Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
104/10.1TBCBC.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
DANO PATRIMONIAL FUTURO
LESADO SEM RENDIMENTOS
EQUIDADE
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA PRINCIPAL E NEGADA A SUBORDINADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / DANOS FUTUROS / CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 562.º E SS.
Sumário :
I. A atribuição de indemnização pelo dano biológico não substitui nem impede a atribuição de uma indemnização pelo dano patrimonial futuro que pondere a incapacidade funcional do sinistrado.

II. O facto de o lesado ter apenas 14 anos de idade, de frequentar a escolaridade obrigatória e de, por tudo isso, não exercer ainda qualquer profissão, nem ter qualquer habilitação profissional ou académica não determina que, (i) como pretende a Seguradora, a indemnização seja calculada pelo valor da remuneração mínima garantida ou que, (ii) como decidiu a Relação, seja calculada pelo valor do salário mínimo nacional.

III. Em tais circunstâncias é mais ajustado ajustado ponderar o valor do salário médio nacional, como elemento objectivo que sustenta o recurso à equidade.

Decisão Texto Integral:
I - AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário contra Companhia de Seguros BB, S.A., pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 170.523,26, acrescida de juros de mora, contados desde a citação e até integral pagamento.

Para o efeito alegou que sofreu um acidente de viação causado pelo condutor de um veículo cuja responsabilidade civil estava transferida para a R.

O pedido indemnizatório era o resultado do somatório das seguintes parcelas:

- € 30.000,00 por danos não patrimoniais correspondentes às dores sofridas;

- € 50.000,00 por danos não patrimoniais correspondentes à quebra das expectativas no que concerne à continuação da escolaridade e ao seu futuro;

- € 40.000,00 pelo dano estético e pela perda de liberdade durante o internamento

- € 50.523,26 pelos danos patrimoniais futuros em resultado da idade que tinha na data do sinistro, do valor do salário mínimo nacional, de uma taxa de juro de 3%, de uma taxa de crescimento de 2% da esperança de vida e considerando a idade da reforma ede 65 anos.

O A. operou entretando a ampliação do pedido de indemnização para € 310.000,00, considerando os seguintes items:

- Pelos danos patrimoniais futuros considera que lhe deve ser atribuída a indemnização de € 98.000,00, considerando um salário médio mensal de cerca de € 1.000,00;

- Pelos danos não patrimoniais: € 35.000,00;

- Pela frustração quanto ao exercício de actividades desportivas: € 20.000,00;

- Pelas despessa médicas e medicamentosas: € 22.000,00;

- Pelo dano moral correspondente às afectações pessoais que decorrem do sinistro: € 50.000,00.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que condenou a R. no pagamento da quantia de € 140.700,00, com juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação, sobre a quantia de € 108.200,00, e juros vincendos sobre a quantia de € 32.500,00, desde a data da sentença, em ambos os casos até efectivo pagamento.

Essa indemnização global resultou do somatório das seguintes indemnizações parcelares:

- € 85.000,00 pelo dano patrimonial futuro, computado através da ponderação de uma vida activa entre os 20 e os 70 anos de idade, com base no valor do rendimento médio de € 850,00 mensais;

- € 23.200,00 pelas despesas previsíveis de natureza médica e medicamentosa;

- € 32.500,00 pelos danos não patrimoniais.

A R. apelou e, para além de questionar a responsabilidade do condutor do veículo segurado, insurgiu-se contra a atribuição da indemnização parcelar de € 85.000,00, considerando que se encontra absorvida pela indemnização referente ao dano não patrimonial relativamente ao qual foi atribuída a indemnização de e € 32.500,00.

A Relação, apesar de ter modificado a decisão da matéria de facto, manteve a decisão na parte respeitante à responsabilidade exclusiva do condutor do veículo segurado, mas reduziu o valor da indemnização pelos danos patrimoniais futuros de € 85.000,00 para € 40.000,00. Para o efeito partiu da ponderação do salário mínimo nacional e uma vida activa até aos 65/67 anos de idade.

O A. interpôs recurso de revista pretendendo que no cômputo dessa indemnização parcelar seja ponderado um salário médio nacional na ordem dos € 850,00/€ 900,00 mensais.

A R. interpôs recurso de revista subordinado alegando que não deve ser atribuída qualquer indemnização a título de dano patrimonial futuro, por tal já estará abarcado pela indemnização pelo dano não patrimonial. Subsidiariamente considera que a indemnização não pode ser calculada a partir de valor superior ao da retribuição mínima mensal garantida de € 374,70.

Cumpre decidir.


II – Factos provados:

1. No dia 21-3-05, pelas 12:15 h, na EN nº 205, no Lugar de …, ao km 91,900, área da comarca de Cabeceiras de Basto, ocorreu um acidente de viação, no qual intervieram o ciclomotor com a matrícula 1-CBC-…-…, conduzido pelo A., e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula …-…-XE, propriedade de CC Crédito, conduzido por DD (A));

2. A estrada onde ocorreu o acidente referido em 1. é uma recta com boa visibilidade, apresentando uma faixa de rodagem subdividida por duas hemi-faixas de rodagem, uma em cada sentido de trânsito, delimitadas por uma linha longitudinal descontínua, com uma largura total de 6,4 m (B));

3. A via, atento o sentido Rossas-Cabeceiras de Basto, é ladeada do lado direito por berma com vegetação seguida de um muro e do lado esquerdo por uma berma seguida de um muro (C));

4. Antes do local do acidente existe sinalização vertical de proibição de circular a velocidade superior a 50 kms/h (G));

5. Na EN nº 205, ao km 91,900, atento o sentido Rossas-Cabeceiras de Basto, existe um entroncamento à esquerda que dá acesso à localidade de … (D));

6. Ambos os veículos seguiam, no dia, hora e local referidos em 1., no sentido Rossas-Cabeceiras de Basto, seguindo o ciclomotor com a matrícula 1-CBC-…-… à frente do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula …-…-XE (E));

7. Em tais circunstâncias de tempo e lugar, o A. seguia na metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, à velocidade de cerca de 40 kms/h, com atenção ao restante trânsito de veículos que se fazia sentir na via (1º);

8. E o condutor do XE circulava a uma velocidade não inferior a 50 kms/h, sem a devida atenção à posição de marcha do ciclomotor 1-CBC-…-… que seguia à sua frente (2º);

9. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o condutor do XE iniciou uma manobra de ultrapassagem do motociclo, antes do entroncamento referido em 5. (F));

10. Em plena ultrapassagem, o XE embateu com a lateral direita no guiador e varão lateral esquerdo do motociclo, provocando a sua queda (4º);

11. O embate referido no número anterior deu-se dentro da metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha que seguiam, antes de chegar ao entroncamento referido no facto provado número 5 (6º);

12. O XE, após o embate, entrou em despiste, indo embater no muro do lado esquerdo, atendendo ao seu sentido de marcha (H));

13. Após o embate no muro do lado esquerdo, o XE entrou novamente na via e embateu no muro do lado direito, imobilizando-se a cerca de 50 m do local onde ocorreu o embate, numa borda sita do lado direito, atento o seu sentido de marcha (H) e 5º);

14. Logo após o embate, o A. foi assistido no local pelo INEM, que lhe prestou os cuidados de suporte de vida com ventilação assistida e sedação, tendo sido submetido a trepanação frontal direita para colocação de sensor de pressão intracraniana (7º);

15. Dali foi transportado para o Hospital de …, em B… (8º);

16. De B…, foi helitransportado para a unidade de cuidados intensivos do Hospital …. de C…, onde permaneceu de 22-3-05 a 26-3-05 (9º);

17. De C… regressou ao Hospital de …., em B…, onde permaneceu internado até 29-3-05, data em que teve alta clínica do Serviço de Neurocirurgia (10º);

18. Entre 12-2-08 e 18-2-08, o A. foi novamente internado no Hospital de …, em B…, no serviço de cirurgia plástica, onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica para introdução de expansor tecidular com válvula à distância (11º);

19. Entre 21 e 22-4-08, submeteu-se a nova intervenção cirúrgica para remoção do expansor e plastia com retalhos locais, no Hospital de … (12º);

20. Como consequência do embate referido em 10., foi diagnosticado ao A.:

- Traumatismo crânio encefálico com contusão fronto-basal direita e hemorragia sub-aracnoideia direita, 8/15 na escala do coma de Glasgow e ferida contusa na região occipital; traumatismo da face e hematoma peri-orbitário;

- Feridas lacero-contusas da região frontal mediana do supra cílio esquerdo e do lábio superior à direita;

- Traumatismo do joelho esquerdo, com contusão e ferida abrasiva da face antero-externa do joelho (13º a 17º);

21. Por causa do referido do traumatismo crânio encefálico, o A. padeceu de traumatismo pós-traumático, manifestado por perturbações do equilíbrio, cefaleias, défice de memória e amnésia para o sucedido (18º);

22. Em consequência do acidente o A. ficou a padecer das seguintes sequelas permanentes:

a) No crânio: cicatriz transversal na linha média da região frontal com 7 cm por 1 cm de maiores dimensões, pouco perceptível a curta distância; cicatriz distrófica na região supraciliar esquerda com 3 cm por 1 cm, com área de alopécia ao nível da sobrancelha; cicatriz pouco visível a curta distância com cerca de 2 cm de comprimento, localizada no lábio superior, à direita; cicatriz distrófica com ligeiro afundamento e com alopécia cicatricial, de formato triangular, numa extensão de 7cm x 5cm x 6cm, na região occipital inferior (localização mediana); cicatriz distrófica com depressão e pelada cicatricial numa extensão de 4 cm por 1 cm na região fronto parietal direita;

b) No membro inferior esquerdo: dor à palpação do joelho; arco de mobilidade do joelho em flexão-extensão conservado;

c) Ao nível psicológico, quadro sintomatológico, emocional e cognitivo que preenche os critérios de uma perturbação de stress pós-traumático que afecta a sua vida quotidiana e a sua capacidade de projectar alternativas mais adaptativas de vida no futuro, constituído por: hostilidade, isolamento social e comportamentos agressivos; alterações de humor, sentimentos depressivos, labilidade emocional e impulsividade; dificuldades cognitivas ao nível da capacidade de atenção e retenção da informação (19º, 23º a 30º da b.i. e 16º do requerimento de fls. 370 e ss.);

23. Em consequência directa e necessária do acidente, o A.:

a) sofreu dores no momento, durante o tratamento hospitalar e as intervenções cirúrgicas, correspondentes a um quantum doloris de grau 5, numa escala de 1 a 7 de gravidade crescente;

b) ficou a padecer de um défice funcional permanente da actividade físico-psíquica de 22 pontos, compatível com o exercício de actividade habitual mas implicando esforços suplementares;

c) ficou a padecer de um dano estético permanente de grau 3, numa escala de 1 a 7 de gravidade crescente;

d) ficou a padecer de uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1, numa escala de 1 a 7 de gravidade crescente;

e) ficou a padecer de uma repercussão permanente na actividade sexual de grau 1, numa escala de 1 a 7 de gravidade crescente;

f) ficou permanentemente dependente de acompanhamento semestral pela especialidade de psiquiatria, com medicação adequada (31º a 33º, 46º e 47º da b.i. e 14º e 20º do requerimento de fls. 370 e segs.);

24. O A., antes do acidente, era um jovem alegre, dinâmico e bem disposto (34º);

25. Depois do acidente, o A. tornou-se uma pessoa facilmente irritável com terceiros e familiares (21º);

26. Frequentava o 9º ano de escolaridade na Escola EB 2,3 de R… de B…, em Cabeceiras de Basto (35º);

27. Até à conclusão do 8º ano de escolaridade, o A. obteve sempre aproveitamento escolar (36º);

28. Devido ao acidente, o A. reprovou pela primeira vez no 9º ano de escolaridade (37º);

29. Depois de repetir e concluir o 9º ano de escolaridade, no ano lectivo de 2005/2006, o A. abandonou definitivamente a escola, para o que contribuíram as sequelas psicológicas do acidente (39º);

30. O abandono referido no número anterior causa desgosto ao A. (43º);

31. Por vergonha da cicatriz sem cabelo que apresenta no couro cabeludo, o A. passou a usar um boné (41º);

32. A evidência da referida cicatriz, provocou ao A. desgosto, o que o levou a isolar-se e a limitar o seu convívio com colegas (42º);

33. Em cada consulta médica de psicologia o A. despende semestralmente € 80,00, e em medicamentos o A. despende anualmente € 240,00, tratamentos e medicamentos de que necessitará até ao fim da sua vida (24º);

34. O A. nasceu no dia 16-4-90 (J));

35. Na data do acidente referido em 1., o A. não tinha habilitação para conduzir (1º);

36. A responsabilidade civil por acidentes de viação do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula …-…-XE, na data do acidente referido no facto provado número 1, encontrava-se transferida para R., pela apólice n.º 09… (K)).


III – Decidindo:

1. Decorre do recurso subordinado interposto pela R., como questão prejudicial, a necessidade de apreciar se o facto de ter sido atribuída a indemnização de € 32.500,00 pelo dano não patrimonial implica que seja denegada qualquer indemnização ao A. pelo dano patrimonial futuro que pondere a incapacidade funcional de que ficou a sofrer correspondente a 22 pontos.

De uma resposta negativa a tal pretensão resulta depois a necessidade de apreciar a questão suscitada pelo A. no sentido da quantificação da indemnização pelo dano patrimonial futuro ponderando um salário médio memsal de € 850,00/€ 900,00, em confronto com a pretensão subsidiária da R. no sentido de tal indemnização ser quantificada a partir do valor da retribuição mínima mensal garantia à data do acidente (€ 374,70) ou ainda em confronto com o critério intermédio que foi aplicado pela Relação que, para o efeito, partiu do salário mínimo nacional de cerca de € 500,00.

Importa ainda apreciar se deve atender-se a uma idade activa que termine por volta dos 70 anos, como alega o A., ou se, como foi decidido pela Relação, a contabilização deve parar por volta dos 65/67 anos.


2. A questão principal que foi suscitada pela Seguradora no recurso subordinado merece uma rotunda resposta negativa, na medida em que a indemnização de € 32.500,00 que foi atribuída ao A. teve em vista a compensação pelos danos não patrimoniais, o que de modo algum pode absorver a indemnização pelo dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade de que o A. ficou a padecer e que, conquanto não o impeça de exercer a actividade normal, implica esforços acrescidos que devem ser compensados.

Trata-se de jurisprudência corrente, designadamente neste Supremo Tribunal, a qual tem sido aplicado em numerosas situações, não existindo qualquer motivo para alterar o entendimento que sempre adoptámos a este respeito.

Já quanto à determinação do cálculo da referida indemnização a resposta não é tão evidente, sendo dificultada pelas especiais circunstâncias em que se encontrava o A. na ocasião em que ocorreu o acidente.

Tendo nascido em 1990, o A. tinha na altura do acidente apenas 14 anos de idade e frequentava o 9º ano da escolaridade obrigatória. Por isso não exercia qualquer profissão, nem é possível conjecturar acerca da sua evolução educacional e profissional e da sua carreira profissional ou dos rendimentos que da mesma poderia auferir, por forma a calcular aproximadamente e com base em critérios de equidade a quantia ajustada a compensar os efeitos patrimoniais futuros das sequelas permanentes de que ficou a padecer.

Ainda assim, tais circunstâncias não podem levar a que se denegue uma tal indemnização, devendo partir-se dos elementos disponíveis e, em abono da verdade, das regras da experiência que não podem deixar de ser utilizadas para a resolução jurisdicional do caso que apela à equidade.


3. Com muita frequência se alude que o nosso sistema de responsabilidade civil, ou melhor, que o modo como são interpretadas e aplicadas pelos tribunais nacionais as normas que regulam a quantificação de danos conduz bastas vezes a indemnizações qualificadas de “miserabilistas”. Isto apesar de estarmos inseridos num espaço político, social e jurídico que tem como um dos instrumentos essenciais para a tutela dos lesados por acidentes de viação a obrigatoriedade de transferência da responsabilidade civil para empresas Seguradoras que, assim, em substituição dos agentes responsáveis, ficam com o encargo de suportar as indemnizações devidas. Consequências que, por outro lado, se detectam, apesar dos elevados valores que são garantidos através daquele seguro obrigatório e da necessidade de existir uma certa equiparação entre as indemnizações que são arbitradas em cada um dos países da União Europeia.

Estes efeitos não podem deixar de ser confrontados com a necessidade de se exercitar pela via jurisdicional uma efectiva tutela dos sinistrados por acidentes de viação. Malgrado a evolução positiva que se vai sentindo na sinistralidade rodoviária, esta ainda constitui um flagelo que atinge pessoas de todas as idades, com especial destaque para jovens da idade que o A. tinha quando foi embatido pelo veículo segurado.

Importa notar que os factos apurados não revelam qualquer infracção causal da sua parte e o facto de não possuir licença de condução não é de considerar relevante para o caso, considerando o modo como ocorreu o acidente totalmente imputável ao condutor do veículo segurado.

Ora, para que não se corra o risco de contradição entre a qualificação como “miserabilista” do sistema indemnizatório e os resultados que são declarados pelos tribunais, importa reflectir sobre a realidade litigada para dela extrair os efeitos que pareçam mais justos, tendo em consideração que o elemento decisório essencial se deve fixar no uso da equidade.


4. Já se afastou o argumento que a Seguradora invocou da pura inconsideração dos danos patrimoniais futuros que no caso se mostram evidentes e merecedores de tutela.

Outro resultado não merece – pelo miserabilismo que lhe está associado – o critério que cautelarmente foi apontado pela mesma Seguradora no sentido de se quantificar a referida indemnização partindo da retribuição mínima mensal garantida, vulgo do subsídio de reinserção social.

Cremos, aliás, afrontosa esta pretensão, na medida em que coloca ao A., jovem estudante que frequentava a escolaridade obrigatória e que, porventura, continuaria a evoluir, um ferrete de que não é merecedor, ou seja, o de que, no máximo, entraria numa situação de quase indigência que o sistema de indemnizações e de seguro automóvel apenas deveria compensar através da concessão de uma indemnização esmolar condizente com esse estatuto.

Trata-se de um argumento e de um efeito que não encontra na matéria de facto ou nas regras da experiência qualquer sustentação, parecendo-nos, aliás, inadmissível que seja usado em alegações para este Supremo Tribunal de Justiça por uma entidade que exerce a actividade Seguradora a que está associada uma dimensão social que se mostra especialmente visível num quadro de aplicação do regime do seguro de responsabilidade civil automóvel.

Por outras palavras: as partes são livres de se defender, mas pede-se que elas (ou os respectivos mandatários) se contenham na utilização de argumentos que apenas deixam visível o objectivo de se furtarem às suas responsabilidades.

Recusamos, por isso, frontalmente, o recurso a tal elemento para a fixação da referida indemnização parcelar.


5. Por diferentes motivos cremos que também nada legitima o uso do critério decisório que foi aplicado pela Relação e que se pautou pela quantificação da indemnização através da ponderação do salário mínimo nacional.

Também não existe qualquer base legal para esta solução e, usando mais uma vez das regras da experiência que entram em uso quando se trata de calcular indemnizações através do recurso à equidade, não nos parece legítimo concluir que um jovem residente em Cabeceiras do Basto, só pelo facto de ainda não ter entrado no mercado de trabalho, de não ter qualquer habilitação profissional e de ainda nem sequer ter completado a escolaridade obrigatória que frequentava, para preparar o seu futuro, tenha de ficar “amarrado” a um valor calculado através do salário mínimo nacional.

A todos os títulos, parece mais razoável, mais previsível e, por isso, mais justo um critério que assente a referida indemnização, pelo menos, no salário médio nacional, já que não existe qualquer elemento que indicie que o A. se iria situar no patamar mais baixo de uma carreira profissional ou que iria conformar-se com o recebimento do salário que qualquer empresa é obrigada a pagar independentemente das habilitações ou da profissão exercida pelo trabalhador.


6. Neste contexto, e tendo em conta que a 1ª instância fixou para a referida indemnização parcelar a quantia de € 85.000,00 com a qual o A. se conformou, o recurso à equidade e a conjugação com os poucos elementos objectivos de que dispomos permitem confirmar esse valor como o mais ajustado a compensar o A. dos prejuízos correspondentes aos danos patrimoniais futuros.


IV – Face ao exposto, acorda-se em:

a) Julgar improcedente o recurso subordinado interposto pela R.;

b) Julgar procedente o recurso principal interposto pelo A.;

c) Revogar o acórdão recorrido na parte em que apreciou a indemnização parcelar pelo dano patrimonial futuro, repristinando, nesta parte, a sentença da 1ª instância que fixou essa parcela indemnizatória em € 85.000,00, com juros de mora desde a citação até pagamento.

Custas de cada um dos recursos de revista a cargo da R.

Notifique.

Lisboa, 22-6-17


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo