Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | GONÇALVES ROCHA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO ACIDENTE IN ITINERE PERÍODO NORMAL DE TRABALHO | ||
Data do Acordão: | 03/30/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTE DE TRABALHO | ||
Doutrina: | - Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, pág. 50. - Manuela Aguiar, Estudos Sociais e Corporativos, nº 25, págs. 76 e 77. - Melo Franco, BMJ, suplemento de 1979, pág. 67. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC), NA VERSÃO ANTERIOR À QUE LHE CONFERIDA PELO DL Nº 303/2007, DE 24-8: - ARTIGOS 655.º, Nº1, 712.º, Nº6, 722.º, NºS1 E 2, 729.º, Nº2 LEI N.º 100/97, DE 13/9 (LAT), E RESPECTIVO REGULAMENTO, CONSTANTE DO DL Nº 143/99 DE 30/4, CUJA ENTRADA EM VIGOR OCORREU EM 1 DE JANEIRO DE 2000, POR FORÇA DO ARTIGO 1º DO DL Nº 382-A/99 DE 22/9: - ARTIGO 6.º, Nº 2 ALÍNEA A). LEI Nº 143/99, DE 30-4: - ARTIGO 6.º, NºS 2 ALÍNEA C) E 4. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: -DE 10/7/58 E 18/6/59, COLECÇÃO DE ACÓRDÃOS, VOLUME V, PÁG. 222 E VOLUME XI, PÁG. 231; -DE 13/2/62, 26/6/62, 18/12/62 E 30/X/73, IN ACÓRDÃOS DOUTRINAIS Nº 5 PÁG. 687; 10 PÁG. 1315; 15 PÁG. 387; E Nº 46 PÁG. 248; -DE 13/4/67, ACÓRDÃO DO TRIBUNAL PLENO, AD Nº 67 PÁG. 1235; -DE 26/2/70, ACÓRDÃO DO PLENO DO STA, AD Nº 101 PÁG. 783; -DE 3/3/70 E 9/2/71, AD Nº 101 PÁG. 738 E 112 PÁG. 604. ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 17/3/2010, RECURSO Nº250/04.0TTBCL.S1, 4ªSECÇÃO; 3/3/2010, RECURSO Nº 1712/06.0TTSLB.S1, 4ª SECÇÃO; DE 3/3/2010, RECURSO Nº 482/06.TTPRT.S1, 4ª SECÇÃO. | ||
Sumário : | I- Cabem na previsão do artigo 6º nº 2 alínea c) do DL nº 143/99 de 30/4, os acidentes ocorridos no trajecto entre o local de trabalho e o local da toma da refeição intercalar, quer esta ocorra na residência do trabalhador, quer fora dela. II- Assim sendo, tendo o sinistrado ido almoçar a sua casa, temos de qualificar o acidente ocorrido no regresso ao local de trabalho, como um acidente de trabalho indemnizável, pois encontrava-se no percurso que utilizava normalmente entre a sua casa e o local de trabalho. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1---- AA, intentou uma acção com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra: Administração do Centro Comercial ..., com sede em Carcavelos, pedindo: a condenação da Ré a pagar-lhe uma pensão anual e vitalícia no montante de € 930,69, com início em 24.11.2007; o montante de € 1.935,61 que o Autor deixou de auferir durante o período de ITA e ITP; despesas médicas, medicamentosas, transportes, honorários clínicos suportadas, no valor de € 800,00 e as que venha a suportar justificadamente. Alegou para tanto que, no dia 22.07.2007, pelas 13.25 horas, quando regressava de casa, após almoço, para o seu local de trabalho, sito no Centro Comercial ..., pelo trajecto por si normalmente utilizado, sofreu um acidente de viação, em consequência de cujas lesões permaneceu em ITA de 22.07.2007 a 22.10.2007; de 23.10.2007 a 23.11.2007 teve ITP de 30%; e tendo-lhe sido atribuída alta em 23.11.2007, foi-lhe atribuída uma IPP de 13,305% pelo perito médico do Tribunal. Mais alegou que a sua entidade patronal não tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para qualquer seguradora, pelo que, auferindo, à data do acidente, a remuneração mensal de € 593,13, acrescida de um subsídio de alimentação diário de € 6,86, deve esta pagar-lhe os direitos resultantes do acidente, acima peticionados, pois que a ré nada lhe pagou. Alegou ainda que despendeu em despesas médicas, medicamentosas, fisioterapia e tratamentos a quantia de € 600,00 e, ainda € 200,00 em transportes e, ainda, despesas e tratamentos futuros, designadamente para retirar material e inerentes intervenções cirúrgicas. Contestou a ré, sustentando que o acidente dos autos não constitui acidente de