Texto Integral: | Processo n.º 160/21.7BALSB
Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 271/2020-T
Recorrente: “Banco 1..., S.A.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade acima identificada veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, para uniformização de jurisprudência, da decisão arbitral proferida em 8 de Novembro de 2021 pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no processo n.º 271/2020-T ( Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=5792. ), por oposição com a decisão arbitral proferida em 28 de Janeiro de 2021 pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) no processo n.º 15/2020-T ( Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=5211.), tendo apresentado alegações, com conclusões do seguinte teor:
«– DOS PRESSUPOSTOS DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE DECISÕES JURISDICIONAIS PREVISTO NO ARTIGO 25.º, N.º 2, DO RJAT
A) Nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do RJAT, as decisões recorrida e fundamento estão em oposição quanto à mesma questão fundamental de direito: em caso de erro de direito cometido pelo sujeito passivo no apuramento do imposto do qual resulte uma dedução em certo período inferior à legalmente devida, o artigo 22.º, n.º 2, do CIVA impõe a correcção do erro – através da apresentação de declaração de substituição ou de pedido de revisão oficiosa – no período em que o crédito de imposto se constituiu ou, desde que observado o prazo de quatro anos estabelecido no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, a dedução poderá ter lugar em momento posterior?
B) Não obstante a decisão arbitral fundamento e a decisão arbitral recorrida se tenham debruçado precisamente sobre a mesma questão fundamental de Direito – possibilidade de exercício do direito à dedução no prazo de quatro anos estabelecido no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA em declaração periódica distinta da do período em que o crédito de imposto se constituiu – e tenham aplicado exactamente as mesmas normas jurídicas – os artigos 22.º, n.º 2, e 98.º, n.º 2, do CIVA – as mesmas alcançaram soluções jurídicas diametralmente opostas, materializadas, num caso, na possibilidade de exercício do direito à dedução (decisão arbitral fundamento) e, noutro, na impossibilidade de exercício desse mesmo direito (decisão arbitral recorrida);
C) Encontram-se preenchidos todos os pressupostos de que depende a admissão do presente recurso, a saber: (i) trânsito em julgado da decisão fundamento; (ii) prolação das decisões em processos distintos; (iii) identidade de situações fácticas; (iv) existência de um quadro legislativo substancialmente idêntico; (v) necessidade de decisões opostas expressas, e (vi) dissonância da decisão recorrida com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo;
D) Segundo a Recorrente pôde apurar junto do Centro de Arbitragem Administrativa, a decisão arbitral fundamento, não tendo sido objecto de interposição de recurso, transitou em julgado em Março de 2021 – cfr. documento n.º 2 –, sendo por isso inequívoca a verificação deste pressuposto do recurso;
E) A decisão arbitral recorrida foi proferida por tribunal arbitral constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa, no âmbito do processo n.º 271/2020-T. Diversamente, a decisão arbitral fundamento foi proferida por tribunal arbitral, igualmente constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa, no âmbito do processo n.º 15/2020-T, dúvidas não subsistindo, assim, quanto à verificação deste pressuposto do recurso;
F) O cenário jurídico-normativo subjacente às decisões arbitrais recorrida e fundamento é substancialmente idêntico, discutindo-se em ambos os casos a possibilidade de dedução de IVA pelo sujeito passivo em períodos de tributação distintos daqueles em que tal imposto foi comprovadamente suportado, sem que em qualquer dos casos tenha sido ultrapassado o prazo de quatro anos indicado no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, verificando-se assim também este pressuposto de admissibilidade do presente recurso;
G) Em ambas as decisões – recorrida e fundamento – os tribunais arbitrais concluíram peremptoriamente pela aplicação dos artigos 22.º, n.º 2, e 98.º, n.º 2, do CIVA, divergindo apenas quanto à interpretação de tais normativos legais. Acresce que os referidos normativos legais, quando aplicados em ambas as decisões, tinham precisamente a mesma redacção, já que (i) a actual redacção do artigo 22.º, n.º 2, entrou em vigor em 2013 e a do artigo 98.º, n.º 2, em 2008, e (ii) a decisão arbitral recorrida refere-se a IVA 2016, enquanto a decisão arbitral fundamento se refere a IVA de 2016 a 2019. Neste contexto, é manifesta a total identidade do quadro legislativo subjacente às decisões arbitrais recorrida e fundamento, motivo pelo qual se encontra claramente preenchido este pressuposto do recurso;
H) A decisão arbitral recorrida pronuncia-se pela inadmissibilidade da dedução de IVA em período de tributação distinto daquele em que o mesmo foi suportado pelo sujeito passivo pese embora se verifique erro de direito na sua não dedução em tal período e tenha sido cumprido o prazo de quatro anos estabelecido no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA. Contrariamente, sustenta a decisão arbitral fundamento a possibilidade de dedução, em tal circunstância, do imposto comprovadamente suportado pelo sujeito passivo em qualquer período de tributação posterior ao do pagamento de tal imposto, desde que verificado o prazo de quatro anos estabelecido no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA. É, assim, inequívoco serem as decisões em presença opostas, na medida em que aplicam divergentemente o preceituado nos artigos 22.º, n.º 2, e 98.º, n.º 2, do CIVA;
I) Tanto quanto a Recorrente conseguiu apurar, nos últimos dez anos, foram proferidas por esse Douto Tribunal ad quem – em ambos os casos pela 2.ª Secção de Contencioso Tributário – duas decisões que materialmente se pronunciaram sobre a interpretação dos artigos 22.º, n.º 2, e 98.º, n.º 2, do CIVA – a saber, no recurso n.º 0966/10 (decisão de 18 de Maio de 2011) e no processo n.º 0228/15.9BEVIS (decisão de 3 de Fevereiro de 2021). A interpretação perfilhada dos dois arestos foi diametralmente oposta;
J) Ora, identificando-se apenas duas decisões desse Douto Tribunal ad quem sobre o tema em análise, e indo as mesmas em sentido diametralmente oposto entre si, necessariamente se conclui pela ausência de uma jurisprudência uniforme e reiterada, susceptível de preencher o conceito de jurisprudência consolidada;
K) Em sentido contrário não se aluda à decisão proferida pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário a 20 de Dezembro de 2017 no âmbito do recurso n.º 0366/17, a qual, decidindo pela não admissão de recurso para uniformização de jurisprudência interposto pelo sujeito passivo, sintetizou o entendimento vertido no supra mencionado acórdão proferido em 2011 no âmbito do recurso n.º 0966/10;
L) É que no âmbito de tal aresto, esse Douto Tribunal ad quem limitou-se a dissecar o conteúdo do acórdão fundamento invocado pelo sujeito passivo – precisamente, o acórdão n.º 0966/10 – e, confrontando-o com a decisão recorrida, a concluir pela ausência de oposição que justificasse a admissão do recurso interposto;
M) Ou seja, em tal decisão de não admissão do recurso, esse Douto Tribunal ad quem não tomou posição sobre a correcta interpretação do preceituado nos artigos 22.º, n.º 2, e 98.º, n.º 2, do CIVA, pelo que se mantém plenamente válida a conclusão de que inexiste qualquer decisão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário que aprecie a questão sub judice;
N) A isto acresce que a maioria dos Colendos Juízes Conselheiros que proferiram a decisão no âmbito do recurso n.º 0366/17 não se encontram já em funções junto desse Douto Tribunal ad quem, pelo que, ainda que se considerasse que tal decisão se pronunciou sobre a interpretação dos mencionados artigos 22.º, n.º 2, e 98.º, n.º 2, do CIVA – no que, pelos motivos supra expostos, não se concede –, sempre se concluiria pela inexistência de uma qualquer decisão do Pleno da Secção que reflectisse o entendimento actualmente perfilhado por esse Douto Tribunal ad quem;
O) Tudo ponderado, está, assim, inequivocamente demonstrada a existência de oposição entre a decisão recorrida e a decisão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito, bem como o preenchimento de todos pressupostos legais necessários à admissão do presente recurso jurisdicional;
P) Em consequência, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue verificada a referida oposição entre as decisões arbitrais em apreço, com os inerentes efeitos legais.
– DA INFRACÇÃO IMPUTADA À DECISÃO RECORRIDA
Q) No âmbito da decisão arbitral recorrida, o Douto Tribunal a quo entendeu não padecerem de ilegalidade os actos tributários contestados, tendo interpretado os artigos 22.º, n.º 2, e 98.º, n.º 2, no CIVA como exigindo a rectificação do erro de direito cometido pelo sujeito passivo no próprio exercício em que se formou o crédito de imposto cuja dedução se peticiona;
R) Discorda a Recorrente do sentido decisório propalado pelo Douto Tribunal a quo, assente em manifesto erro de julgamento na interpretação das normas legais aplicadas, quer por ser desconforme com o direito europeu – designadamente com os princípios da neutralidade, da efectividade e da proporcionalidade –, quer por consubstanciar uma interpretação dos artigos 22.º, n.º 2, e 98.º, n.º 2, do CIVA inadmissível à luz dos princípios interpretativos vigentes no ordenamento jurídico português.
– DO ERRO DE JULGAMENTO PATENTE NA DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA
S) Transpondo para o direito interno português o regime ínsito nos artigos 167.º, 168.º, alínea a), 176.º, 177.º, 179.º e 395.º, n.º 1, da Directiva IVA, os artigos 19.º, n.º 1, alínea a), e 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, garantem o direito à dedução do IVA;
T) O direito à dedução do IVA constitui a característica-chave em que se alicerça toda a mecânica do sistema subjacente a este imposto, visando libertar o agente económico do ónus do IVA (devido ou pago) no âmbito da sua actividade económica, sob condição de tal actividade estar igualmente sujeita a IVA;
U) Assim, na sua essência, o regime do direito à dedução do IVA contribui para a neutralidade fiscal do imposto;
V) Como é amplamente reconhecido na jurisprudência do TJUE, o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago sobre os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA, fazendo parte integrante do mecanismo do IVA e não podendo, em princípio, ser limitado;
W) Com efeito, de acordo com o TJUE, o direito à dedução do IVA poderá sofrer algumas restrições pelos Estados-Membros, desde que as mesmas respeitem, desde logo, o princípio da efectividade;
X) Tal não poderá senão significar que tais restrições – que deverão ter subjacentes motivos justificativos atendíveis – não poderão ter como consequência tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução;
Y) A dependência do direito à dedução do IVA do cumprimento de requisitos formais advém do contributo que tais requisitos possam concretamente prestar à cobrança do imposto e à sua fiscalização pela Autoridade Tributária, prevalecendo a substância da operação tributável conquanto esta disponha dos elementos mínimos suficientes para o efeito, ainda que alguma das exigências formais não se encontre integralmente cumprida;
Z) Numa situação como a dos autos, em que não se discute a verificação dos requisitos materiais de que depende o exercício do direito à dedução nem tão-pouco se questiona a oportunidade da regularização efectuada – já que o Douto Tribunal a quo qualificou expressamente o erro em que incorreu a ora Recorrente como de direito, indicando como aplicável o prazo de quatro anos estabelecido no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA – deve prevalecer a materialidade sobre a forma, afigurando-se inadmissível a restrição do direito à dedução;
AA) À luz da jurisprudência do TJUE, qualquer interpretação restritiva sobre o prazo para o exercício do direito à dedução que não se alicerce em fundamentos justificativos bastantes será contrária aos princípios da neutralidade, da efectividade e da proporcionalidade, sendo nessa medida inadmissível à luz do direito europeu e, em consequência, inconstitucional por violação do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP;
BB) Ademais, a interpretação normativa dos artigos 22.º, n.º 2, e 98.º, n.º 2, do CIVA perfilhada pelo Douto Tribunal a quo não tem respaldo quer na letra, quer na ratio dos preceitos em análise, sendo por isso inadmissível à luz do artigo 9.º do Código Civil;
CC) No que respeita ao artigo 22.º, n.º 2, do CIVA, o Douto Tribunal a quo concluiu que a dedução do imposto deve ser efectuada na declaração do período em que se formou o crédito de imposto, salvo se se aplicar uma norma especial que permita a dedução em período posterior a esse;
DD) Tal entendimento equivale a ignorar por completo a referência expressa nesta norma à possibilidade de dedução «na declaração do período ou de período posterior», a qual foi inserida através de alteração legislativa introduzida através da Lei do Orçamento de Estado para 2004;
EE) Considerando que o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil ordena ao intérprete que presuma que o legislador se soube expressar e incluir na lei as soluções mais acertadas, haverá necessariamente, na interpretação do artigo 22.º, n.º 2, do CIVA, que atribuir relevância à expressão introduzida em 2004, i.e., a expressão «ou de período posterior»;
FF) Pela mesma razão, não se poderá, como fez o Douto Tribunal a quo, considerar que a referência normativa a «período posterior» tem como único sentido permitir a dedução num período subsequente quando exista uma norma especial que expressamente preveja tal possibilidade, já que tal corresponderá também a entender como totalmente irrelevante a alteração legislativa;
GG) Com efeito, independentemente de qualquer expressa referência a «período posterior» no artigo 22.º, n.º 2, do CIVA, sempre se permitiria ao sujeito passivo a dedução em período posterior caso se aplicasse uma norma especial que o previsse, já que a norma especial derroga a norma geral;
HH) Tudo ponderado, e concatenando o disposto nos artigos 22.º, n.º 2, e 98.º, n.º 2, do CIVA, não poderá senão concluir-se pela legitimidade do exercício do direito à dedução operado em qualquer período dentro do limite temporal de quatro anos após a formação do crédito de imposto;
II) Nestes termos, em conformidade com o disposto no artigo 152.º, n.º 6, do CPTA, aplicável ex vi artigo 25.º, n.º 3, do RJAT, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que considere padecer de erro de julgamento a posição perfilhada pelo Tribunal a quo melhor descrita supra, e julgue ilegais os actos tributários contestados, impondo-se a respectiva anulação nos termos do artigo 163.º do CPA, tudo com as demais consequências legais.
– DA DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
JJ) Por se verificarem os pressupostos estabelecidos no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, requer-se a esse Douto Tribunal que dispense as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que se digne admitir o presente recurso jurisdicional, por tempestivo e por estarem preenchidos os seus pressupostos legais, com efeito suspensivo da decisão recorrida, anulando-a e, consequentemente, substituindo-a por acórdão consonante com o sentido decisório perfilhado no âmbito da decisão arbitral fundamento.
Requer-se ainda a esse Douto Tribunal ad quem que, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, dispense as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça e, bem assim, que, na medida da procedência do presente recurso, condene a Recorrida no pagamento de custas de parte, nos termos do artigo 26.º do RCP».
1.2 O recurso foi admitido.
1.3 A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
1.4 Dada vista ao Ministério Público, não foi emitido parecer.
1.5 Cumpre apreciar e decidir em conferência no Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 Do julgamento da matéria de facto efectuado no acórdão arbitral recorrido resulta:
«1- O Requerente é uma instituição financeira que exerce normal e habitualmente a actividade comercial prevista no artigo 4.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.
2- Em sede de IVA, o Requerente assume a natureza de sujeito passivo misto, realizando simultaneamente: (i) operações que conferem o direito à dedução (sujeitas a imposto ou dele isentas com direito à dedução) e (ii) operações que não conferem tal direito (isentas sem direito à dedução).
3- Na área de negócio relativa aos terminais de pagamento automático (“TPA”), o Requerente utilizou uma metodologia de dedução que posteriormente considerou ser incorrecta, porquanto desconsiderava a existência de uma ligação directa e imediata entre os encargos suportados e os serviços prestados nessa área de negócio.
4- Entre Outubro de 2014 e Dezembro de 2015, o Requerente disponibilizava TPA em pontos de venda designados pelos seus clientes, possibilitando o pagamento automático das transacções realizadas nesses locais.
5- Como contrapartida pela disponibilização dos TPA e no âmbito da sua actividade, o Requerente cobrava aos seus clientes uma tarifa mensal designada de “comissão de gestão” – acordada pelas partes em contratos de adesão ao Serviço Pagamento Automático – sobre a qual liquidava IVA.
6- O Requerente repercutia na generalidade dos seus clientes os custos directos suportados com a utilização dos TPA – designadamente, comunicações, ligações e manutenções – conexionados com os recursos disponibilizados aos clientes, também liquidando IVA sobre os mesmos.
7- Nessa área de negócio, todas operações facturadas aos clientes estão sujeitas a IVA à taxa normal, não lhes sendo aplicável qualquer isenção.
8- Por razões comerciais, o Requerente optou por disponibilizar TPA a alguns clientes de forma não onerosa, pelo que o IVA incorrido afecto a essas disponibilizações não pôde ser deduzido na totalidade.
9- O Requerente apurou os seguintes montantes de imposto a deduzir:
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10- Tendo em vista o reconhecimento do direito à dedução daqueles montantes, o Requerente inscreveu no campo 40 (“regularizações a favor do sujeito passivo”) das declarações periódicas de IVA de Outubro e Dezembro de 2016 – apresentadas em 10 Dezembro de 2016 e 10 de Fevereiro de 2017, respectivamente – as importâncias de € 164.438,21 e € 319.847,26, tendo em vista corrigir o erro que considerou ter cometido nas declarações periódicas de IVA de Outubro de 2014 a Dezembro de 2015.
11- A coberto da Ordem de Serviço n.º OI201700144, o Requerente foi alvo de uma acção de inspecção tributária, de natureza externa, realizada pela Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições Financeiras da Unidade dos Grandes Contribuintes.
12- No âmbito de tal acção de inspecção, através do Ofício n.º 3.271, de 27 de Dezembro de 2019, o Requerente foi notificado do relatório de inspecção, em sede do qual a Autoridade Tributária concluiu pela existência de IVA em falta no montante global de € 484.285,47, por dedução indevida de IVA nas operações de TPA.
13- Do Relatório de Inspecção consta, para além do mais, o seguinte:
i. “[Q]uer seja feita a opção pelo método da afectação real ou, em alternativa, pelo método da percentagem de dedução, para cálculo do IVA relativo às aquisições de bens e serviços utilizados em ambas as actividades, os sujeitos passivos utilizam, durante cada ano, uma dedução (afectação real) ou percentagem de dedução provisória (pro rata), correspondente à percentagem apurada para as operações realizadas no ano anterior, procedendo, no final do ano, ao apuramento do valor definitivo, tendo por base os valores efectivos referentes ao ano em causa. Destarte, as regularizações, a favor do sujeito passivo ou do Estado, que se mostrem devidas devem ser incluídas na declaração do último período do ano a que respeita. Parece assim evidente que quaisquer correcções na dedução ou no cálculo da percentagem de dedução provisória), devem ser a priori efectuadas no final desse ano, tendo por base os valores definitivos das operações efectuadas pelo sujeito passivo nesse ano. (...) Resulta assim, que o art. 23.º do Código do IVA não prevê a possibilidade de um sujeito passivo que, no momento em que se constitui o direito à dedução do IVA, tenha optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista possa alterar retroactivamente o método utilizado, recalculando a dedução inicial feita.”;
ii. “[o] n.º 6 do art. 78.º do Código do IVA estabelece que a correcção de erros materiais ou de cálculo no registo ou nas declarações periódicas é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, podendo ser efectuada no prazo de dois anos, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado. (...) Desde logo, numa perspectiva sistemática, pode-se afirmar que os “erros materiais ou de cálculo” referenciados neste preceito não se podem reconduzir a nenhuma das situações que podem originar regularizações de imposto previstas nos demais números do mesmo preceito. Consequentemente, não estarão em causa no n.º 6 do art. 78.º do Código do IVA, erros de determinação do valor tributável, erros cometidos nas facturas ou omissão de liquidação de imposto em situações de inversão do sujeito passivo. Da mesma forma, entende-se não poderem subsumir neste preceito as correcções ou regularizações de imposto que são reguladas por normas específicas da legislação do IVA, tais como o cálculo e regularizações do pro rata ou da dedução segundo a afectação real com base em critérios objectivos previstos no art. 23.º e as regularizações relativas aos bens de investimento, a que se referem os artigos 24.º e 26.º do Código do IVA. Finalmente, decorre da formulação do n.º 6 do art. 78.º do Código do IVA não estarem aí contemplados erros de direito cometidos nos registos ou nas declarações, como sejam, por exemplo, erros na qualificação de operação realizada. Entende-se, assim, que a expressão “erros materiais ou de cálculo nos registos ou nas declarações periódicas” se reporta, primeiramente, a erros de transposição dos dados dos documentos de suporte para a contabilidade ou desta para a declarações periódica ou erros aritméticos cometidos na contabilidade ou nas declarações. (...) [N]o quadro legal em vigor não é possível proceder a alterações retroactivas do método de cálculo do direito à dedução inicial dos bens e serviços de utilização comum em actividades isentas e tributadas, nem proceder a correcções ao cálculo da percentagem de dedução definitiva ou correcções ao cálculo da dedução definitiva efectuada com base em critérios objectivos (método da afectação real) apurada em determinado ano com fundamento no art. 78.º do Código do IVA, porquanto tais correcções não se subsumem nas disposições dele constantes”;
iii. “(...) do n.º 2 do art. 98.º do CIVA (...) facilmente se constata que o que se encontra em causa nesta norma é, pois, o exercício pela “primeira vez” do direito à dedução do imposto suportado e não regularizações de imposto. (...) A diferença é que a regularização de imposto consiste na rectificação/correcção do imposto considerado em declaração periódica anterior, ou seja, o que está em causa é a alteração de um acto anterior do sujeito passivo. (...) Ou seja, o critério diferenciador das situações de dedução e de regularização é a circunstância do direito que se pretende exercer ser relativo a documento ainda não registado (no caso do direito à dedução) ou a documento já registado (direito à regularização). Conclui-se assim que o art. 98.º do Código do IVA não acolhe a pretensão do sujeito passivo, uma vez que esta norma interna encontra-se amparada no art. 180.º da Directiva IVA, impondo, o seu n.º 2, um prazo máximo para exercer o direito à dedução que ainda não se efectivou, o que permite acautelar situações excepcionais, que poderiam impedir a dedução de imposto nos termos dos artigos 22.º e 23.º do Código do IVA.”.
14- A Autoridade Tributária reverteu a regularização de imposto, no montante de € 484.285,47, efectuada pelo Requerente nas declarações de imposto dos períodos de 201610M e 201612M.
15- Em consequência da aludida correcção, o Requerente foi notificado dos actos tributários objecto da presente acção arbitral, tendo procedido ao seu pagamento voluntário»;
2.1.2 No acórdão fundamento, consideraram-se provados os seguintes factos:
«A. O Banco 2... PLC - Sucursal em Portugal, aqui Requerente, agora representado pelo Banco 3... PLC - Sucursal em Portugal, era, à data dos factos (entre 2016 e 2019), a sucursal de uma instituição de crédito, com sede e direcção efectiva no Reino Unido, o “Banco 4...”, que tinha iniciado a sua actividade em Portugal em 1 de Setembro de 1981, sob o CAE 64190 “Outra Intermediação Monetária”, e estava enquadrada, desde Janeiro de 1986, no regime normal de IVA, com periodicidade mensal – cf. Relatório de Inspecção Tributária de 2016 (“RIT 2016”) e Relatório de Inspecção Tributária de 2017 a 2019 (“RIT 2017-2019”), juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.
B. Até 2016 a Requerente desenvolveu a título principal a actividade de comércio bancário, designadamente a prestação de serviços de banca comercial – em especial a concessão de crédito a clientes particulares e a empresas –, de banca de investimento e de leasing – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.
C. Na sequência da política de desinvestimento definida em 2015, no ano 2016 foi reduzido o número de agências (balcões de atendimento presencial), bem como de colaboradores e foram alienadas as seguintes áreas de negócio:
a) A..., S.A. – alienada ao Banco 5..., em 1 de Abril de 2016;
b) B..., S.A. – alienada ao Banco 5..., em 1 de Abril de 2016;
c) Cartões Bancários – alienada ao Banco 6..., em 11 de Novembro de 2016,
– cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.
D. Sem prejuízo da alienação das Unidades de Negócio acabadas de referir, foi acordado entre as partes destes negócios (Requerente e entidades cessionárias) que a Requerente continuaria a prestar um conjunto de serviços de suporte às operações do Banco 5... e do Banco 6..., designadamente relacionados com o tratamento de dados e prestações de informações, tais como:
a) Serviços de natureza tecnológica/informática;
b) Fornecimento de autorizações/licenciamentos por terceiros para uso das plataformas de software específicas e previamente licenciadas à Requerente;
c) Serviços de suporte às Unidades de Negócio, relacionados com processos regulatórios de monitorização de fraudes, processos de alteração de marcas e designações legais perante o Banco de Portugal e outros reguladores,
– cf. RIT 2017-2019, junto pela Requerente como documento 2.
E. Para a prestação destes serviços, a Requerente necessitou de recorrer a fornecedores externos, serviços esses que não teria adquirido no contexto da “mera” actividade bancária corrente exercida após a alienação daquelas Unidades de Negócio – cf. RIT 2017-2019, junto pela Requerente como documento 2.
F. A actividade desenvolvida pela Requerente compreendia operações tributadas em IVA e operações isentas, que não conferiam o direito à dedução, sendo por isso considerada um sujeito passivo misto – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.
G. Nos anos 2016, 2017 e 2018, a Requerente recorreu ao método do pro rata de dedução e calculou o coeficiente de imputação específica, em consonância com o preceituado no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, para determinar o quantum do IVA dedutível, em conformidade com o procedimento habitual por si adoptado – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.
H. Porém, posteriormente, a Requerente pretendeu alterar o método do pro rata por entender que este resultava no pagamento de imposto em excesso, por comparação com o método da “afectação real”, tendo, para o efeito, conseguido proceder à segregação dos recursos adquiridos e estabelecer o nexo directo entre os mesmos e as operações realizadas – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.
I. Assim, aplicou retroactivamente o método da “afectação real”, concretizando a dedução adicional do IVA em relação a facturas (de aquisição de bens e serviços) relativas aos períodos de Julho de 2016 a Janeiro de 2019, que reportou nas suas declarações periódicas – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.
J. Esta dedução gerou um crédito de imposto acumulado pela Requerente até ao período de tributação de Fevereiro de 2019 – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.
K. Em 11 de Março de 2019, a Requerente cessou a sua actividade, passando o Banco 3... PLC - Sucursal em Portugal a ser o seu representante em virtude da cessação – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.
L. Em 29 de Março de 2019, a Requerente apresentou a declaração periódica de IVA n.º 11224116521, referente ao período de Fevereiro de 2019, na qual formulou o pedido de reembolso de IVA no montante de € 584.666,85, ao abrigo do despacho normativo n.º 18-A/2010, de 1 de Julho. Este valor estava influenciado pelo IVA deduzido a posteriori pela Requerente, em virtude da alteração retroactiva do método de dedução – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2.
M. Na sequência deste pedido de reembolso, com o objectivo de verificar a legitimidade do mesmo, a AT deu início a um procedimento inspectivo interno, de âmbito parcial – IVA – abrangendo os períodos de Dezembro de 2017 a Fevereiro de 2019, sob as Ordens de Serviço n.ºs OI201900162 (Dezembro 2017), OI201900163 (2018), OI201900164 (Janeiro de 2019) e OI201900109 (Fevereiro de 2019) – cf. RIT 2017-2019, junto pela Requerente como documento 2.
N. A Requerente foi ainda objecto de um procedimento inspectivo anual relativo a 2016 (OI20180174), de natureza externa e âmbito geral, por configurar um sujeito passivo enquadrado no acompanhamento da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) – cf. RIT 2016, junto pela Requerente como documento 1.
O. A Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária referente ao ano 2016, conforme ofício n.º 2367, de 17 de Setembro de 2019, dos Serviços de Inspecção Tributária da UGC, que efectuou correcções em sede de IVA, IRC e Imposto do Selo, estando em causa, nos presentes autos, as correcções de IVA – cf. RIT 2016, junto pela Requerente como documento 1.
P. De seguida, através do Ofício n.º 2.406, de 24 de Setembro de 2019, dos mesmos Serviços, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária referente aos anos 2017 (Dezembro), 2018 e 2019 (Janeiro e Fevereiro) – cf. RIT 2017-2019, junto pela Requerente como documento 2.
Q. As correcções de IVA derivadas dos dois procedimentos inspectivos materializaram-se em liquidações adicionais deste imposto, identificadas no quadro infra, bem como nos correspondentes acertos de contas contendo o apuramento do valor de imposto a pagar, cuja data limite de pagamento foi fixada em 25 de Novembro de 2019, excepto quanto às liquidações relativas a Janeiro e Fevereiro de 2019, com data limite de pagamento de 28 de Novembro de 2019 e 2 de Dezembro de 2019, respectivamente – cf. documentos 3 a 15 juntos pela Requerente:
[IMAGEM]
R. Dos ajustamentos ao valor do IVA deduzido pela Requerente resultou ainda a correcção de um crédito de imposto, no valor de € 28.222,59 utilizado na declaração periódica de Janeiro de 2017 e que a AT imputou à primeira das liquidações adicionais, a relativa ao período de Julho de 2016, eliminando-o, assim, da conta corrente. Esta importância foi objecto de cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 3247 201901220160 – cf. documentos 4 e 16 juntos pela Requerente.
S. O valor total de IVA devido em resultado das acções inspectivas e das liquidações emitidas perfez, assim, € 654.003,61, tendo sido pago pela Requerente nos dias 25 e 26 de Novembro de 2019 – cf. documentos 3 a 17 juntos pela Requerente.
T. Os fundamentos das referidas correcções constam dos Relatórios de Inspecção Tributária emitidos na conclusão dos procedimentos acima identificados, de que se transcrevem os seguintes excertos relevantes – cf. RIT 2016 e RIT 2017-2019, juntos pela Requerente como documentos 1 e 2:
RIT 2016
“II.3.3.2 - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO – IVA
Relativamente ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, o Banco estava enquadrado no regime normal com periodicidade mensal. Desenvolvia operações financeiras isentas de IVA, previstas na alínea 27) do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e operações não isentas, decorrentes, fundamentalmente, da actividade de leasing. Efectuava a dedução do imposto incorrido segundo o método de afectação real de parte dos bens e serviços utilizados, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA. Utilizava ainda, para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto suportado a montante, a percentagem de dedução, isto é, o coeficiente de imputação específica, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, que, no período de tributação em análise, se fixou em 3%.
[…]
III.2.1 - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO – IVA
III.2.1.1 – DEDUÇÃO INDEVIDA DE IMPOSTO SUPORTADO (N.º 6 DO ARTIGO 23.º, CONJUGADO COM O ARTIGO 22.º AMBOS DO CIVA)
- € 344.438,95 -
[…]
No que respeita ao imposto apurado pelo método da afectação real, solicitaram-se elementos adicionais. Da análise aos elementos remetidos pelo Sujeito Passivo […], verificou-se que aquelas deduções de imposto efectuadas nos períodos 1607 e 1612 têm por base, entre outras, facturas emitidas por fornecedores de serviços datadas de 2015 em que inicialmente foi realizada a dedução de acordo com o método designado de «pro rata», previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, tendo sido posteriormente alterado, retroactivamente, o método de dedução para afectação real, aplicando, agora, a opção estabelecida no n.º 2 da mesma disposição legal.
Resultou desta situação uma dedução adicional de € 344.438,95, conforme discriminado no Anexo 3 ao presente documento.
Sintetizando, o Sujeito Passivo, nos períodos em análise, alterou o método de dedução do IVA, tendo, desta forma, procedido à dedução de IVA suportado em aquisições de bens e serviços, cujos documentos de suporte foram emitidos em períodos anteriores ao da concretização da respectiva dedução do IVA.
Pretende-se verificar se é legítimo, nas declarações periódicas de Julho e Dezembro de 2016, proceder à alteração do método de dedução de IVA de factos ocorridos em períodos anteriores, bem como, deduzir valores referentes a imposto (IVA) suportado em 2015 que não foi deduzido nas declarações dos períodos correspondentes.
[…]
E, atenta a redacção do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, «[a] percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita…», origina que, quer seja feita a opção pelo método da afectação real ou, em alternativa, pelo método da percentagem de dedução, para cálculo do IVA dedutível relativo às aquisições de bens e serviços utilizados em ambas as actividades, os sujeitos passivos utilizem durante cada ano uma dedução ou percentagem de dedução provisória, correspondente à percentagem apurada, para as operações realizadas no ano anterior, procedendo, no final do ano, ao apuramento do valor definitivo, tendo por base os valores efectivos referentes ao ano em causa .
As regularizações, a favor do sujeito passivo ou do Estado, que se mostrem devidas devem ser incluídas na declaração do último período do ano a que respeita.
É assim evidente que decorre deste n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, que quaisquer correcções no cálculo da percentagem de dedução utilizada durante um determinado ano civil (isto é, quaisquer correcções no cálculo do valor da dedução resultante da utilização de uma percentagem de dedução provisória), devem ser a priori efectuadas no final desse ano, tendo por base os valores definitivos das operações efectuadas pelo sujeito passivo nesse ano.
As demais situações de regularização do imposto encontram-se previstas no Código do IVA nos artigos 24.º a 26.º e no artigo 78.º, abrangendo, naqueles primeiros artigos, as regularizações decorrentes de alteração de utilização dos bens do activo imobilizado e no artigo 78.º, as situações de regularização da dedução inicialmente efectuada, nomeadamente por alteração dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante da dedução.
Assim, o artigo 23.º do Código do IVA não prevê a possibilidade de um sujeito passivo que, no momento em que se constitui o direito à dedução do IVA, tenha optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista possa alterar retroactivamente o método utilizado, recalculando a dedução inicial feita.
A idêntica conclusão, como veremos adiante, se chega quanto a regularizações de erros ou aperfeiçoamentos no cálculo da dedução do IVA em resultado da rectificação da aplicação do método da percentagem de dedução ou do método da afectação real.
[…]
Aqui chegados, resta averiguar da possibilidade de o artigo 78.º do Código do IVA, mormente o seu n.º 6, poder servir de base jurídica para, por um lado, ser alterado retroactivamente o método de cálculo do IVA dedutível aplicado a bens e serviços afectos simultaneamente à actividade tributada e isenta e, por outro lado, para poderem ser corrigidos retroactivamente os cálculos relacionados quer com a determinação da percentagem de dedução quer com a dedução efectuada com base em critérios objectivos (método da afectação real).
Assim, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA, o direito à dedução do imposto surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. Em conformidade, com o artigo 7.º do CIVA, a exigibilidade do imposto corresponde ao momento em que se efectua a transmissão de bens ou ao momento em que o serviço é prestado. Contudo, nos termos do artigo 8.º do Código do IVA, quando exista a obrigação de emissão de factura pela operação realizada, a exigibilidade ocorre na data em que a factura é emitida ou, quando o prazo de emissão não seja respeitado, na data em que a emissão da factura deveria ter ocorrido.
Considerando que a obrigação de emissão de factura tem um âmbito alargado na ordem interna portuguesa, resulta da conjugação destas normas que, por via de regra, o momento que determina o exercício do direito à dedução é o momento da emissão da factura de aquisição de bens ou serviços.
Por conseguinte, a afectação à actividade económica que o sujeito passivo faça dos bens e serviços adquiridos delimita o direito à dedução do IVA suportado nessas aquisições. De acordo com o direito interno, nas situações em que os bens e serviços sejam destinados a utilização comum em actividades isentas e tributadas, cabe ao sujeito passivo escolher o método de cálculo do IVA dedutível que repute mais adequado. Exercida a dedução inicial, o sujeito passivo só pode proceder a correcções a essa dedução nas condições previstas nos artigos 23.º a 26.º e 78.º, todos do Código do IVA.
Excluída que está a possibilidade de alterar retroactivamente o método de cálculo de dedução relativamente a bens de utilização mista, bem como de poderem ser corrigidos retroactivamente os cálculos relacionados com a determinação da percentagem de dedução ou da dedução efectuada com base em critérios objectivos (método da afectação real) com fundamento nos artigos 23.º a 26.º, importa analisar o conteúdo do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA.
O n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA estabelece que a correcção de erros materiais ou de cálculo no registo ou nas declarações periódicas é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, podendo ser efectuada no prazo de dois anos, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.
Constatando-se que o preceito em causa abrange exclusivamente a correcção de «erros materiais ou de cálculo» no registo ou nas declarações (ou guias), importa, à luz dos princípios interpretativos delineados no artigo 9.º do Código Civil, delimitar o sentido dessa expressão.
Desde logo, numa perspectiva sistemática, pode-se afirmar que os «erros materiais ou de cálculo» referenciados neste preceito não se podem reconduzir a nenhuma das situações que podem originar regularizações de imposto previstas nos demais números do mesmo preceito. Consequentemente, não estarão em causa no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, erros de determinação do lucro tributável, erros cometidos nas facturas ou omissão de liquidação de imposto em situações de inversão do sujeito passivo.
Da mesma forma, entende-se não se poderem subsumir neste preceito as correcções ou regularizações de imposto que são reguladas por normas específicas da legislação do IVA, tais como o cálculo e regularizações da percentagem de dedução ou da dedução segundo a afectação real com base em critérios objectivos previstos no artigo 23.º e as regularizações relativas aos bens do activo imobilizado, a que se referem os artigos 24.º a 26.º do Código do IVA.
Finalmente, decorre da formulação do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA não estarem aí contemplados erros de direito cometidos nos registos ou nas declarações, como sejam, por exemplo, erros na qualificação de operação realizada.
Entende-se assim que a expressão «erros materiais ou de cálculo», nos registos ou nas declarações periódicas, se reporta primordialmente a erros de transposição dos dados dos documentos de suporte para a contabilidade ou desta para a declaração periódica ou erros aritméticos cometidos na contabilidade ou nas declarações.
Refira-se que esta interpretação encontra também sustentação nas notas explicativas do Código do IVA que ao descreverem o sentido do n.º 6 do artigo 78.º (então artigo 71.º do Código do IVA), evidenciam que «aqui estão em causa erros que não alteram o direito à dedução do cliente; trata-se, pois, de um erro interno da empresa, que resultará normalmente em erros de transcrição das facturas para os registos ou dos registos para a declaração».
Decorre do que antecede não existir suporte legal que permita ser autorizada uma alteração retroactiva do método de cálculo do direito à dedução inicial referente aos bens e serviços de utilização mista, com fundamento no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, já que esta escolha, como acima se demonstrou, só pode ser feita para cada aquisição de bens ou serviços no momento em que se constitui o direito à dedução nas condições previstas no n.º 1 do artigo 20.º, no n.º 1 do artigo 22.º e no artigo 23.º do Código do IVA.
Com efeito, decorre da redacção do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, que as correcções ao cálculo da percentagem de dedução, assim como as correcções ao cálculo da dedução efectuada com base em critérios objectivos (método da afectação real), devem ser concretizadas no final do ano em causa e (também que) devem ser reflectidas na declaração periódica referente ao último período do ano em causa.
O n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA não constitui base legal para qualquer correcção retroactiva do cálculo da percentagem de dedução ou cálculo da dedução efectuada com base em critérios objectivos (método da afectação real).
Deve assinalar-se que, no quadro legal em vigor, resulta inequívoco não ser possível proceder a alterações retroactivas do método de cálculo do direito à dedução inicial dos bens e serviços de utilização comum em actividades isentas e tributadas, nem proceder a correcções ao cálculo da percentagem de dedução definitiva ou correcções ao cálculo da dedução definitiva efectuada com base em critérios objectivos (método da afectação real) apurada em determinado ano com fundamento no artigo 78.º do Código do IVA, porquanto tais correcções não se subsumem nas disposições dele constantes.
Refira-se ainda que esta matéria já se encontrava devidamente esclarecida no Ofício-circulado n.º 30082, de 17 de Novembro de 2005, do Gabinete do Subdirector-Geral do IVA, concretamente nos pontos 8 e 9.3 que passamos a transcrever:
«8. As regularizações previstas no art. 71.º [actual artigo 78.º] do CIVA destinam-se a corrigir, a favor do sujeito passivo ou a favor do Estado, o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto, por força de diversas circunstâncias ocorridas após o envio da declaração periódica e que não estejam contempladas noutros normativos legais.
Nesse sentido, os mecanismos previstos no art. 71.º não poderão ser utilizados noutras situações, nomeadamente:
- alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos;
- apuramento de pro rata;
- regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens do activo imobilizado ou relativas à afectação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam.
Estas situações deverão ser regularizadas ao abrigo dos arts. 23.º, 24.º, 24.º-A [actual artigo 25.º] e 25.º [actual artigo 26.º] do CIVA, consoante o caso.
De igual modo, não são aplicáveis os mecanismos previstos no art. 71.º nos casos do exercício do direito à dedução do imposto mencionado em documentos ainda não registados, o qual deve ser efectuado nos termos do art. 22.º, desde que dentro do prazo previsto no n.º 2 do art. 91.º [actual artigo 98.º], todos do CIVA.
(…)
9.3 Regularizações previstas no n.º 6 do art. 71.º
Trata-se da correcção de erros materiais ou de cálculo efectuados nos registos ou nas declarações periódicas.
Consideram-se erros materiais ou de cálculo aqueles que resultam de erros internos da empresa e não têm qualquer interferência na esfera de terceiros. Normalmente consistem em erros na transcrição das facturas para os registos ou dos registos para a declaração periódica, não compreendendo os que estão assinalados no ponto 8 do presente Ofício-Circulado.
A regularização deste tipo de erros é facultativa se for a favor do sujeito passivo e só pode ser efectuada no prazo de dois anos.
Caso se trate da correcção de erros relacionados com imposto dedutível (p.e. erro na transcrição, para a declaração periódica, do imposto dedutível), o prazo é contado a partir do nascimento do direito à dedução (normalmente a data das facturas, mas no caso de não ter sido observado o prazo legal para a sua emissão, a data em que este termina).
Para os erros verificados no preenchimento das declarações periódicas, a contagem do novo prazo far-se-á a partir da data da sua apresentação ou da data em que o prazo legal de apresentação termine, nos casos em que este não tenha sido observado.
Tratando-se de regularização a favor do Estado, esta deve ser efectuada no prazo de quatro anos, devendo os valores a regularizar constar de declaração de substituição do período em que a regularização deveria ter sido efectuada».
Importa ainda acrescentar que o disposto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA e o prazo de 4 anos, não tem aplicabilidade à presente situação, visto que ao dispor que, «[s]em prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente», facilmente se constata que o que se encontra em causa nesta norma é, pois, o exercício pela «primeira vez» do direito à dedução do imposto.
De facto, a dedução de imposto pressupõe o registo contabilístico do documento de suporte, geralmente a factura, a efectuar de acordo com o n.º 1 do artigo 48.º do CIVA, após a recepção, até à data da apresentação da Declaração periódica de imposto ou até ao termo do prazo de apresentação da mesma, pelo que o direito à dedução deve ser exercido na declaração do período em que se proceder ao registo contabilístico da factura. Note-se que o n.º 2 do artigo 22.º do CIVA refere-se ao momento da recepção da factura, o qual é necessariamente prévio ao seu registo, não autorizando qualquer diferimento temporal após esse registo.
Desta forma, o n.º 2 do artigo 22.º não pode ser alegado para legitimar uma prerrogativa de dedução até ao limite do prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.
Assim, a dedução de imposto considera-se exercida com a apresentação da declaração do período, tendo por base o registo contabilístico em que os documentos de suporte estão reflectidos, independentemente do encargo ter sido considerado na íntegra, parcialmente ou mesmo desconsiderado na autoliquidação.
Após esse momento, qualquer correcção à dedução assim exercida constitui uma regularização de imposto.
A diferença é que a regularização de imposto consiste na rectificação/correcção do imposto considerado em declaração periódica anterior. Está em causa a alteração de um ato anterior do sujeito passivo.
Aliás, o mencionado Ofício-circulado n.º 30082, de 17 de Novembro de 2005, esclarece o critério diferenciador das situações de dedução e de regularização no transcrito ponto 8, quando alerta que «não são aplicáveis os mecanismos previstos no art. 71.º [actual artigo 78.º] nos casos do exercício do direito à dedução do imposto mencionado em documentos ainda não registados, o qual deve ser efectuado nos termos do art. 22.º, desde que dentro do prazo previsto no n.º 2 do art. 91.º [actual artigo 98.º], todos do CIVA».
Ou seja, o critério diferenciador das situações de dedução e de regularização é a circunstância do direito que se pretende exercer ser relativo a documento ainda não registado (no caso do direito à dedução) ou a documento já registado (direito à regularização).
Com relevo para a situação em apreço, dedução de IVA suportado em aquisições de bens e serviços, nos períodos em análise, cujos documentos de suporte foram emitidos em períodos anteriores ao da concretização da respectiva dedução de IVA, importa referir o disposto no artigo 22.º do CIVA:
«1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.
2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.
3 - Se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.
4 - Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes.
5 - Se, passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a (euro) 250, este pode solicitar o seu reembolso.»
A este propósito, conclui o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferido em 2011-05-18 no processo 0966/10, que:
«I – Em regra, estabelecida no art. 22.º, n.º 1, do CIVA, a dedução de imposto deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, admitindo-se, no entanto, a possibilidade de correcções previstas no art. 71.º [actual artigo 78.º do CIVA].
II – Assim, a dedução do imposto não pode ser efectuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.».
No mesmo acórdão é referido que:
«O art. 22.º, n.º 1, do CIVA estabelece a regra de que a dedução deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, admitindo-se, no entanto, a possibilidade de correcções previstas no art. 71.º.
Em outros números do mesmo art. 22.º prevêem-se situações em que se admite a possibilidade de a dedução de imposto ser efectuada em períodos distintos, designadamente quando a recepção dos documentos que suportam a dedução ocorrer em período de declaração diferente daquele em que ocorreu a emissão (n.º 3), e quando o imposto a deduzir supere o montante devido pelas operações tributáveis do mesmo período (n.º 4).
Mas, deste artigo 22.º infere-se que a dedução do imposto não pode ser efectuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.
(…)
Por isso, o n.º 2 do art. 92.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não pode ter o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efectuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efectuar em momentos diferentes dos indicados naquele art. 22.º, limite máximo este que, como resulta da parte inicial daquele n.º 2, será aplicável quando não existir norma especial que fixe um limite inferior ou superior».
Nestes termos, a dedução do imposto deve ser efectuada, em conformidade com o previsto no artigo 22.º do CIVA, na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas.
A excepção, será a de que poderá ser efectuada a dedução em declaração de período posterior àquele, quando, como indica o acórdão do STA acima referido, tal esteja especialmente previsto, que é o que acontece nos casos previstos no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, em que a dedução deve ser efectuada na declaração do último período do ano a que respeita.
No presente caso, o que ocorreu foi, não a superveniência de qualquer facto, mas, antes, um erro que se terá traduzido na qualificação como não dedutível de imposto que, a posteriori, o Banco se terá vindo a aperceber que, afinal, o seria.
Conclusão
Retomando o caso em apreço, a dedução de € 344.438,95 relativa à «alteração do método de dedução» aplicável ao ano de 2015 contida no campo 24 das declarações periódicas relativas a Julho e Dezembro de 2016, encontra-se vedada por determinação do n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, pois este não contempla a possibilidade de um sujeito passivo, que tenha optado por um método de cálculo de direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista, poder alterar retroactivamente o método utilizado, por revisão do cálculo da percentagem de dedução, recalculando a dedução inicial efectuada.
Este artigo prevê unicamente, no seu n.º 6, que as correcções, ao cálculo da percentagem de dedução e à dedução efectuada com base em critérios objectivos (método da afectação real), respeitantes à conversão dos valores provisórios em definitivos, devem ser feitas no final do ano, tendo de constar na declaração periódica do último período do ano a que respeita e entregue dentro dos prazos estabelecidos no artigo 41.º do CIVA.
Como demonstrado, também as regularizações previstas nos artigos 24.º a 26.º e 78.º do CIVA não podem igualmente constituir suporte para a alteração retroactiva aqui em causa.
Assim, face a tudo quanto foi acima exposto, em conformidade com o disposto no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, resulta imposto em falta no valor de € 344.438,95, por estarmos perante uma regularização a favor do Sujeito Passivo que se demonstrou ser indevida.
Esta correcção é efectuada nos termos e com os fundamentos acima referidos.
Atendendo ao regime de periodicidade mensal a que o Sujeito Passivo se encontra sujeito, indica-se a decomposição por período, do valor total do imposto deduzido indevidamente:
[IMAGEM]
[…]”
RIT 2017-2019
“ III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES AO IMPOSTO EM FALTA - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO – IVA
III.1 – DEDUÇÃO INDEVIDA DE IMPOSTO SUPORTADO (N.º 6 DO ARTIGO 23.º, CONJUGADO COM O ARTIGO 22.º AMBOS DO CIVA)
- € 838.996,54 -
A – PRESSUPOSTOS DA ANÁLISE REALIZADA
A análise realizada visou verificar o direito ao crédito de imposto que esteve na origem do reembolso solicitado, validar a respectiva formação, designadamente através da análise dos documentos que sustentam as operações praticadas e os respectivos registos contabilísticos e, concomitantemente, o imposto deduzido e liquidado, pretendendo-se, adicionalmente, corroborar o enquadramento jurídico-tributário de tais operações.
B – DESCRIÇÃO DOS FACTOS
[…] verificou-se que o Sujeito Passivo procedeu à dedução no respectivo cálculo do imposto, de (i) valores que têm a sua origem em IVA que incidiu sobre aquisições de bens e serviços a fornecedores nacionais e estrangeiros (UE e Países Terceiros) – Campos 24, 65 e 67 da declaração periódica e de (ii) valores relativos as regularizações de imposto previstas no n.º 2 do artigo 78.º do CIVA – Campo 40 da declaração periódica.
Solicitada uma explicação sumária para a formação do crédito de imposto em análise veio o Banco 2.... informar o seguinte:
«Em 2016, a Exponente iniciou uma reorganização do seu negócio em Portugal, durante a qual procedeu à alienação dos ramos de actividade (i) de banca de retalho, ao Banco 5..., S.A. – Sucursal em Portugal (“Banco 5...”) e (ii) de cartões de crédito “Banco 2…card”, ao Banco 6..., SA – Sucursal em Portugal (“Banco 6...”).
(…)
Não obstante, após a alienação dos supra referidos ramos de actividade, a Exponente foi solicitada a prestar um conjunto de serviços de suporte às operações do Banco 5... e Banco 6..., designadamente relacionados com o tratamento de dados e a prestação de informações – melhor identificados infra, ainda que de forma não exaustiva –, os quais configuram operações tributadas em IVA:
- Serviços de natureza tecnológica / informática;
- Fornecimento de autorizações / licenciamentos de terceiros para o uso de plataformas de software específicas e previamente licenciadas à Exponente;
- Serviços de suporte ao negócio do Banco 5... e Banco 6..., nomeadamente relacionados com processos regulatórios de Know Your Client e Anti Money Laundering, emissão de relatórios de monitorização de fraude, processo de alteração de marcas e designações legais perante o Banco de Portugal e outros reguladores.
Para a prestação de tais serviços, a Exponente necessitou de recorrer a fornecedores externos, os quais prestaram diversos serviços específicos no âmbito destas operações realizadas com o Banco 5... e o Banco 6... (e não relacionados com as operações financeiras da Exponente no âmbito da sua actividade principal), permitindo, assim, que o IVA subjacente a tais aquisições fosse deduzido através do método de afectação real, atendendo ao nexo directo entre os bens e serviços adquiridos e os serviços tributados em causa. Atento o facto de se ter verificado um desfasamento temporal entre a data de emissão das facturas pela Exponente ao Banco 5... e ao Banco 6... titulando a prestação dos serviços supra identificados, e a dedução do IVA incorrido a montante sobre as referidas despesas – aquelas facturas foram emitidas em momento prévio ao apuramento do IVA a deduzir relativamente a tais serviços, resultando no crédito de IVA em apreciação».
Face ao que antecede, solicitou-se a demonstração do nexo directo entre os bens e serviços adquiridos e as operações realizadas com o Banco 5... e o Banco 6.... Veio o Sujeito Passivo esclarecer:
«Na verdade, os recursos específicos que foram adquiridos e aqui em análise não respeitam à actividade principal do Banco e, como tal, nunca teriam sido adquiridos não fosse a necessidade de prestar tais serviços tributados em IVA àquelas entidades (Banco 5... e Banco 6...).
Efectivamente, foi estabelecido entre as partes que a Exponente se obrigava a prestar um conjunto de serviços ao Banco 5... e ao Banco 6..., os quais foram facturados àquelas entidades, com liquidação de IVA, conforme os valores previamente acordados. Para a prestação de serviços em apreço, o Banco utilizou recursos internos, mas teve igualmente a necessidade de adquirir bens e serviços específicos a fornecedores externos, na medida em que não dispunha da totalidade das competências exigidas, tendo tais bens e serviços adquiridos sido exclusivamente afectos a estas operações.
Face ao exposto e tal como referido, tais recursos não seriam adquiridos em condições de normal funcionamento do Banco no âmbito da sua actividade (bancária) principal, reflectindo, inequivocamente, um nexo directo entre os gastos incorridos a montante neste âmbito pela Exponente e os serviços prestados a jusante ao Banco 5... e Banco 6....
Paralelamente, o Banco procedeu também à refacturação de despesas incorridas em nome próprio, mas por conta do Banco 5... e do Banco 6... (e.g., licenças de software, produção de cartões de crédito, etc.), pelo que nestas situações as facturas emitidas pela Exponente ao Banco 5... e ao Banco 6... contêm no seu descritivo a referência aos fornecedores externos e à numeração de tais facturas que foram emitidas à Exponente pelos fornecedores externos de bens e serviços, sendo também aqui inequívoco o nexo directo entre recursos adquiridos e operações tributadas em IVA realizadas.
Face ao exposto, e tendo sido possível uma adequada segregação de recursos adquiridos para a realização de operações tributadas a jusante, criando um nexo directo entre recursos adquiridos e operações realizadas, foi efectuada a dedução do IVA, em cumprimento do disposto nos artigos 19.º e seguintes do Código do IVA.»
Relativamente à situação descrita, da análise aos elementos remetidos pelo Sujeito Passivo […], verificou-se que as deduções de imposto efectuadas entre Dezembro de 2017 e Fevereiro de 2019 têm por base, entre outras, facturas emitidas por fornecedores de serviços datadas de 2016 e 2017 em que inicialmente foi realizada a dedução de acordo com o método designado de «pro rata», previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA, tendo sido posteriormente alterado, retroactivamente, o método de dedução para afectação real, aplicando, agora, a opção estabelecida no n.º 2 da mesma disposição legal.
Resulta desta situação uma dedução adicional de € 838.996,54, conforme discriminado nos quadros Anexo 1 (€ 107.049,90) e Anexo 2 (€ 731.946,64) ao presente documento.
Sintetizando, o Sujeito Passivo, em alguns períodos em análise, alterou o método de dedução do IVA, tendo, desta forma, procedido à dedução do IVA suportado em aquisições de bens e serviços, cujos documentos de suporte foram emitidos em períodos anteriores ao da concretização da respectiva dedução do IVA.
C – ANÁLISE
[…]
As regularizações, a favor do sujeito passivo ou do Estado, que se mostrem devidas devem ser incluídas na declaração do último período do ano a que respeita.
[…]
Assim, o artigo 23.º do Código do IVA não prevê a possibilidade de um sujeito passivo que, no momento em que se constitui o direito à dedução do IVA, tenha optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista possa alterar retroactivamente o método utilizado, recalculando a dedução inicial feita.
[…]
As regularizações previstas nos artigos 25.º e 26.º, ambos do Código do IVA, não podem igualmente constituir suporte para qualquer alteração do método de dedução utilizado inicialmente.
[…]
Exercida a dedução inicial, o sujeito passivo só pode proceder a correcções a essa dedução nas condições previstas nos artigos 23.º a 26.º e 78.º, todos do Código do IVA.
[…]
O n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA estabelece que a correcção de erros materiais ou de cálculo no registo ou nas declarações periódicas é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, podendo ser efectuada no prazo de dois anos, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.
Constatando-se que o preceito em causa abrange exclusivamente a correcção de «erros materiais ou de cálculo» no registo ou nas declarações (ou guias) […]
[…]
Finalmente, decorre da formulação do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA não estarem aí contemplados erros de direito cometidos nos registos ou nas declarações, como sejam, por exemplo, erros na qualificação de operação realizada.
[…]
Decorre do que antecede não existir suporte legal que permita ser autorizada uma alteração retroactiva do método de cálculo do direito à dedução inicial referente aos bens e serviços de utilização mista, com fundamento no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, já que esta escolha, como acima se demonstrou, só pode ser feita para cada aquisição de bens ou serviços no momento em que se constitui o direito à dedução nas condições previstas no n.º 1 do artigo 20.º, no n.º 1 do artigo 22.º e no artigo 23.º do Código do IVA.
Com efeito, decorre da redacção do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, que as correcções ao cálculo da percentagem de dedução, assim como as correcções ao cálculo da dedução efectuada com base em critérios objectivos (método da afectação real), devem ser concretizadas no final do ano em causa e (também que) devem ser reflectidas na declaração periódica referente ao último período do ano em causa.
O n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA não constitui base legal para qualquer correcção retroactiva do cálculo da percentagem de dedução ou cálculo da dedução efectuada com base em critérios objectivos (método da afectação real).
[…]
Refira-se ainda que esta matéria já se encontrava devidamente esclarecida no ofício-circulado n.º 30082, de 17 de Novembro de 2005 […]
[…]
Nestes termos, a dedução do imposto deve ser efectuada, em conformidade com o previsto no artigo 22.º do CIVA, na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas.
D – CONCLUSÃO
[…]
Retomando o caso em apreço, a dedução de € 838.996,54 referente à alteração do método de dedução de períodos de tributação anteriores, contida no campo 24 das declarações periódicas relativas aos períodos de Dezembro de 2017 a Fevereiro de 2019, encontra-se vedada por determinação do n.º 6 do artigo 23.º conjugado com o artigo 22.º, ambos do CIVA, pois este não contempla a possibilidade de um sujeito passivo, que tenha optado por um método de cálculo de direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista, poder alterar retroactivamente o método utilizado, por revisão do cálculo da percentagem de dedução, recalculando a dedução inicial efectuada.
Este artigo prevê unicamente, no seu n.º 6, que as correcções, ao cálculo da percentagem de dedução e à dedução efectuada com base em critérios objectivos (método da afectação real), respeitantes à conversão dos valores provisórios em definitivos, devem ser feitas no final do ano, tendo de constar na declaração periódica do último período do ano a que respeita e entregue dentro dos prazos estabelecidos no artigo 41.º do CIVA.
Como demonstrado, também as regularizações previstas nos artigos 24.º a 26.º e 78.º do CIVA não podem igualmente constituir suporte para a alteração retroactiva aqui em causa.
[…]
Atendendo ao regime de periodicidade mensal a que o Sujeito Passivo se encontra sujeito, indica-se a decomposição por período, do valor total do imposto deduzido indevidamente:
[IMAGEM]
[…]”
U. Em 6 de Janeiro de 2020, a Requerente, inconformada com as liquidações de IVA e juros compensatórios em apreço, submeteu ao CAAD o pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, que deu origem ao presente processo – conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD».
*
2.2 DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
A sociedade acima identificada veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida no processo 271/2020-T, por oposição com a decisão arbitral proferida no processo 15/2020-T, no que respeita à questão que enunciou como sendo a de saber se, «em caso de erro de direito cometido pelo sujeito passivo no apuramento do imposto do qual resulte uma dedução em certo período inferior à legalmente devida, o artigo 22.º, n.º 2, do CIVA impõe a correcção do erro – através da apresentação de declaração de substituição ou de pedido de revisão oficiosa – no período em que o crédito de imposto se constituiu», ou, se «desde que observado o prazo de quatro anos estabelecido no artigo 98.º, n.º 3, do CIVA, a dedução poderá ter lugar em momento posterior».
Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».
Assim, e não havendo dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da Recorrente e tempestividade do recurso), há que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.
2.2.2 DOS REQUISITOS SUBSTANCIAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
2.2.2.1 Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso:
i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (art. 25.º, n.º 2, primeira parte, do RJAT);
ii) que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (art. 25.º, n.º 2, segunda parte, do RJAT);
iii) que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [art. 152.º, n.º 3, do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT].
iv) que a decisão arbitral fundamento tenha transitado em julgado [art. 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e no art. 281.º do CPPT].
2.2.2.2 Não havendo dúvidas quanto à verificação do primeiro requisito enunciado, passemos de imediato à apreciação do requisito que enunciámos sob o n.º ii, ou seja, se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados.
Vejamos, pois, o que ficou decidido em cada um dos acórdãos arbitrais em confronto, a fim de indagar da existência de oposição relevante.
No acórdão recorrido considerou-se que, tendo o Requerente verificado que incorrera em erro na determinação do pro rata para dedução do IVA suportado em custos mistos (indistintamente associados à actividade que confere direito à dedução e à actividade que não confere tal direito, também chamados inputs promíscuos), motivo por que não teria deduzido imposto suportado em 2014 e 2015 nas declarações respeitantes a esses períodos, pretendeu regularizá-lo nas declarações periódicas de IVA de Outubro e Dezembro de 2016, mediante a inscrição dos respectivos montantes no campo 40 (“regularizações a favor do sujeito passivo”) dessas declarações.
Começou o acórdão recorrido por salientar que, em regra, a correcção da percentagem do pro rata de dedução deverá ser efectuada «em conformidade com o previsto no artigo 22.º do CIVA, na “declaração do período em que se tiver verificado a recepção da factura”».
Depois, referiu que há excepções a essa regra, previstas no mesmo n.º 2 do art. 22.º do CIVA, ou seja, que há situações em que a dedução pode ser efectuada em declaração «de período posterior àquele», sendo uma delas a do n.º 6 do art. 23.º do CIVA, que prevê as regularizações a efectuar quando seja aplicado o método pro rata, que permite a dedução «na declaração do último período do ano a que respeita», sendo aí que se permite a correcção do pro rata de dedução apurado provisoriamente com base nas operações do ano transacto.
Mas essa e outras excepções só podem ser as previstas na lei e o n.º 2 do art. 22.º do CIVA, designadamente ao referir-se a “período posterior”, não consente a interpretação de que o sujeito passivo possa escolher o período em que quer deduzir o imposto suportado, designadamente, como no caso, fazendo-o em ulteriores declarações periódicas de imposto «como se de uma situação normal de liquidação e dedução do IVA no correspondente período de imposto se tratasse»
Salientou também o acórdão recorrido que «[c]oisa distinta – e não incompatível» é a possibilidade de exercer o direito à dedução do imposto no prazo de quatro anos, estabelecida pelo n.º 2 do art. 98.º do CIVA, «que não prejudica, nem é incompatível com a imposição nacional e comunitária, devidamente reconhecida pelo STA, de que tal exercício [do direito à dedução] seja efectuado na declaração do período de imposto resultante das normas legais que regem tal matéria».
Mas, no caso, o Requerente não pode valer-se desse prazo porque tal exigiria que, dentro do referido prazo de quatro anos, tivesse apresentado uma declaração de substituição ou um pedido de revisão oficiosa, o que não fez.
Ou seja, o acórdão recorrido considerou que, para que o Requerente pudesse proceder à regularização do erro quanto ao pro rata utilizado – erro de direito – e de que lhe resultou não ter efectuado a dedução de todo o imposto, para poder valer-se do prazo de quatro anos previsto no art. 98.º, n.º 2, do CIVA, exigia-se-lhe que tivesse apresentado declaração de substituição ou pedido de revisão oficiosa, de modo a que as deduções que o Requerente pretende efectuar fossem relevadas nas declarações de IVA dos períodos correspondentes.
Em conclusão, e no que ora interessa, o acórdão recorrido não recusou a possibilidade de o sujeito passivo exercer o seu direito à dedução do IVA no prazo de quatro anos, nos termos do n.º 2 do art. 98.º do CIVA, conquanto o fizesse, ou mediante a apresentação de uma declaração de substituição, ou mediante pedido de revisão oficiosa, tendo como objecto a declaração de imposto do período respectivo; e foi por ter considerado que o sujeito passivo não lançou mão de qualquer desses procedimentos, que eram os únicos adequados para o efeito, que recusou a aplicação em concreto do disposto no n.º 2 do art. 98.º do CIVA.
A decisão arbitral fundamento também se refere a uma situação de erro de direito, decorrente de a aí requerente ter considerado indevidamente como inputs mistos custos que estavam exclusivamente afectos à sua actividade sujeita a IVA.
Começou o acórdão fundamento por considerar que a aí requerente tinha direito à dedução integral do IVA incorrido nos inputs em causa nos autos por estes estarem afectos em exclusivo à sua actividade que confere direito à dedução.
Depois, considerou, em síntese, que esse erro na dedução do IVA, constituindo um erro de direito, podia ser corrigido no prazo de quatro anos, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 98.º do CIVA e que, como decorre do n.º 2 do art. 22.º do CIVA que, desde a redacção que lhe foi dada pelo Orçamento do Estado para 2004, aprovado pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, o podia fazer, não só, como anteriormente, na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, mas também na «declaração de período posterior àquele», com o referido limite temporal.
Concluiu, pois, que «tendo a Requerente efectuada a dedução no decurso do prazo de quatro anos após o nascimento desse direito, estava em tempo de o fazer, de acordo com o disposto nos artigos 22.º, n.º 2 e 98.º, n.º 2, ambos do Código do IVA».
Do confronto entre os acórdãos arbitrais, o recorrido e o fundamento, verificamos que, apesar da inegável identidade factual das situações nele tratadas – em ambos estava em causa a possibilidade de correcção de erros de direito cometidos pelo sujeito passivo no apuramento do imposto de que resultou uma dedução inferior à devida – e de ambos coincidirem no entendimento de que essa dedução pode ser efectuada dentro do prazo de quatro anos fixado no art. 98.º, n.º 2, do CIVA, só no primeiro foi expressamente decidida a questão da restrição do modo como deve proceder-se à regularização desse erro.
Na verdade, só no acórdão recorrido se afrontou e decidiu expressamente essa questão, decidindo-se que essa regularização só era possível através da apresentação de declaração de substituição ou de pedido de revisão oficiosa e que, não tendo a Requerente lançado mão desses meios, não podia fazer valer o seu direito de dedução. Por seu turno, na decisão fundamento não foi expressamente tratada a questão de saber se essa regularização só podia ser efectuada por aqueles meios e, se é certo que aí ficou dito que «o facto de a Requerente não ter apresentado declarações de substituição, operando a dedução nas declarações do período em que a exerceu, não modifica o direito a deduzir que lhe assiste» e que «[a] demonstrar-se que o procedimento declarativo não era o mais correcto, a Requerida poderia aplicar uma coima por incorrecto cumprimento da obrigação acessória/declarativa, porém, o que não poderia fazer era coarctar o direito a deduzir o IVA na esfera da Requerente», estes considerandos – aliás, restritos à apresentação de declaração de substituição e omissos quanto ao pedido de revisão oficiosa – não podem ser considerados como “decisão expressa”, para os fins de averiguar da oposição relevante para o conhecimento do mérito do recurso. Esses considerandos constituem, isso sim, um mero argumento aduzido em reforço da tese da possibilidade de regularização do IVA dentro do prazo de quatro anos fixado pelo n.º 2 do art. 98.º do CIVA.
Como este Supremo Tribunal tem vindo a dizer, a contradição relevante exige que se tenha perfilhado, nas decisões em confronto, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
Ora, reiteramos, se é certo que em ambos os acórdãos em confronto foi decidida a questão de saber qual o prazo dentro do qual pode ser corrigido o erro de direito ocorrido no exercício do direito à dedução, a questão de saber qual o modo como deve ser corrigido esse erro quando dele resultou dedução inferior à devida só foi expressamente enfrentada, e decidida, no acórdão arbitral recorrido.
Admitimos que o acórdão fundamento possa ter incorporado um entendimento que não se conforme com (e, até, que divirja) aquele que foi enunciado e aplicado no acórdão recorrido. Mas, a ter sido assim, esse entendimento não ficou expresso em resposta à questão sobre os meios para operar a correcção do erro de direito de que resultou imposto deduzido a menos, questão que o acórdão fundamento nem sequer enunciou. Dito de outro modo, o acórdão arbitral fundamento não se debruçou, nem decidiu expressamente, a questão de saber se o prazo de quatro anos previsto no art. 98.º do CIVA para obter a dedução envolve, ou não, a necessidade de formulação de pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação de IVA do período em que deveria ter sido feita essa dedução.
«A pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta» (na expressão repetidamente usada na jurisprudência) não é suficiente para que este Supremo Tribunal seja chamado a intervir em sede de uniformização de jurisprudência, o que bem se compreende, uma vez que uma decisão implícita, em regra, não corresponderá – ou, pelo menos, não dá garantia de que corresponda – à ponderação, pelo tribunal, das várias soluções plausíveis da mesma questão, não assegurando que esta questão foi enfrentada.
As decisões implícitas ou subentendidas não podem, pois, servir de referência para a comparação com outra decisão para efeitos de verificar se existem decisões contraditórias enquanto requisito da admissibilidade do recurso previsto no art. 25.º do RJAT e no art. 152.º do CPTA.
Consequentemente, não pode afirmar-se a existência de contradição de julgados, o que determina a inadmissibilidade do recurso por falta de verificação desse indispensável requisito.
O conhecimento do mérito do recurso, na medida em que este tem na sua base a oposição de julgados e tem como objectivo fundamental a uniformização de jurisprudência exigiria a demonstração de que os acórdãos em presença, relativamente ao mesmo fundamento de direito, perfilharam soluções opostas. Eventual erro de julgamento do acórdão recorrido, designadamente no segmento em que considerou que a correcção do erro de direito de que resultou dedução de IVA inferior à devida só poderia operar-se mediante a apresentação de declaração de substituição ou pedido de revisão oficiosa, só poderia ser sindicado por este Supremo Tribunal caso o recurso passasse a primeira fase, qual seja a da verificação dos requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe, para além do mais, que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do art. 25.º RJAT).
II - Para que se considere existir oposição, exige-se que se tenha perfilhado, nas decisões em confronto, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
* * *
3. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do mérito do recurso.
Custas pela Recorrente [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT], com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, uma vez que o recurso não passou a fase da verificação dos pressupostos substanciais, o que integra a menor complexidade da causa para os efeitos previstos no n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais, e a tal não obsta o comportamento processual das partes.
Comunique-se ao CAAD.
*
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2023. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (vencido nos termos da declaração que se junta a final) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.
Declaração do Ex.mo Senhor Conselheiro Nuno Bastos em voto de vencido:
«Respeitando o sentido da decisão que fez vencimento e o critério que lhe está subjacente para a determinação em concreto das situações em que há oposição das decisões, entendo que, no caso, os arestos em confronto apreciaram situações substancialmente idênticas e decidiram (a meu ver, expressamente), um no sentido de que era lícito ao sujeito passivo a regularização da dedução por alteração do método adotado inicialmente a coberto do artigo 98.º, n.º 2, do Código do IVA (ou por efeito direto do artigo 184.º da Diretiva IVA) e outro no sentido de que não era lícito ao sujeito passivo fazê-lo, designadamente, a coberto do artigo 98.º, n.º 2, do Código do IVA.
Por isso, concluiria no sentido de tomar conhecimento do mérito do recurso.
Nuno Bastos». |