Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
470/22.6T9CBR-C.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: HABEAS CORPUS
PRESSUPOSTOS
DETENÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
PRAZO MÁXIMO DA PRISÃO PREVENTIVA
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 11/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Sumário :
I. No âmbito do habeas corpus (providencia que é distinta do recurso e se destina a assegurar o direito à liberdade com base nos fundamentos aludidos no art. 222.º, n.º 2, do CPP) ao STJ não incumbe, nem cabe nos seus poderes de cognição, analisar questões que extravasam os fundamentos previstos no art. 222.º do CPP.

II. Tal como foi analisado no despacho proferido pelo Sr. Juiz de Instrução, no final do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, foi considerada válida a detenção do requerente deste habeas corpus, porque dentro dos prazos legais, não lhe assistindo razão quando alega o contrário.

III. Atento o disposto no art. 222.º, n.º 2, do CPP, não ocorre qualquer fundamento para o deferimento deste habeas corpus, uma vez que é legal a prisão preventiva do peticionante, a qual foi determinada por entidade competente, por facto que a lei permite, não estando excedido o prazo máximo permitido por lei.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório

1.O arguido AA, por si, veio requerer providência de habeas corpus, no âmbito do inquérito n.º 470/22.6T9CBR, que corre termos no Tribunal Judicial da comarca de Coimbra, nos seguintes termos:

AA, Arguido melhor identificado no auto à margem referenciado, foi presente ao Tribunal de Instrução Criminal de O....... .. ........, no dia 21.08.2023, o qual em sede de primeiro interrogatório judicial decretou a prisão preventiva.

De salientar que a minha detenção teve o seu início em 17.08.2023, no cumprimento do mandado de busca e apreensão emitido pelo Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Dr. BB.

Eram 07:00, quando as forças de segurança irromperam pela minha habitação tendo sido de imediato imobilizado, e desumanamente algemado, sem qualquer tipo de resistência por parte da minha pessoa.

Nos 5(cinco) dias que se passaram, percorri vários postos da GNR, onde pernoitei, várias tentativas por parte dos órgãos da autoridade, para que eu fosse ouvido por um juiz, tendo estas revelado-se infrutíferas.

Só foi possível a minha apresentação ao Digníssimo Juiz a 21.08.2023, pelas

Salvo melhor opinião, que dignamente respeitasse, estou convicto de que foram ultrapassados os prazos máximos previstos na lei, para a minha apresentação e inquirição, logo, em minha modesta e humilde entendimento, estou preso ilegalmente.

Mais informo, que um outro arguido neste mesmo processo, foi libertado, em respeito ao aludido no artigo 222.º, nomeadamente o preceituado na alínea c) do n.º 2.

Sinto-me completamente abandonado, desprezado e esquecido pelos poderes de decisão jurídica, ao ponto de até esta data, não conhecer e nem sequer ter conseguido, falar com a minha Ilustre Defensora.

Apelo que seja concedido provimento à presente exposição e procedam à minha imediata libertação, fazendo-se assim Habitual Justiça.

Pede a Vªs Exªs deferimento.

2. O Sr. Juiz de Instrução competente para proferir a informação a que se refere o art. 223.º, n.º 1, do CPP, exarou o seguinte despacho (transcrição sem negritos):

Do incidente de "habeas corpus" suscitado pelo arguido AA com data de 16/11/2023:

Remeta-se, de imediato, ao Ex.mo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, instruindo-se o incidente em separado, com a petição, acompanhada da informação infra (art. 223.°, n.° 1, do Cód. de Processo Penal), mediante extracção de certidão dos presentes autos, contendo, além da petição, cópias do presente despacho, do despacho determinativo da aplicação das medidas de coacção ao arguido ora requerente (cópia integral do respectivo auto de primeiro interrogatório judicial de arguido detido), da promoção com vista à sua reapreciação, do requerimento do arguido pedindo a alteração do estatuto coactivo e do despacho que reapreciou o estatuto coactivo.