trabalho, porquanto em momento algum o autor demonstrou que este ocorreu no percurso por si normalmente ou habitualmente utilizado entre o local de trabalho e a sua residência. Assim sendo, tratando-se apenas dum mero acidente de viação, sustenta a ré que nada lhe tem de pagar. Após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, que julgando a acção totalmente improcedente, absolveu a ré dos pedidos formulados. Inconformado, o A, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgando procedente o recurso, revogou a sentença recorrida e condenou a ré a pagar ao autor: a) a pensão anual e vitalícia no montante de 930,69 €, com início em 24.11.2007, obrigatoriamente remível; b) a montante de 1.935,61 €, a título de indemnizações temporárias; c) e a quantia de € 800,00, a título de despesas médicas, medicamentosas, transportes, honorários clínicos suportados. É agora a R, que inconformada, nos traz esta revista, concluindo assim a sua alegação: 1. Não se encontram preenchidos os 3 conceitos de acidente de trabalho. - Um espacial: o local de trabalho; - Outro temporal: o tempo de trabalho; E por último, um CAUSAL: o nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão, perturbação ou doença. 2. Existe uma total contradição entre o acórdão proferido nos autos e a prova produzida em primeira instância. 3. Ao A competia fazer a prova e não a conseguiu fazer, nem mesmo quando convidado a rectificar a douta p.i. 4. Na falta dos pressupostos essenciais, o acidente em causa não pode ser considerado de trabalho, e, como tal não é indemnizável. 5. Existe uma manifesta violação da lei de processo por parte da Relação, e por essa matéria constituir questão de direito, a mesma é susceptível de ser analisada pelo STJ. 6. O Tribunal da Relação violou expressamente o artigo 712º do Código de Processo Civil. 7. É notório que o Ac. da Relação fez uma análise insuficiente da prova constante dos autos. 8. A companheira do A. com o seu depoimento indicia um interesse directo na causa, e, por isso, não pode nem deve ser valorado. 9. O que se retira do Acórdão é uma alteração genérica aos fundamentos já invocados pela Primeira Instância. 10. O verdadeiro problema que a recorrida levanta constitui matéria de direito, porquanto se refere à violação da lei de processo por parte da Relação, cabendo assim esta matéria na sindicância deste Tribunal. 11. Existe um erro na aplicação da norma aplicável - artº 721º/2, 1º parte do C.P.C. Pede-se assim a revogação do acórdão recorrido, subsistindo a sentença da 1ª instância. O A não alegou. Já neste Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer no sentido de se negar a revista. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir 2---- Para tanto, o acórdão recorrido, fundou-se na seguinte matéria de facto: 2.1-O A. foi admitido ao serviço da ré em 01.06.2007 para exercer as funções de vigilante, na sede da ré, no Centro Comercial …; 2.2- Cumpria um horário rotativo por turnos diários de segunda-feira a domingo; 2.3- No dia 22.07.2007, cerca das 12:30 horas, o Autor interrompeu o serviço para almoçar, dispondo de uma hora para o efeito, devendo retomar o serviço às 13:30 horas; 2.4- O Autor foi almoçar a casa; 2.5- Quando se encontrava a regressar, conduzindo [o] motociclo de matrícula ..., circulava na Avenida Salvador Allende, sentido norte-sul; 2.6- No cruzamento/entroncamento da Avenida Salvador Allende e a Av. Da República, em Oeiras, o veiculo ligeiro de passageiros ..., efectuando manobra de marcha-atrás, a sair da residência n. ° …, embateu na frente do motociclo; 2.7- Fazendo com que ocorresse a queda do Autor (motociclista); 2.8- Em consequência da queda o Autor sofreu de ITA de 22.07.2007 a 22.10.2007; 2.9- E de ITP de 30% de 23.10.2007 a 23.11.2007; 2.10- Tendo-lhe sido atribuída alta em 23.11.2007; 2.11- Em consequência do referido em 2.7) e 