lugar o que sucedeu, logrando a correcto posicionamento dos caninos superiores

diz-se no acórdão recorrido:

“… pelo global dos depoimentos e dos relatórios juntos aos autos, e depois de tudo devidamente interpretado, em situações como a da autora, à altura dos factos, em que era paciente do réu, e apresentando já discrepância esquelética está indicado o tratamento interceptivo de modificação do crescimento que tem como objectivo melhorar ou corrigir a discrepância esquelética e mesmo permitir que no futuro um tratamento feito apenas por camuflagem sem a necessidade de cirurgia ortognática, ou mesmo, se necessário a realização desta.

[…] não se pode olvidar ainda que a autora apresentava ainda um apinhamento dos dentes caninos (os denominados dentes de vampiro), daí ser de todo indicado um tratamento com recurso à extracção dos 1.ºs pré-molares, no caso, para se encontrar espaço suficiente e se reposicionar os restantes dentes na arcada superior depois a extracção dos 1.ºs pré-molares da arcada inferior para corrigir a oclusão, pois, pelos vistos, verificava-se mesmo assim discrepância”.

“Relativamente ao facto 24 julgado provado em 1.ª instância, atenta a nossa convicção que acima deixamos expressa, a redacção do mesmo nenhuma censura nos merece, daí manter-se inalterado”.

43. III. — Quanto ao facto dado como provado sob o n.º 25, cujo teor é o seguinte:

25) Porque tal intervenção não era suficiente para resolver o problema do atraso do maxilar superior (que provocava o avanço mandibular), foi seguido o procedimento aludido em 4) para compensar e corrigir a discrepância dentária (encaixe dos dentes) horizontal e vertical dos dentes, de forma a que a tal correcção permitisse uma oclusão (encaixe dos dentes e maxilares) funcional, harmoniosa e estética de acordo com os parâmetros de uma oclusão dentária normal

diz-se no acórdão recorrido:

“corresponde à realidade verificada então, sendo que tal resultou do global dos depoimentos das testemunhas DD, CC e EE e ainda do teor dos vários relatórios juntos aos autos”

44. IV. — Quanto ao facto dado como provado sob o n.º 29, cujo teor é o seguinte::

29) Nessa altura o tratamento a finalidade da aplicação da aparatologia fixa foi alcançada, sendo que os dentes da frente do maxilar superior cobriam ligeiramente os dentes da frente do maxilar inferior

diz-se no acórdão recorrido:

“não se compreende o sentido da alteração que a autora pretende que seja feita na sua redacção – …os dentes do maxilar superior cobriam ligeiramente os dentes da frente do maxilar superior. No entanto é nossa segura convicção, tal como está provado nos autos que Nessa altura o tratamento a finalidade da aplicação da aparatologia fixa foi alcançada, sendo que os dentes da frente do maxilar superior cobriam ligeiramente os dentes da frente do maxilar inferior.

Pelo que sem necessidade de outras considerações, nada há a alterar no mesmo”.

45. Em relação aos factos dados como não provados sob as alíneas C), D), E) H), I), J), K), L), N) e Q), o Tribunal da Relação fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:

46. I. — Quanto ao facto dado como não provado sob a alínea C), cujo teor é o seguinte:

A extracção dos dentes aludida em 8), 25) e 26) causou sofrimento à autora, nomeadamente dores físicas causadas pela aplicação da anestesia e com a própria extracção, bem como vergonha e angústia

diz-se no acórdão recorrido:

“relativamente ao que consta da alínea C) nada foi relatado nos autos, ou seja, nem a própria autora ouvida em depoimento e declarações de parte relatou tal factologia, daí a decisão de não provado ao mesmo que se mantém inalterada”.

47. II. — Quanto ao facto dado como não provado sob a alínea D), cujo teor é o seguinte:

Tal extracção provocou limitações no tratamento cirúrgico a que a autora teve que se submeter e comprometerá para toda a vida, a autora quer estética, quer funcionalmente

diz-se no acórdão recorrido:

“o que consta da alínea D) foi desde logo afastado, em concreto, pela própria cirurgiã que realizou a cirurgia ortognática à autora, facto que ainda foi, embora, em tese geral, afastado também pelo teor do próprio relatório médico-legal junto aos autos e pelos esclarecimentos prestados pela Sr.ª perita, Dr.ª FF e pelas testemunhas CC e EE. Daí se manter inalterado”.

48. III. — Quanto aos factos dados como não provados sob as alíneas E) e Q), cujo teor é o seguinte:

E) No ano 2013, numa consulta que teve com o réu, a autora referiu a este que não estava satisfeita com o tratamento efectuado pois os seus dentes, na verdade não estavam “alinhados” e que queria fazer novo tratamento, tendo este respondido que o desalinhamento “mal se notava” e que nem se deveria preocupar com isso;

Q) O não atingimento do resultado prometido pelo réu causou à autora angústia, ansiedade, profunda tristeza e vergonha, pensando que o seu problema nunca poderia ser corrigido;

diz-se no acórdão recorrido:

“na realidade não foi feita a mínima prova de tal facto, já que nem a autora nem os seus pais algo, referiram sobre o mesmo. Logo o mesmo tem de se manter não provado, sendo nossa convicção, pelo global da prova produzida nos autos, que o réu jamais prometeu à autora o alcance de um qualquer resultado no final dos tratamentos que levou a efeito”.

49. IV. — Quanto aos factos dados como não provados sob as alínea I), J), K) e L), cujo teor é o seguinte:

I) Em consequência do tratamento realizado pelo réu o tratamento prescrito em 2015 foi mais demorado;

J) E este tratamento nunca terá o sucesso que teria se o réu não tivesse efectuado o tratamento que lhe prescreveu uma vez que, por causa deste, os dentes da autora ficaram colocados em posições erradas;

K) À data em que a autora foi tratada e acompanhada pelo réu, a mesma já padecia do problema [mau posicionamento dos seus dentes e maxilares, designada por “mordida cruzada” ou “assimetria mandibular” e “retrusão maxilar”,

L) O tratamento cirúrgico a que a autora foi submetida poderia ter sido realizado 10 anos antes da data em que o mesmo ocorreu;

diz-se no acórdão recorrido:

“tal resultou na realidade não provado desde logo atento o teor dos depoimentos das testemunhas EE, CC e DD e [o] teor dos esclarecimentos prestados em audiência pela Sr.ª perita FF”.

50. V. — Quanto aos factos dados como não provados sob as alínea H) e N), cujo teor é o seguinte:

H) O conhecimento pela autora de que a extracção dos pré-molares foi um tratamento errado causou à autora dor, tristeza e angústia;

N) A autora, durante todo este período de tempo, padeceu de problemas respiratórios, dores de cabeça e dores nos maxilares, consequência do mau aconselhamento e mau tratamento prestado pelo réu;

diz-se no acórdão recorrido:

“manifestamente não corresponde à realidade alcançada nos autos, não só porque em nossa convicção apenas se pôde concluir que o tratamento realizado pelo réu à autora era o adequado à sua situação e aos conhecimentos científicos e técnicos da altura e mesmo hoje é ainda um tratamento válido à luz da legis artis de tal área da medicina, incluindo precisamente a extracção de peças dentárias, como sucedeu, como por outro lado, nem a autora nem os pais desta ouvidos como testemunhas algo declararam quanto ao estado emocional dela depois da extracção de tais dentes, nem outros padecimentos físicos directamente decorrentes de tal tratamento que não fossem os normais e decorrentes v.g. do uso dos aparelhos. Daí nenhuma censura nos merecer a decisão de 1.ª instância”.

51. Ora a fundamentação do acórdão recorrido é adequada e suficiente para que se possa concluir que o Tribunal da Relação reavaliou os meios de prova disponíveis, reponderou todas as questões de facto suscitadas, para formar uma convicção própria, e respondeu a todas as questões de facto suscitadas, fundamentando a sua resposta.

52. Finalmente, a quarta questão consiste em averiguar se os Réus, agora Recorridos, devem ser responsabilizados pelo não cumprimento das obrigações decorrentes de um contrato de prestação de serviço médico [conclusões 18.º a 24.ª do recurso de revista].

53. A Autora, agora Recorrente, alega uma relação contratual com o 1.º Réu, agora Recorrido 8. O 1.º Réu, agora Recorrido, teria prometido à Autora, ou aos pais da Autora, um determinado resultado 9; ainda que o 1.º Réu, agora Recorrido, não tivesse prometido à Autora, ou aos pais da Autora, um determinado resultado, sempre deveria responder, por lhe(s) ter prometido um comportamento diligente, conforme com as leis da arte e da ciência médicas, e por não ter adoptado o comportamento prometido 10. Em qualquer dos dois casos, deveria aplicar-se-lhe a presunção de culpa do art. 799.º do Código Civil 11.

54. Independentemente dos exactos termos em que deva configurar-se a relação entre a Autora e o 1.º Réu, agora Recorrido, sempre se dirá que os factos dados como provados são insuficientes para que se dê como preenchidos os requisitos da responsabilidade civil.

55. Em primeiro lugar, não está provado que o 1.º Réu, agora Recorrido, tenha prometido à Autora, ou aos pais da Autora, um determinado resultado 12.

56. Em segundo lugar, não está provado que o 1.º Réu, agora Recorrido, não tenha adoptado um comportamento diligente, conforme com as leis da arte e da ciência médicas.

57. A alegação da Autora, agora Recorrente, de que o 1.º Réu deveria ter recorrido à cirurgia ortognática dez anos antes — i.e., em 2006 ou em 2007 — sempre se confrontaria com o factos dados como provados sob o n.º 36.

58. Face à ausência de prova de que o 1.º Réu tenha violado deveres contratuais ou legais, deve subscrever-se a fundamentação da decisão do Tribunal de 1.ª instância:

“A ilicitude que constitui o ponto de partida para qualquer acção de responsabilidade médica será, assim, o da desconformidade da concreta actuação do agente no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e informado, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes, na mesma data.

Como quer que seja, a prova da ilicitude cabe sempre ao lesado que exerce a sua pretensão indemnizatória. E aqui, parece-nos claro, não está demonstrada a conduta ilícita do Réu, geradora dos danos invocados pelo Autor.

Desde logo, não é imputado Ré qualquer erro de diagnóstico.

Por outro lado, não ficou demonstrada a inadequação do tratamento por ele preconizado e realizado e que ficou concluído com a remoção, no ano de 2005, da aparatologia odontológica fixa e colocação/aplicação dos aparelhos de contenção, numa altura em a finalidade do referido tratamento havia sido foi alcançada, ou seja, quando os dentes da frente do maxilar superior cobriam ligeiramente os dentes da frente do maxilar inferior.

Faltou também provar, em relação à posterior intervenção cirúrgica a que a Autora foi submetida, que a execução da mesma tivesse sido dificultada (atrasada) em consequência do tratamento antes realizado pelo Réu ou que o seu resultado e eficácia tivesse ficado comprometido ou condicionado em consequência do anterior tratamento levado a cabo pelo Réu.

Em conclusão, face à factualidade apurada, não poderemos afirmar que, em algum momento da sua intervenção junto da Autora, na qualidade de médico dentista, o Réu tenha actuado de forma inadequada ou violadora das legis artis”.

III. —DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente AA.


Lisboa, 16 de Novembro de 2023

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Manuel Capelo

Maria de Fátima Gomes

______


1. Embora esteja repetido o n.º 1, os factos dados como provados são reproduzidos com a numeração constante da fundamentação das decisões proferidas pelo Tribunal de 1.ª instância e pelo Tribunal da Relação.

2. A redacção do facto dado como provado sob o n.º 14 foi corrigida pelo Tribunal d Relação, substituindo “referida em 13)” por “referida em 14)”.

3. Cf. designadamente acórdão do STJ de 14 de Maio de 2015 — processo n.° 29/12.6TBFAF.G1.S1 —, de 28 de Janeiro de 2016 — processo n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1-A.S1 —, acórdão do STJ de 3 de Novembro de 2016 — processo n.º 3081/13.3TBBRG.G1.S1 —, de 24 de Novembro de 2016 — processo n.º 296/14.0TJVNF.G1.S1 —, de 17 de Maio de 2017 — processo n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1 —, acórdão do STJ de 18 de Janeiro de 2018 — processo n.º 668/15.3T8FAR.E1.S2 —, acórdão do STJ de 8 de Novembro de 2018 — processo n.º 48/15.0T8VNC.G1.S1 —, de 30 de Maio de 2019 — processo n.º 156/16.0T8BCL.G1.S1 — ou de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 617/14.6YIPRT.L1.S1.

4. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1.

5. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2018 — processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1.

6. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 636.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 287-288.

7. Cf. designadamente o acórdão do STJ de 14 de Setembro de 2021 — processo n.º 60/19.0T8ETZ.E1.S1.

8. Cf. conclusão 18.ª.

9. Cf. conclusão 21ª.

10. Cf. conclusão 23.ª.

11. Cf. conclusão 22.ª.

12. Cf. facto dado como não provado sob a alínea A).