Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0499/17.6BESNT-S1
Data do Acordão:09/02/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26244
Nº do Documento:SA2202009020499/17
Data de Entrada:06/23/2020
Recorrente:A...............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………………., inconformado, interpôs recurso de revista, do acórdão proferido pelo TCA Sul, datado de 23/04/2020, que negou provimento ao recurso interposto da sentença proferida pelo TAF de Sintra, que julgou improcedente o recurso extraordinário de revisão da sentença de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide proferida nos autos de reclamação dos atos do órgão de execução fiscal com o n.º 499/17.6BESNT.

Alegou tendo concluído:
1.ª No presente recurso está em causa a douta decisão do Tribunal Central Administrativo Sul proferida em 23.04.2020, que negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida que tinha sido proferida pela 1.ª Instância de indeferimento liminar;
2.ª O Tribunal a quo manteve a decisão da 1.ª Instância de indeferimento liminar, ainda que com fundamentação essencialmente diferente;
3.ª Apesar de na douta decisão recorrida o “novo” elenco de factos venha formalmente titulado como “Aditamento de factos”, nenhuma decisão de facto existe para que à mesma se possam aditar factos, situação que tem como consequência ficar tolhido o exercício do direito ao recurso, decorrente da garantia de acesso ao direito e aos tribunais, ao duplo grau de jurisdição e o direito a um processo equitativo;
4.ª A premência da intervenção do Venerando Supremo Tribunal Administrativo assume particular acuidade, por se estar em matéria de impostos, quando no caso já está judicialmente julgado que o imposto e demais quantias cobrados foram-no ilegalmente;
5.ª Reconduzindo-se a questão controvertida à reconstituição efetiva da situação que existiria se não fosse a atuação ilegal do Órgão Fiscal, que até à data não cumpriu espontaneamente a execução de julgado, a matéria em recurso reveste-se tanto de enorme relevância jurídica quanto social;
6.ª Por outro lado, o IUC é um imposto muito disseminado na sociedade, levando a que a matéria no recurso revela especial capacidade de repercussão social, na medida em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas;
7.ª O caso concita a necessidade de garantir a uniformização do direito no tratamento da matéria pelas instâncias, claramente de forma pouco consistente, nomeadamente, no que tange à fixação da matéria de facto, a qual é geradora de incerteza e instabilidade na sua resolução, impondo-se, para dissipar dúvidas ou equívocos a intervenção do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, posto que, salvo o devido respeito, na perspetiva do recorrente, o tratamento pelas Instâncias, apresenta-se ostensivamente errada e mesmo juridicamente insustentável;
8.ª Por isso, a admissão da presente revista reveste-se de importância fundamental, e também é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, requerendo-se a Vossas Excelências que a admitam;
9.ª Sob a epígrafe “Aditamento de factos” e com fundamento no disposto no artigo 662.º do CPC, veio julgar-se e dar por assentes um elenco de pontos de facto enumerados de “a)” a “k)”;
10.ª Na verdade não está em causa um simples “aditamento” de factos, porque, simplesmente, não existem quaisquer factos antes julgados/fixados que possam ser suscetíveis de aditamento e por isso, vem quebrada a disciplina legal estabelecida no artigo 662.º do CPC;
11.ª Com este “Aditamento de factos” está a tolher-se a possibilidade de ocorrer um segundo grau de jurisdição já que o Supremo Tribunal Administrativo, enquanto tribunal de revista, salvo quanto a competência residual prevista no artigo 674.º, n.º 3 do CPC, não pode alterar a matéria de facto fixada nas instâncias recorridas;
12.ª O douto Acórdão recorrido ao proceder a “Aditamento de factos” está de facto a proceder, pela primeira vez no processo, à fixação da matéria de facto e não a garantir um segundo grau de jurisdição quanto a matéria impugnada;
13.ª No “Aditamento de factos” a que se procedeu no douto Acórdão recorrido, não está em causa nenhuma das situações de exercício da competência de substituição ou de cassação da decisão de facto previstas no n.º 2 do artigo 662.º do CPC;
14.ª Fica assim frustrada a natureza da reponderação caraterístico dos recursos nacionais, segundo o qual o sistema não é de novum iudicium mas de revisio prioris instantiae.
15.ª O Tribunal a quo está a agir como se da 1.ª Instância se tratasse, extravasando a regulação legal que decorre do artigo 662.º do CPC, enquanto a matéria de facto não é objeto da apelação;
16.ª Perante a total falta de decisão de facto na douta sentença da 1.ª Instância, não pode o Tribunal a quo exercer a competência que compete àquela, impondo-se que nestas circunstâncias, proferisse decisão que devolvesse a competência decisória ao Tribunal da 1.ª Instância;
17.ª Face ao que precede e ao mais que se alega sob a epígrafe III.1 e que aqui se dá por reproduzido, o douto Acórdão recorrido, a julgar pela primeira vez no processo a matéria de facto, incorre em pronúncia por excesso, situação que conforma nulidade nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 1 in fine do CPPT, requerendo-se a Vossas Excelências que o declarem.
18.ª Para o caso de Vossas Excelências considerarem que não ocorre a nulidade que vem arguida supra, o que só por mero exercício académico e dever de patrocínio se configura, sem conceder, não deixa a douta decisão recorrida de padecer de erro de julgamento com violação de normas legais;
19.ª Vício para o qual e por economia de escrita, aqui se dão por reproduzidos os factos/circunstâncias que se aduziram supra em sede da nulidade arguida;
20.ª Uma vez que está legalmente vedado ao Venerando Supremo Tribunal Administrativo, enquanto tribunal de revista, alterar a matéria de facto fixada nas instâncias recorridas, sendo a sua competência restrita ao disposto no artigo 674.º, n.º 3 do CPC, fica preterida a possibilidade de o recorrente ver a matéria de facto escrutinada num segundo grau de jurisdição;
21.ª Face ao que precede e ao mais que se alega sob a epígrafe III.2 e que aqui se dá por reproduzido, o douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, 123.º do CPPT e 662.º do CPC, o que conforma erro de julgamento, requerendo-se a Vossas Excelências que o revoguem, com as legais consequências;
22.ª Para fundamentar a decisão que fixou o valor da causa, consignou-se que: “Como a toda a causa deve ser atribuído um valor que representa a utilidade económica imediata do pedido (art. 296º/1 CPC) a utilidade económica do pedido de revisão da sentença não pode deixar de ser o valor fixado para esta. Precisamente porque é este o valor cujo julgado se pretende aniquilar dizia o Código das Custas Judiciais que nos recursos de revisão o valor é do processo em que foi proferida a decisão revidenda (alínea p) do art.º 6º do CCJ);
23.ª No tratamento desta questão não vem demonstrado qual o concreto valor da utilidade económica imediata do pedido a que alude o invocado artigo 296.º, n.º 1 do CPC;
24.ª Não se pode aceitar que o valor da utilidade económica imediata do pedido se funde numa norma legal, qual seja o artigo 6.º, alínea p) do CCJ, que por ter sido revogado pelo artigo 25.º, n.º 2, al. a) do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, não tem aplicação no caso;
25.ª Encontrando-se o processo principal “findo”, por já ter transitado em julgado a decisão final e a douta sentença aí proferida, afigura-se que carece de sentido estarmos perante um incidente do processo principal, ainda que o presente recurso corra os seus termos por apenso àquele processo;
26.ª Sobre o IUC que incide sobre o veículo com esta matrícula o recorrente tem pendentes vários processos como resulta do requerimento que foi junto aos autos do processo principal em 13.04.2017;
27.ª No valor da causa há de considerar-se também o valor acumulado nas diferentes ações onde está em causa o mesmo imposto relativamente ao mesmo veículo, na medida que as mesmas são suscetíveis de apensação, como já se requereu no requerimento a que se aludiu supra.
28.ª Como decorre do pedido, está em causa a restituição ao recorrente pela Autoridade Tributária e Aduaneira dos valores pecuniários ilegalmente recebidos a propósito deste IUC de 2015 veículo com a matrícula …….... e ilegalmente cobrados pelo órgão Fiscal, a que acrescem os juros legais devidos, só assim se reconstituindo verdadeiramente a situação que existiria se não fosse a atuação ilegal em causa;
29.ª Resulta da própria douta sentença apelada, está também em causa um ato de pagamento, e por isso está em causa a existência, validade e/ou resolução de tal ato, devendo também aplicar-se, pelo menos, a norma contida no artigo 301.º, n.º 1 do CPC;
30.ª Face ao que precede e ao mais que se alega sob a epígrafe IV e que aqui se dá por reproduzido, o douto Acórdão recorrido padece de erro de julgamento quanto à questão do valor da causa, tendo sido violadas as normas contidas nos artigos 296.º, n.º 1, 301.º, n.º 1 e 304.º, n.º 1 do CPC e 25.º, n.º 2, al. a) do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, permanecendo por verificar legalmente qual o concreto valor da utilidade económica imediata do pedido, requerendo-se a Vossas Excelências que a revoguem, substituindo-a por outra em conformidade;
31.ª Sob a epígrafe III – Da nulidade por falta absoluta de fundamentação correspondente aos pontos 20 a 25 da apelação, o recorrente alegou sobre nulidade da douta sentença por falta absoluta de fundamentação;
32.ª Ao contrário do que vem decidido, não lobrigamos que a douta sentença recorrida em sede de apelação não padeça de falta absoluta de fundamentação de facto e, logicamente, muito menos que a inexistência dessa falta seja evidente como se deixou consignado no douto Acórdão agora recorrido;
33.ª Vindo também considerado que o facto de a decisão não autonomizar os factos em que assentou a decisão não releva, pois, apesar de os factos não virem autonomizados, a douta sentença “referiu-se a eles”;
34.ª Não vislumbramos o verdadeiro sentido e alcance desta expressão “referiu-se a eles”, recusando-se desde logo qualquer interpretação que vá no sentido de a fundamentação de bastar com uma mera “referência” a factos, sem os consignar por forma completa explícita em todo o seu conteúdo relevante para a solução de direito, independentemente de os mesmos satisfazerem o estipulado no artigo 123.º, n.º 2 do CPPT;
35.ª Ocorre também a imposição legal prevista no referido artigo 123.º, n.º 2 do CPPT, segundo o qual, a sentença deve discriminar a matéria provada da não provada, que não vem assegurada, ainda que minimamente;
36.ª O recorrente fica sem saber quais os “factos” que em concreto possam constar na douta sentença recorrida e que se consideram aí “referidos”, que são tidos por relevantes para a decisão de direito;
37.ª A própria noção jurídica de facto, só por si, impede o recorrente de ficar a conhecer sem margem para dúvidas, qual a fundamentação de facto que em concreto sustentou a douta sentença recorrida;
38.ª Não obstante a dificuldade de distinguir o que é facto daquilo que é conceito de direito, o recorrente encontra-se impedido de poder escrutinar a decisão agora proferida sobre esta questão da nulidade por falta absoluta de fundamentação, razão pela qual já antes se encontrava impedido de escrutinar a douta sentença no que se refere à matéria de facto;
39.ª Em nenhum lugar da douta decisão recorrida se explicita qual a matéria fáctica considerada na decisão a rever que em concreto, veem considerada na decisão da 1.ª Instância;
40.ª Tendo presente o preciso teor do requisito previsto no artigo 696.º, alínea c) do CPC, em nenhum lugar da douta sentença se aprecia/avalia – ainda que de forma implícita –, se o documento fundamento da pretensão rescisória é ou não suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
41.ª Atento o que antecede e o mais que se alega sob a epígrafe V e que aqui se dá por reproduzido, o douto Acórdão recorrido, quanto à questão da deduzida nulidade por falta absoluta de fundamentação, padece de erro de julgamento por violar o disposto no artigo 123.º, n.º 2 e 125.º, n.º 1 do CPPT e 696.º, alínea c) do CPC ex vi artigo 293.º, n.º 1 do CPPT, pelo que se requer a Vossas Excelências que o revoguem, com as legais consequências;
42.ª Como vem plasmado no douto Acórdão recorrido, pretende o recorrente com a procedência do recurso extraordinário de revisão obter a devolução de “todos os valores pecuniários ilegalmente recebidos a propósito deste IUC de 2015 (...) ilegalmente cobrados pelo órgão Fiscal, mesmo que correspondam a valores que a recorrida, em princípio, considere não passíveis de devolução legal.” (cf. Acórdão recorrido, pág. 18 in fine);
43.ª Mais se afirma no douto Acórdão recorrido que o recorrente “… conta, até, com o reembolso do que pagou (no artigo 5º da petição inicial confessa que “...no que respeita ao IUC deste ano de 2015 e do veículo com a matrícula ……..…, está tudo legal e administrativamente assumido e resolvido”). Neste contexto, poderia até questionar-se o seu interesse em agir neste processo uma vez que não indica quais os valores que não lhe foram restituídos, nem porque razão não instaurou execução de julgado para reconstituição imediata e plena da situação que existiria se a AT não tivesse cometido a alegada ilegalidade (cfr. art. 100º LGT).”;
44.ª O recorrente nunca confessou ter sido reembolsado de qualquer quantia e nunca foi reembolsado de qualquer quantia a propósito deste IUC de 2015 (...) ilegalmente cobrados pelo Órgão Fiscal;
45.ª A afirmação que o recorrente alegou no artigo 5.º da petição inicial tem de ser concatenada com o que se alega nos quatro artigos que antecedem e ainda com o pedido formulado;
46.ª Quando o recorrente afirma que está tudo legal e administrativamente assumido e resolvido, se está a referir à decisão referida no artigo 1.º do referido articulado e que serve de fundamento à pretensão rescisória, qual seja, o ofício n.º 003938 da Autoridade Tributária e Aduaneira datado de 28.10.2019 e relativo ao processo n.º 3166201902001012, a propósito do IUC do ano de 2015 relativo ao veículo com a matrícula ………….;
47.ª Daqui, o que está em causa no artigo 5.º da petição inicial de que está tudo legal e administrativamente assumido e resolvido, é a questão da ilegalidade da obrigação de imposto resultante do ato de liquidação oficiosa com fundamento na ilegitimidade substancial do recorrente;
48.ª Retirar-se da afirmação constante no artigo 5.º da petição inicial que o recorrente confessou ter sido reembolsado de qualquer quantia, consubstancia uma interpretação, salvo o devido respeito, que não tem qualquer amparo no texto alegado, muito menos se tal for concatenado com o pedido;
49.ª A douta decisão recorrida não procede à apreciação/análise do documento fundamento da pretensão rescisória (cf. RI, Doc. 3), mas sim sobre o conteúdo do requerimento inicial de revisão da sentença, nada se concretizando sobre a sua suscetibilidade em modificar a decisão proferida de que se pretende a revisão;
50.ª No presente caso, importa retirar as consequências de tal invalidade declarada judicial e administrativamente, obviamente, colhendo-se os fundamentos subjacentes a tal consequência que sejam relevantes para a pretensão rescisória;
122. Objetivamente, a douta decisão recorrida não procede à verificação da conformidade legal do documento que é aqui fundamento da pretensão rescisória na formulação que resulta do artigo 696.º, alínea c) do CPC, de que o mesmo “…, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;”
51.ª Não interessando qualquer outra que se possa considerar;
52.ª A solução a que se chegou “obriga” o requerente a instaurar outra ação para ver efetivamente integrados na sua esfera jurídica todos os seus direitos e interesses legalmente protegidos que subsistem ofendidos, designadamente o direito/interesse a ver efetivamente reconstituída a situação que existiria se não fosse a atuação ilegal em causa, situação que existiria caso não fosse cometida a invalidade tributária por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre si;
53.ª Tal contende com o princípio da economia processual;
54.ª É na presente ação e com o fundamento da pretensão rescisória que foi apresentado, que devem ser apreciadas de mérito as questões apresentadas, decidindo-se como for de Direito e de Justiça;
55.ª Atento o que antecede e o mais que se alega sob a epígrafe VI e que aqui se dá por reproduzido, o douto Acórdão recorrido enferma de erro de julgamento por violação do artigo 696.º, alínea c) do CPC ex vi artigo 293.º, n.º 1 do CPPT e o artigo 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT, bem como, o princípio da economia processual, requerendo-se a Vossas Excelências que a revoguem, com as legais consequências.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da não admissão do recurso.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido.

O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo 285º do CPPT, do acórdão do TCA Sul, datado de 23/04/2020, que julgou improcedente o recurso interposto da decisão de 1ª instância.
Há, então, que apreciar se o recurso dos autos é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos naquele art. 285º do CPPT, ao abrigo do qual foi interposto, em cujos nºs. 1 e 6 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
6 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário».
Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito (Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo que cabe ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do CPC - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

Vejamos, então.
No caso em análise verifica-se que parte dos vícios que o Recorrente imputa ao Acórdão Recorrido são susceptíveis de configurar nulidades previstas no nº1 do artigo 125º do CPPT – excesso de pronúncia, não especificação dos fundamentos de facto e de direito e omissão de pronúncia.
De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, “atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil.” (cfr. entre outros, Acórdãos de 03-06-2020, proc. 0343714.6BEPRT-B e de 23-20-2019, proc. 02458/12.6BELRS).
As demais questões suscitadas pelo recorrente reconduzem-se à invocação de erro de julgamento da decisão recorrida; porém, o Recorrente não demonstra o preenchimento dos pressupostos da admissibilidade do recurso de revista.
Com efeito, as questões suscitadas não se mostram de elevada complexidade, exigindo a aplicação e concatenação de diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos, antes se apresentando com um grau de dificuldade comum; também não se revestem de uma especial relevância social ou indício de interesse comunitário significativo que extravase os limites do caso concreto e a sua singularidade, aliás, as decisões adoptadas pelas instâncias apenas se poderiam replicar caso a situação concreta dos autos se replicasse nos seus precisos e exactos circunstancialismos, de modo, espaço e tempo.
Sempre se pode surpreender que no Acórdão recorrido se justificou a decisão de forma clara e convincente com um discurso lógico e coerente de acordo com a matéria de facto considerada relevante e a sua subsunção às normas jurídicas aplicáveis, não aparentando padecer de erros lógicos ou jurídicos manifestos que reclamem a necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito, não se impondo a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula a situação em apreço.
Não se admitirá, assim, o presente recurso.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.
Custas do incidente pelo recorrente.
D.n.

Lisboa, 2 de Setembro de 2020. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.