Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0361/13.1BELRS
Data do Acordão:07/03/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
IRS
CONTABILIDADE ORGANIZADA
REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
Sumário:I - Para aferir da competência em razão da hierarquia do STA há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, perante elas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto.
II - O regime simplificado de tributação (artigo 28.º do Código do IRS) constitui um regime não vinculativo, válido somente para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada.
Nº Convencional:JSTA000P24747
Nº do Documento:SA2201907030361/13
Data de Entrada:11/27/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


– Relatório –

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………… e B…………, com os sinais dos autos, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares com o nº 20125005054303 e liquidação de juros compensatórios nº 20122097656 (a que corresponde a nota de cobrança nº 20121904108), referentes ao ano de 2008, no valor global de € 31.692,15, apresentando para tanto as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que anulou o acto tributário de liquidação de IRS com o nº 20125005054303 e liquidação de juros compensatórios nº 20122097656 (a que corresponde a nota de cobrança nº 20121904108), referentes ao ano de 2008, no valor global de €31.692,15.

II. Fundamentalmente, alegam os impugnantes que a liquidação de IRS é ilegal porque, ao terem entregue à Administração Tributária, doravante AT, declaração de alterações em Março de 2007 em que optavam pelo regime da contabilidade, essa opção seria válida para o ano de liquidação aqui em causa, isto é, para o ano de 2008.

III. Na sentença proferida pelo tribunal a quo, de que agora se recorre, veio o M. Juiz julgar “todo o procedimento da AT abertamente ilegal, porque em todos e cada um dos anos o impugnante mantinha expressa e oportuna declaração pelo regime geral, sendo que em nenhum desses anos circunstância alguma lhe vedava o normal acesso ao regime geral, como se retira de todo o art.º 28º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, em ambas as versões de 2006 e 2007. Assim, dúvidas não restam de que, fosse pela declaração de 2006, como nos parece curial, pois não havia então limites temporais para a sua vigência, fosse já pela que reiterou em 2007, com validade em principio trienal – feita aliás em consonância com as informações genéricas da própria Administração Tributária, pela Circular 5/2007 de 13 de Março de 2007-, ao apuramento do rendimento tributável do impugnante proveniente de actividades profissionais ou empresariais sempre se aplicaria o regime geral, nesses anos como no de 2008.”

IV. A questão subjacente aos presentes autos e objecto de discussão prende-se com o tratamento dado pela AT à declaração apresentada pelo contribuinte apresentada em 20-03-2007, em que o contribuinte solicita o seu enquadramento no regime da contabilidade organizada.

V. Para o contribuinte, esta opção seria válida pelo período de três anos e por isso, para o exercício seguinte não se justificaria a entrega da declaração a solicitar novo enquadramento no regime da contabilidade. Já para a AT, uma vez que relativamente ao mencionado exercício o contribuinte se enquadrava em tal regime, independentemente da sua opção, uma vez que resultava de imposição legal, tal declaração foi considerada irrelevante.

VI. No ano de 2006, o impugnante esteve enquadrado no regime geral por opção, sendo que o valor líquido apurado neste exercício foi de €104.155,50, ultrapassando assim o limite previsto no art.º 28º, nº 2 do CIRS (€99.759,58), o que originou, no ano seguinte, 2007, o enquadramento automático no regime geral de tributação de rendimentos.

VII. Ficando, obrigatoriamente, por imposição legal, enquadrado no regime geral, o mesmo não podia fazer qualquer tipo de opção, pois esta só existe – a opção – quando existe matéria relativamente à qual é aberta ao contribuinte a possibilidade de poder escolher, de qual forma pretende ver a sua situação fiscal tratada.

VIII. Ora, no exercício de 2007, foram os sujeitos passivos enquadrados no regime geral por não preencherem os requisitos previstos no nº 2 do art.º 28 do CIRS, não se aplicando o disposto no nº 5 da mesma disposição legal, uma vez que o seu enquadramento não resulta de uma opção mas de uma imposição legal.

IX. O vocábulo “Opção” deriva do latim (optio, -onis) significando “livre vontade, escolha, opção”, substantivo feminino “Acto ou faculdade de optar; livre escolha”, direito de opção “ Direito de preferência”, in Dicionário da Língua Portuguesa Priberam.

X. Logo, só poderá haver direito de o contribuinte optar se tal resultar da lei, o que, salvo o devido respeito, não é o caso dos autos.

XI. Ou seja, caso pretendesse permanecer no regime geral de determinação do lucro tributável, o impugnante deveria ter exercido a opção prevista no nº 1 do art.º 28 do CIRS, até ao final do mês de Março de 2008, entregando para o efeito uma declaração de alterações, conforme refere a al. b) do nº 4 do citado artigo, uma vez que o total dos rendimentos efectivamente obtido no exercício de 2007 foi de €76.914,90, sendo inferior ao limite legal estabelecido de €99.759,58.

XII. Assim, e uma vez que o sujeito passivo não exerceu a opção referida na alínea b) do parágrafo anterior, foi automaticamente enquadrado no regime simplificado de determinação do lucro tributável nos exercícios de 2008 a 2010. Contudo, e uma vez que no ano de 2008, o valor da prestação de serviços foi de €135.324,80, no exercício seguinte, foi novamente tributado pelo regime geral de tributação de rendimentos, por imposição legal.

XIII. Ora, ao não ter entregue a declaração de alterações durante o mês de Março de 2008, optando pela tributação pelo regime da contabilidade organizada, quando no ano anterior reunia as condições do nº 2 do art.º 28º CIRS para aplicação do regime simplificado ficou automaticamente enquadrado naquele regime.

XIV. No caso sub judice, não podia o contribuinte exercer qualquer tipo de opção !!! Pois como já foi dito, só pode optar-se quando o legislador consagra na lei essa possibilidade.

XV. Ao não o poder fazer a declaração por ele entregue não poderia ter produzido quaisquer efeitos tanto para o ano da entrega como para os anos subsequentes uma vez que só se apuram os volumes de facturação no final do exercício e só aí é que o contribuinte saberia se teria que optar ou se a tributação segundo o regime geral já resultaria, por consequência, da lei.

XVI. Não colhe, portanto o argumento do tribunal a quo quando diz que a AT já sabia das pretensões do contribuinte, pois, este sempre poderia, no final do exercício, concluir ser-lhe mais vantajoso ser tributado pelo regime simplificado.

XVII. Pelo que, o douto Tribunal a quo, ao ter decidido da forma como decidiu, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, violando o art.º 28º do CIRS (na redacção à data).

Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada, assim se fazendo a costumada justiça!”.

2 – Contra-alegaram os Recorridos, concluindo nos seguintes termos:

I - A AT vem interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, alegando, em suma, que o 1.º Recorrido não poderia ter optado validamente pela forma de determinação dos seus rendimentos empresariais e profissionais em sede de IRS com base na contabilidade.

II – Sucede que o 1.º Recorrido, já no ano de 2006, se encontrava enquadrado, por opção, na forma de determinação dos seus rendimentos empresariais e profissionais em sede de IRS com base na contabilidade, o que determinaria, face à lei vigente à data da opção, que não lhe viesse a ser aplicado o regime simplificado de tributação em sede daquele imposto nos anos de 2006, 2007 e 2008.

III – Isto porque, conforme entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores, “não havia como aplicar-lhe o regime simplificado, pois que o preceito não previa a caducidade dessa opção nem fixava qualquer período mínimo de permanência no regime geral (ao contrário do que sucede hoje, na versão que foi conferida ao artigo 28º nº 5 do CIRS pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12).” (Acórdão do STA proferido no processo n.º 0906/09, disponível in base de dados da DGSI – www.dgsi.pt)

IV - Ora, no caso, pelo menos desde 2006 (ou seja, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, ao art.º 28.º do Código do IRS), o 1.º Recorrido já se encontrava abrangido pelo regime da contabilidade organizada por opção, pelo que, não prevendo a lei um período mínimo de permanência neste regime, não deveriam os seus rendimentos da categoria B ser apurados de acordo com o regime simplificado, sendo as liquidações oficiosas promovidas pela AT ilegais.

Sem prescindir,

V – Ainda que se entendesse que a opção anteriormente efetuada pelo 1.º Recorrido já não seria válida, o que não se concede, o 1.º Recorrido apresentou uma declaração de alterações, nos termos da qual optou pelo regime da contabilidade organizada, em cumprimento da Circular n.º 5/2007, de 13 de março, do Diretor Geral dos Impostos, nos termos da qual “[o]s sujeitos passivos que, embora preenchendo os requisitos para tributação pelo regime simplificado, optaram, em 2006, pelo regime da contabilidade, devem exercer novamente a opção a que se refere o n.º 3 do artigo 28º do Código do IRS, até ao fim do mês de Março de 2007, para se manterem neste regime durante o triénio 2007-2009.” (sublinhado e negrito nossos).

VI - Considerando que, no caso, o 1.º Recorrido procedeu de acordo com a referida Circular e que a AT, ao proceder a liquidações oficiosas de IRS para o ano de 2008, enquadrando o 1.º Recorrido no regime simplificado, não cumpriu com o disposto na Circular, procedeu de forma ilegal, ao arrepio do referido no art.º 68, n.º 4, alínea a) da Lei Geral Tributária (na redação vigente no ano 2007).

VII - Nessa medida e tendo em conta que, de acordo com o disposto no art.º 28.º, n.º 5 do Código do IRS, na redação dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, foi feita, pelo 1.º Recorrido, a opção pelo regime da contabilidade (em cumprimento da citada Circular), o período de permanência mínimo neste regime é de três anos, o 1.º Recorrido deveria ter ficado, também por este motivo, enquadrado neste regime durante o triénio 2007/2009.

VIII - Considerando a prova produzida, bem como o direito aplicável à questão em apreço, a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” não poderia ser outra.

Termos em que deve ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida, fazendo assim V/ Exas. a COSTUMADA JUSTIÇA!.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 200 a 202, suscitando “a exceção de incompetência deste STA, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso”, pois que nos presentes autos “a Recorrente não só questiona a interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto que foram feitas na sentença recorrida, como questiona a própria matéria de facto dada como assente, uma vez que invoca factualidade que não foi levada ao probatório”. Para o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, “da matéria de facto levada ao probatório na sentença recorrida não resultam discriminados quaisquer valores de rendimentos obtidos nos exercícios assinalados, nem se o contribuinte fez ou não opção pelo regime geral no ano de 2008”, considerando que “independentemente do peso que tais factos têm na solução a dar ao pleito, certo é que esses factos revestem pertinência na solução defendida pela Recorrente”, o que determina a necessária competência do TCA Sul para dirimir o pleito, “para o qual a recorrente poderá requerer a remessa do processo, nos termos do estatuído no artigo 18.°, nº 2, do CPPT”.

4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público e para, querendo, se pronunciarem sobre a excepção de incompetência aí suscitada, veio a recorrente requerer que caso venha a ser julgada por verificada a excepção de incompetência do STA, seja ordenada a remessa dos presentes autos, nos termos do art.º 18.º n.º 2 do CPPT, para o tribunal julgado competente para o conhecimento daquele recurso”.

5 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


– Fundamentação –

6 – Questão a decidir

Importa primariamente decidir da questão prévia suscitada nos presentes autos, relativa à alegada incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal para conhecimento do objecto do recurso.

Improcedendo esta excepção de incompetência, haverá então que conhecer do mérito do recurso, sendo a questão decidenda a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, em violação do disposto no artigo 28.º do Código do IRS, ao considerar que, no ano de 2008, se mantinham válidas e eficazes as opções pela tributação ao abrigo do regime geral da contabilidade organizada exercidas pelos recorridos em 2006 e em 2007, respectivamente.

7 – Matéria de Facto

É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:

1. Os Impugnantes, A………… e B…………, casados entre si, estiveram sujeitos, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, no que se refere a rendimentos empresariais ou profissionais do Impugnante marido [atividade principal CAE90020, atividade secundária CAE93294], ao regime geral «por opção» no ano de 2006, com contabilidade organizada.

2. Devido às alterações legislativas sobrevindas ao regime do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares no início de 2007 [e, bem assim, à Circular 5/2007 de 13 de março nessa sequência emanada pelo Diretor-Geral dos Impostos], no dia 20 de março de 2007 o Impugnante fez apresentar à Administração Tributária uma [nova] «declaração de alterações», na qual optava por aquele mesmo regime geral com contabilidade organizada.

3. Assim, e relativamente ao ano de 2008, no dia 21 de maio de 2009 os Impugnantes apresentaram a sua declaração de rendimentos para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, modelo 3, em consonância com aquela opção, relativa aos rendimentos em questão – com um anexo C, portanto.

4. Contudo, as opções pelo regime geral mencionadas nos pontos 1. e 2. não foram consideradas qua tale pela Administração Tributária, mas diversamente, assim:

- em função do facto de o Impugnante, em 2006, ter obtido rendimentos profissionais e empresariais em montante superior ao limite fixado no art.28º nº 2 corpo e alínea b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares para aplicação do regime simplificado, teve-o como vinculado por lei ao regime geral [por que ele, coincidentemente, também optara];

- em função do facto de o Impugnante, em 2007, ter obtido rendimentos profissionais e empresariais em montante inferior ao limite fixado no art.28º nº 2 corpo e alínea b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, teve-o como vinculado por lei ao regime simplificado [que o Impugnante rejeitara];

5. Em face de tudo isso, a declaração apresentada como referido no ponto 3., nunca foi liquidada, dada a discrepância que gerava com o teor do cadastro da Administração Tributária.

6. Ao invés disso, ante a assinalada divergência, o(s) Impugnante(s) foi(ram), sim, notificado(s) a 20 de agosto de 2009 para apresentar(em) nova declaração com um anexo B, ou fazer(em) prova da mencionada declaração do ponto 2..

7. Como a tanto não acederam, foi “gerado” um documento de correção, com base no qual, aplicando o regime simplificado, a Administração Tributária lhes elaborou em 26 de novembro de 2012 uma liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares para o ano de 2008, com o nº[2012]5005054303, com conexa liquidação de juros compensatórios, com o nº[2012]2097656, relativamente às quais foi então emitida a nota de cobrança com o nº[2012]1904108, com dívida de imposto de €27.830,90 e, de juros, no montante de €3.861,25, com prazo de pagamento com termo em 2 de janeiro de 2013.

8. Notificados desses atos, até ao dia 28 de novembro de 2012 os Impugnantes suscitaram sobre eles uma reclamação graciosa, procedimento este que recebeu o nº 1520201204003071, no Serviço de Finanças de Loures 1, invocando aí, em suma, que contrariavam a opção feita pelo regime geral, com contabilidade, insurgindo-se por isso contra a subjacente fixação de uma matéria coletável de €31.692,15, pedindo a anulação da(s) liquidação(ões).

9. Todavia, esse procedimento foi liminarmente arquivado por despacho de 20 de dezembro de 2012, sob a consideração de que tendo o Impugnante sido notificado do indeferimento sobre o seu pedido de alteração da opção no cadastro, por erros contidos na declaração (por comparação com o constante do cadastro da Administração Tributária), a reclamação graciosa não era o meio adequado a dirimir questões de enquadramento em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

10. Tendo sido notificados de tanto a 13 de janeiro de 2013, pediram em data desconhecida, lhes fosse complementarmente facultada a fundamentação daquela decisão, tendo para o efeito sido em 6 de fevereiro de 2013 emitida a pertinente certidão.

11. E foi munidos já de tais elementos que no dia 22 de fevereiro de 2013 os Impugnantes apresentaram então a petição na origem destes autos.

8 – Apreciando

8.1. Questão prévia: da incompetência deste Supremo Tribunal em razão da hierarquia para conhecimento do objecto do recurso

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste STA suscita “a exceção de incompetência deste STA, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso” por considerar, em suma, que “da matéria de facto levada ao probatório na sentença recorrida não resultam discriminados quaisquer valores de rendimentos obtidos nos exercícios assinalados, nem se o contribuinte fez ou não opção pelo regime geral no ano de 2008”, considerando que “independentemente do peso que tais factos têm na solução a dar ao pleito, certo é que esses factos revestem pertinência na solução defendida pela Recorrente”, o que determina a necessária competência do TCA Sul para dirimir o pleito.

Vejamos.

Como é sabido, das decisões de primeira instância apenas cabe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo “quando a matéria for exclusivamente de direito”, cabendo recurso para o Tribunal Central Administrativo das restantes decisões judiciais que o admitam (artigos 280.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

Por essa razão, o artigo 280.º, n.º 1 do CPPT prescreve que das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Assim, para aferir da competência em razão da hierarquia do STA há que olhar para as conclusões da alegação do recurso (sabido que elas definem e delimitam o objecto e âmbito do mesmo - cf. os arts. 684.°, n.º 3, e 690.°, n.º 1 e 3, do CPC) e verificar se, perante elas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto – seja porque o recorrente defende que os factos levados ao probatório não estão provados, seja porque diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, seja porque invoca factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa (cfr. o Ac. deste Tribunal de 30 de Junho de 2010, rec. n.º 201/10).

No caso dos autos, cremos que nenhuma das alegações de recurso implica a necessidade de dirimir “questões de facto”, antes se resolvendo mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas. É que, como se desenvolverá melhor adiante, este Supremo Tribunal tem entendido que o n.º 5 do artigo 28.º do Código do IRS, com a redacção em vigor antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, não previa a caducidade da opção pela tributação ao abrigo do regime geral da contabilidade organizada em sede de IRS nem fixava qualquer período mínimo de permanência neste regime.

Como tal, tendo os Recorridos exercido a sua opção pela tributação pelo regime geral em 2006, revela-se inócuo apurar se reiteraram expressamente a vontade de continuarem a ser tributados ao abrigo desse regime no ano que se encontra em análise (2008) ou se nele foram incluídos automática e implicitamente por força da opção geral anteriormente exercida (designadamente, a opção exercida em 2006). E revela-se também inócuo perceber quais os valores de rendimentos obtidos em 2006 e em 2007 porque, como igualmente se exporá melhor adiante, a opção exercida em 2006 manteve-se válida nos anos sob análise independentemente de o valor dos rendimentos obtidos pelos Recorridos os situar, em cada ano, no regime de contabilidade organizada por opção ou por obrigação.

Deste modo, consideramos que no presente recurso está em causa a apreciação exclusiva de “matéria de direito”, pelo que este STA é competente para conhecer do recurso ao abrigo artigos 280.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, não se verificando a suscitada excepção dilatória de incompetência deste Tribunal.

8.2. Dos vícios imputados à sentença recorrida

A sentença recorrida, a fls. 128 a 138 dos autos, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelos recorridos, por considerar que dada a falta de limitação temporal da opção de tributação pelo regime geral com base na contabilidade exercida pelos Recorridos em 2006 e “o caráter trienal da expressão de vontade” relativo à opção exercida em 2007, era forçoso concluir que no ano de 2008 os Recorridos teriam de ser tributados pelo regime da contabilidade organizada, como decorre do disposto no n.º 5 do artigo 28.º do Código do IRS, na redacção conferida pela Lei n.º 53-A/2006, “não se enxergando como nem por que razão no ano de 2008 haveria ele de ver aplicado o regime por que não optara”. Para o Tribunal a quo, “a adesão a um regime diverso do normal, como é o simplificado, constitui só por si uma excecionalidade, cuja aplicação carece de norma específica que consinta escolha, ou expressão de vontade consentânea, art.104º nº1 da Constituição, art.1º e, in casu, 3º-4º Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares”, razão pela qual “não podia a Administração Tributária, durante a vigência trienal da escolha, estar a retirar ou a repor o regime de tributação específica para os rendimentos em causa”.

Discorda do decidido a recorrente AT, imputando à sentença erro de julgamento, em violação do disposto no artigo 28.º do Código do IRS. Para a recorrente, o facto de os Recorridos terem sido obrigatoriamente enquadrados no regime da contabilidade organizada por imposição legal no ano de 2007 determinou que os mesmos não pudessem ter feito nesse ano qualquer tipo de opção relativa ao regime de tributação dos rendimentos, pois esta opção só é possível “quando existe matéria relativamente à qual é aberta ao contribuinte a possibilidade de poder escolher, de qual forma pretende ver a sua situação fiscal tratada”, o que não aconteceu no caso dos autos visto que o enquadramento fiscal não resultou “de uma opção mas de uma imposição legal”. Como tal, a Recorrente defende que os Recorridos deveriam “ter exercido a opção prevista no nº 1 do art.º 28 do CIRS, até ao final do mês de Março de 2008, entregando para o efeito uma declaração de alterações” sendo que, não o tendo feito, foram automaticamente enquadrados “no regime simplificado de determinação do lucro tributável nos exercícios de 2008 a 2010”.

Contra-alegaram os Recorridos, sublinhando que “o 1.º Recorrido, já no ano de 2006, se encontrava enquadrado, por opção, na forma de determinação dos seus rendimentos empresariais e profissionais em sede de IRS com base na contabilidade, o que determinaria, face à lei vigente à data da opção, que não lhe viesse a ser aplicado o regime simplificado de tributação em sede daquele imposto nos anos de 2006, 2007 e 2008”, pois que “não prevendo a lei um período mínimo de permanência neste regime, não deveriam os seus rendimentos da categoria B ser apurados de acordo com o regime simplificado, sendo as liquidações oficiosas promovidas pela AT ilegais”. Ademais, o 1.º Recorrido apresentou em 2007 “uma declaração de alterações, nos termos da qual optou pelo regime da contabilidade organizada, em cumprimento da Circular n.º 5/2007, de 13 de março, do Diretor Geral dos Impostos”, razão pela qual “o 1.º Recorrido deveria ter ficado, também por este motivo, enquadrado” no regime da contabilidade organizada durante o triénio 2007/2009.

Vejamos.

Como é jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal Administrativo, do disposto no n.º 1 do artigo 28.º do Código do IRS resulta (salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º do mesmo Código) que a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais se faz com base na aplicação das regras do regime simplificado ou com base nas regras do regime de contabilidade organizada, ficando abrangidos pelo regime simplificado em cada ano os sujeitos passivos que não tenham ultrapassado, no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos limites indicados no n.º 2 daquela disposição legal e não tenham optado pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade (assim vide, a título de exemplo, os Acórdãos deste STA proferidos a 27 de Janeiro de 2010 no Processo n.º 0906/09 e a 4 de Novembro de 2015 no Processo n.º 0877/15).

Assim o é porque, como bem resulta das palavras de Rui Duarte Morais, “Sobre o IRS”, 2006, Almedina, p. 73, “a regra do nosso sistema fiscal é o lucro ser apurado com base na contabilidade”, caso em que “a matéria colectável de imposto corresponderá então ao resultado contabilístico dessa actividade (art. 29.º, n.º 1), depois de “corrigido” segundo as prescrições da lei fiscal”. Paralelamente, o regime simplificado constitui um regime não vinculativo, válido somente para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada. Como ensinava SALDANHA SANCHES (Fiscalidade, Julho/Outubro de 2001), o regime simplificado tem sempre como pressuposto uma opção do contribuinte que renuncia ao seu direito subjectivo de ser tributado com base na contabilidade, sendo uma das situações em que a lei atribui relevância à sua vontade e em que ele pode optar pelo regime que considera mais favorável.

Ora, de acordo com o probatório fixado na sentença recorrida (cfr. o seu n.º 1, in fine), em 2006 os recorridos optaram expressamente pela respectiva tributação, em sede de IRS, ao abrigo do regime geral da contabilidade organizada. E considerando esta opção manifestada de forma expressa, não havia como oficiosamente obrigar os recorridos a serem tributados pelo regime simplificado no ano de 2008 (ao contrário do que reiteradamente alega a recorrente).

Com efeito, como se consignou no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo proferido a 27 de Janeiro de 2010 no âmbito do Processo n.º 0906/09, tendo o sujeito passivo optado “pelo regime de contabilidade organizada, não havia como aplicar-lhe o regime simplificado, pois que o preceito não previa a caducidade dessa opção nem fixava qualquer período mínimo de permanência no regime geral (ao contrário do que sucede hoje, na versão que foi conferida ao artigo 28.º n.º 5 do CIRS pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro)”, podendo essa opção ser exercida na Declaração de Início de Actividade ou numa Declaração de Alterações, pois que esta última declaração substitui, no que toca a este aspecto e para todos os legais efeitos, a Declaração de Início de Actividade, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 112.º do Código do IRS.

Neste mesmo sentido vai o Acórdão deste STA proferido a 17 de Março de 2010 no Processo n.º 056/10, onde se pode ler, com as necessárias adaptações que, “tendo o sujeito passivo tributado pelo regime simplificado apresentado em 7 Setembro de 2001 a sua opção pelo regime de contabilidade organizada - Declaração de Alterações -, por aplicação do disposto no nº 4 do artº 31º do CIRS, passou a ser tributado por esse regime nos anos seguintes, independentemente do volume de vendas e do período de permanência no anterior regime de tributação simplificado”.

Apenas assim não seria no caso de os recorridos se encontrarem sujeitos ao regime simplificado (por falta de opção pelo regime geral e inclusão automática no regime simplificado), caso em que, como se consignou no já referido Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo proferido a 27 de Janeiro de 2010 no âmbito do Processo n.º 0906/09, a norma legal lhe exigia “que entregasse, no caso de pretender ser tributado pelo regime geral num determinado ano, a declaração de alterações até ao fim do mês de Março desse ano. Se ele já se encontrava inserido no regime geral, por opção feita na declaração de início de actividade nos termos da alínea a) do nº 4, não tinha de renovar anualmente essa opção nos termos da alínea b) do nº 4”.

Portanto, perante o comportamento declarativo adoptado pelos recorridos em 2006, impõe-se considerar como válida e relevante essa opção pelo regime geral de contabilidade relativamente ao ano de 2006 e relativamente aos exercícios seguintes, incluindo o ano de 2008 que se encontra em causa nos presentes autos.

Ora, pretende a Recorrente inquinar o raciocínio que temos seguido, ao sublinhar que os recorridos voltaram a optar pela aplicação do regime geral de contabilidade organizada em 2007 sem que, nesse ano, pudessem exercer tal opção por já se encontrarem nele enquadrados por imposição legal (“por não preencherem os requisitos previstos no nº 2 do art.º 28 do CIRS”), sustentando, em suma, que a possibilidade de opção só existe “quando existe matéria relativamente à qual é aberta ao contribuinte a possibilidade de poder escolher, de qual forma pretende ver a sua situação fiscal tratada”. E como tal, caso os recorridos pretendessem permanecer no regime geral de contabilidade organizada em 2008, deveriam ter (novamente) “exercido a opção prevista no nº 1 do art.º 28 do CIRS, até ao final do mês de Março de 2008, entregando para o efeito uma declaração de alterações, conforme refere a al. b) do nº 4 do citado artigo, uma vez que o total dos rendimentos efectivamente obtido no exercício de 2007 foi de €76.914,90, sendo inferior ao limite legal estabelecido de €99.759,58.”

Mas sem qualquer razão.

Desde logo porque o regime eleito pelos recorridos no exercício de 2007 era o que já lhes seria aplicável sem que tivessem (novamente) manifestado a sua vontade.

Depois porque, conforme já consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal proferido a 11 de Maio de 2016 no âmbito do Processo n.º 01536/15, “se a permanência no regime simplificado implica que os sujeitos passivos, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos” determinado no n.º 2 do artigo 28.º do Código do IRS, “não há qualquer requisito específico quanto ao valor dos rendimentos auferidos para que os [sujeitos passivos] possam optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade”.

E por fim porque este tem sido o entendimento expresso por este STA e que não vemos razões para alterar, por tudo quanto aduzimos anteriormente. Assim, veja-se o Acórdão deste STA proferido a 4 de Novembro de 2015 no Processo n.º 0877/15, “no caso, o recorrido impugnante marido estava, por opção, a ser tributado, no triénio 2006/2008, de acordo com a contabilidade organizada e não tendo optado pela alteração desse regime no momento em que o poderia ter feito, tal regime mantém-se, pois que, como se viu e bem refere a sentença recorrida, nos termos do n° 5 do art. 28º do CIRS, o período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n° 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da al. b) do nº 4, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido”. O que os Recorridos não fizeram no caso sub judice, motivo pelo qual não podia a Administração Tributária ter-se substituído aos Recorridos nessa opção.

Nesta conformidade, a sentença em crise nos presentes autos não merece a censura que lhe é dirigida, sendo antes de reiterar o que nela bem se afirma: “em todos e cada um dos anos o Impugnante mantinha expressa e oportuna declaração pelo regime geral, sendo que em nenhum desses anos circunstância alguma lhe vedava o normal acesso ao regime geral, como se retira de todo o art.28º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, em ambas as versões de 2006, ou de 2007”. Com efeito, “fosse pela declaração de 2006, como nos parece curial, pois não havia então limites temporais para a sua vigência, fosse já pela que reiterou em 2007, com validade em princípio trienal – feita aliás em consonância com as informações genéricas da própria Administração Tributária, pela Circular 5/2007 de 13 de março de 2007 –, ao apuramento do rendimento tributável do Impugnante proveniente de atividades profissionais ou empresariais sempre se aplicaria o regime geral, nesses anos como no de 2008”.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento.


– Decisão –

9 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso do Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Julho de 2019. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Dulce Neto – Francisco Rothes.