Ex.mo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça:

Em conformidade com o preceituado no art. 223.°, n.° 1, do Cód. de Processo Penal, remete-se a seguinte informação a respeito do arguido ora requerente AA:

1. O arguido encontra-se sujeito, desde 21 de Agosto de 2023, à medida de coacção de prisão preventiva;

2. O estatuto coactivo foi reapreciado por despacho datado de 15 de Novembro de 2023, decidindo-se a manutenção da prisão preventiva;

3. O arguido encontra-se indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21.°, n.° 1, do Dec.-Lei 15/93, de 22/11;

4. Mantém-se a situação de prisão preventiva;

5. Remetem-se cópias das pertinentes peças processuais, para melhor esclarecimento.


*


3. Tendo entrado a petição neste Supremo Tribunal, após distribuição, teve lugar a audiência aludida no art. 223.º, n.º 3, do CPP, pelo que cumpre conhecer e decidir.

II – Fundamentação

1. Factos

1.1. Extrai-se dos elementos constantes da petição, da informação prestada nos termos do art. 223.º, n.º 1, do CPP, bem como da certidão junta aos autos, o seguinte:

- O arguido AA, foi sujeito a primeiro interrogatório judicial, que teve início em 19.08.2023, pelas 10h14m e terminou em 21.08.2023, pelas 17h06m, data em que lhe foi aplicada a medida de coação de prisão de preventiva, por estar fortemente indiciado pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, anexas ao mesmo diploma legal, conforme despacho judicial proferido nessa data;

- nesse despacho em que lhe foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva, foi além do mais, previamente, declarada válida a sua detenção, tal como a dos coarguidos CC e DD, por terem sido “efetuadas ao abrigo do disposto nos arts. 254.º, n.º 1, al. a), 255.º, n.º 1, a), e 256.º, do Código de Processo Penal (CPP), e os referidos arguidos apresentados no prazo legal, conforme o disposto nos arts. 141.º, n.º 1, e 254.º, n.º 1, al. a), do referido Código.”1

- em 15 de Novembro de 2023 foi reapreciada a medida de coação de prisão preventiva aplicada ao arguido AA, sendo a mesma mantida;

- o arguido AA encontra-se na situação de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de ....

2. Direito

2.1. Invoca o peticionante/arguido que está preso preventivamente ilegalmente uma vez que, na sua perspetiva, esteve detido 5 dias sem ser ouvido pelo Sr. Juiz de Instrução, estando ultrapassados os prazos previstos na lei e, por isso, conclui que está preso ilegalmente, sendo que outro arguido no mesmo processo até foi libertado, sentindo-se abandonado, nem sequer conseguindo contactar a defensora oficiosa, pedindo, assim, através deste habeas corpus, a sua libertação imediata.

2.2. Dispõe o artigo 222.º (habeas corpus em virtude de prisão ilegal) do CPP:

1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

São taxativos os pressupostos do habeas corpus (que também tem assento no art. 31.º da CRP), o qual não se confunde com o recurso, nem com os fundamentos deste.

Aliás, como diz Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, Lisboa: Editorial Verbo, 1993, p. 260, o habeas corpus “não é um recurso, é uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”.

Ou seja, esta providência, que inclusivamente pode ser interposta por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos (art. 31.º, n.º 2 CRP), tem apenas por finalidade libertar quem está preso ou detido ilegalmente e, por isso, é uma medida excecional e muito célere.

De resto, quando se aprecia a providência de habeas corpus não se vai analisar o mérito de eventual decisão impugnada ou erros procedimentais (cometidos pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais) já que esses devem ser apreciados em sede de recurso, mas tão só incumbe decidir se ocorrem quaisquer dos fundamentos indicados no art. 222.º, n.º 2, do CPP.

3. Apreciação

E, o que é que se passa neste caso concreto?

Coloca o requerente/arguido a questão de ter sido detido e não ter sido ouvido no prazo de 48 horas, invocando que, por esse motivo, deveria ser libertado de imediato.

Porém, não lhe assiste razão.

Como se verifica do auto de primeiro interrogatório judicial, que teve início em 19.08.2023, pelas 10h14m e terminou em 21.08.2023, pelas 17h06m, a detenção do arguido AA - tal como a dos coarguidos CC e DD - foram declaradas válidas,por terem sido “efetuadas ao abrigo do disposto nos arts. 254.º, n.º 1, al. a), 255.º, n.º 1, a), e 256.º, do Código de Processo Penal (CPP), e os referidos arguidos apresentados no prazo legal, conforme o disposto nos arts. 141.º, n.º 1, e 254.º, n.º 1, al. a), do referido Código.”

A situação do aqui requerente deste habeas corpus é diferente da do arguido EE que, logo no início do interrogatório ocorrido em 19.08.2023, antes da identificação dos demais arguidos (entre eles do requerente deste habeas corpus) foi determinada a imediata libertação do mesmo por então se ter verificado que quando o mesmo (arguido EE) chegou ao tribunal, estava esgotado o prazo de 48 horas.

Daí que não sejam comparáveis as situações do requerente deste habeas com a do arguido que foi libertado.

Para além disso, como foi analisado no despacho proferido pelo Sr. Juiz de Instrução no final do seu primeiro interrogatório judicial, foi considerada válida a detenção do requerente deste habeas corpus, porque dentro dos prazos legais.

Por isso, não lhe assiste razão quando alega o contrário.

Para além disso, desde 21.08.2023, encontra-se em prisão preventiva, por estar fortemente indiciado pela prática em coautoria e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, anexas ao mesmo diploma legal.

A prisão preventiva, que foi objeto de reexame em 15.11.2023, sendo mantida, ainda não se esgotou.

Tendo em atenção o disposto no art. 215.º, n.º 1, a) e n.º 2, do CPP e o crime que lhe é imputado, o prazo máximo da prisão preventiva sem que tenha sido deduzida acusação é de 6 meses, portanto, apenas se extingue em 21.02.2024.

Assim, neste momento processual (fase de inquérito, ainda sem acusação) é manifesto, por um lado que se mostram cumpridos todos os prazos legais e, por outro lado, não se mostra excedido o prazo de duração máxima da prisão preventiva a que se encontra sujeito, pelo que não se verifica qualquer fundamento para o deferimento do presente pedido de habeas corpus (não ocorrendo o motivo indicado pelo peticionante e, muito menos, qualquer um dos outros apontados no art. 222.º, n.º 2, do CPP).

De resto, o requerente/arguido não pode utilizar indevidamente este habeas corpus (que não é um recurso), nem pretender que através dele o STJ se pronuncie sobre matérias que extravasam os seus fundamentos, que são taxativos.

Concluiu-se, pois, pelo indeferimento do presente pedido de habeas corpus, o qual é manifestamente infundado.

III – Decisão

Pelo exposto, acorda-se em indeferir a providência de habeas corpus formulada por AA.

Custas pelo peticionante/requerente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC´s, a que acresce a condenação no pagamento da soma de 6 UC´s, nos termos do art. 223.º, n.º 6, do CPP.


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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria, pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente desta Secção Criminal.

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Supremo Tribunal de Justiça, 22.11.2023

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Sénio Alves (Juiz Conselheiro Adjunto)

Lopes da Mota (Juiz Conselheiro Adjunta)

Nuno Gonçalves (Presidente da 3ª Secção)

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1. Diferente foi a situação do arguido EE que, logo no início do interrogatório ocorrido em 19.08.2023, antes da identificação dos demais arguidos (entre eles do requerente deste habeas corpus) foi igualmente verificada a hora da sua (do arguido EE) detenção quando chegou, mais tarde, ao tribunal, estando esgotado o prazo de 48 horas, pelo que na sequência da promoção do MP, foi determinada a imediata libertação do mesmo.