Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0439/18.5BELLE
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:TAXA DE JUSTIÇA
CONTRA-ORDENAÇÃO
RECURSO DIRECTO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário:I – A admissibilidade do recurso jurisdicional interposto pelo Ministério Público para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do preceituado no artigo 444.º, n.º 2 do CPP, tem necessariamente como pressuposto que haja uma decisão (sentença ou despacho) proferida por Tribunal Tributário contra jurisprudência fixada em acórdão de uniformização de jurisprudência do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
II – O recurso jurisdicional interposto ao abrigo do preceituado no artigo 83.º do RGIT pressupõe, cumulativamente, que a decisão recorrida seja uma sentença ou despacho proferido ao abrigo da faculdade prevista no artigo 64.º do RGCO, em que tenha sido aplicada coima de valor superior a ¼ da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância.
III – Não satisfazendo o despacho de deferimento da taxa de justiça à Arguida, proferido posteriormente à sua absolvição da infracção que lhe fora imputada, os pressupostos identificados em II, o recurso interposto ao abrigo do referido normativo legal não deve ser admitido.
Nº Convencional:JSTA000P27197
Nº do Documento:SA2202102170439/18
Data de Entrada:10/30/2020
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. A Excelentíssima Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, discordando da decisão da Juíza deste Tribunal que deferiu o pedido de devolução da taxa de justiça paga pela sociedade denominada “A……………….., Lda.” - efectuado na sequência da sentença que julgou procedente o recurso judicial por esta último deduzido contra a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima pela prática de uma contra-ordenação tributária - veio interpor recurso jurisdicional invocando, como fundamento legal, o preceituado nos artigos 446.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP) e 83.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

1.2. Tendo alegado, sintetizou nas conclusões que infra se reproduzem as razões que, em seu entender, devem ser relevadas e conduzir à eliminação da decisão impugnada na ordem jurídica:

«I- O presente recurso é interposto do despacho proferido a 02/03/2020 nos autos de Recurso de Contra-Ordenação acima identificados que deferiu a restituição da taxa de justiça paga pela Recorrente (Arguida) pela interposição do Recurso.

II- O Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no sentido de “Sendo proferida decisão favorável ao recorrente em recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não há lugar à restituição da taxa de justiça, paga nos termos do art. 8º nº 7 e 8 do Regulamento das Custas Processuais” (acórdão de 06/03/2014 proferido no processo nº 5570/10.2TBSTS-APL-A.S1).

III- Os tribunais devem fundamentar as divergências relativamente às decisões que fixam jurisprudência quando não a aplicam (art. 445º nº 3 CPP).

IV- A douta decisão recorrida demonstrou ter conhecimento da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça optando no entanto por concordar com o voto de vencido constante do aludido acórdão de fixação de jurisprudência de 06/03/2014.

V- Todavia não aduziu novos e relevantes argumentos que não tenham sido ponderados anteriormente.

VI- Donde resulta, salvo melhor opinião, que não cumpre as exigências legais de fundamentação da divergência relativamente à jurisprudência fixada.

VII- De acordo com o preceituado no art. 446º nº 2 do CPP, aplicável por força da al. b) do art. 3 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e do art. 41º nº 1 do Regime Geral das Contra Ordenações (RGCO,) o presente recurso é obrigatório para o Ministério Público.

VIII- Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e a decisão recorrida substituída por outra que aplique a jurisprudência fixada».

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira, não obstante ter sido notificada da interposição do recurso e da sua admissão, não contra-alegou.

1.4. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público, tendo a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitido parecer no sentido de não ser admitido o recurso, com os fundamentos constantes dos acórdãos de 8-7-2020 e 27-6-2018, proferidos, respectivamente, nos processos n.ºs 022/14.4BELRS e 1494/17, bem como a demais jurisprudência nestes arestos referida.

1.5 Cumpre decidir.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem. Na sua vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentado pela Exma. Magistrada do Ministério Público que é uma só a questão que nos é colocada, qual seja, a de saber se deve ser revogado o despacho proferido pela Meritíssima Juíza que deferiu o pedido de restituição da taxa de justiça paga pela arguida, por na sua fundamentação ter sido perfilhada uma interpretação do artigo 8.º, n.ºs 7 e 8 do Regulamento das Custas Processuais (CPPT) distinta da fixada no acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Março de 2014, proferida no processo n.º 5570/10.2TBSTS-APL-A.S1.

Antes, porém, importará apreciar a questão da admissibilidade do recurso suscitada pela Exma. Procuradora Geral Adjunta neste Supremo Tribunal.

3. Com interesse para a decisão a proferir, há que considerar o seguinte circunstancialismo processual:

A) O Director da Direcção de Finanças, por decisão de 21 de Junho de 2018, aplicou à sociedade denominada “A……………. Lda.” (anteriormente denominada “B…………………., S.A.”) uma coima no valor de € 2.663,29, pela prática de factos que entendeu constituírem infracção ao preceituado no artigo 104.º, n.º 1 al. a) do CIRC – Falta de entrega do pagamento por conta -, punida pelos artigos 114.º n.º 2 e 26.º, n.º 4, do RGIT conforme fls. 48 e 49 do processo em suporte físico, a que nos reportaremos se outra menção não ficar consignada.

B) A sociedade arguida recorreu da decisão administrativa da aplicação da coima para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé – conforme 14 a 44.

C) Com a apresentação em juízo do recurso referido em B), a Arguida juntou comprovativo de prévio pagamento de taxa de justiça no valor de € 102,00 – conforme fls. 46 e 47.

D) Por despacho de 6 de Fevereiro de 2019, a Juíza ordenou a notificação da Arguida e a Exma. Magistrada do Ministério Público para, querendo, no prazo de 10 dias, se oporem à decisão do recurso por despacho – conforme fls. 97.

E) Por decisão de 30 de Dezembro de 2019, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou o recurso judicial procedente e, em consequência, absolveu a Arguida da prática da infracção por que tinha sido acusada – conforme fls. 116 a 125.

F) Por requerimento de 5 de Fevereiro de 2020, a Arguida requereu ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Loulé a devolução da taxa de justiça referida em C) – conforme fls. 128 e 129.

G) Pronunciando-se sobre o requerimento, a Exma. Procuradora da República exarou no processo “ Nada a opor ao seu deferimento” - conforme fls. 131.

H) Em 2 de Março de 2020, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé proferiu despacho em que, aderindo ao voto de vencido lavrado no acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Março de 2014, proferido no processo n.º 5570/10.2TBSTS-APL-A.S1, que transcreveu, entendeu ser de devolver a taxa de justiça à Arguida, o que ordenou – conforme fls. 132 e 133.

I) O presente recurso jurisdicional foi interposto a 15 de Março de 2020 – conforme fls. 134.

4. Fundamentação de Direito

4.1. A Arguida, com a interposição do presente recurso judicial, deu de imediato cumprimento ao preceituado no n.º 7 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), que, sob a epígrafe «Taxa de justiça em processo penal e contra-ordenacional», determina, no seu n.º 7, que «É devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito dos processos contra-ordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, nos termos da tabela III, que faz parte integrante do presente regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito».

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, tendo presente que o pagamento já tinha sido concretizado, não determinou, aquando da notificação da Arguida para se opor à decisão da causa por despacho, a sua notificação para esse efeito, tendo, após ter decorrido aquele prazo sem que as partes se opusessem, conhecido do recurso judicial da decisão de aplicação da coima por despacho, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do RGCO, julgou-o procedente e, em consequência, absolveu a Arguida da infracção por que vinha acusada.

Após o trânsito em julgado dessa decisão, a Arguida pediu a devolução da taxa de justiça paga, pedido que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou procedente, após a Exma. Procuradora da República junto desse Tribunal ter afirmado nada ter a opor.

A Meritíssima Juíza a quo, após ter expressamente referido que sobre a questão colocada existe um acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Março de 2014, proferido no recurso para fixação de jurisprudência com o n.º 5570/10.2TBSTS-APL-A.S1 (Publicado no Diário da República, Série I, n.º 73, de 14 de Abril de 2014, págs. 2410-2419 (ELI: http://data.dre.pt/eli/acstj/2/2014/04/14/p/dre/pt/html), exarou que discordava da sua fundamentação e sentido decisório, pelas mesmas razões que tinham ficado exaradas no voto de vencido lavrado no referido acórdão que, transcreveu integralmente, acolheu como fundamento da sua decisão.

A Exma. Procuradora da República junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, invocando o preceituado nos artigos 446.º, n.º 2 do CPP e 83.º do RGIT, recorreu dessa decisão para o Supremo Tribunal Administrativo, justificando essa interposição exclusivamente com os seguintes fundamentos:

- O referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no sentido de que “Sendo proferida decisão favorável ao recorrente em recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não há lugar à restituição da taxa de justiça, paga nos termos do art. 8º nº 7 e 8 do Regulamento das Custas Processuais”;

- Na sentença recorrida não foram adiantados argumentos que não hajam sido relevados na elaboração daquele acórdão uniformizador, como se denota do facto de a fundamentação se esgotar no acolhimento do voto de vencido aposto nesse acórdão uniformizador, violando, assim, o preceituado no artigo 445º, nº 3 CPP, que determina que «Os tribunais devem fundamentar as divergências relativamente às decisões que fixam jurisprudência quando não a aplicam»;

- O presente recurso, por força do preceituado nos artigos 446º nº 2 do CPP, aplicável por força da al. b), do artigo 3 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e do artigo 41º, nº 1 do Regime Geral das Contra Ordenações (RGCO,) é obrigatório para o Ministério Público

4.2. Há, antes do mais, que apreciar se o recurso deve ser admitido, o que faremos considerando quer o quadro legal previsto no artigo 446.º do CPP quer a regulamentação do artigo 83.º do RGIT uma vez que, embora convocados simultaneamente no requerimento de interposição do recurso pela Exma. Procuradora da República junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, são tipos de recurso distintos, tal como são diversos os pressupostos de que está dependente a sua admissibilidade.

4.2.1. Da admissibilidade do presente recurso com fundamento no regime legal consagrado no artigo 446.º do CPP: recurso de decisão contrária a acórdão uniformizador

Do artigo 446.º do CPP, sob a epígrafe «Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça», consta o seguinte:

«1 - É admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.

2 - O recurso pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.

3 - O Supremo Tribunal de Justiça pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada.».

Resulta da leitura deste preceito que constituem pressupostos objectivos específicos de admissibilidade deste recurso: (i) a existência de um acórdão uniformizador de jurisprudência emanado do Supremo Tribunal de Justiça; (ii) a existência de uma decisão (despacho ou sentença) que tenha julgado em sentido contrário à jurisprudência naquele acórdão fixada; (iii) o trânsito em julgado da decisão recorrida (n.º 1).

No que respeita aos pressupostos gerais (legitimidade e prazo), a sua interposição deve ser feita no prazo de 30 dias contados do trânsito da decisão recorrida, pelo arguido, assistente ou pelas partes civis, sendo obrigatória para o Ministério Público (n.º 2).

Ora, basta atentar no circunstancialismo processual que deixámos relevado, no teor da decisão recorrida e das conclusões do recurso, para facilmente se concluir que o presente recurso, à luz deste regime legal, não deve ser admitido, por duas ordens de razões.

A primeira é a de que este Supremo Tribunal Administrativo não proferiu até hoje qualquer acórdão uniformizador relativamente ao sentido com que devem ser interpretadas as normas contidas nos n.ºs 7 e 8 do artigo 8.º do Regulamento das Custas processuais (RCP). Ou seja, ainda que seja indiscutível que a legislação processual penal é aplicável aos julgamentos e recursos realizado pelos tribunais tributários em matéria contra-ordenacional, do que resulta, consequentemente, que também o recurso previsto no artigo 446.º do CPP seja aplicável nesta jurisdição, o certo é que temos que ter presente que a lei também determina que essa aplicação deve ser realizada com as necessárias adaptações.

No caso, a aplicação do artigo 446.º do CPP com as devidas adaptações implica que se interprete o comando do artigo 446.º, n.º 1 do CPP como sendo admissível recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo de qualquer decisão (sentença ou despacho) que decida contra jurisprudência fixada por acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

Não sendo o caso, o recurso interposto ao abrigo do artigo 446.º do CPP, não pode ser admitido.

A segunda razão determinante da não admissão do recurso com fundamento no artigo 446.º do CPP prende-se com a data sua interposição, uma vez que, o confronto da data de interposição do recurso (15-3-2020) com a data de prolação da decisão (3-3-2020), permite-nos facilmente concluir que quando o recurso foi apresentado a decisão recorrida ainda não tinha transitado em julgado.

Esta imposição de interposição do recurso ao abrigo do artigo 446.º do CPP apenas dever ocorrer (ser admitido) após aquele trânsito prende-se com o facto de o legislador processual com a reforma imprimida pela Lei n.º 48/2007 - após longa discussão na jurisprudência quanto aos prazos de admissão do recurso e à natureza deste – ter optado por lhe imputar a qualidade de recurso extraordinário cuja admissibilidade está dependente de não ser possível interpor recurso ordinário da decisão recorrida.

Pelo que, também por esta razão o recurso extraordinário interposto ao abrigo do artigo 446.º do CPP não podia ser admitido.

3.3. Da admissibilidade do recurso de decisão contrária a acórdão uniformizador à luz do regime consagrado no artigo 83.º do RGIT:

Vimos já que o recurso extraordinário de decisão proferida por tribunal tributário contra acórdão uniformizador de jurisprudência previsto no artigo 446.º do CPP exige que aquele acórdão tenha sido proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo e que, no caso, isso não ocorre.

Pode, no entanto, colocar-se a questão de saber se o presente recurso deve ser admitido ao abrigo do artigo 83.º do RGIT, também ele convocado pela Recorrente, no qual, sob a epígrafe “Recurso da sentença” está estabelecido o seguinte:

«1 - O arguido, o representante da Fazenda Pública e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, exceto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória

2 - Se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de direito, é directamente interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

3 - O recurso é interposto no prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho, da audiência do julgamento ou, caso o arguido não tenha comparecido, da notificação da sentença».

A nossa resposta quanto a essa admissibilidade é igualmente negativa.

Efectivamente, embora não seja discutível a legitimidade do Ministério Público para a sua interposição (n.º 1), e seja evidente que a questão suscitada neste recurso é exclusivamente de direito (n.º 2), o mesmo não incide, como pressupõe o artigo 83.º, sobre uma sentença, antes possui como objecto (decisão recorrida) um “mero despacho”.

É verdade que no n.º 3 do preceito em referência o legislador refere, como um dos circunstancialismos processuais para aferir da tempestividade do recurso, a “ notificação do despacho”. Porém, como bem se compreende, esse “despacho” é o despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 64.º, n.º 2, do RGCO (aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT), situação em que o Juiz decide de facto e de direito do objecto do litígio em termos totalmente equiparáveis aos julgamentos realizados por sentença.

É esta a interpretação que o Supremo Tribunal Administrativo há muito vem fazendo deste preceito e é com base nela que os recursos, interpostos de despachos proferidos nos termos do artigo 64.º, n.º 2 do RGCO, ao abrigo do artigo 83.º do RGIT, vem sendo admitidos. Interpretação que, de resto, está absolutamente conforme com a definição de “sentença” que se encontra consagrada no n.º 2 do artigo 152.º do CPC (“Diz-se «sentença» o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa).

Em síntese, não incindindo o recurso ora em apreço sobre sentença ou despacho proferido ao abrigo do artigo 64.º do RGCO, há que concluir que também não se verificam os pressupostos de admissão de recurso impostos pelo artigo 83.º do RGIT.

3.4. A única questão que ainda se pode colocar é a de saber se o presente recurso pode ser admitido ao abrigo do preceituado no artigo 73.º, n.º 2 do RGCO.

Mas também essa admissão não pode ter lugar.

Na verdade, “a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar há muito que (…) mesmo em casos em que o valor da coima é inferior à alçada e não há aplicação de sanção acessória, o recurso pode ser admitido ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 73.º do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, «quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência». (Acórdão desta Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 21-2-2018, no processo n.º 1398/16, integralmente disponível em www.dgsi.pt, a que igualmente pertencem as demais transcrições posteriormente realizadas. )

Porém, como se sublinha no mesmo acórdão, “cumpre ter presente que a decisão recorrida não é uma sentença nem sequer um despacho proferido ao abrigo do n.º 2 do art. 64.º do RGCO; é, isso sim, um despacho proferido após o trânsito em julgado da decisão judicial do recurso da decisão administrativa que aplicou uma coima, despacho que se refere, exclusivamente, à devolução da taxa de justiça, paga nos termos do art. 8.º, n.ºs 7 e 8, do RCP.

E “este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, «[n]o recurso judicial da aplicação da coima só há lugar ao pagamento da taxa de justiça se a coima não estiver paga [(Pensamos que é no sentido de “quando a coima não tenha sido previamente paga” que deve ser interpretada a expressão «quando a coima não tenha sido previamente liquidada».)], sendo o momento para pagar após a notificação da data designada para a audiência de julgamento ou do despacho que dispensar a audiência, devendo ser expressamente indicado ao arguido o prazo e os modos de pagamento da mesma (cfr. art. 8.º, n.ºs 7 e 8, do RCP)» (Cfr. os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (…)

Ora, o referido despacho, ora recorrido, não pode ser qualificado como sentença nem como despacho judicial proferido nos termos do artigo 64.º do RGCO, motivo por que não cabe na previsão do n.º 2 do art. 73.º do RGCO, onde apenas podem subsumir-se decisões judiciais que se reconduzam a uma daquelas categorias e, por isso, integrem decisões finais que conheçam do recurso judicial interposto da decisão administrativa de aplicação da coima (…)”, interpretação esta “do n.º 2 do art. 73.º do RGCO – que, reiteramos, apenas alude a “aceitar o recurso da sentença” – que não enferma de inconstitucionalidade alguma, designadamente por violação das garantias de defesa que o art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa consagra para o processo penal e que sejam extensíveis ao processo de contra-ordenação, como tem vindo a decidir o Tribunal Constitucional

3.5. Por todo o exposto, o recurso interposto pelo Ministério Público, nos termos e ao abrigo dos artigos 446.º, n.º 2 do CPP e 83.º do RGIT, do despacho da Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que deferiu, após trânsito em julgado da sentença que absolveu a Arguida do pagamento da coima que lhe tinha sido aplicada, a devolução da taxa de justiça paga, não é de admitir por falta de verificação dos seus pressupostos, o que prejudica o conhecimento da questão que nele vinha suscitada.

4. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, não admitir o recurso interposto pelo Ministério Público.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. – Anabela Russo (Relatora) – José Gomes Correia – Aníbal Ferraz (Vencido, quanto ao entendimento assumido no ponto 3.3. (da Fundamentação de Direito) do acórdão. Entendo, ao invés, que o artigo 83.º do RGIT não pode, sob pena, além do mais, de inconstitucionalidade, ser interpretado no sentido de não admitir recursos jurisdicionais de outras decisões, proferidas no recurso (judicial) de decisão de aplicação de coima, além da sentença e/ou despacho (decisório), previsto no art. 64.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS). Defendo, portanto, que ao abrigo do disposto no art. 83.º do RGIT, em conjugação com a pertinente disciplina do Código de Processo Penal (CPP), devidamente adaptada, satisfeita a condição, entre outras, de valor mínimo para recorrer (alçada), podem ser interpostos recursos (jurisdicionais) de despachos interlocutórios e/ou posteriores à decisão final.

Em todo o caso, voto a decisão, porque, na situação julganda, o disputado recurso, apresentado pelo MP, não tem a cobertura do art. 83.º do RGIT, dada a circunstância de o valor envolvido na decisão recorrida (taxa de justiça de € 102,00) ser muito inferior ao mínimo, exigível, de € 1.250,01 (mais de um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância).