Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01/20.2BALSB
Data do Acordão:09/30/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IVA
CÁLCULO PRO RATA
CIVA
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe, para além do mais, que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do art. 25.º RJAT), o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas.
II - Por acórdão de 10 de Julho de 2014, proferido no processo C-183/13, o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
III - Essa interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia é igualmente aplicável quando a questão seja a de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos.
Nº Convencional:JSTA000P26410
Nº do Documento:SAP2020093001/20
Data de Entrada:01/06/2020
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, SGPSA, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 11/2019-T.”

1. RELATÓRIO

1.1 A AT veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, para uniformização de jurisprudência, da decisão arbitral proferida em 18 de Novembro de 2019 pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no processo n.º 11/2019-T (Disponível em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=11%2F2019&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=4408.), por oposição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 15 de Novembro de 2017 no processo com o n.º 485/17 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/306d68b8ec0b1c8b802581df004ee563.), tendo apresentado alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. O presente recurso confina-se ao segmento decisório em que se discute e decide da legalidade aferição da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas, isso no que respeita aos contratos de locação financeira e à correspectiva exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas se considerando para efeitos de dedução o montante de juros e outros encargos facturados.

B. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

C. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

D. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão Recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

E. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

F. Em ambos ao Acórdãos, Autora e Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA.

G. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

H. Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (12/2014 e 2010, respectivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respectivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

I. Ambas apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório: Na situação arbitral em apreço, a ora Recorrida aplicou assim uma percentagem de pro rata de 7%, por efeito do critério imposto pela Autoridade Tributária, quando, em seu entender, a percentagem de dedução deveria corresponder a 20%; No acórdão fundamento, foi calculado um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa 30.018.

J. Ambas imputam aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing.

K. Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

L. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

M. Tanto no acórdão Recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respectivas decisões situa-se em igual plano, sendo irrelevante a alegação genérica, ínsita na maioria dos Acórdãos que vêm sendo lavrados no Centro de Arbitragem Administrativa, de que ao TJUE somente cabe a interpretação dos Tratados, isto porque, perante idêntica situação de facto estava em causa saber no processo decidido pelo STA se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício-Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

N. Enquanto que no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, que os Estados-Membros «podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», já no acórdão recorrido se entendeu em sentido oposto, tendo o Tribunal arbitral concluído que se deve concluir, face à prova produzida, que: «os custos gerais se reportam a bens e serviços utilizados para efectuar tanto operações que conferem direito à dedução como operações que não conferem direito à dedução, deve ser estabelecido um pro rata de dedução, em conformidade com as disposições relevantes da Directiva IVA, na linha do entendimento expresso no acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd. E, nesse sentido, é de entender que os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis devem ser considerados, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, como um elemento constitutivo do preço da disponibilização dos veículos, não podendo ser aplicado um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios».

O. O Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

P. O Acórdão Fundamento concluiu ainda que essa restrição – patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros – vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

Q. A tese entronca com o que doutrinalmente vem defendido por Saldanha Sanches e João Gama: «O IVA suportado pela entidade isenta na sua actividade económica deve ser equivalente à receita gerada por essa mesma actividade» – v.g. Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Actividade económica, Actividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro - Junho 2006, pág. 111.

R. Atendendo ao disposto no artigo 19.º da Sexta Directiva e ao art. 23.º, n.º 1 do CIVA, o objectivo normativo é o de encontrar um modo de afastar a dedução dos custos de IVA respeitantes a actividades isentas, limitando assim o alcance da dedução adequando-a ao modo de funcionamento do sistema do IVA.

S. A jurisprudência comunitária, no Caso Polysar, C-60/90, de 20/06/1991, encontrou uma primeira solução com base na interpretação do conceito de actividade económica em termos de IVA, tendo considerado que a mera detenção de participações financeiras sem intervenção na gestão de outras empresas não constitui actividade económica, não existindo, por isso direito a qualquer dedução.

T. No caso Sofitam, C-333/91, de 22/06/1993 e, sobre o direito à dedução de uma holding mista que tinha quantificado o seu reembolso do IVA suportado sem levar em conta os dividendos que tinha recebido, o TJUE decidiu que a percepção de dividendos não entra no campo de aplicação do IVA e que, por isso os dividendos são estranhos ao sistema do direito à dedução.

U. Seguindo o método da afectação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respectivos bens será totalmente dedutível.

V. Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações.

W. No cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afectação real aqueles custos são directamente imputados e o respectivo IVA é integralmente dedutível.

X. A não ser assim, permitir-se-á um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduzirá a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.

Y. Face a todas as considerações que antecedem, e tal como decidido no processo C-183/13 – TJUE e reforçado pelo Acórdão fundamento, «há que responder à questão submetida que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um EstadoMembro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Z. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

AA. Termos em que é de concluir, também relativamente a esta matéria, dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

BB. De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se o acórdão recorrido em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica, devendo antes ser revogado e substituído por outro, convergente com o Acórdão Fundamento.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência:
- ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; E
- ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e Justiça».

1.2 O recurso foi admitido.

1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. A Recorrente vem, nos presentes autos, requerer a revogação da Decisão Arbitral proferida no processo n.º 11/2019-T em virtude de a mesma, alegadamente, se encontrar em oposição com “a jurisprudência emanada pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), prolatada no processo n.º 0485/17 em 15-11-2017”, o Acórdão fundamento.

B. Neste sentido, alega a Recorrente que, verificando-se uma identidade substancial da situação fáctica em causa em ambas as decisões, há contudo uma “contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, o que, naturalmente, leva à adopção de soluções opostas expressas”.

C. Contudo, não deve o presente recurso merecer provimento, não podendo proceder a pretensão da Recorrente.

D. Nos termos do regime legal aplicável (n.º 2 do artigo 25.º do RJAMT e artigo 152.º do CPTA), verifica-se uma efectiva oposição de acórdãos, passível de recurso, sempre que se encontrem preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas, ii) haja identidade na questão fundamental de direito, iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta.

E. Contudo, ao contrário do quanto foi alegado pela Recorrente, não se verifica uma identidade substancial entre as situações de facto em causa nos arestos aqui convocados.

F. Não existe, de igual modo, contradição entre a Decisão Recorrida e o Acórdão Fundamento ou entre aquela e a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

G. De facto, em ambas as decisões estão em causa sujeitos passivos (de IVA) que desenvolvem operações tributadas em IVA e operações isentas de imposto, vendo assim o seu direito à dedução limitado.

H. Porém, a natureza das operações desenvolvidas pelos sujeitos passivos em causa e, bem assim, os recursos utilizados (ou afectos) pelos mesmos ao desenvolvimento daquelas, são distintos e mereceram uma análise (e conclusões) distintas desse Digníssimo Tribunal.

I. No Acórdão fundamento estava em causa (apenas) a determinação da percentagem do IVA dedutível relativo aos gastos suportados relativamente ao “financiamento” e “gestão” dos contratos de locação financeira mobiliária – e não quanto aos gastos inerentes à “disponibilização” de veículos no âmbito dos contratos de locação financeira.

J. De facto, na situação em causa naquele aresto – ao contrário da situação em causa na Decisão Arbitral recorrida, o sujeito passivo não demonstrou os custos (alegadamente) suportados com a “disponibilização” de veículos. Neste sentido, nos termos dos factos provados naquele Acórdão fundamento, “a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações (…) respeitavam”; e ainda, nos termos dos factos não provados, foi considerado “não provado o seguinte facto: A) Os custos mencionados em 13) [relativos a operações que conferem ou não o direito à dedução] respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objecto dos contratos de locação”.

K. E, neste contexto, foi negado provimento àquele Recurso, decidindo então esse Digníssimo Tribunal, em linha com o Acórdão Banco Mais, proferido pelo TJUE, no processo C-183/13, de 10 de Julho de 2014.

L. Jurisprudência comunitária esta que foi no sentido que “não se opõe a que um Estado- Membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”.

M. Ademais, concluiu ainda aqui o TJUE que “embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos”.

N. Esta solução jurídica – adoptada pelo TJUE no Acórdão Banco Mais e sufragada no Acórdão fundamento – foi adoptada face a uma situação de facto em que estavam em causa (apenas) gastos relacionados com o “financiamento” e “gestão” dos contratos de locação financeira – o que não sucedeu, de todo, no processo arbitral cuja Decisão é aqui recorrida.

O. Acresce que, na situação de facto em causa neste Acórdão fundamento, a AT logrou demonstrar que a aplicação do pro rata na situação concreta conduziria a distorções significativas na tributação (condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA). O que, conforme se demonstra infra, não sucedeu na situação de facto em causa.

P. Na situação em causa na Decisão Arbitral recorrida, foram alegados, demonstrados e provados, pelo ora Recorrido, os custos suportados com a “disponibilização” de veículos, bem como os custos relativos ao financiamento e gestão dos contratos de locação.

Q. De facto, conforme logrou demonstrar e provar no processo arbitral aqui em causa, o Recorrido, no desenvolvimento da sua actividade de locação financeira mobiliária, incorre em múltiplas despesas para a disponibilização” dos veículos aos clientes, i.e. consumo de variados recursos de utilização mista, nomeadamente através da sua vasta rede de balcões de atendimento, call centers de apoio ao cliente e o software/aplicação utilizado pelos mesmos neste contexto.

R. No âmbito da referida decisão arbitral, o Douto Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada também com base na produção de prova testemunhal em audiência.

S. Tanto assim é que na decisão do CAAD se refere que “a testemunha inquirida referiu que a aquisição de viaturas aos stands automóveis pelo Banco e a concessão de crédito aos clientes para a sua aquisição constituem actividades distintas, implicando, por parte da instituição bancária, o contacto com os fornecedores dos veículos e a análise da documentação em vista à concessão de financiamento e à comunicação de entrega da viatura ao cliente”.

T. Neste âmbito, a Decisão Arbitral revela (necessariamente) uma evidente identidade factual com o Acórdão Volkswagen, proferido pelo TJUE, no processo C-153/17, de 18 de Outubro de 2018.

U. No Acórdão Recorrido (tal como sucede no Acórdão Volkswagen), a utilização dos recursos adquiridos pelo Recorrido é, igualmente, determinada pela disponibilização dos bens locados, e não somente pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira.

V. O ora Recorrido incorre, efectivamente, em diversas despesas inerentes à disponibilização das viaturas, nomeadamente a aquisição de sistemas informáticos, serviços de call center e serviços atinentes à aquisição de um software/aplicação específico, de diversos gastos gerais como água, gás, electricidade, telefones, fotocopiadoras, papel para as mesmas, os quais são utilizados pelos serviços centrais e pelos balcões da Recorrida (conforme decorre da prova testemunhal produzida no presente processo).

