Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01222/22.9BEPRT
Data do Acordão:05/25/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RENDA APOIADA
DESPEJO
Sumário:Não é de admitir a revista, sobre questão relativa ao pressuposto do interesse em agir, de uma decisão unânime das instâncias e que aparentemente é correcta.
Nº Convencional:JSTA000P31047
Nº do Documento:SA12023052501222/22
Data de Entrada:05/19/2023
Recorrente:IHRU - INSTITUTO DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA, I.P.
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. INSTITUTO DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA [IHRU] - autor desta acção administrativa - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAN - de 10.02.2023 - que negou provimento à sua apelação e manteve o decidido pelo TAF do Porto - em 06.06.2022 - no sentido de julgar verificada a excepção dilatória da falta de interesse em agir, e, em consequência, indeferir liminarmente a sua petição inicial.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito».

A recorrida - AA - não contra-alegou.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O autor desta acção administrativa - IHRU - demandou a ré - AA - pedindo ao tribunal que decrete a resolução do contrato de arrendamento - entre eles celebrado no «regime jurídico do arrendamento apoiado» - e a condene a pagar-lhe, com juros, as rendas vencidas e vincendas até à entrega efectiva do imóvel.

Os tribunais de instância - TAF do Porto e TCAN - foram unânimes em julgar verificada a falta de interesse em agir, pondo fim à instância. De facto, o autor apelou para o TCAN da sentença proferida pelo TAF imputando-lhe erro de julgamento de direito já que não tem meios de autotutela - declarativa ou executiva - para proceder ao despejo.

Pelo acórdão ora recorrido foi negado provimento à apelação, e confirmada a sentença do TAF. Para tanto, e, em síntese, o acórdão recorrido teve em conta o disposto nos artigos 17º, nº3, 28º, 28º-A e 35º, nº3, da Lei nº81/2014, de 19.12, na redacção dada pela Lei nº32/2016, de 24.08, que estabelece o novo regime de arrendamento apoiado para habitação, atribuindo a «competência da decisão de despejo» - como é o caso - aos dirigentes máximos dos conselhos de administração, ou dos órgãos executivos das entidades referidas no artigo 2º, nº1, daquele diploma, consoante o caso.

Referiu o acórdão, nomeadamente, o seguinte: «O legislador elencou as matérias a que cabe a competência aos tribunais administrativos, especificando-as como sendo apenas a matéria da invalidade e da cessação do contrato, pois no demais, a competência é atribuída aos órgãos administrativos, nos exactos termos em que a lei o definir. No que respeita ao despejo, estabelece o artigo 28º da Lei nº81/2014, de 19.12, na redacção dada pela Lei nº32/2016, de 24.08, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao ora autor levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão de despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no nº1 do artigo 2º […]. O que implica que a lei consagrou o exercício do poder administrativo de autotutela declarativa e executiva, excluindo a competência jurisdicional dos tribunais administrativos […] Neste caso, apenas sendo contestada a decisão administrativa de resolução do contrato de arrendamento e do despejo administrativo pelo inquilino, se atribui a uma entidade terceira imparcial e independente a resolução do litígio, isto é, aos tribunais administrativos, mediante a instauração de acção administrativa ou as vias de resolução alternativa de conflitos. Não sendo impugnada a decisão administrativa, não existe litígio que careça de ser judicialmente apreciado […] Portanto, o autor dispõe de meios de autotutela - declarativa e executiva - que lhe permitem alcançar os fins visados com a propositura desta acção, designadamente no que respeita à determinação e execução do despejo/desocupação do fogo ocupado, nos termos da disciplina prevista no artigo 28º da Lei nº32/2016, de 24.08. À falta de necessidade de tutela jurisdicional por parte do autor, corresponde a falta de interesse processual ou interesse em agir».

Na presente pretensão de «revista» o recorrente reitera que «não dispõe de meios de autotutela» para proceder ao despejo, e que o legislador, com as «alterações» feitas à Lei nº81/2014, de 19.12 - pela Lei nº32/2016, de 24.08 - optou por enveredar pelo despejo judicial afastando o despejo administrativo neste âmbito do «regime do arrendamento apoiado». E que ao assim não entender, o acórdão recorrido fez uma errada aplicação do pressuposto processual do interesse em agir, violando o disposto na Lei nº81/2014, de 19.12 - com as alterações feitas pela Lei 32/2016, de 24.08 -, os artigos 179º e 180º do CPA, 1083º e 1084º do CC, resultando, além disso, preteridos os princípios da igualdade, do acesso ao direito, e da tutela jurisdicional efectiva - artigos 13º e 20º da CRP.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, neste caso concreto, atento o que é alegado pelo recorrente, apenas se está em causa um claro erro de julgamento que induza a clara necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito.

Ora, cumprirá ressaltar, à cabeça, que as duas instâncias foram unânimes em «julgar» procedente a falta de interesse em agir, pondo assim fim à instância, o que, embora não garantindo a total correcção do julgado, constitui sinal, relevante, do seu aparente acerto. E a verdade é que, feita a apreciação «preliminar e sumária» que nos compete, o julgamento feito mostra-se alicerçado em interpretação coerente, e aparentemente acertada das normas jurídicas chamadas a intervir. Não detectamos nele qualquer erro de direito ostensivo, manifesto, a reclamar a intervenção do tribunal de revista, sendo que o ora recorrente não é convincente nas suas alegações, pois nada contrapõe, em concreto, quanto à interpretação que as instâncias fizeram, de forma convergente, do mecanismo previsto no artigo 28º, nºs 1 e 2, da Lei 81/2014, de 19.12, de atribuição da competência da decisão de despejo, bem como dos procedimentos subsequentes, à via administrativa. O acórdão recorrido mostra-se inclusivamente fundamentado em vária jurisprudência dos tribunais superiores desta jurisdição e da jurisdição comum.

Assim, não se justifica a admissão da «revista», não se vendo que seja necessária para uma melhor aplicação do direito. A sua admissão redundaria numa 3ª instância, o que não é permitido pela lei.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto pelo IHRU.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 25 de Maio de 2023. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.