Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01842/18.6BELSB
Data do Acordão:07/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
IMPEDIMENTO
CONDENAÇÃO PENAL
Sumário:I - O propósito e fim que está subjacente ao impedimento previsto na al. b) do n.º 1 do art. 55.º do Código dos Contratos Públicos é o de proibir o acesso/participação em procedimento de formação de contrato público e o de vir a celebrar o contrato em decorrência do procedimento de pessoas [singulares/coletivas (e quanto a estas incluindo também as condenações que hajam recaído sobre seus dirigentes)] que, por sentença judicial transitada em julgado, hajam sido condenadas por delito respeitante à sua honorabilidade profissional, tornando-as, na relação com a entidade adjudicante, inidóneas para vir a contratar, dado não ser aceitável que tais pessoas, sem que previamente se mostrem reabilitadas, possam aceder aos dinheiros públicos, através da contratação pública e dela retirarem proventos, quando revelaram desvio na sua atuação e conduta daquilo que são os padrões éticos e de integridade exigidos, fazendo temer pela manutenção de uma sã, reputada e integra contratação pública.
II - Mostram-se abrangidas no âmbito ou extensão do referido impedimento as situações em que os operadores económicos, uma vez impedidos por condenação penal definitiva que os torna inidóneos para acederem/participarem em procedimento de formação de contrato público, procurem ou façam uso de mecanismos e/ou de meios que, ao arrepio e em absoluto entorse das consequências e efeitos penais da decisão judicial punitiva e das regras e condições de e para a reabilitação, lhes permitam ter acesso e participação àquele procedimento em total subversão dos princípios e interesses prosseguidos, pervertendo-os e/ou fraudando-os.
Nº Convencional:JSTA000P24802
Nº do Documento:SA12019071101842/18
Data de Entrada:03/26/2019
Recorrente:A... S.A.
Recorrido 1:ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA PORTUGUESA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. «A…………., SA», devidamente identificada nos autos, instaurou a presente ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual nos termos dos arts. 100.º e segs. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA - na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02.10 - cfr. seu art. 15.º - tal como as referências posteriores ao CPTA salvo expressa indicação em contrário] contra a «ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA» [doravante «AR»] e a contrainteressada «B……… RESEARCH, UNIPESSOAL, LDA.» [doravante «Contrainteressada»], nos termos e com a motivação aduzida na petição inicial de fls. 01/25 dos autos [paginação «SITAF» - tal como as ulteriores referências à mesma sem expressa menção em contrário], peticionando que seja «declarado nulo ou anulado o ato final de adjudicação da proposta apresentada pela concorrente B………. Research, Unipessoal, Lda.» no âmbito do «Consulta pública n.º 2018/BIB/79 - Fornecimento de um serviço de gestão de informação de imprensa, de rádio e de televisão», e a R. condenada «a excluir a proposta apresentada pela concorrente B………. Research, Unipessoal, Lda.» e, bem assim, a «adjudicar a proposta apresentada pela A.».

2. Devidamente citadas R. e Contrainteressada pelas mesmas foi per se produzida contestação, insertas, respetivamente, a fls. 544 e segs. e 610 e segs. dos autos, nas quais, para além de defesa por exceção [incompetência do TAC de Lisboa dado nos termos do art. 24.º, n.º 1, al. a) ii, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) a competência assistir ao STA], contraditaram todos os fundamentos da presente ação administrativa, sustentando que o ato impugnado não enferma das ilegalidades que lhe foram assacadas pela A..

3. Observado o disposto no art. 85.º do CPTA [cfr. fls. 757 e segs.] não foi emitida nos autos qualquer pronúncia pelo MP.

4. Após réplica [cfr. fls. 758 e segs.] foram proferidas decisões pelo TAC Lisboa a indeferir o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação impugnado [datada de 29.11.2018] [cfr. fls. 779 e segs.] e a declarar-se incompetente, ordenando a remessa dos autos a este STA [datada de 05.02.2019] [cfr. fls. 834 e segs.], sem qualquer impugnação.

5. Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. c) e 2, do CPTA, e nada obstando ao conhecimento de mérito, cumpre apreciar e decidir em Conferência.







DAS QUESTÕES A DECIDIR
6. Constitui objeto de apreciação nesta sede o aferir da legalidade do ato contenciosamente impugnado [decisão datada de 29.08.2018 de adjudicação à concorrente «B………. Research, Unipessoal, Ld.ª» do fornecimento do serviço de gestão de informação de imprensa, de rádio e de televisão («Consulta pública n.º 2018/BIB/79») - mantida pela decisão, datada de 26.09.2018, que indeferiu a impugnação facultativa que havia sido deduzida pela A.], designadamente, aquilatar se procedem os fundamentos de ilegalidade que lhe foram acometidos e conducentes à sua invalidade, consistentes na violação de lei, por infração ao disposto nos arts. 55.º, n.º 1, al. b), e 70.º, n.º 2, al. f), do Código de Contratos Públicos [CCP] [na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 111-B/2017, de 31.08 - cfr. seus arts. 12.º e 13.º - tal como as referências posteriores ao CCP salvo expressa indicação em contrário], 280.º do Código Civil [CC], 03.º e 04.º do Código de Procedimento Administrativo [CPA] [na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 4/2015, de 07.01 - cfr. seus arts. 08.º e 09.º - tal como as referências posteriores ao CPA salvo expressa indicação em contrário] [princípios da legalidade e da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos].


FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
7. Da discussão da causa e presente o processo administrativo em formato digital apenso considera-se como assente o seguinte quadro factual:
I) Por despacho do Senhor Secretário-Geral da Assembleia da República [«SG/AR»], datado de 15.06.2018 e que recaiu sob a informação n.º 2/BIB/2018 de 18.05.2018, foi autorizada a abertura do procedimento pré-contratual do tipo «consulta prévia», a que foi atribuído o n.º 2018/BIB/79, tendente à adjudicação do «fornecimento de um serviço de gestão de informação de imprensa, de rádio e de televisão» - cfr. doc. «1. Inf.2-BIB-2018_Abertura de Procedimento» inserto no processo administrativo apenso em formato digital [doravante «PA»] e cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
II) No quadro do procedimento referido em I) foram, em 22.06.2018, dirigidos pela Presidente do Júri, através dos serviços da Assembleia da República [«AR»], convites [convite e caderno de encargos relativos à «consulta prévia n.º 79/2018»] à apresentação de propostas, com data limite a 04.07.2018 [23h59], à «C……….. - Software e Informação para Comunicação Social, Ld.ª», à «A……………., SA» e à «B……… Research, Unipessoal, Ld.ª» - cfr. docs. «1b_Convite», «1c_CadernoEncargos», «1d_ModeloDeclaracao», «2. Informacao_abertura_ACINGOV» e «3. Fluxo_procedimento_ACINGOV» insertos no «PA» e doc. de fls. 32/61 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
III) No âmbito do procedimento referido em I) foram apresentadas apenas duas propostas:
- pela «A…………, SA», aqui A., no dia 04.07.2018, pelas 16:42:54 - cfr. pasta «4. Proposta_551848_A……» e doc. «3. Fluxo_procedimento_ACINGOV» insertos no «PA» e cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido;
- pela «B………. Research, Unipessoal, Ld.ª», ora contrainteressada, no dia 04.07.2018, pelas 20:29:33 - cfr. pasta «5. Proposta_551971_B……. Research» e docs. «3. Fluxo_procedimento_ACINGOV» e «13.5 Doc5_Proposta_Research_2018» insertos no «PA» e doc. de fls. 62 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
IV) Em 09.08.2018, pelas 18:09:17, pelo júri do referido procedimento, após análise e avaliação das propostas, foi elaborado e disponibilizado na plataforma de contratação eletrónica o «relatório preliminar» - cfr. docs. «3. Fluxo_procedimento_ACINGOV» e «6. Relatorio_preliminar_200517» insertos no «PA» e cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
V) Sujeito tal relatório no quadro do procedimento a audiência prévia a A. emitiu pronúncia em 13.08.2018 na plataforma de contratação eletrónica - cfr. docs. «3. Fluxo_procedimento_ACINGOV» e «7. Pronuncia_Audiência_Prévia_A……» insertos no «PA» e cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
VI) Em 27.08.2018 foi elaborado pelo júri do referido procedimento «relatório final de análise das propostas» - cfr. doc. «8. Relatorio_final_200517» inserto no «PA» e doc. de fls. 63/74 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
VII) Em 29.08.2018 foi proferida decisão de adjudicação à concorrente/contrainteressada «B……… Research, Unipessoal, Ld.ª» do fornecimento do serviço «Consulta pública n.º 2018/BIB/79» referido em I), pelo valor sem IVA de 16.356,00 €, por ser a «proposta economicamente mais vantajosa» - cfr. doc. «9. Inf.7-BIB-2018_Proposta de adjudicação» inserto no «PA» e cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
VIII) Em 31.08.2018, pelas 15:48:13, o ato de adjudicação da proposta apresentada pela Contrainteressada referido em VII), nos termos constantes do referido «relatório final», foi disponibilizado na plataforma de contratação eletrónica - cfr. doc. «3. Fluxo_procedimento_ACINGOV» inserto no «PA» e cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
IX) A A. apresentou impugnação administrativa nos termos dos arts. 267.º e segs. do CCP, em 07.09.2018 - cfr. doc. «13. Impugnacao_Facultativa_A..........» inserto no «PA» e doc. de fls. 198/208 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
X) A referida impugnação administrativa, após resposta produzida pela ora Contrainteressada em 14.09.2018, veio a ser desatendida por decisão de 26.09.2018 concordante com informação n.º 669-DAPAT-2018 - cfr. docs. «14. RespostaB…….Research_Impugnacao», «15. Inf.669-DAPAT-18-Proposta de decisão de impugnação administrativa» e «16. Proposta de Decisão Sobre Impugnação Administrativa AR» insertos no «PA» e doc. de fls. 75/100 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
XI) Em 03.10.2018 foi assinado entre a R., enquanto entidade adjudicante, e a Contrainteressada, como adjudicatária, o «contrato n.º 64/2018 para o “fornecimento de um serviço de gestão de informação de imprensa, rádio e televisão”, adjudicado, no seguimento da realização de procedimento do tipo consulta pública, com o n.º 79/BIB/2018, por despacho da Senhora Adjunta do Secretário-Geral (…) de 29 de agosto de 2018, ao abrigo do despacho de delegação de competências do Secretário-Geral n.º 169/2016 (…), pelo valor global anual de € 20.117,88 (…), a que corresponde € 16.356,00 (…) de preço-base e € 3.756,88 (…) correspondentes ao IVA …», tendo a referida adjudicatária apresentado até ao momento da outorga do contrato os «documentos comprovativos de estar devidamente regularizada a sua situação perante a Fazenda Pública e Segurança Social», a «declaração sob compromisso de honra, conforme anexo II do Código de Contratos Públicos, de que não se encontra abrangida por nenhum dos princípios e disposições previstas no artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos», bem como a «sua certidão de registo criminal e a da sua gerente» - cfr. docs. «17. Contrato 64-2018», «CertidaoFinancas_....», «CertidaoPermanente_....», «CertidaoSS_....», «Declaracao_Artigo81CCP», «RegistoCriminal_.....» e «RegistoCriminal_....» insertos no «PA» e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
XII) A sociedade «B……….. - Estudos, Tratamentos e Gestão de Informação, Ld.ª», com o NIPC ……., foi constituída em 1996 tendo por objeto «[p]restação de serviços na área de estudos de mercado, designadamente recolha, tratamento e índice de informação publicitária e noticiosa, a conceção, desenvolvimento, produção e comercialização de ferramentas de software de suporte à gestão de informação, a estudos de mercado, a inteligência competitiva e empresarial, a prestação de serviços de consultoria e manutenção nas áreas referidas, estudo e promoção de ações de formação profissional e gestão de recursos humanos», e dispõe de um capital social de 150.000,00 €, que é composto de uma quota de 112.500,00 € detida pela sócia D………. [titular do NIF …..] e, ainda, de uma quota de 37.500,00 € própria da sociedade, tendo a sua sede na Rua ………., ….., …….., 1250-….. Lisboa, e como sua gerente singular a referida D………. - cfr. doc. «13.1 Doc1_Certidao_Comercial_B……..» inserto no «PA» e docs. de fls. 221/228 e 889/906 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
XIII) Por sentença, datada de 15.12.2015 e transitada em julgado em 27.01.2016, proferida no âmbito do processo comum singular n.º 1094/14.7IDLSB, que correu termos no TJ da Comarca de Lisboa [Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 12 - e que teve sua origem em inquérito criminal entrado no DIAP em 01.10.2014], a sociedade referida em XII) foi julgada e condenada pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada [relativamente a factos ocorridos entre fevereiro a abril de 2014], previsto e punido pelos arts. 06.º, n.º 1, 07.º, n.º 1, e 105.º, n.ºs 1, 2, 4, als. a) e b), e 7, todos da Lei n.º 15/2001, na pena de multa de 240 dias à taxa diária de 10,00 € [o que perfez a quantia total de 2.400,00 €], pena essa declarada extinta em 04.01.2018 por pagamento - cfr. doc. «13.11 Doc11_Certificado_Registo_Criminal_B……» inserto no «PA» e docs. de fls. 533/535 e 921 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
XIV) Pela mesma sentença referida em XIII) a sócia gerente aludida em XII) foi também julgada e condenada pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada [relativamente a factos ocorridos entre fevereiro a abril de 2014], previsto e punido pelos arts. 06.º e 105.º, n.ºs 1, 2, 4, als. a) e b), e 7, ambos da Lei n.º 15/2001, na pena de multa de 120 dias à taxa diária de 7,50 € [o que perfez a quantia total de 900,00 €], pena essa declarada extinta em 18.09.2017 por pagamento e sido determinado, em 10.07.2018, pelo Tribunal de Execução das Penas de Lisboa [Juiz 2] o «cancelamento provisório do registo criminal, para fins de concursos públicos [contratação pública] da decisão proferida no processo 1094/14.7IDLSB, do Juízo Local Criminal de Lisboa», cancelamento esse observado e comprovado pelo certificado registo criminal emitido para aquele fim em 18.09.2018 - cfr. docs. «13.12 Doc12_Certificado_Registo_Criminal_Gerente_B……_D……» e «14.2 CancelamentoProvRegistoCriminal» insertos no «PA» e docs. de fls. 536/538, 626 e 921 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
XV) A sociedade «B……… Research, Unipessoal, Ld.ª», com o NIPC .........., foi constituída em fevereiro de 2015, tendo por objeto «[p]restação de serviços de pesquisa e análise de informação de apoio à decisão, nomeadamente recolha e análise de dados de redes sociais e médias tradicionais, estudos de mercado e sondagens de opinião», e dispõe de um capital social de 100,00 €, que é composto de uma quota de 100,00 € detida pela única sócia D……….. [titular do NIF ……], e a sua sede situa-se na Rua ………, ….., ……., 1250-….. Lisboa, sendo sua gerente E………. [NIF: ………] - cfr. doc. «13.2 Doc2_Certidao_Comercial_Research» inserto no «PA» e doc. de fls. 229/231 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
XVI) A aludida gerente E........... é diretora comercial da «B…….. - Estudos, Tratamentos e Gestão de Informação, Ld.ª», sociedade com quem outorgou, em 01.10.2003, acordo escrito denominado de «contrato de trabalho» - cfr. docs. de fls. 871/874, 878/880, e 926/931 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
XVII) A mesma gerente, enquanto credora da «B……….. - Estudos, Tratamentos e Gestão de Informação, Ld.ª», subscreveu a declaração de início de negociações tendentes à efetivação de processo especial de revitalização [«PER»] a que aquela sociedade, na sequência de requerimento de apresentação da mesma deduzido na TJ Comarca de Lisboa [Juízo de Comércio de Lisboa] se submeteu e que correu termos no processo n.º 34361/15.2T8LSB, e no âmbito do qual por sentença de 18.07.2016 foi homologado plano de recuperação em «PER» tendo o nomeado administrador provisório F………. cessado funções naquela data - cfr. docs. de fls. 232/239, 257/424, 881/888 e 907/914 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
XVIII) A «B……….. - Estudos, Tratamentos e Gestão de Informação, Ld.ª», em 2012, apresentou uma proposta de fornecimento de serviços à R., tendo nos contactos apresentados na mencionada proposta indicado que a sua sede era no «…………», sito na Rua …….., n.º ……, ……, que o seu sítio de Internet era acessível através de «www.B……….pt», que o seu contacto telefónico fixo era o ……… e o contacto de correio eletrónico era «B………@B…...pt» - cfr. doc. «13.4 Doc4_Proposta_B…….._2012» inserto no «PA» e doc. de fls. 425/480 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
XIX) A «B…….. Research, Unipessoal, Ld.ª», no âmbito do presente concurso apresentou uma proposta com uma paleta cromática idêntica à da «B……… - Estudos, Tratamentos e Gestão de Informação, Ld.ª», com base em azul dégradé, com o mesmo tipo de letra, com uma apresentação esquemática similar, encimada pela marca «B…….» e aparecendo a designação «B…….. research» num sub plano esbatido em relação à marca principal, e indicando que a sua sede é na Rua ………, n.º…., ……., que o seu sítio de Internet é acessível através de «www.B……..pt», que o seu contacto telefónico fixo é o …….. e o contacto de correio eletrónico é «B………@B……...pt» - cfr. doc. «13.5 Doc5_Proposta_Research_2018» inserto no «PA» e doc. de fls. 485/515 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
XX) A ferramenta/plataforma «……..» mostra-se titulada pela «B……… - Estudos, Tratamentos e Gestão de Informação, Ld.ª», tendo a mesma outorgado com a «B……… Research, Unipessoal, Ld.ª» acordo escrito denominado de «contrato de utilização de plataformas eletrónicas», datado de 30.03.2015, nos termos do qual a primeira cedeu à segunda «os direitos de utilização das marcas B……….., …….. e ……..» e das «plataformas eletrónicas (…): a “……..”; e b) “…….. APP”», extraindo-se da sua cláusula 3.1. que «[p]ela utilização das Plataformas referidas na Cláusula Primeira, a B…….. RESEARCH pagará à B………. a quantia anual de € 2000 (dois mil euros) até 10 perfis de informação diferentes e € 3000 (três mil euros) acima de 10 perfis de informação diferentes» - cfr. doc. «13.6 Doc6_Contrato_........» inserto no «PA» e doc. de fls. 516/519 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
XXI) A «B………. Research, Unipessoal, Ld.ª», no âmbito do presente concurso e nas peças apresentadas quanto «métodos adotados para garantia de qualidade», explicitou que iria disponibilizar: «o acompanhamento permanente (24/7) por um técnico do departamento informático da B………» e «o acompanhamento permanente (24/7) de um gestor de conta garantindo uma resposta imediata a todas as questões», sendo que em todas as páginas documentos que instruem a proposta apresentada pela mesma encontramos no seu rodapé a identificação «B…….. RESEARCH - Ajuste Direto n.º 79/2018» - cfr. doc. «13.8 Doc8_Esclarecimentos_Research» inserto no «PA» e doc. de fls. 524 dos presentes autos cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
XXII) O carimbo da «B………. Research, Unipessoal, Ld.ª» apenas tem a referência «B………» - cfr. doc. «13.7 Doc7_Contrato_Research_Governo_Regional_Acores» inserto no «PA» e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
XXIII) Dão-se aqui como reproduzidos o teor do relatório corporativo e dos relatórios financeiro resumido e financeiro detalhado apresentados pela «B……… Research, Unipessoal, Ld.ª» e referentes aos anos de 2015 a 2017 - cfr. docs. insertos a fls. 101 a 194 dos presentes autos.
XXIV) Os presentes autos foram instaurados em 10.10.2018 - cfr. fls. 26/29 dos mesmos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