W. De notar que, no âmbito do Acórdão Volkswagen o TJUE traz à colação o processo Banco Mais, referindo que, neste Acórdão em concreto, se concluiu, a respeito das operações de locação financeira de automóveis, que «embora a realização de tais operações por um banco possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos”.

X. O entendimento do TJUE, no Acórdão Volkswagen, afasta-se do anteriormente sustentado no âmbito do processo Banco Mais (processo C-183/13) porquanto a utilização dos recursos adquiridos pelo Banco Mais (e, de igual forma, no Acórdão fundamento) era sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, ao passo que a utilização dos recursos adquiridos pela Volkswagen Financial Services (bem como no Acórdão Recorrido) é, também, determinada pela disponibilização dos bens locados.

Y. Também no Acórdão Recorrido, tal como sucede com a Volkswagen, a utilização dos recursos adquiridos pelo Recorrido é, igualmente, determinada pela disponibilização dos bens locados, e não tão-somente pelo financiamento e pela gestão dos correspondentes contratos de locação financeira.

Z. Na esteira das conclusões do TJUE no “Acórdão Volkswagen”, no que respeita à imposição de medidas passíveis de desconsiderar do critério de dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista o valor do bem locado no momento da sua entrega, os Estados-Membros não podem, de maneira geral, aplicar um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega.

AA. Acresce que, na situação de facto em causa nesta Decisão arbitral recorrida, a AT não veio demonstrar que a aplicação do pro rata conduziria a distorções significativas na tributação (condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA).

BB. Pelo que ficou exposto, resulta evidente que inexiste (a alegada) identidade factual entre o Acórdão fundamento e a Decisão Arbitral aqui recorrida.

CC. De facto, no Acórdão fundamento apenas foram demonstrados e provados – e, portanto, considerados na decisão – custos relativos ao “financiamento” e “gestão” no âmbito dos contratos de locação financeira;

DD. Enquanto na Decisão Arbitral recorrida foram igualmente demonstrados e provados custos inerentes à “disponibilização das viaturas”, em concreto custos associados à prestação de serviços de apoio ao cliente e inerentes à actividade de locação financeira mobiliária.

EE. Resulta, assim, evidente que a factologia em apreço na Decisão Arbitral recorrida é distinta daquela que foi apreciada no Acórdão fundamento (e no Acórdão Banco Mais do TJUE), onde não foi considerado (porque não demonstrado e não provado) o consumo de recursos para a prestação de serviços de “disponibilização” de viaturas, no âmbito de contratos de locação financeira, contrariamente ao que se verifica na Decisão Arbitral recorrida.

FF. Atenta a relevância assumida pela jurisprudência comunitária nos segmentos decisórios sub judice, cumpre reforçar que (naturalmente) também o entendimento do TJUE no Acórdão Volkswagen se afasta do anteriormente sustentado no Acórdão Banco Mais: a utilização dos recursos adquiridos pelo Banco Mais – e, de igual modo, pelo sujeito passivo em causa no Acórdão fundamento – era sobretudo determinada pelo “financiamento” e pela “gestão” dos contratos de locação financeira, enquanto a utilização dos recursos adquiridos pela Volkswagen Financial Services – e, na mesma linha, pelo sujeito passivo em causa na Decisão Arbitral recorrida, aqui Recorrido – é determinada, também, pela “disponibilização dos bens locados” – conforme resultou demonstrado e provado no âmbito do processo arbitral.

GG. Esta falta de identidade entre as decisões judiciais controvertidas resulta ainda das conclusões alcançadas pela AT num e noutro processo: se, no processo que deu origem ao Acórdão fundamento, a AT logrou demonstrar que a aplicação do método do pro rata conduziria a distorções na tributação (e por isso impôs a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA), no processo que deu origem à Decisão Arbitral recorrida, a AT não logrou efectuar aquela demonstração, não sendo assim imposta a aplicação do coeficiente de imputação directa.

HH. Ora, uma vez que a factologia que esteve na génese da Decisão Arbitral recorrida é distinta da factologia em causa no Acórdão fundamento, sempre se justificaria uma solução jurídica distinta – tal como sucedeu, em paralelo, na jurisprudência comunitária acima descrita (i.e. Acórdão Volkswagen vs. Acórdão Banco Mais).

II. O que não significa que, como pretendeu demonstrar a Recorrente, as decisões judiciais aqui em causa estejam efectivamente em situação de “conflito” – tais decisões são (necessariamente) distintas porque assentam em factos distintos.

JJ. De resto, não se compreende qual a solução jurídica pretendida pela AT, aqui Recorrente. De facto, como seria possível alcançar mesma solução jurídica para duas situações de facto (tão) distintas, como as que estão aqui em causa?

KK. De facto, não deverá causar estranheza que no Acórdão Fundamento se decida pela improcedência do pedido, na esteira do Acórdão Banco Mais, porque neste caso o sujeito passivo não logrou demonstrar que a utilização dos bens e serviços era determinada também pela disponibilização das viaturas.

LL. Assim, a solução adoptada na Decisão Arbitral, tendo determinado que, no caso sob apreciação, a utilização de bens e serviços comuns não era sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, porquanto existia uma utilização real e efectiva dos custos gerais na actividade de aquisição e disponibilização de viaturas, não contraria a solução expressa no Acórdão fundamento.

MM. Pelo contrário, resultando dos factos provados a utilização real e efectiva dos custos gerais na actividade de aquisição e disponibilização de viaturas, a conclusão de que o método imposto pela AT não é mais preciso do que o que resulta do método baseado no volume de negócios vai ao encontro da necessidade manifestada no Acórdão fundamento de que a aplicação do coeficiente de imputação directa deve permitir estabelecer com maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução: “Isto, na consideração de que (cfr. os considerandos 30 a 35 do acórdão), atendendo à redacção de tal norma, ao contexto em que se insere, aos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, e à finalidade desse mesmo preceito, resulta que qualquer Estado-Membro que exerça a faculdade ali prevista deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução”.

NN. Importa, também, referir que não só não existe contradição entre a Decisão recorrida e o Acórdão Fundamento, como de resto a solução preconizada na Decisão recorrida se encontra alinhada com a jurisprudência recente e dominante do STA, de é exemplo o Acórdão do STA de 09/10/2019 proferido no processo 0401/14.7BEPRT.

OO. Por tudo o exposto, resultando demonstrado que não se verifica a identidade das situações de facto em causa nos dois processos, que não existe contradição entre as soluções adoptadas na Decisão recorrida e no Acórdão Fundamento e que a Decisão recorrida não se encontra desconforme com a jurisprudência mais recente do STA, não estão verificados in casu os requisitos legais aplicáveis e, como tal, não pode o presente Recurso proceder, devendo ser mantida, na íntegra, a Decisão Arbitral recorrida.

PP. Em adição ao supra exposto, será sempre de realçar que a Decisão Arbitral recorrida se encontra de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do TJUE (o Acórdão Volkswagen). Assim, e tendo presente que este Tribunal Europeu se apresenta como o (único!) intérprete das disposições previstas na Directiva IVA, uma necessária interpretação sistemática da norma prevista no n.º 2 do artigo 152.º do CPTA ditará a não admissibilidade do recurso se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do TJUE.

QQ. Por último, peticiona o Recorrido que seja atendido pelo STA o Parecer apresentado pelo Magistrado do Ministério Público no âmbito do processo n.º 89/19.9BALSB – no qual o ora Recorrido é, também, parte recorrida – porquanto, em face da similitude da factualidade subjacente àquele processo.

RR. No seu parecer, concluiu o Ministério Público que “o método de cálculo de dedução do IVA relativo a bens e serviços de utilização “mista” preconizado pela Administração Tributária no ponto 9 do ofício circulado n.º 30108 de 30/01/2009, no sentido de não se incluírem os valores relativos à componente de capital das rendas recebidas como contrapartida nos contratos de locação financeira e o valor das transmissões no contratos de venda com reserva de propriedade, não é conforme o disposto no artigo 23.º do CIVA, e nessa medida insusceptível de aplicação pela Administração Tributária, por o legislador nacional não ter usado da prerrogativa conferida pela Directiva IVA nesse âmbito”, concluindo que “assim sendo, entendemos que se impõe a confirmação do decidido pelo acórdão arbitral”.

SS. Resultando claro que é entendimento do Ministério Público que a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 646/2018-T deve ser confirmada, peticiona-se que o STA tenha, também, em consideração, o entendimento do Ministério Público naquele processo e que, consequentemente, confirme o entendimento do CAAD no Acórdão aqui recorrido.

TT. E, finalmente, o Recorrido faz aqui referência ao Processo n.º 7/19.4BALSB, em que esse Douto Tribunal decidiu pela anulação da decisão ali recorrido, a Decisão Arbitral prolatada no processo nº 335/2018-T. Ora, a situação factual subjacente àquela Decisão Arbitral diferencia-se da situação factual ora em apreciação, porquanto naquele processo não foram alegados, demonstrados e provados custos inerentes à “disponibilização das viaturas” (em concreto custos associados à prestação de serviços de apoio ao cliente e inerentes à actividade de locação financeira mobiliária).

UU. De facto, a matéria de facto assente no presente processo retrata, de forma exaustiva a factualidade aqui em causa, constando dos autos toda a matéria necessária à prolação de uma decisão final - em concreto, a este respeito, remete-se para o probatório da decisão arbitral recorrida, o qual contém o detalhe de toda a matéria de facto dada como assente (em conformidade com o disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil).

VV. Assim, inexistindo dúvidas quanto à matéria de facto subjacente ao presente processo, sempre será inútil a promoção da ampliação da matéria de facto no âmbito do presente processo.

Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências Venerando Juízes Conselheiros doutamente suprirão, deverá o Recurso em apreço ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, deverá ser mantida na ordem jurídica a Decisão proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as legais consequências».

1.4 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer no qual, após enunciar os requisitos de admissibilidade do recurso, se pronunciou no sentido de que este não seja admitido, com a seguinte fundamentação: «[…]

É certo que:
-Em ambas as situações impugnante e requerente têm a natureza de sujeito passivo misto em sede IVA, exercendo actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas.
-Ambas as entidades são instituições de crédito abrangidas pelo RGICSF e exercem, entre outras, as actividades de leasing e ALD.
-Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal, por força do pro rata definitivo determinado para o respectivo período, uma vez que seguiram as instruções veiculadas pelo Ofício-Circulado n.º 30108, de 30/01/2009.
-Ambas apuraram um montante a deduzir inferior ao apurado por recurso ao pro rata provisório.
-Ambas imputam aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, uma vez que, em seu entendimento, nos termos do estatuído no artigo 23.º/4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.
Todavia, na decisão arbitral recorrida provou-se que:
-A operação de aquisição de viaturas no âmbito da concessão de crédito com reserva de propriedade é efectuada através dos balcões do Banco e requer a intervenção da Direcção de Financiamento Automóvel, envolvendo a utilização de custos gerais de funcionamento do Banco.
-Os custos imputáveis aos procedimentos de negociação da aquisição da viatura aos stands e a sua venda e disponibilização ao cliente têm um peso relevante nos custos gerais do banco não sendo fácil a afectação directa dos custos às diferentes actividades de concessão de crédito e disponibilização das viaturas.
Pela leitura que fazemos da decisão arbitral, o tribunal retirou da factualidade apurada a ilação de facto de que não se provou que os custos mistos se encontrem preponderantemente relacionados com o financiamento e a gestão dos contratos de locação financeira.
No acórdão fundamento não se provou que os custos mistos dados como assentes no ponto 13 do respectivo probatório respeitem em parte à disponibilização dos veículos objecto dos contratos de locação.
Em função da factualidade provada e não provada, na decisão fundamento, o tribunal tirou a ilação de facto de que a utilização dos bens e serviços de utilização mista foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira.
Portanto, a factualidade apurada e as ilações de facto daquela retiradas são diferentes na decisão recorrida e na decisão fundamento.
Efectivamente, enquanto na decisão recorrida se entendeu que a utilização dos bens e serviços de utilização mista não foi, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira na decisão fundamento entendeu-se, justamente, o contrário.
Ora, perante factualidade diversa impunham-se, naturalmente, decisões diversas.
Daí que na decisão arbitral recorrida se tenha seguido a posição sustentado pelo TJUE, no Processo C-153/17, no sentido de relevar a parte da renda relativa à amortização financeira para efeitos de determinação da percentagem de IVA dedutível.
Por outro lado, na decisão fundamento seguiu-se a posição sustentada pelo TJUE no Processo C-183/13, no sentido de não relevar a parte da renda conexa com a amortização financeira.
A nosso ver não se verifica oposição de decisões».

1.5 Cumpre apreciar e decidir em conferência no Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 Do julgamento da matéria de facto efectuado no acórdão arbitral recorrido resulta:

2.1.1.1 que ficaram provados os seguintes factos:

«A) A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

B) A Requerente é sujeito passivo misto para efeitos de IVA na medida em que na sua actividade realiza operações de locação financeira mobiliária, que são tributáveis e conferem o direito de dedução do imposto, e operações de financiamento e concessão de crédito, que são isentas do imposto, que não permitem a dedução de IVA.

C) No dia 10 de Fevereiro de 2015, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2014;

D) Na declaração periódica, a Requerente exclui do numerador e do denominador da fracção representativa do cálculo pro rata os valores relativos à transmissão de viaturas adquiridas no âmbito da actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade, bem como os montantes respeitantes às amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira, seguindo a posição externada pela Autoridade Tributária no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009;

E) A Requerente aplicou assim uma percentagem de pro rata de 7%, por efeito do critério imposto pela Autoridade Tributária, quando a percentagem de dedução deveria corresponder a 20%;

F) Consequentemente, o montante do imposto pago em excesso foi de € 3.091.870,19;

G) Em 2 de Janeiro de 2017, a Requerente deduziu reclamação graciosa requerendo a anulação parcial da autoliquidação de IVA referente a 2014 de que resulta a aplicação de uma percentagem de 7% de IVA incorrido em recursos de utilização mista, calculada de acordo com as instruções do ofício circulado n.º 301/08, quando de acordo com os artigos 23.º, n.ºs 1 e 4, do Código do IVA e 174.º da Directiva IVA, a percentagem de dedução devia corresponder a 20%;

H) A Reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Director do Serviço Central de 20 de Setembro de 2018, praticado com delegação de poderes, e notificado no dia 25 seguinte;

I) Na informação que serve de base ao despacho de indeferimento de reclamação graciosa considera-se, em síntese, o seguinte
Desconsideração do valor da transmissão das viaturas relativas à actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade
- Quando o A... adquire os veículos a uma entidade terceira, caso estes sejam novos, é-lhe liquidado IVA, o qual o banco recupera na íntegra (no caso de veículos usados, em princípio, não há lugar à liquidação do IVA pelo revendedor), por via do recurso ao método da imputação directa previsto no art. 20.º do CIVA, na medida, em que essa aquisição se destina a uma actividade tributada (a sua alienação ao cliente do crédito).
- Posteriormente ao vendê-lo ao cliente, o A... liquida o IVA pela totalidade do valor da alienação (mais uma vez sendo a viatura nova, caso contrário sendo usada será aplicado o regime da margem – Regime da Margem ou Regime Especial de Tributação dos bens em Segunda Mão, aprovado pelo Decreto-lei n.º 199/98, de 18 de Outubro), nos termos do disposto na alínea h) do n,º 2 do artigo 16.º do CIVA.
- Razão pela qual, não se pode afirmar que esse montante (que corresponde ao crédito concedido), deva ser incluído no cômputo do coeficiente de imputação específico obtido pela aplicação do método de afectação real, à semelhança do que sucede com a amortização financeira, como veremos adiante. Caso contrário, iria aumentar-se injustificadamente a percentagem de dedução.
- Aliás, seguindo o entendimento da Reclamante, estar-se-ia a criar situação de manifesta desigualdade de tratamento em sede de IVA.
Ou seja, a inclusão do valor destas operações no cálculo da percentagem e dedução proporcionaria uma indesejável distorção nas deduções relativas ao conjunto ao conjunto de transacções que são objecto de actividade normal do Banco (que contribuem para a obtenção do seu resultado / lucro), na medida em que possibilitaria ao A... um aumento artificial do seu coeficiente de imputação específico, que se revela como um favorecimento injustificado do A..., originando distorções significativas na tributação.
- Em reforço desse entendimento deve ainda realçar-se que a admitir-se o entendimento defendido pela Reclamante, daí resultaria que quanto maior fosse o crédito concedido (operação esta sujeita a IVA, mas dele isenta por força do disposto na alínea 21) do artigo 9.º do CIVA), maior seria a dedução de IVA que resultaria da aplicação da aplicação do coeficiente de imputação específico, o que não só não faria qualquer sentido, como, mais uma vez iria contribuir para a ocorrência de distorções significativas na tributação em sede deste imposto.
- Daí que se deva ser aplicado ao disposto no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, conjugado como entendimento constante do Ofício-Circulado n.º 30103, de 2008.04.23.
- Fica assim, inequivocamente demonstrado que este entendimento, que passa pela aplicação d coeficiente de imputação específico é o único que se mostra adequado ao apuramento da percentagem de dedução, afastando as distorções na tributação, estando de acordo com o direito comunitário e as normas de direito interno (nomeadamente, artigo 173.º e 174.º, da Directiva IVA, e o artigo 23.º do CIVA), salvaguardando o princípio da neutralidade.
Desconsideração do valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira no cálculo da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista
- A componente de capital contida nas rendas não deve onerar o cálculo da percentagem de dedução uma vez que não constitui rendimento da actividade do sujeito passivo, ao invés do que sucede com as demais variáveis que integram a fórmula, sendo que a sua consideração provocaria distorções significativas na tributação, também desvirtuaria o próprio método pro rata e todos os sistemas de dedução de IVA, ao reconhecer como dedutíveis custos que não contribuíram para a realização das operações tributadas;
- o Ofício Circulado n.º 30108, emitido ao abrigo da alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA, consigna que os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD
- segundo o entendimento do TJUE, a Sexta Directiva não se opõe a que os Estados membros apliquem um método ou critério diferente do volume de negócios, se este método for mais preciso, e, no caso concreto, o Tribunal entendeu que o método adoptado pela Administração Tributária é, em princípio, mais preciso do que o constante da Directiva, dado que considerou apenas a parte das rendas pagas que servem para compensar a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador;

L) A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, com o seguinte teor:
Assunto: IVA - Direito à dedução Regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD
Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23.º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação n.º 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte:
1. O ofício circulado n.º 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23.º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23.º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n.º 3 art. 23.º).
3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
6. Face à anterior redacção do artigo 23.º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas. No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.
7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

M) A operação de aquisição de viaturas no âmbito da concessão de crédito com reserva de propriedade é efectuada através dos balcões do Banco e requer a intervenção da Direcção de Financiamento Automóvel, envolvendo a utilização de custos gerais de funcionamento do Banco»;

2.1.1.2 que da motivação desse julgamento, consta, para além do mais, o seguinte:

«A testemunha inquirida referiu que a aquisição de viaturas aos stands automóveis pelo Banco e a concessão de crédito aos clientes para a sua aquisição constituem actividades distintas, implicando, por parte da instituição bancária, o contacto com os fornecedores dos veículos e a análise da documentação em vista à concessão de financiamento e à comunicação de entrega da viatura ao cliente. Acrescentou que existem 400 agências a que o cliente poderá dirigir-se para adquirir a viatura através de concessão de crédito, além de uma direcção de financiamento automóvel, com delegações no Porto, Golegã, Lisboa e Faro, além de um call center e bases de dados para simulação, registo da compra e venda das viaturas. A actividade de aquisição de veículos envolve a utilização de custos gerais, como seja, água, gás, electricidade, sistema informático, telefones, fotocopiadoras e papel, que têm um peso relevante na actividade do banco. Não sendo fácil a afectação directa dos custos às diferentes actividades, sendo o exemplo paradigmático a situação os balcões».

2.1.2 No acórdão fundamento, consideraram-se provados os seguintes factos:

«1) Foi emitida, pela Área de Gestão Tributária do IVA – Gabinete do Subdiretor-Geral dos Impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n.º 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:
1. O ofício circulado n.º 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23.º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23.º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n.º 3 art. 23.º).
3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o nº 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
6. Face à anterior redacção do artigo 23.º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.
No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.
7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.
Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA” (cfr. fls. 165 a 167).

2) A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em Dezembro de 1996, então com a designação B…………, SA, tendo sido indicado como objecto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176).

3) A impugnante, no exercício da sua actividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283).

4) No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respectivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283).

5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286).

6) A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22.

7) A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito.

8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente factura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).

9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente factura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).

10) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289).

11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de facturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).

12) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de facturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163).

13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.

14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:
a) Afectação real, relativo à actividade de locação financeira e à actividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo directo e imediato;
b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à actividade tributada e à actividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).

15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre Janeiro e Novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).

16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respectivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).

17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).

18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:
a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;
b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207)»

No mesmo acórdão, ainda no âmbito do julgamento da matéria de facto, ficou ainda registado:

«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n.º 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:

A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objecto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).

Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».
Assim, o regime de interposição do recurso da decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo difere do regime do recurso previsto no art. 152.º do CPTA, na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre da alínea a) do n.º 2 do referido art. 152.º (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, pág. 230.) .
Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado (art. 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e do 281.º do CPPT), como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo (Vide os seguintes acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 3 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 1136/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5de4971b1ddd0a7580257ba400383aad;
- de 18 de Setembro de 2013, proferido no processo n.º 1158/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/295e8f40a7270b6480257bf600347ab3;
- de 26 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 1470/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8e637a116db5400680257c94005c11e8.), condição verificada no caso sub judice.
Assim, e não havendo dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da Recorrente e tempestividade do recurso), há que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 DOS REQUISITOS SUBSTANCIAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

2.2.2.1 Nos termos do referido art. 25.º, n.º 2, do RJAT, que remete, com as devidas adaptações, para o art. 152.º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida para uniformização de jurisprudência são os seguintes:
i) que exista, relativamente à mesma questão fundamental de direito, contradição entre essa decisão e uma outra decisão arbitral ou de um acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito,
ii) que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2.2.2.2 Começaremos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.
Cumpre ter presente que a AT tem vindo a recorrer de idênticas decisões do CAAD com fundamento em oposição de acórdãos e invocando como fundamento o mesmo acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, recursos que o Pleno já decidiu, sempre no mesmo sentido e por unanimidade (Vide os seguintes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 20 de Maio de 2020, proferido no processo n.º 91/19.0BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/aeb5a281ce13cdc3802585760063de6a;
- de 20 de Maio de 2020, proferido no processo n.º 17/20.0BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/42f52636f58099ba80258576006484cc.).
Assim, vamos limitar-nos a remeter para o que ficou dito no acórdão proferido no processo com o n.º 17/20.9BALSB, em que as partes são as mesmas do presente processo e as alegações são em tudo idênticas no que respeita à diferente factualidade que foi dada como provada num e noutro processo, diferindo apenas quanto ao ano a que se refere o IVA em causa:
«[…] deixou-se no mesmo [acórdão arbitral recorrido] consignado o seguinte:
A prova produzida em audiência aponta consistentemente no sentido de que a aquisição de viaturas aos stands pelo banco e a concessão de crédito aos clientes para a disponibilização da viatura correspondem a actividades distintas. Como foi referido, o cliente negoceia com o stand a aquisição da viatura e dirige-se à agência bancária, informando as condições da transacção, podendo ser utilizados dois procedimentos distintos com diferente regime de custos consoante o grau de urgência na aquisição do veículo. O banco examina a documentação e encaminha o expediente para a direcção de financiamento automóvel, que contrata com o fornecedor a aquisição da viatura por parte do banco e o autoriza a entregá-la ao cliente. Existem cerca de 400 balcões do A... a que os clientes se podem dirigir para obter o financiamento, além de quatro delegações da direcção de financiamento automóvel, com sede no Porto, Golegã, Lisboa e Faro, bem como um call center e bases de dados para simulação, registo da compra e venda das viaturas, cujo funcionamento implica custos gerais de serviços. Os custos imputáveis aos procedimentos de negociação da aquisição da viatura aos stands e a sua venda e disponibilização ao cliente têm um peso relevante nos custos gerais do banco, não sendo fácil a afectação directa dos custos às diferentes actividades de concessão de crédito e disponibilização de viaturas.
Deste modo, um balcão poderá estar a realizar simultaneamente a actividade de preparação da aquisição, transmissão e disponibilização do veículo a um cliente e a actividade de preparação da concessão de crédito, não sendo possível determinar, com objectividade, o grau de utilização dos recursos em cada uma dessas actividades, e não sendo possível também recorrer, nesse condicionalismo, a um método de afectação real assente em critérios objectivos”.
Mais fundamentou que “essa proposição mostra-se ser válida, quer para o valor da transmissão das viaturas no âmbito da actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade, quer para o valor das amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira”.
E fundamentou ainda relativamente ao ónus da prova ao caso aplicável, o seguinte:
Pretendendo a Administração Tributária recorrer a um método de imputação específico com a invocação de que o método regra, no caso concreto, é susceptível de provocar distorções significativas na tributação, cabe-lhe efectuar a prova da existência do risco de distorção.
Pretendendo o sujeito passivo incluir a componente amortização na percentagem de dedução pro rata, incumbe-lhe demonstrar que os custos gerais também são consumidos, pelo menos em parte significativa, na realização das operações de locação financeira. Do mesmo modo que lhe cabe fazer a prova, para esse mesmo efeito, de que os custos gerais aproveitam à actividade de aquisição de veículos com reserva de propriedade”.
Assim sendo, resulta que o acórdão arbitral recorrido com fundamento na matéria de facto que foi apurada, sem paralelo na constante do acórdão indicado em fundamento, se expressou quanto ao direito constante de outras normas que não a invocada em oposição e consideradas no acórdão fundamento, concretizando a respeito das mesmas o ónus de prova ao caso aplicável.
Não se verifica, pois, entre os arestos em confronto contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, não apenas porque não há identidade quanto aos factos como sobretudo porque não há identidade quanto ao fundamento de direito aplicado, conforme no mesmo ficou expresso.
Conclui-se que o presente recurso não deve prosseguir para conhecimento da invocada oposição».
Assim é: o que ditou as decisões em sentido contrário no processo arbitral e no processo onde foi proferido o acórdão fundamento foi a diferente factualidade apurada num e noutro. Vejamos:
É certo que em ambas as situações sobre as quais recaíram as decisões em confronto estão em causa sujeitos passivos mistos, que desenvolvem operações tributadas em IVA (designadamente as relativas a locação financeira, vulgo leasing, e aluguer de longa duração, vulgo ALD financeiro) e operações isentas de imposto (designadamente operações de financiamento e concessão de crédito, cfr. art. 9.º, n.º 27, do CIVA), vendo assim o seu direito à dedução limitado, e que em ambas as situações estava em causa a determinação da percentagem do IVA dedutível no que se refere aos custos suportados com serviços de utilização mista (afectados indistintamente a operações tributadas como a operações isentas) (Recorde-se que, para efeitos da dedução do IVA contido nos bens e serviços adquiridos por uma sociedade que exerce actividades que conferem direito à dedução e outras que não conferem esse direito, deve adoptar-se um procedimento de imputação directa: faz-se a alocação directa dos inputs às actividades económicas a que se destinam, deduzindo a totalidade do IVA se o input for consumido numa actividade que concede o direito à dedução, ou não deduzindo qualquer parcela de IVA caso a actividade em que esse input é consumido não confira esse direito. Depois dessa fase, e relativamente aos inputs que subsistam, porque utilizados de forma indistinta ou simultânea (inputs promíscuos) para exercício de actividades que conferem e outras que não concedem o direito à dedução de IVA, deve passar-se à segunda fase do processo, da repartição do imposto residual, com aplicação das regras do art. 23.º do CIVA, ou seja, com aplicação dos métodos da percentagem (ou do pro rata) ou da afectação real, sendo que o método do pro rata só poderá ser adoptado na impossibilidade do uso de um método mais objectivo (que reflicta melhor a intensidade do uso dos bens de produção comuns aos dois ramos de actividade) e desde que não conduza a distorções de tributação.); estava em causa, mais concretamente, saber se esses custos gerais incorridos estavam preponderantemente relacionados com o financiamento e a gestão dos contratos de locação financeira e não com a disponibilização de veículos.
No entanto, nos termos do julgamento da matéria de facto efectuada num e noutro processo existe uma diferença substancial nas duas situações de facto objecto de análise.
Assim, na situação a que se refere a decisão arbitral ora recorrida foi alegado e provado, pelo ora Recorrido, que parte substancial dos custos comuns foram incorridos com a disponibilização de veículos [cfr. alínea M) dos factos provados], para além do financiamento e gestão dos contratos de locação. Na verdade, no processo arbitral o Recorrido provou que no desenvolvimento da sua actividade de locação financeira mobiliária incorre em múltiplas despesas para a disponibilização dos veículos aos clientes, i.e., consumo de variados recursos de utilização mista, nomeadamente através da sua rede de cerca de 400 balcões de atendimento, call centers de apoio ao cliente e o software/aplicação utilizado pelos mesmos neste contexto.
Já no acórdão fundamento, o sujeito passivo não demonstrou os custos alegadamente suportados com a disponibilização de veículos. Neste sentido, nos termos dos factos provados naquele Acórdão fundamento, «a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações (…) respeitavam». Do mesmo modo, nesse acórdão foi dado como facto não provado que «Os custos mencionados em 13) [relativos a operações que conferem ou não o direito à dedução] respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objecto dos contratos de locação».
Cumpre ainda ter presente que enquanto na situação do acórdão fundamento a AT demonstrou que a aplicação do pro rata na situação concreta conduziria a distorções significativas na tributação, na situação da decisão arbitral recorrida não fez essa demonstração, que constitui condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do art. 23.º do CIVA.
Ou seja, o que determinou a divergência nas decisões foi a divergência verificada no julgamento da matéria de facto.
Não podemos, pois, afirmar que as decisões em confronto tenham decidido a mesma questão fundamental de direito em sentido divergente, divergência essa que serviria de fundamento ao presente recurso para uniformização de jurisprudência.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe, para além do mais, que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do art. 25.º RJAT), o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas.

II - Por acórdão de 10 de Julho de 2014, proferido no processo C-183/13, o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

III - Essa interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia é igualmente aplicável quando a questão seja a de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos.

IV - Tendo os acórdãos em confronto dado resposta divergente a esta última questão de facto, em face da prova produzida em cada um dos processos em que foram proferidos, não é de admitir o recurso.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT], com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, uma vez que o acórdão é remissivo e o recurso não passou a fase da verificação dos pressupostos substanciais, o que integra a menor complexidade da causa para os efeitos previstos no n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais.

Comunique-se ao CAAD.


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Lisboa, 30 de Setembro de 2020. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.