2.8) o A apresenta rigidez do punho esquerdo com supinação impossível; na pronação ate 50% e na flexão até 70%, com vestígio cicatricial operatório, sequelas que lhe determinam uma IPP de 13,305%; 2.12- À data referida em 2.4), o A auferia €595,13 x 14 meses (salário base), acrescida de €6,86 x 22 dias x 11 meses (subsídio de alimentação); 2.13- O Autor despendeu €600,00 (seiscentos euros) em despesas médicas, medicamentosas, fisioterapias e tratamentos e €200,00 (duzentos euros) referentes a transportes. E dado que o Tribunal da Relação considerou provada a matéria constante do quesito único da base instrutória, temos de aditar mais este facto àquela materialidade: 2.14- O referido em 2.5 e 2.6 deu-se no trajecto normalmente utilizado entre a casa do autor e o local de trabalho. 3---- Apreciando: Como decorre das conclusões da recorrente, esta suscita duas questões: a)- Violação, pelo Tribunal da Relação, do artigo 712º nº 2 do CPC ao alterar a matéria de facto; b)- Não qualificação do acidente como de trabalho. Assim sendo, vejamos então cada uma delas. 3.1---- Na apelação do autor, começou-se por impugnar a resposta negativa dada ao único quesito que constava da base instrutória, sustentando-se que o Tribunal da 1ª instância havia incorrido num erro de apreciação da prova. O Tribunal da Relação alterou a resposta a este quesito, considerando assim provado que “o acidente ocorrido nos autos, deu-se no trajecto normalmente utilizado entre a casa do autor e o seu local de trabalho, sito na sede da ré, no centro comercial …”, entendendo este Tribunal “que os depoimentos das testemunhas oferecem um grau de confirmação elevado e suficiente para que, segundo as regras comuns da experiência, se possa considerar como provado o quesito cuja resposta foi impugnada”. Neste recurso insurge-se a recorrente contra esta alteração da resposta ao quesito único, argumentando que “é notório que o Acórdão da Relação fez uma análise insuficiente da prova constante dos autos, pois o depoimento da companheira do A, tendo um interesse directo na causa, não pode nem deve ser valorado. Nesta linha, sustenta que existe uma manifesta violação da lei de processo por parte da Relação, que constituindo uma questão de direito, é a mesma susceptível de ser analisada pelo STJ, pois violou-se expressamente o artigo 712º nº 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil, conforme se colhe das conclusões 7ª à 11ª da recorrente. Ora, antes de mais temos de dizer que, sendo o processo anterior a 1 de Janeiro de 2008, aplica-se o regime do CPC, na versão anterior à que lhe conferida pelo DL nº 303/2007 de 24 de Agosto (diploma a que pertencerão todos os preceitos a que não for atribuída outra proveniência). Por isso, o fundamento da revista é a violação de lei substantiva, conforme determina o artigo 722º nº 1 do CPC. Assim, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não é objecto do recurso de revista, conforme consagra o artigo 722º nº 2. Só será objecto da revista se houver violação expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova, conforme se colhe da parte final do preceito. Donde resulta que, enquanto tribunal de revista, o Supremo só pode alterar a matéria de facto apurada pelas instâncias, quando esteja em causa a violação de direito probatório material, pois só neste caso é que está em causa um juízo sobre uma questão de direito. Por isso, não pode sindicar a forma como foram valoradas pelas instâncias as provas não sujeitas a formalidade especial (1). Ora, a matéria de facto que a recorrente impugna, foi apurada pela Relação dentro dos poderes de que dispõe face ao princípio da livre apreciação da prova, consagrado pelo nº 1 do artigo 655º, pelo que está fora dos poderes de censura deste Tribunal, conforme resulta do artigo 712º, nº 6. E assim sendo, não pode ser alterada, conforme resulta do artigo 729º nº 2, pois não está em causa a violação de direito probatório material. Pelo exposto, improcede esta primeira questão. 3.2--- Quanto à qualificação do acidente: Sustenta a recorrente que não se encontram preenchidos os três elementos de que depende a qualificação do acidente como acidente de trabalho, pois falta o elemento espacial: o A não estava no local de trabalho; outro temporal: o A não estava no tempo de trabalho; e por último falta o elemento causal: o nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão, perturbação ou doença. Mas também não tem razão, pois o que está em causa é uma situação de acidente “in itinere”, ficando desde logo afastada a argumentação da recorrente. Efectivamente, tendo o acidente dos autos ocorrido no dia 22 de Julho de 2007, é-lhe aplicável o regime jurídico dos acidentes de trabalho constante da Lei n.º 100/97, de 13/9, bem como o respectivo regulamento, constante do DL nº 143/99 de 30/4, cuja entrada em vigor ocorreu em 1 de Janeiro de 2000, por força do artigo 1º do DL nº 382-A/99 de 22/9. Ora, estes dois diplomas legais vieram consagrar um novo regime jurídico para os acidentes de trabalho e doenças profissionais, face à manifesta desactualização da lei 2 127 de 3 de Agosto de 1965, que constituiu a base jurídica da reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais dos trabalhadores por conta doutrem durante quase 30 anos, e que apesar de pequenas alterações durante este período, se foi tornando insuficiente na reparação dos seus danos. Daí adveio a necessidade da adaptação do seu regime à evolução da realidade sócio-laboral e ao desenvolvimento da legislação complementar no âmbito das relações de trabalho, da jurisprudência e das convenções internacionais. Por isso, a filosofia que esteve subjacente â nova lei, foi a da concretização duma melhoria do sistema de protecção dos trabalhadores e das prestações conferidas às vítimas de acidentes de trabalho e de doenças contraídas no trabalho e por causa dele. Uma das melhorias trazidas pela nova lei foi em matéria de acidentes de trabalho in “itinere”, conforme iremos constatar através da análise da evolução histórica deste conceito. Efectivamente e como se deduz desta expressão, ocorre um acidente “in itinere”, na ida para o local de trabalho ou no regresso do mesmo, desde que o trabalhador se encontre no percurso normal da sua casa para o trabalho e vice-versa. No entanto, no âmbito da lei 1942, de 27/7/36, e que foi a antecessora da Lei 2 127, a figura do acidente in itinere não constava do elenco dos acidentes de trabalho ressarcíveis. Entendia-se então que pelo facto de se dirigir para trabalhar ou de regressar a casa vindo do trabalho, o trabalhador não estava ligado ao serviço que prestava ao empregador, nem aos actos subsequentes ligados à prestação laboral. Por outro lado, também não se encontrava sujeito à autoridade patronal, elemento essencial para se exigir a responsabilidade do empregador pelos acidentes ocorridos ao seu serviço, conforme doutrina que se colhe dos acórdãos do STA de 10/7/58 e 18/6/59, colecção de acórdãos, volume V, pgª 222 e volume XI, pgª 231. De qualquer forma foi-se evoluindo pois, quando o meio de transporte usado pelo trabalhador para se deslocar para o trabalho, ou para regressar dele, era fornecido pelo empregador, já se considerava o acidente indemnizável, entendendo-se que, se o trabalhador sofresse um acidente nestas condições, já estava sujeito à autoridade patronal, conforme se pronunciava neste sentido o STA, nomeadamente nos acórdãos de 13/2/62, 26/6/62, 18/12/62 e 30/X/73 in acórdãos doutrinais nº 5 pgª 687; 10 pgª 1315; 15 pgª 387; e nº 46 pgª 248; e ainda o acórdão do Tribunal Pleno de 13/4/67, AD nº 67 pgª 1235. Fora destes casos, mas ainda na vigência da lei 1942 e apesar do silêncio da lei, começou ainda a firmar-se jurisprudência no sentido de se caracterizar o acidente in itinere como acidente de trabalho, quando o trabalhador estava sujeito, no trajecto, a um risco particular e específico, não comum à generalidade das pessoas, conforme doutrina que se retira do acórdão do Pleno do STA de 26/2/70, AD nº 101 pgª 783; STA, acórdãos de 3/3/70 e 9/2/71, AD nº 101 pgª 738 e 112 pgª 604. Mais tarde a jurisprudência veio a evoluir, admitindo que também se caracterizavam como acidentes de trabalho, os acidentes in itinere que tenham resultado de circunstâncias que tenham agravado o risco do percurso e que o trabalhador é obrigado a suportar precisamente pela sua qualidade de trabalhador e a que a generalidade das pessoas se poderá eximir. É já a vigência da teoria do risco genérico agravado e que algumas decisões jurisprudenciais já admitiam, conforme advogava Manuela Aguiar, Estudos Sociais e Corporativos nº 25 pgª 76 e 77. Por seu turno a Lei 2127 veio consagrar expressamente a figura do acidente in itinere como acidente de trabalho indemnizável, nos casos em que o meio de transporte é fornecido pela entidade patronal e quando o acidente é consequência de particular perigo do percurso normal, ou de outras circunstâncias que tenham agravado o risco desse percurso, conforme resultava da base V, nº 2, alínea b). Constata-se assim que, esta lei considerava indemnizáveis os acidentes in itinere, resultantes de particular perigo do percurso normal e ainda os que resultassem de quaisquer circunstâncias que tenham agravado o risco genérico, conforme concluía Melo Franco, BMJ, suplemento de 1979, pgª 67. Quanto à lei actual ocorre um salto qualitativo de altíssima importância, na medida em que o acidente in itinere é sempre indemnizável, desde que o trabalhador se encontre no trajecto de ida para o local de trabalho ou no trajecto de regresso do seu local de trabalho, conforme flui do artigo 6º nº 2 alínea a) da Lei 100/97 (2) (a seguir designada por LAT). E assim sendo, para que se esteja face a um acidente de trajecto indemnizável, já não exige o legislador o preenchimento daqueles exigentes requisitos da lei anterior, bastando para tanto que o acidente ocorra no trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto para o percorrer. Trata-se da consagração das modernas teorias que consideram que o risco de acidentes neste percurso é inerente ao cumprimento do dever que incumbe ao trabalhador de comparecer no lugar do trabalho, para nele executar a prestação resultante do contrato de trabalho, constituindo assim uma das suas obrigações instrumentais ou acessórias. Por isso, sendo o trabalhador obrigado a fazer o percurso necessário ao cumprimento da sua obrigação de trabalhar no lugar determinado pela sua entidade patronal e usando, para tanto, as vias de acesso e os meios de transporte disponíveis para que esta possa contar com a sua prestação, justifica-se que os riscos de acidente neste percurso e no tempo habitualmente gasto para o percorrer, já gozem da protecção própria dum acidente de trabalho. Por outro lado e conforme prescreve o artigo 6º nº 2 do DL nº 143/99 de 30/4, estão abrangidos naquela previsão legal da LAT, os acidentes que se verifiquem no trajecto normalmente utilizado pelo trabalhador e durante o período de tempo habitualmente gasto entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho (alínea a); mas também os que ocorrerem no trajecto entre qualquer dos locais referidos na alínea precedente e os mencionados nas alíneas a) e b) do número 4 (alínea b); no trajecto entre o local de trabalho e o local de refeição (alínea c); e no trajecto entre o local onde, por determinação da entidade empregadora, o trabalhador preste qualquer serviço relacionado com o seu trabalho e as instalações que constituem o seu local de trabalho habitual (d). Por isso, qualquer acidente sofrido pelo trabalhador nas circunstâncias acima referidas, será, sem mais, considerado um acidente de trabalho, com o consequente direito à reparação prevista na LAT. Além disso, não deixará de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajecto normal tenha sofrido interrupções ou desvios, determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como o que ocorrer no trajecto que tenha sofrido interrupções ou desvios determinados por motivo de força maior ou por caso fortuito, conforme resulta do nº4 do art. 6º da Lei nº 143/99 de 30-4. Postas estas considerações, vejamos o caso presente. 3.3---- Conforme já se referiu, uma das situações que o artigo 6º, nº 2, do DL nº 143/99 de 30/4, veio considerar abrangida pela protecção da lei dos acidentes de trabalho, foi a do acidente ocorrer no trajecto entre o local de trabalho e o local de refeição (alínea c). Ora, conforme se colhe do próprio preâmbulo desta lei, o legislador sentiu a necessidade de alargar o conceito do acidente de trabalho a este tipo de situações, pelo que estaremos perante um acidente de trabalho quer a refeição seja tomada na residência do trabalhador, quer fora desta, pois cada vez é mais frequente esta última situação. Na verdade, dadas as distâncias a que se situa o local de trabalho em relação à sua residência, cada vez mais os trabalhadores optam por tomar a sua refeição intercalar fora de casa, pois a ida a casa é impraticável face ao curto intervalo para almoço. Por isso, não fazia sentido que se restringisse esta protecção do trabalhador aos casos em que este tomasse tal refeição em casa, quando isso é cada vez menos frequente. Entendemos assim que na previsão da alínea c) agora em análise, cabem todos os acidentes ocorridos no trajecto entre o local de trabalho e o local da toma da refeição intercalar, quer esta ocorra na sua residência, quer fora dela, pois o risco de acidentes neste percurso, sendo inerente à satisfação duma necessidade normal para quem está a trabalhar, ainda se pode considerar integrado no âmbito das obrigações instrumentais ou acessórias do trabalhador a que já nos referimos. Assim sendo, tendo o A ido almoçar a sua casa, temos de qualificar o acidente ocorrido no regresso ao local de trabalho como um acidente de trabalho, pois o trabalhador encontrava-se no percurso que habitualmente seguia para ir trabalhar, conforme consta do facto 2.14. Alegou ainda a recorrente que falta o elemento causal, pois não se provou “o nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão, perturbação ou doença”. No entanto, também esta questão improcede. Na verdade, tendo-se consignado que em consequência da queda, o Autor esteve com ITA de 22.07.2007 a 22.10.2007; com ITP de 30% de 23.10.2007 a 23.11.2007; e que, em consequência da queda do motociclo (facto constante de 2.7), apresenta rigidez do punho esquerdo com supinação impossível; rigidez na pronação até 50%; e na flexão até 70%, com vestígio cicatricial operatório, sequelas que lhe determinam uma IPP de 13,305%, está perfeitamente estabelecido o nexo causal entre o acidente de que foi vítima e as sequelas das lesões que deste advieram. Concluímos assim que esta segunda questão improcede também. 4----
Termos em que se acorda nesta secção social em negar a revista.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 30 de Março de 2011
Gonçalves Rocha (Relator)
Fernandes da Silva
Pinto Hespanhol
______________ 1)-Veja-se neste sentido os acórdãos deste Tribunal de 17/3/2010, recurso 250/04.0TTBCL.S1-4ª secção; 3/3/2010, recurso nº 1712/06.0TTSLB.S1-4ª secção; e ainda de 3/3/2010, recurso nº 482/06.TTPRT.S1-4ª secção, para citar apenas os mais recentes. 2)-É também a posição de Carlos Alegre in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, pgª 50, que considera acidente de trajecto o que atinge o trabalhador no caminho de ida ou de regresso do local de trabalho. |