«*»

DE DIREITO
8. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação do mérito da pretensão que se mostra formulada.

9. Sustenta a A. que o ato adjudicatório impugnado padece de ilegalidade conducente à sua invalidade dada a infração do disposto, mormente, nos arts. 55.º, n.º 1, al. b), e 70.º, n.º 2, al. f), ambos do CCP, 280.º do CC, 03.º e 04.º do CPA, porquanto a Contrainteressada estaria impedida de participar no procedimento em presença já que a mesma mais não é que um «testa de ferro» da sociedade «B…….. - Estudos, Tratamentos e Gestão de Informação, Ld.ª», tendo sido constituída com o único fito fraudulento de «ultrapassar» ou «tornear» a proibição de participação em procedimentos de contratação pública por parte daquela sociedade nos termos da al. b) do n.º 1 do referido art. 55.º do CCP mercê de a mesma sociedade e sua sócia gerente haverem sido condenadas criminalmente pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada.
Analisemos.

10. A participação num procedimento de formação de contrato público por parte de candidato/concorrente de modo a lograr vir a celebrá-lo encontra-se sujeita a requisitos [gerais (comuns a todos os procedimentos e que consistem: i) capacidade para contratar; e ii) ausência de impedimentos) e especiais (específicos de alguns procedimentos)], cujo não preenchimento ou inobservância conduz à exclusão do candidato/concorrente, cientes de que no quadro do direito interno inexiste distinção entre motivos de impedimento/exclusão facultativos e obrigatórios, pois os impedimentos são todos obrigatórios uma vez e quando preenchida uma das situações previstas no n.º 1 do art. 55.º do CCP, tudo sem prejuízo das situações insertas no art. 55.º-A do mesmo Código de relevação dos impedimentos.

11. Mostra-se como consensual o entendimento de que a matéria relativa à participação nos procedimentos de adjudicação de contratos públicos, o direito de aceder aos contratos públicos, se encontra enformado e conformado pelos princípios da concorrência [da máxima abertura à mesma], da liberdade de iniciativa económica, da igualdade concorrencial e do favorecimento à participação, mas, não sendo os mesmos princípios de aplicação absoluta ou irrestrita e carecendo a matéria da consideração de outros imperativos de otimização da mesma, temos que importa, ainda, para uma sã e reputada contratação pública, convocar outros princípios, como os da proporcionalidade, da legalidade, da transparência, da boa-fé e da prossecução do interesse público.

12. Será à luz de todos estes princípios que devem ser analisados e interpretados os requisitos de participação [gerais e especiais], e, mormente, as regras de exclusão ou de impedimento à participação, cientes de que, por contenderem com a concorrência e a liberdade de iniciativa económica, com o direito de em condições de igualdade aceder aos contratos públicos e às vantagens por estes conferidas, serão ilegítimas quaisquer restrições ou limitações desproporcionadas ou que não se encontrem estribadas em razões/motivações atendíveis de interesse público contratual, de interesse geral, mormente, as que não se prendam com as exigências de ética e de moralidade na contratação pública, ou com as garantias de seriedade e de fiabilidade dos contratados tendentes a minimizar riscos de incumprimento ou de má execução dos contratos por parte daqueles.

13. De notar, ainda, de que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE] produzida no quadro das anteriores Diretivas que foram disciplinando a matéria [cfr., nomeadamente, Diretiva n.º 93/37/CEE (seu art. 24.º), Diretiva n.º 92/50/CEE (seu art. 29.º), Diretiva n.º 2004/18/CE (seu art. 45.º)], mas com plena valia no quadro da atual Diretiva 2014/24/UE [seu art. 57.º] [relativa contratos públicos e que veio revogar aquela última], não se «prevê uma aplicação uniforme das causas de exclusão que aí são indicadas, a nível da União, na medida em que os Estados-Membros têm a faculdade de não aplicar essas causas de exclusão ou de as integrar na regulamentação nacional com um grau de rigor que poderá variar consoante os casos, em função de considerações de ordem jurídica, económica ou social que prevaleçam a nível nacional», tendo os Estados-Membros o «poder de simplificar ou de flexibilizar os critérios estabelecidos nessa disposição», sendo que tal «enumeração taxativa não exclui, porém, a faculdade de os Estados-Membros manterem ou estabelecerem, além destas causas de exclusão, regras materiais destinadas, designadamente, a garantir, em matéria de contratos públicos, o respeito pelos princípios da igualdade de tratamento de todos os proponentes e da transparência, que constituem a base das diretivas comunitárias relativas aos processos de adjudicação dos contratos públicos, mas com a condição de que o princípio da proporcionalidade seja observado» [cfr., entre outros, Acs. do TJUE de 09.02.2006, «La Cascina e o.» (C-226/04 e C-228/04, § 22), de 16.12.2008, «Michaniki» (C-213/07, § 43), de 19.05.2009, «Assitur» (C-538/07, §§ 20 e 21), de 14.12.2016, «Connexxion Taxi Services» (C-171/15, § 29, e jurisprudência aí referida), e de 20.12.2017, «Mantovani SpA» (C-178/16, § 31), todos consultáveis in: «www.curia.europa.eu/juris/» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos do referido Tribunal sem expressa referência em contrário].

14. Não merecendo discussão nos autos a verificação in casu do requisito geral da capacidade para contratar por parte da concorrente adjudicatária temos que constitui objeto de litígio o preenchimento ou não pela mesma daquilo que se denomina de «requisito geral de caráter negativo» de participação, ou seja, determinar ou saber se a mesma concorrente estava impedida ou incorria em alguma causa ou motivo de exclusão do procedimento tal como disciplinado no art. 55.º do CCP, em concreto, se estava abrangida pela previsão da al. b) do n.º 1 do referido preceito, cientes de que as demais alíneas e números do citado artigo resultam afastados na situação concreta presente o seu teor e a factualidade fixada e, bem assim, do que se mostra alegado/discutido no procedimento e nos autos.

15. Resulta disposto no normativo em referência e quanto ao concreto impedimento ora em discussão que «[n]ão podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que: (…) b) Tenham sido condenadas por sentença transitada em julgado por qualquer crime que afete a sua honorabilidade profissional, no caso de pessoas singulares, ou, no caso de pessoas coletivas, quando tenham sido condenados por aqueles crimes a pessoa coletiva ou os titulares dos seus órgãos sociais de administração, direção ou gerência, e estes se encontrem em efetividade de funções, em qualquer dos casos sem que entretanto tenha ocorrido a respetiva reabilitação».

16. E do art. 55.º-A do CCP resulta, ainda, com interesse que «[o] candidato ou concorrente que se encontre numa das situações referidas nas alíneas b), c), g), h) ou l) do n.º 1 do artigo anterior pode demonstrar que as medidas por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua idoneidade para a execução do contrato e a não afetação dos interesses que justificam aqueles impedimentos, não obstante a existência abstrata de causa de exclusão, nomeadamente através de: a) Demonstração de que ressarciu ou tomou medidas para ressarcir eventuais danos causados pela infração penal ou falta grave; b) Esclarecimento integral dos factos e circunstâncias por meio de colaboração ativa com as autoridades competentes; c) Adoção de medidas técnicas, organizativas e de pessoal suficientemente concretas e adequadas para evitar outras infrações penais ou faltas graves» [n.º 2], e que «[t]endo por base os elementos referidos no número anterior, bem como a gravidade e as circunstâncias específicas da infração ou falta cometida, a entidade adjudicante pode tomar a decisão de não relevar o impedimento» [n.º 3], na certeza de que «[a]s sanções de proibição de participação em procedimentos de formação de contratos públicos que tenham sido aplicadas, ou consideradas válidas mediante decisão transitada em julgado, não são passíveis de relevação nos termos do presente artigo» [n.º 4].

17. Subjacente ao concreto impedimento de participação em procedimento e consequente impedimento à celebração do contrato estão, como ressalta claro e evidente dos seus termos, razões e exigências de moralidade e de ética na contratação pública e de idoneidade profissional de candidatos e concorrentes, impedimento com o qual se visa acautelar também a própria Administração Pública adjudicante, na sua imagem e no seu património, obviando e prevenindo riscos reputacionais, de integridade e de idoneidade do procedimento e na cabal execução e satisfação das necessidades públicas do objeto do mesmo procedimento.

18. Ora dos termos do teor do concreto impedimento em questão resulta a exigência para o seu preenchimento, no que releva para a discussão do litígio, da existência de uma condenação penal, transitada em julgado, pela prática de um crime/delito relacionado com a «honorabilidade profissional», ou seja, com uma «conduta profissional», da pessoa candidata ou concorrente ao procedimento e/ou, ainda, quando a pessoa seja um ente coletivo dos titulares em efetividade de funções nos seus órgãos sociais [de administração, de direção, de supervisão ou de gerência ou que tenha poderes de representação, decisão ou controlo nesses órgãos - cfr. arts. 57.º, n.º 1, § 2.º da Diretiva n.º 2014/24/UE e 55.º, n.º 1, al. b), do CCP], sem que, entretanto, tenha ocorrido a respetiva reabilitação, por decorrido o prazo de duração do impedimento contado da sentença condenatória transitada em julgado [in casu 03 anos - cfr. art. 57.º, n.ºs 4 e 7, da referida Diretiva] e com cancelamento definitivo do certificado de registo criminal [CRC].

19. E no leque da criminalidade a atender no quadro específico do impedimento em presença, necessariamente diverso do elenco já constante da al. h) do n.º 1 do art. 55.º do CCP, estarão, desde logo, os delitos que se prendem com a infração, pelos candidatos/concorrentes e seus membros/titulares em efetividade de funções nos órgãos sociais, de leis em matéria de ambiente, de emprego, de segurança e de saúde no local de trabalho, mas, também, os delitos respeitantes a infrações fiscais e previdenciais, a infrações contra a saúde pública e a economia nacional, ou a delitos como a insolvência dolosa, o favorecimento de credores, a apropriação ilegítima, a administração danosa, a concorrência ilícita e desleal, a falsificação [v.g., «emissão de faturas falsas» - Ac. TJUE de 20.12.2017, «Mantovani SpA» (C-178/16, § 39)].

20. Discute-se nos autos se a Contrainteressada, enquanto sociedade unipessoal por quotas, que tem como sua única sócia pessoa singular que, enquanto sócia gerente de uma outra sociedade por quotas, havia sido condenada por sentença transitada em julgado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada [relativamente a factos ocorridos entre fevereiro a abril de 2014], previsto e punido pelos arts. 06.º e 105.º, n.ºs 1, 2, 4, als. a) e b), e 7, ambos da Lei n.º 15/2001, se mostra abrangida pelo impedimento de participação inserto na al. b) do n.º 1 do art. 55.º do CCP.

21. Tal como decorre, nomeadamente da jurisprudência do TJUE, a imputação à pessoa coletiva «parte da premissa de que as pessoas coletivas atuam por intermédio dos seus representantes» e de que o «comportamento contrário à honorabilidade profissional destes pode, portanto, constituir um fator relevante para apreciar a honorabilidade profissional de uma empresa», razão pela qual «os Estados-Membros podem perfeitamente ter em conta, no âmbito do exercício da sua competência para fixar as condições de aplicação das causas de exclusão facultativas, de entre os elementos relevantes para apreciar a integridade da empresa proponente, a existência eventual de condutas de administradores dessa empresa contrárias à honorabilidade profissional» e sendo certo que «o artigo 45.º, n.º 1, in fine, da Diretiva 2004/18 admite, no contexto das causas de exclusão obrigatórias, que o direito nacional possa ter em conta a existência de condutas repreensíveis por parte dos administradores da pessoa coletiva. Nada se opõe, portanto, a que os Estados-Membros, quando aplicam a causa de exclusão prevista no artigo 45.º, n.º 2, primeiro parágrafo, alínea c), da Diretiva 2004/18, considerem que a conduta de um administrador que representa a empresa proponente seja imputável à mesma» e que no contexto da referida causa de exclusão «as condutas dos administradores de um proponente constituído como pessoa coletiva não pode, portanto, ser considerado uma “extensão” do âmbito de aplicação dessa causa de exclusão, antes constituindo uma aplicação desse âmbito que preserva o efeito útil da referida causa de exclusão» [cfr., entre outros, Ac. do TJUE de 20.12.2017, «Mantovani SpA» (C-178/16, §§ 34 a 36)].

22. Se é certo que os motivos de impedimento/exclusão se caraterizam, como vimos pela jurisprudência do TJUE, pela taxatividade e que a regra se cinge, quanto à alínea em questão, aos motivos de exclusão, estribados em dados/elementos objetivos, relacionados com honorabilidade/qualidades profissionais dos candidatos/concorrentes ou, no caso das pessoas coletivas, ainda dos respetivos dirigentes, temos ainda assim que, tal como é permitido e admitido pela mesma jurisprudência, se atenda, para além daqueles motivos, a outras medidas de exclusão que se destinem a garantir a observância e respeito doutros princípios gerais presentes e prosseguidos também nesta matéria [cfr., entre outros, Acs. do TJUE de 16.12.2008, «Michaniki» (C-213/07, §§ 47 e 48), de 19.05.2009, «Assitur» (C-538/07, §§ 20 e 21), de 17.05.2018, «Šiaulių regiono atliekų tvarkymo centras» (C-531/16, §§ 29, 33 e 38)] e, nessa medida, «nos termos do direito da União Europeia, a exclusão de operadores económicos pode ser determinada em quaisquer casos para garantir o respeito dos princípios gerais, e, portanto, sem fundamento numa regra específica, que defina de forma objetiva um motivo de exclusão» [cfr. Pedro Costa Gonçalves, in: «Direito dos Contratos Públicos», 3.ª Ed., vol. I, pág. 684].

23. No caso sub specie estamos confrontados, como referido, com a proposta da Contrainteressada, apresentada em 04.07.2018 no âmbito de procedimento pré-contratual de consulta prévia aberto em 15.06.2018, sendo uma sociedade unipessoal por quotas, cuja sua sócia única, uma pessoa singular [D……….], havia sido, enquanto gerente de uma outra sociedade por quotas, de que igualmente é sócia maioritária, condenada por sentença [datada de 15.12.2015 e transitada em julgado em 27.01.2016] pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, e em que a gerente da sociedade Contrainteressada é uma funcionária daquela outra mesma sociedade por quotas que, igualmente, havia sido condenada na mesma decisão por idêntico crime [cfr., nomeadamente, os n.ºs I), II), III), XII) a XVI), da matéria de facto apurada].

24. Se nos planos civil/mercantil e em termos gerais a situação ora descrita e assim como o ato de constituição da sociedade unipessoal por quotas e o seu registo, conferidor da personalidade jurídica da mesma sociedade [cfr., mormente, o art. 05.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)], podem não oferecer ou suscitar dúvidas ou reparos de maior, temos que já o mesmo não se pode afirmar e concluir se considerados em sede de contratação pública e sob o prisma das regras/condições de acesso e participação na mesma, ou seja, daquilo que são as razões e exigências subjacentes àquela contratação de moralidade e de ética e, bem assim, de reputação da Administração Pública adjudicante, bem como de integridade e idoneidade profissional de candidatos/concorrentes e futuros adjudicatários com quem aquela interage e contrata.

25. Com efeito, a sócia D………. encontrava-se impedida nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 55.º do CCP de aceder aos mercados públicos, à contratação pública, tal como a sociedade «B……. …, Ld.ª», impedimento esse estribado na condenação penal sofrida por delito relacionado com a «honorabilidade profissional» da mesma, enquanto gerente daquela sociedade por quotas, e na qual era e é, ainda, sua sócia maioritária.

26. Face a tal impedimento e estando a ambas vedado, ou proibido, o acesso ou a participação em procedimentos de formação de contratos públicos temos que a ação desenvolvida de constituição de uma outra sociedade, ora unipessoal, com capital social de 100,00 € e em que aquela D………. figura como sócia única e a gerência se mostra conferida a uma funcionária daquela outra sociedade que, conjuntamente com aquela sócia, havia sido condenada, se apresenta, no estrito âmbito da contratação pública, como um meio ou um mecanismo criado para «tornear» ou «esvaziar» aquilo que eram as consequências ou os efeitos negativos e nefastos decorrentes da sentença condenatória para aqueles condenados, nomeadamente em termos patrimoniais.

27. Tal como aludido supra o propósito e fim último que está subjacente a este impedimento é o de proibir o acesso/participação em procedimento de formação de contrato público e o de vir a celebrar o contrato em decorrência do procedimento a pessoas [singulares/coletivas (e quanto a estas incluindo também as condenações que hajam recaído sobre seus dirigentes)] que, por sentença judicial transitada em julgado, hajam sido condenadas por delito respeitante à sua honorabilidade profissional, tornando-as, na relação com a entidade adjudicante, inidóneas para vir a contratar, não sendo nessa medida aceitável que tais pessoas, sem que previamente se mostrem reabilitadas, possam aceder aos dinheiros públicos, através da contratação pública e dela retirarem proventos, quando desenvolveram comportamento ilícito/culposo violador de bens jurídicos de valores/padrões tutelados em termos penais e que assim foi considerado por decisão judicial definitiva.

28. Daí que promovendo-se através do impedimento/exclusão em crise o afastamento da contratação pública de todos os agentes/operadores económicos que revelaram falta de idoneidade profissional, mercê de se haverem desviado na sua atuação e conduta daquilo que são os padrões éticos e de integridade exigidos na atuação de cada um no quadro relacional e de vivência em sociedade, fazendo temer pela manutenção de uma sã, reputada e integra contratação pública, assente em atuações e padrões de seriedade, de ética e de fiabilidade por parte de todos os operadores nela envolvidos, temos que as razões que estão subjacentes ao impedimento permanecem inteiramente válidas e operantes quando somos confrontados com uma situação fáctico-jurídica como a sub specie.

29. Não se pondo em causa o direito que assiste à generalidade das pessoas de constituir pessoas coletivas e de exercer atividade por intermédio delas, percebendo e extraindo, consequentemente, os respetivos benefícios, importa, todavia, ter presente que esse direito não poderá ser «instrumentalizado» ou «desvirtuado» de modo a vir a permitir atingir ou prosseguir fins que efetiva e materialmente não são legítimos ou conformes a juridicidade, com o Direito [cfr., nomeadamente, o art. 03.º do CPA].

30. É que se, como vimos, a sociedade unipessoal por quotas tem e se mostra dotada de personalidade jurídica própria, tal não significa que a sua personalização, em termos de grau e/ou da sua intensidade, se aproximem ou se equiparem a outros sujeitos, já que a unipessoalidade implica ou aporta a necessidade de algumas adaptações a esse nível, falando-se, inclusive, de que a personalidade destas sociedades é «relativa».

31. Nessa medida, acabando a sociedade unipessoal por se mostrar ou se encontrar ao serviço do interesse de um único indivíduo [o seu único sócio], e em que a personalidade da mesma sociedade constitui um desdobramento da personalidade daquele seu sócio e as decisões sociais são do mesmo sócio, que determina sozinho a vontade da sociedade, não podemos in casu deixar de considerar como igualmente impedida para o procedimento em presença a sociedade Contrainteressada, já que a mesma, na sua essência, mais não constitui que mero desdobramento da personalidade e veículo transmissor da vontade da sua única sócia [D………], enquanto simples instrumento «artificial» criado no plano formal e destinado a conferir a esta, para efeitos de contratação pública e de acesso/participação na mesma, a idoneidade, seriedade e integridade que lhe faltavam pelo facto daquela haver sido condenada penalmente por delito respeitante à sua honorabilidade profissional e que a tornavam inidónea para aceder e participar no procedimento.

32. Na verdade, lido e interpretado o impedimento em questão na sua teleologia, naquilo que são as suas razões, propósitos e exigências, não podemos deixar de considerar como se mostrando abrangidas no seu âmbito ou extensão as situações em que os operadores económicos, uma vez impedidos por condenação penal definitiva que os torna inidóneos para acederem/participarem em procedimento de formação de contrato público, procurem ou façam uso de mecanismos e/ou de meios que, ao arrepio e em absoluto entorse das consequências e efeitos penais da decisão judicial punitiva e das regras e condições de e para a reabilitação, lhes permitam ter acesso e participação àquele procedimento em total subversão dos princípios e interesses prosseguidos, pervertendo-os e/ou fraudando-os.

33. Não pode aceitar-se como legítima a «instrumentalização» de um mecanismo ou de uma figura por parte de determinado sujeito para prosseguir fins que se lhe mostram vedados e que lhe não são permitidos [participação em procedimento de formação de contrato público para o qual estava impedido torneando a limitação legal decorrente da sua condenação judicial, transitada em julgado, por crime praticado no exercício da sua atividade profissional e que afeta a sua honorabilidade profissional], pois tais fins não são aqueles que a lei permite para a sua constituição ou uso, cientes, ainda, de que a personalização jurídica da sociedade unipessoal tem de se considerar como condicionada ou exigindo o respeito pelos específicos fins prosseguidos pela lei com a sua admissibilidade, e, de entre os mesmos, não se contam certamente os de permitir a um operador económico que se encontra impedido de, através da constituição de uma sociedade unipessoal, «tornear» limitações ou proibições legais que sobre o mesmo impendam, «fraudando» ou «contornando» os efeitos e os fins de interesse público geral.

34. E o reconhecimento da existência de uma tal «instrumentalização» sai ainda corroborado ou reforçado quando se mostra apurado que a Contrainteressada tem o mesmo sítio de Internet [«www.B……..pt»] e os mesmos contactos de telefónico fixo […….] e de correio eletrónico [«B…….@B………pt»] que os detidos pela sociedade «B……… - Estudos, Tratamentos e Gestão de Informação, Ld.ª», para além da similitude que se constata na comparação gráfica entre propostas de cada uma das sociedades apresentou em diversos procedimentos de formação de contratos públicos, mormente uma paleta cromática idêntica, com a mesma base em azul dégradé, o mesmo tipo de letra e de apresentação esquemática [cfr., nomeadamente, os n.ºs XII), XV), XVIII) e XIX) da factualidade apurada].

35. O que se concluiu quanto à natureza e função que foi desempenhada no âmbito do procedimento em presença por tal «expediente» não sai beliscado, nem é posto em causa, pelo facto daquela sociedade unipessoal, ora Contrainteressada, haver sido constituída ainda antes de ter havido a condenação da sua única sócia, já que, independentemente do momento constitutivo, o impedimento desta última sempre se projetaria sobre o «novo» ente societário «criado», não colhendo a «fuga» ao impedimento da direção deste ente, «tentada» com o recurso à atribuição da função de gerência a uma pessoa singular [E...........], que é funcionária da sociedade «B……… …, Ld.ª» [sua diretora comercial], sociedade igualmente condenada pelo mesmo delito e em que é sua sócia maioritária a sócia única na sociedade Contrainteressada, porquanto também ao mesmo presidiram os mesmos propósitos de «contornar» ou «tornear» apontados supra, pois, na ausência da existência de impedimento legal de participação da sua única sócia, o natural e normal era que esta seria a gerente e só não o foi porque, sendo-o, o «novo» ente societário ficaria logo direta e literalmente abrangido pelo impedimento inserto no comando em questão.

36. O impedimento inscrito na al. b) do n.º 1 do art. 55.º do CCP abrange ou abarca, pois, em seu seio também este tipo de situações, cientes de que os impedimentos em matéria de participação no quadro da contratação pública, legalmente previstos e que operam ope legis, não constituem, nem podem ser considerados, como sanção ou medida punitiva, não assistindo aos mesmos finalidades ou fins punitivos, mas, antes, de proteção da integridade e reputação da contratação pública e das entidades adjudicantes, promovendo a ética e a moralidade no e do procedimento de formação da vontade de contratar.

37. Em decorrência do afirmado, temos que padece de ilegalidade a participação da Contrainteressada no procedimento de consulta prévia n.º 2018/BIB/79, aludido em I) da factualidade apurada, já que em infração do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 55.º do CCP, na certeza de que in casu, nem, por um lado, se mostra aduzida e/ou minimamente demonstrada no procedimento ou no presente processo judicial qualquer realidade factual integrante do regime de relevação do impedimento vertido nos n.ºs 2 a 4 do art. 55.º- A do CCP, nem, por outro lado, do teor dos n.ºs I), II), VII), XI), XII), XIII), XIV), XV), da factualidade apurada e do disposto na parte final da al. b) do n.º 1 do art. 55.º do mesmo Código, se havia produzido a reabilitação da sua única sócia, D………., já que a mesma apenas viu cancelada do seu CRC a condenação penal sofrida e «para fins de concursos públicos [contratação pública]», pelo «TEP» de Lisboa por decisão de 10.07.2018, ou seja, depois da sociedade Contrainteressada, estando impedida, haver participado no procedimento, mediante apresentação da sua proposta em 04.07.2018, apresentação essa, como tal, em infração do quadro normativo convocado e que, por não poder ter sido apresentada válida e legalmente no procedimento, inquina o ato adjudicatório e contrato que veio a ser celebrado em sua decorrência.

38. Assim, na procedência do fundamento de ilegalidade acometido ao ato adjudicatório impugnado impõe-se julgar totalmente procedente a presente ação com todas as legais consequências.




DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) julgar totalmente procedente a presente ação administrativa, anulando o ato adjudicatório impugnado proferido no âmbito do «Consulta pública n.º 2018/BIB/79 - Fornecimento de um serviço de gestão de informação de imprensa, de rádio e de televisão», condenando a R. ainda a excluir a proposta apresentada pela concorrente «B……… Research, Unipessoal, Ld.ª», com as legais consequências;
B) condenar a R. a adjudicar à proposta apresentada pela A. o procedimento de formação do contrato em referência.

Custas a cargo da R. e da Contrainteressada.
D.N..



Lisboa, 11 de julho de 2019. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.