Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3371/08.7TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SALRETA PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE FRANQUIA
TRANSACÇÃO
DIREITO COMUNITÁRIO
REGULAMENTO (CE) 2790/1999
TRATADOS
COMISSÃO
PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
CLÁUSULA CONTRATUAL
REDUÇÃO DO NEGÓCIO
REENVIO PREJUDICIAL
Data do Acordão: 02/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO COMUNITÁRIO - DIREITO DA CONCORRÊNCIA.
Doutrina:
- Maria de Fátima Ribeiro, O Contrato de Franquia.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 292.º, 798.º, 810.º, 1248.º, N.º1.
DL N.º 249/99, DE 7-7: - ARTIGO 1.º.
LEI N.º 18/2000, DE 11-06 8 (DA LEI DA CONCORRÊNCIA): - ARTIGOS 4.º, 5.º.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 2790/1999, DA COMISSÃO, DE 22-12-1999, ENTRADO EM VIGOR EM 01-06-2000: - ARTIGO 5.º.
TRATADO DE ROMA: - ARTIGO 81.º.
Sumário : I - O contrato de franquia é um contrato atípico, cujas características resultam das cláusulas nele inseridas.

II - Se as partes celebraram o contrato de franquia em 2003, pelo período de 10 anos, tendo-o rescindido por mútuo acordo em 2007, está-se perante um contrato de transacção preventivo – art. 1248.º, n.º 1, do CC.

III - O Regulamento (CE) n.º 2790/1999, da Comissão, de 22-12-1999, entrado em vigor em 01-06-2000, relativo à aplicação do n.º 3 do art. 81.º do Tratado de Roma a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas, aplica-se aos acordos celebrados entre duas ou mais empresas, em que cada uma delas opere, para efeitos de acordo, a um nível diferente da cadeia de produção ou de distribuição, desde que não seja ultrapassado o limiar de 30% da quota de mercado.

IV - O art. 5.º, n.º 2, deste Regulamento, dispõe que a isenção prevista no art. 2.º não é aplicável a qualquer obrigação directa ou indirecta que imponha ao comprador, após o acordo, não produzir, adquirir, vender ou revender bens ou serviços, excepto quando tal obrigação: diga respeito a bens ou serviços que concorram com os bens ou serviços contratuais, seja limitada às instalações e terrenos a partir dos quais o comprador operava durante o período contratual, seja indispensável para proteger o saber-fazer transferido pelo fornecedor para o comprador, e desde que o período de vigência dessa obrigação de não concorrência seja limitado a um período de 1 ano após o termo do acordo.

V - A jurisprudência do Tribunal de Justiça, a prática da Comissão e os Regulamentos por esta aprovados apontam inquestionavelmente para a isenção das cláusulas de não concorrência pós contratuais, sempre que limitadas no tempo (um ano), no espaço (área franqueada) e indispensáveis para proteger o “saber fazer” transferido pelo franquiador para o franquiado.

VI - Também os arts. 4.º e 5.º da Lei da Concorrência (Lei n.º 18/2000, de 11-06) não proíbem tais cláusulas, antes as considerando justificadas, desde que preencham os requisitos de aplicação dos Regulamentos de isenção (art. 5.º, n.º 3, da citada Lei).

VII - Sendo parcialmente nula uma das cláusulas do contrato de transacção celebrado entre as partes – concretamente ao proibir a concorrência pós contratual excedendo os limites territoriais indispensáveis à protecção da propriedade intelectual do franquiador, o “saber fazer” por este fornecido à franquiada – é admissível a sua redução nos termos do preceituado pelo art. 292.º do CC.

VIII - O reenvio consiste na colocação de uma questão relativa à interpretação ou à apreciação de validade de um acto de direito comunitário ao TJUE; se as partes e as instâncias concordam na interpretação do Tratado e dos Regulamentos, aceitando a nulidade da cláusula proibitiva de concorrência, face à amplitude territorial, não há litígio quanto à interpretação das normas (do Tratado e dos Regulamentos), pelo que seria inútil a consulta ao TJUE.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
                                                                                 

AA - …, S.A. instaurou acção com processo ordinário contra BB - …, UNIPESSOAL, LDª., e CC,
pedindo que se condenem solidariamente os Réus a pagarem-lhe as quantias de:
a)       € 100.000,00 (cem mil euros) a título de cláusula penal pela violação da obrigação de não concorrência na pendência do Contrato, nos termos da Cláusula 16ª do Contrato de Licença;
b)      € 100.000,00 (cem mil euros) a título de cláusula penal pela violação da obrigação de não concorrência após a cessação do contrato pela violação da Cláusula Oitava do Acordo de Revogação do Contrato de Licença;
c)       € 3.444,78 (três mil quatrocentos e quarenta e quatro euros e setenta e oito cêntimos) a título de dívida capital ao qual acrescem juros legais vencidos e vincendos e juros contratuais calculados em dobro sobre a taxa legal, que até à presente data ascendem ao montante de € 957,96 (novecentos cinquenta e sete euros e noventa e seis cêntimos);
d)      € 200.000,00 (duzentos mil euros) a título de danos não patrimoniais;
e)       Juros vencidos e vincendos calculados à taxa legal.
                                                                                                                          
Contestaram as Rés e deduziram reconvenção, na qual pediram a condenação da Autora a pagar à Ré BB a quantia de € 127.891,69, a título de danos patrimoniais causados pelo não cumprimento do contrato de licença.
Foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou solidariamente os Réus a pagarem à Autora as quantias de € 3.444,78, acrescida de € 957,96 de juros moratórios vencidos e nos vincendos, à taxa contratual correspondente ao dobro dos juros legais, e ainda o montante de € 100.000,00, acrescidos de juros de mora, desde a citação, à taxa supletiva dos juros comerciais dos créditos das empresas comerciais, absolvendo-se os Réus do demais peticionado e a Autora do pedido reconvencional.
Inconformados, os Réus recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu acórdão a julgar improcedente a apelação e a confirmar a sentença.
De novo inconformados, os RR interpuseram revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitida por acórdão de fls. 1366 a 1379.
Alegaram com as seguintes conclusões:
1ª. O acórdão recorrido, apesar de julgar nula a cláusula 8ª do contrato de revogação, em virtude do seu carácter anticoncorrencial, condenou os recorrentes pelo respectivo incumprimento.
2ª. Para o efeito, o Tribunal aplicou o regime da nulidade parcial e da redução, nos termos do disposto no artº. 292º do CC.
3ª. À luz da jurisprudência estabelecida dos tribunais europeus a nulidade absoluta impede que se leve a cabo uma redução, conversão ou qualquer outra forma de modificação de uma obrigação de uma obrigação ou cláusula anticoncorrencial em si mesma, que tenha por resultado a inerente produção de efeitos jurídicos retroactivos.
4ª. O Tribunal recorrido não reduziu aquela cláusula, antes a converteu numa cláusula com objecto diverso, atribuindo-lhe um conteúdo material que o seu texto, objectivamente interpretado, não comportava.
5ª. Para além da violação do artº. 101º nº 2 TFUE e 4º nº 2 da LdC, tal conversão demonstra que – mesmo do ponto de vista meramente civil – não podia estar em causa uma nulidade parcial, mas integral.
6ª. Em caso de dúvida sobre a interpretação proposta pelos recorrentes deve o Tribunal ordenar a suspensão da instância a fim de colocar as pertinentes questões prejudiciais ao TJUE.
7ª. O contrato de licença incluía disposições contratuais que conjugadamente incentivavam o licenciado a cumprir a política de preços de venda da rede, já que estes eram definidos pelo licenciador, tratando-se de preços âncora ou mínimos.
8ª. Tais cláusulas infringiam, pois, o artº. 101º nº 1 al. a) TFUE e 4º nº 1 al. a) da LdC, sendo igualmente nulas por força do nº 2 dos mesmos preceitos.
9ª. A relação de concorrência potencial entre as partes, aquando da celebração do Contrato de Revogação proibia que estas convencionassem entre si qualquer tipo de pacto de não concorrência.
10ª. O Regulamento de Isenção relativo a categorias de acordos verticais apenas se aplica, por definição, a acordos verticais, a acordos entre empresas não concorrentes.
11ª. A imposição in casu aos recorrentes de qualquer obrigação de não concorrência, ainda que semelhante cláusula se houvesse teoricamente conformado com as condições materiais, territoriais e temporais decorrentes do artº. 5º al. b) do Regulamento de Isenção seria sempre proibida.
12ª. A prática decisória da Comissão Europeia e a doutrina mais autorizada ensinam que a possibilidade excepcional e restritiva de imposição das obrigações de não concorrência pós contratuais se limita às relações contratuais de franquia propriamente ditas, enquanto que o contrato em análise era uma mera licença de uso de marca, já que se não conformava com as exigências típicas de cooperação comercial impostas pela franquia.
13ª. A A não aduziu qualquer prova a respeito do excepcional cumprimento daquela condição relativa à transmissão contínua de saber fazer substancial, pelo que semelhante restrição pós contratual estaria longe de ser essencial ao equilíbrio das prestações do negócio jurídico em causa.

A recorrida contra alegou, pugnando pela negação da revista e confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O Tribunal da Relação de Lisboa julgou provados os seguintes factos:

1.       A rede de clínicas DD está instalada em Espanha e Itália (alínea AG da especificação).
2.       A autora explora directamente ou concede, através da celebração de contratos de licença, a exploração de Clínicas Dentárias DD no território nacional (alínea A da especificação).
3.       O réu detém uma participação de 100% no capital da ré (alínea B da especificação).
4.       No dia 30.3.2001, a sociedade "EE, Lda", na qualidade de franqueador, e a ré, na qualidade de franqueado, celebraram o acordo escrito junto aos autos a fls. 37-37, denominado "contrato de franquia", mediante o qual aquela concedeu a esta o direito de explorar uma Clínica DD, mediante o seu sistema de franquia (alínea C da especificação).
5.       Da cláusula 3.1 do “contrato de franquia" consta nomeadamente o seguinte: “Durante a vigência do contrato o Franqueador atribui ao Franqueado uma zona geográfica exclusiva para a exploração da franquia, correspondente ao actual concelho de Coimbra e Condeixa-a-Nova" (alínea D da especificação).
6.       A cláusula 4.1 do 'contrato de franquia" tem a seguinte redacção: "O presente contrato entrará em vigor na data da sua assinatura pelas partes e terminará depois de decorridos 10 anos, contados desde o dia de abertura da clínica ao público" (alínea D da especificação).
7.       A cláusula 12 do" contrato de franquia' tem a seguinte redacção:
" 12.1. O Franqueado obriga-se a utilizar o programa informático cedido pelo Franqueador e cuja propriedade pertence a este último.
Este programa informático é composto não apenas por ficheiros, mas também por dados nele armazenados, na medida em que tais dados não sejam do domínio público nem facilmente acessíveis ou conhecidos pelo público em geral. A cessão é feita de um modo pessoal, exclusivamente ao Franqueado, ficando expressamente vedada a sua transferência a favor de terceiros sem o consentimento do Franqueador.
12.2.            A fim de conseguir a máxima uniformidade possível na gestão de todas as clínicas da rede e em benefício de todas elas, o Franqueado obriga-se a utilizar o programa para a gestão da sua clínica.
12.3.            O programa é cedido pelo Franqueador ao Franqueado para a sua utilização na clínica franqueada, estando totalmente vedada a sua utilização uma vez resolvido o contrato de franquia, por qualquer causa. O Franqueado fica assim obrigado a devolver o programa ao Franqueador, comprometendo-se a não o utilizar a partir do momento em que o presente contrato seja resolvido” (alínea F da especificação).
8.       A cláusula 17 do "contrato de franquia tem a seguinte redacção:
"17.1. Durante a vigência do presente contrato, o Franqueado compromete-se a não concorrer com o Franqueador, explorando, directa ou indirectamente, uma actividade comercial idêntica ou semelhante à desenvolvida pelas Clínicas DD, ou susceptível de atentar contra a imagem de marca ou os interesses profissionais do Franqueador, quer no seio da Clínica, quer na zona territorial que lhe foi atribuída, bem como em qualquer outro lugar onde a rede de franquias DD esteja implantada.
17.2.            Esta proibição de concorrência refere-se quer à actividade de prestação de serviços e venda de produtos, quer a qualquer outro serviço susceptível de entrar directa ou indirectamente em concorrência com a actividade desenvolvida pela rede de franquias e pelo Franqueador.
17.3.            Estão também sujeitos à mesma proibição de concorrência o ou os accionistas maioritários, de acordo com a cláusula segunda, o Director e Gerente da Clínica ou qualquer assalariado que desempenhe uma função de direcção, bem como os accionistas ou sócios do Franqueado que possuam mais de 5% do capital social. Durante a vigência do presente contrato, nenhuma das referidas pessoas poderá exercer, directa ou indirectamente, como profissional liberal, empregado ou sócio, em seu nome ou em nome de terceiros, uma actividade concorrente com o Franqueador.
17.4.            Durante a vigência do presente contrato o Franqueado, ou as pessoas referidas no número anterior, não poderão possuir, directa ou indirectamente, em seu nome ou em nome de terceiros, participação no capital social de sociedades que exerçam, em qualquer local onde as Clínicas DD estejam implantadas, actividades semelhantes ou concorrentes, nem exercer o cargo de administrador ou gerente dessas sociedades, nem sequer aderir ou participar, directa ou indirectamente, a uma cadeia de distribuição nacional ou regional concorrente.
17.5. Em caso de incumprimento do presente acordo de não concorrência pelo Franqueado, ou pelas pessoas sujeitas à mesma proibição de concorrência, conforme estabelecido anteriormente, deverá o Franqueado pagar ao Franqueador, a título de cláusula penal, uma indemnização fixa, equivalente a cinco (5) vezes o montante anual médio da soma dos royalties pagos ou devidos ao Franqueador durante os dois últimos exercícios contratuais (ou do último exercício, se apenas existir um) anteriores ao incumprimento, sem prejuízo de outros meios de defesa a que este último possa recorrer" (alínea G da especificação).
9.       A cláusula 20 do "contrato de franquia' tem a seguinte redacção:
"20.1. Durante o prazo de um ano, contado a partir da data do termo, resolução ou extinção por qualquer causa do presente contrato, ou do momento em que sejam retiradas as marcas, anúncios ou qualquer sinal identificativo DD, o Franqueado, as pessoas com maior interesse económico, tal como referido na cláusula segunda e/ou as pessoas que exerceram as funções dirigentes na Clínica não poderão exercer, directa ou indirectamente, em seu nome ou em nome de terceiros, quer na circunscrição territorial definida no presente contrato, quer nos locais onde a rede de Clínicas DD está implantada, uma actividade concorrente como a do presente contrato.
20.2. O conceito de actividade concorrente deve ser entendido conforme o estipulado na cláusula décima sétima.
20.3. Em caso de infracção ao disposto na presente cláusula, e sem prejuízo do direito do Franqueador solicitar a reparação integral do prejuízo sofrido, o concorrente fica obrigado a pagar ao referido Franqueador, a título de cláusula penal, uma indemnização fixa equivalente a cinco (5) vezes o montante anual médio da soma dos royalties pagos ou devidos ao Franqueador durante os dois últimos exercícios contratuais (ou no último exercício, se apenas existir um) anteriores ao incumprimento, sem prejuízo de este ultimo recorrer a outras acções" (alínea H da especificação).
10.    No dia 25.4.2003, a sociedade "EE, Lda.", na qualidade de licenciador, e a ré, na qualidade de licenciada, celebraram o acordo escrito junto aos autos a fls. 88-104, denominado "contrato de licença", relativo à "exploração de clínicas odontológicas sob a figura de Licenciamento da Marca DD, envolvendo "obrigações certas de prestação de serviços", (alínea I da especificação).
11.    A cláusula 3.1 do "contrato de licença" tem a seguinte redacção:
"O Licenciador atribui ao Licenciado durante a vigência deste contrato uma zona geográfica para a exploração da licença conforme está definida no plano e nos códigos postais que, como Anexo I, fica incorporado a este contrato, sendo parte integrante do mesmo" (alínea J da especificação).
12.    No referido Anexo 1 são indicadas Coimbra e Condeixa-a-Nova (alínea L da especificação).
13.    A cláusula 4.1 do "contrato de licença tem a seguinte redacção: "O presente contrato entrará em vigor na data da sua assinatura pelas partes e terminará depois de transcorridos dez (10) anos, contados desde o dia da firma do presente contrato (alínea M da especificação).
14.    A cláusula 11 do "contrato de licença” tem a seguinte redacção:
"11.1. O Licenciador cederá todo o desenvolvimento, desenho, pantones, maquetas, projectos, slogans, cunhas, spot e campanhas publicitárias que seja da sua propriedade para que os Licenciados, após prévia adaptação, por sua conta, ao português, possam aproveitar e utilizar ditos suportes. O Licenciador coordenará qualquer campanha publicitária a nível nacional ou regional que estará financiada dentro dos limites de um orçamento publicitário aprovado e supervisionado pelo Licenciador e alimentado pelas contribuições extraordinárias e voluntárias dos Licenciados da rede.
Todas as decisões que conduzam à determinação da oportunidade de realizar uma publicidade de dimensão nacional, regional ou local, ou que prevejam a combinação das diferentes possibilidades, bem como as decisões relativas à escolha dos meios de comunicação (imprensa, radio, televisão, cartazes) e ao conteúdo das mensagens publicitárias será competência do Licenciador, prévia proposta dos Licenciados que poderá, a tal efeito, e tendo em conta um orçamento publicitário extraordinário baseado em quotas voluntárias, recorrer aos serviços de agências de publicidade e/ou de relações públicas e/ou assessores e/ou a todos os organismos de estudos necessários, cuja escolha é competência sua.
11.2.            Com o fim de preservar a identidade da rede, qualquer actividade promocional ou publicitária que o Licenciado pretenda iniciar a expensas próprias e onde sejam utilizadas designações, marcas ou sinais distintivos ou "slogan" publicitários DD, deverá ser previamente aprovado por escrito pelo Licenciador.
11.3.            O Licenciador obriga-se a transmitir ao Licenciado qualquer mudança nas técnicas de venda ou de estratégias de marketing acordadas e que sejam de aplicação nas Clínicas Licenciadas. O Licenciado obriga-se a assumir todos os gastos necessários para a transmissão deste conhecimento; cursos, gastos de professores, alojamentos, etc." (alínea N da especificação).
15.    Da cláusula 14.2.2 do "contrato de licença" consta nomeadamente o seguinte: "Durante a vigência do contrato, o licenciado compromete-se a pagar ao Licenciador uma quota fixa mensal de quinhentos euros, impostos e retenções aplicáveis não incluídas." (alínea O da especificação)
16.    A cláusula 14.2.5 do "contrato de licença" tem a seguinte redacção: "Todas as importâncias devidas pelo Licenciado ao Licenciador e não liquidadas na data do seu vencimento, incrementar-se-ão, desde o dia seguinte ao vencimento da dívida, um juro igual ao dobro dos juros legais aplicáveis na data do citado vencimento, sempre que o atraso seja superiora 15 dias” (alínea P da especificação).
17.    A cláusula 16 do "contrato de licença” tem a seguinte redacção:
"16.1. Durante a vigência do contrato, o licenciado compromete-se a não competir com o Licenciador explorando, directa ou indirectamente, uma actividade comercial idêntica ou semelhante à desenvolvida pelas Clínicas DD, ou susceptível de atentar contra a imagem de marca ou contra os interesses profissionais do Licenciado, na própria Clínica ou na zona territorial atribuída, bem como em qualquer outro lugar onde a rede de licenças DD estiver implantada.
16.2. Esta proibição de concorrência refere-se tanto à actividade de prestação de serviços e venda de produtos, como a qualquer outro serviço susceptível de entrar directa ou indirectamente em concorrência com a actividade desenvolvida pela rede de Licenças e pelo Licenciador.
16.3.            Estão também sujeitos à mesma proibição de concorrência e/ou os accionistas majoritários, de acordo com a cláusula segunda, o Director, o Gerente da Clínica ou qualquer assalariado que desempenhe uma função de direcção, bem como os accionistas ou sócios do Licenciado que possuam mais de 5% do capital social. Durante a vigência do presente contrato, nenhuma das referidas pessoas poderá exercer, directa ou indirectamente, como profissional liberal, empregado ou sócio, no seu nome ou em nome de terceiros, uma actividade que seja concorrente com o Licenciador.
16.4.            Durante a vigência do presente contrato as pessoas referidas no número anterior, não poderão possuir, directa ou indirectamente, no seu nome ou em nome de terceiros, participação social de sociedades que exerçam, em qualquer lugar onde as clínicas DD estejam implantadas, actividades semelhantes ou que façam concorrência, nem exercer o cargo de administrador ou gerente dessas sociedades, nem sequer aderir ou participar, directa ou indirectamente, a uma cadeia de distribuição nacional ou regional da concorrência.
16.5.            Em caso de não cumprimento do presente acordo de que o Licenciado, ou as pessoas sujeitas à mesma proibição, não fará a concorrência, segundo o estabelecido anteriormente, o Licenciado deverá pagar ao Licenciador, a título de cláusula penal, uma indemnização fixa, equivalente a € 100.000,00 (cem mil euros), sem prejuízo de outros meios de defesa a que este último possa recorrer” (alínea Q da especificação).
18.    A cláusula 19 do "contrato de licença” tem a seguinte redacção: "20.1 O Licenciado compromete-se a pagar ao Licenciador, no prazo de trinta (30) dias, todas as dívidas contraídas, cujo pagamento esteja pendente, quer seja em virtude da compra da mercadoria, de fornecimentos diversos, juros de mora, indemnizações devidas ou outras.
20.2.            0 Licenciado compromete-se a suspender imediatamente o uso de qualquer marca de produtos, denominação social, "slogans" publicitários ou qualquer outro sinal identificativo do Licenciador, incluindo aqueles que figuram no material publicitário, formulários, facturas ou em qualquer outro documento. Terá também que suprimir todas as referências que tiver utilizado em publicações de qualquer tipo (listas telefónicas, listas comerciais, etc).
20.3.            0 Licenciado terá de desmontar, imediatamente e, às suas expensas, o anúncio ou outros e sinais distintivos do Licenciador, devendo modificar num prazo de trinta (30) dias o aspecto exterior e interior do local, de maneira a evitar qualquer confusão por parte do público ou da clientela da clínica.
No término da rescisão antecipada do presente contrato, o Licenciado não poderá reclamar ao Licenciador a reparação dos possíveis prejuízos que possam resultar das suas obrigações perante terceiros, tais como empregados, instituições bancárias, proprietário do local onde funciona a clínica ou outros” (alínea R da especificação).
19.    Com data de 1.1.2005, foi elaborado o escrito junto aos autos a fls. 105-107, denominado "contrato de reconhecimento de cedência de direitos", onde são identificados como partes FF, a sociedade "EE, Lda." e a sociedade "Laboratório GG, SL", na qualidade de master franqueador, a autora, na qualidade de master franquiado, e a ré, na qualidade de licenciado, do qual consta que "o master franqueador cede, nas condições já acordadas e conhecidas por todas as partes, ao master franquiado, que aceita, as obrigações e os direitos derivados do contrato de franquia e posteriores renovações do mesmo subscritos com o licenciado, a partir de 1.1.2005' e que "o licenciado reconhece e aceita na sua totalidade a transmissão de direitos" (alínea S da especificação).
20.    Este escrito não foi assinado pelo legal representante da ré, mas, desde 1.1.2005, a ré manteve relações contratuais com a autora, reconhecendo e aceitando na sua totalidade a transmissão de direitos e obrigações por parte da "EE, Lda." para a autora, (alínea T da especificação)
21.    Entre 1.1.2005 e Novembro de 2007, a autora não cedeu publicidade à ré, não obstante esta a ter interpelado várias vezes para tal, forçando a ré a usar o mesmo folheto de publicidade durante 2 anos (resposta ao quesito 5º).
22.    No dia 9.3.2007, a autora, na qualidade de licenciador, e os réus, na qualidade de licenciado, celebraram o acordo escrito junto aos autos a fls. 108-111, denominado "revogação do contrato de licença DD por mútuo acordo", através do qual declararam revogar o "contrato de licença e respectivo aditamento (contrato de reconhecimento de cedência de direitos) em todas as suas cláusulas e condições, que fica assim sem efeito a partir de 30.6.2007" (alínea U da especificação).
23. A cláusula 2 da "revogação do contrato de licença DD por mútuo acordo" tem a seguinte redacção: "O prazo previsto na cláusula anterior poderá ser prorrogado mensalmente, por períodos de um mês, com um limite máximo de seis meses, desde que a representada do Segundo Outorgante comunique à Primeira Outorgante essa intenção por carta registada com aviso de recepção até quinze dias antes dos termos dos prazos” (alínea V da especificação).
24.    A cláusula 5 da "revogação do contrato de licença DD por mútuo acordo" tem a seguinte redacção: "A Primeira Outorgante compromete-se a não outorgar nenhuma outra licença DD no âmbito geográfico concedido pelo contrato de licença, comprometendo-se também a não prestar ela mesma os serviços objecto da licença, durante o prazo de seis meses a contar do termo do contrato de licença" (alínea X da especificação).
25.    A cláusula 6.1 da "revogação do contrato de licença DD por mútuo acordo" tem a seguinte redacção: "A representada do Segundo Outorgante compromete-se a pagar à Primeira Outorgante os royalties fixos mensais até ao termo do contrato de licença, bem como a liquidar facturas de compras e serviços fornecidas pela Primeira Outorgante, nos termos anteriormente estipulados" (alínea Z da especificação).
26.    A cláusula 6.3 da "revogação do contrato de licença DD por mútuo acordo" tem a seguinte redacção: "O incumprimento dos números 1 e 2 da presente cláusula implica desde o dia seguinte ao vencimento da dívida, um juro igual ao dobro dos juros legais aplicáveis na data do citado vencimento, sempre que o atraso seja superior a 15 dias e implica também a anulação da cláusula quinta do presente documento" (alínea AA da especificação).
27.    A cláusula 8 da "revogação do contrato de licença DD por mútuo acordo" tem a seguinte redacção:
"1) A representada do Segundo Outorgante e este por si, comprometem-se a não afiliar-se a uma rede de centros competidores, directa ou indirectamente, sob nenhuma forma ou título, designadamente associando-se às sociedades comerciais por quotas com as firmas "HH - Clínicas Dentárias, Lda.", pessoa colectiva nº …, e "II - Clínicas …, Lda.", pessoa colectiva nº … ou aos respectivos sócios das referidas sociedades, nem a criar ou adquirir qualquer negócio em rede e/ou franchising, que seja da competição com as das Clínicas DD, durante o período de um ano após termo do prazo previsto na cláusula quinta da presente revogação e a não revelar o know-how da empresa.
2)      A representada do Segundo Outorgante e este por si, durante um ano a partir do termo do contrato de licença, não poderão afiliar-se nem participar directa ou indirectamente numa rede de distribuição que seja da competição com as das Clínicas DD.
3)      A representada do Segundo Outorgante e este por si, comprometem-se a não revelar nem divulgar, de nenhuma forma, nenhum dos segredos, nomeadamente o conteúdo do Manual Operativo, as técnicas de prestação de serviços, dados e informação e, em geral, de tudo aquilo que constituir o sistema próprio da cadeia DD, a nenhuma pessoa, empresa ou entidade, bem como a não utilizar, directa ou indirectamente, nenhum dos segredos noutra empresa" (alínea AB da especificação).
28.    A cláusula 9 da "revogação do contrato de licença DD por mútuo acordo tem a seguinte redacção:
"1) O não cumprimento ou violação directa ou indirectamente dos compromissos assumidos no presente documento origina que a Primeira Outorgante sem prejuízo para reclamar a íntegra reparação dos danos sofridos e, uma vez constatada a simples violação dos referidos compromissos, accione a representada do Segundo Outorgante e este por si só, a título de reparação provisória e como cláusula penal ao pagamento de cem mil euros (€ 100.000,00) à Primeira Outorgante.
2) O Segundo Outorgante declara-se solidariamente responsável perante a Primeira Outorgante de qualquer violação cometida, assim como do conjunto dos actuais ou futuros sócios ou associados" (alínea AC da especificação).
29.    A ré solicitou sucessivas "prorrogações do contrato de licença”, por cartas dirigidas à autora, datadas de 12.6.2007, 13.7.2007,13.8.2007,14.9.2007 e 15.10.2007, juntas aos autos a fls. 112-116. (alínea AD da especificação).
30.    A ré não procedeu ao pagamento à autora da quantia mensal de € 500 relativa aos meses de Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2007, correspondente às facturas n° …, de …, n° … de 2.7.2007, n° … de 1.8.2007, n° … de 3.9.2007, n° … de 1.10.2007 e nº … de 8.11.2007. (alínea AE da especificação).
31.    Em Novembro de 2007, a marca "Clínicas DD" tinha alguma notoriedade em Coimbra e Condeixa-a-Nova e em algumas outras zonas do território nacional, (resposta ao quesito 2º).
32.    Após a cessação do contrato de licença entre Autora e Réus, os réus continuaram a prestar serviços médico-dentários em Coimbra e Condeixa-a-Nova, utilizando a marca JJ (alínea AF da especificação).
33.    No projecto de expansão das clínicas JJ inclui-se a abertura de clínicas dentárias em Coimbra-Solum, em Coimbra-Celas, Ílhavo Pombal, Figueira da Foz, Leiria e Aveiro (resposta ao quesito 3º).
34.    A actuação dos réus afectou a imagem e o bom-nome da autora perante os seus clientes (resposta ao quesito 4º).
35.    No dia 9.7.2007, a ré adquiriu uma quota da sociedade "KK, Lda.", tendo o réu sido designado gerente dessa sociedade (alínea AH da especificação).
36.    A sociedade "KK, Lda." tem por objecto a comercialização, importação, exportação e representações de material e equipamentos médico-dentários e administração e exploração de clínica médico-dentária” (alínea Al da especificação).
37.    A sociedade "LL - Consultoria de Gestão, Lda." foi constituída em 7.1.2008 por "KK, Lda.", por "MM - …, Lda.", pela ré, por NN e por OO (alínea AJ da especificação).
38.    A sociedade "LL - Consultoria de Gestão, Lda." tem como gerentes NN e o réu (alínea AL da especificação).
39.    A sociedade "LL - Consultoria de Gestão, Lda." tem por objecto a "consultoria para os negócios e a gestão a empresas e particulares, serviços de marketing, formação profissional e gestão de clínicas dentárias" (alínea AM da especificação).
40.    A sociedade "LL - Consultoria de Gestão, Lda." tem sede na …, n° …, em Coimbra (alínea AN da especificação).
41.    A ré tem sede na …, n° …, em Coimbra, (alínea AO da especificação).
42.    Em 29.5.2008 foi registada a transmissão da marca JJ para a sociedade "LL -Consultoria de Gestão, Lda." (alínea AP da especificação).
43.    A rede de clínicas dentárias JJ começou em 2006, com a abertura de uma clínica em Pombal (alínea AQ da especificação).
44.    A sociedade "KK, Lda." explorava a clínica JJ em Pombal (alínea AR da especificação).
45.    Nunca existiu qualquer clínica DD em Pombal (alínea AS da especificação).
46.    Existiam clínicas DD em Leiria e em Viseu (alínea AT da especificação).

FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A A e a R celebraram entre si um contrato de franquia, contrato atípico em que aquela aparece como franquiadora e esta como franquiada.
As características deste contrato resultam das cláusulas nele inseridas.
Este contrato foi celebrado em 2003 pelo período de 10 anos, tendo sido rescindido por mútuo acordo em 2007.
As partes e as instâncias estão de acordo quanto à qualificação jurídica deste acordo de rescisão, contrato de transacção preventivo (artº. 1248º nº 1 do CC).
Está inserida neste contrato de transacção uma cláusula proibitiva de concorrência (cláusula 8ª), cuja violação levou as instâncias à condenação dos RR no pagamento da cláusula penal aí estabelecida.
Trata-se de uma cláusula em que se prevê uma obrigação de não concorrência pós-contratual.
Aa verdadeiras questões suscitadas no recurso são a da nulidade de tal cláusula e a da sua eventual redução (artº. 292º do CC).
No entanto, os recorrentes procuram trazer à colação o próprio contrato de franquia, já rescindido amigavelmente, o que se nos afigura despiciendo para a apreciação da justeza da condenação imposta aos RR.
Na verdade, tal condenação teve como fundamento a referida cláusula 8ª, inserida na transacção celebrada para rescisão do contrato de franquia antes do prazo previsto, e na sua violação por parte dos recorrentes.
De qualquer modo, sempre se dirá que o contrato celebrado entre os recorrentes e a recorrida é um verdadeiro contrato de franquia e não uma simples licença para intervir no mercado com o nome e o logotipo do franquiador.
Houve, para além disso, transferência do “saber-fazer” por parte do franquiador ao franquiado, como resulta claramente da matéria constante do nº 14 dos factos provados, “saber-fazer” cuja definição foi proposta pelo Regulamento nº 4087/88 (artº.1º § 3 al. f) como um conjunto de conhecimentos práticos não patenteados, decorrentes da experiência do franquiador e verificados por este, que é secreto, substancial e identificável.
Sendo um verdadeiro contrato de franquia, apesar das normas do Tratado de Roma que proíbem os acordos restritivos de concorrência (artºs. 81º e 82º), a Comissão Europeia e o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, reconhecendo as vantagens económicas da importação deste modelo de contrato dos EUA, têm-lhe concedido um tratamento privilegiado.
“O Tribunal de Justiça das Comunidades pronunciou-se a primeira vez sobre a compatibilidade de um contrato de franquia com o direito europeu da concorrência no caso “Pronuptia”, Ac. de 28 de Janeiro de 1986, conferindo-lhe um tratamento privilegiado em relação aos contratos de venda exclusiva.
Definiu, entre outros princípios, que a compatibilidade dos contratos de franquia em matéria de distribuição com o artº. 81º nº 1 depende das cláusulas que esses contratos contenham e do contexto económico no qual se inserem.
Mais definiu que as cláusulas que sejam indispensáveis para impedir que os concorrentes se aproveitem do património de conhecimento e de técnica e da assistência fornecida ao franquiado não constituem restrições à concorrência no sentido do artº. 81º nº 1.
O Tribunal determinou, enquanto não existisse uma isenção por categoria específica para estes acordos, o recurso ao processo individual de isenção, por força do nº 3 do artº. 81º, em todos os casos em que estes contratos apresentem cláusulas restritivas da concorrência não reconduzíveis às que o Tribunal considerou indispensáveis à realização dos fins da franquia.
Posteriormente, entre 1986 e 1988, a Comissão das Comuniodades Europeias decidiu em cinco casos concretos acerca da compatibilidade com o direito comunitário de certas cláusulas contidas noutros contratos de franquia, respondendo a pedidos de isenção individual.
A Comissão, nestas decisões, confirmou os princípioos enunciados pelo Tribunal de Justiça no Caso …: o contrato de franquia apresenta uma especificidade que lhe confere autonomia em relação a outros tipos de contratos de distribuição e pode favorecer uma concorrência efectiva no seio do mercado comum, o que justifica a protecção do saber-fazer e da imagem de marca do franquiador, condição de sucesso para a implantação de novos franquiados.
A Comissão concedeu o benefício da isenção em todos estes cinco casos de contratos de franquia, apesar de algumas cláusulas proibidas pelo artº. 81º nº 1, considerando que nos casos concretos estavam preenchidas as condições de aplicação do nº 3 do artº. 81º do Tratado de Roma, que podem resumir-se no seguinte: devem contribuir realmente para melhorar a concorrência, por exemplo relativamente às grandes cadeias de distribuição, permitindo a penetração em novos mercados; devem permitir que as duas partes do contrato dele retirem vantagens: o franquiador deve poder estender a sua rede e desenvolver os seus métodos de comercialização e o franquiado deve poder realizar benefícios aos quais não teria acesso sem a colaboração do franquiador; devem atribuir aos consumidores uma parte substancial das vantagens obtidas, graças à instauração de uma rede de distribuição que tome em consideração os seus gostos e lhes garanta uma qualidade uniforme de produtos nos diferentes pontos de venda.
Assim, a Comissão considerou lícitas, nomeadamente, as cláusulas relativas à protecção territorial, desde que não eliminem a concorrência relativamente a uma parte substancial do mercado. Por outro lado, entendeu não preencherem as condições de isenção outras cláusulas, que foram posteriormente modificadas para não impedirem a atribuição da declaração de isenção aos respectivos contratos.
Entre as cláusulas que foram modificadas por indicação da Comissão, temos, nomeadamente:
 A obrigação de não concorrência depois de terminado o acordo, que era demasiado ampla em termos territoriais e de tempo, passando a ser de um ano num raio de 10 Km do precedente negócio (Caso ...);
A obrigação de o franquiado praticar peços mínimos foi substituída pela faculdade reconhecida ao franquiador de distribuir aos franquiados uma lista de preços máximos aconselhados (Caso …).
Posteriormente, a Comissão, a 30 de Novembro de 1988, emitiu o Regulamento de isenção por categoria nº 4087/88, relativo à aplicação do artº. 81º do Tratado de Roma a certas categorias de contratos de franquia de distribuição e de serviços.
A Comissão fixou neste Regulamento uma disciplina condescendente para os contratos de franquia, nomeadamente quanto à cláusula de não concorrência pós-contratual. A cláusula passou a entrar na lista branca (isenção por categoria), desde que o período de tempo não fosse superior a um ano, no território em que se executou o contrato.
O Regulamento indicava no seu artº. 3º uma série de cláusulas que tanto o Tribunal de Justiça como, ulteriormente, a Comissão consideraram não restritivas da concorrência, porque necessárias para proteger os direitos de propriedade industrial ou intelectual do franquiador, ou para manter a identidade comum e a reputação da rede franquiada.
O artº 5º do Regulamento previa um conjunto de cláusulas que foram consideradas restritivas da concorrência nos termos do disposto no artº. 81º nº 1, e relativamente às quais não existia uma presunção geral de que produzissem os efeitos positivos exigidos pelo nº 3 do citado artº. 81º.
Tais cláusulas são consideradas particularmente danosas para a concorrência no âmbito da política comunitária, tendo sido, por isso, liminarmente excluídas do âmbito da isenção.”1
Nenhuma destas cláusulas foi inserida, quer no contrato de franquia, quer na transacção que foi celebrada, quando da sua rescisão antecipada.
“Por fim a Comissão adoptou, em 22 de Dezembro de 1999, o Regulamento de isenção nº 2790/1999, entrado em vigor em 1 de Junho de 2000, relativo à aplicação do nº 3 do artº. 81º do Tratado de Roma a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas, destinado a substituir alguns dos regulamentos de isenção por categoria específica existentes (1983/83, 1983/84 e 4087/88). Ulteriormente, em 24 de Maio de 2000, a Comissão aprovou a Comunicação sobre Orientações relativas às Restrições Verticais, que estabelecem os princípios para a apreciação dos acordos verticais ao abrigo do artº. 81º do Tratado de Roma.”2


1 e 2 – Extractos da obra “ O Contrato de Franquia”, da autoria de Maria de Fátima Ribeiro.


Este Regulamento aplica-se aos acordos celebrados entre duas ou mais empresas, em que cada uma delas opere, para efeitos do acordo, a um nível diferente da cadeia de produção ou de distribuição, desde que não seja ultrapassado o limiar de 30% da quota de mercado.
O artº. 5º deste Regulamento dispõe que a isenção prevista no artº. 2º não é aplicável a qualquer obrigação directa ou indirecta que imponha ao comprador, após o termo do acordo, não produzir, adquirir, vender ou revender bens ou serviços, excepto quando tal obrigação:
- diga respeito a bens ou serviços que concorram com os bens ou serviços contratuais e
- seja limitado às instalações e terrenos a partir dos quais o comprador operava durante o período do contrato e
- seja indispensável para proteger o saber-fazer transferido pelo fornecedor para o comprador e
- desde que o período de vigência dessa obrigação de não concorrência seja limitado a um período de 1 ano após o termo do acordo.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça, a prática da Comissão e os Regulamentos por esta aprovados apontam inquestionavelmente para a isenção das cláusulas de não concorrência pós contratuais, sempre que limitadas no tempo (um ano), no espaço (área franqueada) e indispensáveis para proteger o “saber-fazer” tranferido pelo franquiador para o franquiado.
Também os artºs. 4º e 5º da Lei da Concorrência (Lei 18/2000, de 11.06) não proibem tais cláusulas, antes as considerando justificadas, desde que preencham os requisitos de aplicação dos Regulamentos de isenção (artº. 5º nº 3 da citada Lei).
As cláusulas 8ª e 16ª, inseridas na transacção preventiva e no contrato de franquia, respectivamente, não estão limitadas ao indispensável para proteger os legítimos interesses do franquiador, sendo nulas, porque restritivas da concorrência, nos termos do artº. 81º nº 1 do Tratado de Roma.
A nulidade da cláusula 16º do contrato de franquia não tem grande relevo para a decisão, porque não pôs em risco o contrato e não fundamentou a condenação dos RR, sendo certo que o contrato de franquia já foi rescindido por acordo mútuo.
A cláusula 6ª da transacção não é intrinsecamente nula, já que, como vimos, as cláusulas de proibição de concorrência pós-contratuais não são proibidas.
Excede, no entanto, os limites territoriais indispensáveis à protecção da propriedade intelectual do franquiador, o “saber-fazer” por este fornecido à franquiada.
Sendo parcialmente nula, bem andaram as instâncias ao reduzi-la nos termos do preceituado pelo artº. 292º do CC.
A redução do negócio jurídico constitui a regra e só não deve ser opção se se mostrar que a transacção não seria celebrada sem uma tão excessiva cláusula de proibição de concorrência, o que não ocorreu.
Aliás, a parte que poderia insurgir-se contra a redução seria a recorrida, pois a redução da cláusula só a podia lesar a si, já que os recorrentes naturalmente subscreveriam um contrato que lhes fosse mais favorável, com uma cláusula de proibição de concorrência mais restrita em termos territoriais.
Não tem discussão a aplicabilidade do artº. 292º ao contrato de transacção.
Aliás, os próprios recorrentes também defenderam uma redução, pois entenderam que a nulidade da cláusula de proibição da concorrência não afectava o contrato de transacção preventiva em que foi inserida.
Há, no entanto, que não limitar o apelo ao instituto da redução do negócio jurídico, usando-o na sua plenitude e considerar que a cláusula de proibição de concorrência deve ser mantida, ainda que reduzida na área territorial de aplicação, em conformidade com o direito comunitário vigente.
 Não tem o mínimo fundamento o pedido de reenvio ao Tribunal de Justiça das Comunidades.
O reenvio consiste na colocação de uma questão relativa à interpretação ou à apreciação de validade de um acto de direito comunitário ao TJCE (artº. 177º do Tratado CEE).
O Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação do presente Tratado;
b) Sobre a validade e interpretaçãodos actos adoptados pelas instituições da Comunidade;
c) Sobre a interpretação dos estatutos dos organismos criados por um acto do Conselho, desde que estes estatutos o prevejam.
No caso concreto, a consulta ao Tribunal de Justiça das Comunidades justificar-se-ia, na óptica dos recorrentes, para interpretação do nº 1 do artº. 81º do Tratado de Roma e dos Regulamentos de Isenção.
As partes e as instâncias concordam na interpretação do Tratado e dos Regulamentos, aceitando a nulidade da cláusula proibitiva da concorrência, face à sua amplitude territorial.
Não havendo litígio quanto à interpretação das normas do Tratado e dos Regulamentos de Isenção seria inútil a consulta do TJCE.
Quanto à possibilidade de redução do negócio jurídico trata-se de interpretação do direito interno, não tendo qualquer cabimento o reenvio.
Por último, o contrato no qual se impõe a obrigação de não concorrência, cuja violação deu origem à condenação dos RR no pagamento da cláusula penal, é uma transacção preventiva, livremente negociada, não se incluindo no tipo dos contratos de adesão.
Assim, não lhe é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais (artº. 1º do DL  249/99, de 7 de Julho).
A cláusula que impunha aos RR uma obrigação de não concorrência, depois de reduzida, é válida e foi culposamente violada por eles.
Houve um ilícito contratual, gerador da obrigação de indemnizar (artº. 798º do CC).
O montante da indemnização estava préviamente fixado através da cláusula penal (artº. 810º do CC).

Nos termos expostos, na improcedência das conclusões dos recorrentes, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 05 de Fevereiro 2013

Salreta Pereira (Relator)
João Camilo
Fonseca Ramos