Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0427/11.2BEBJA 0268/17
Data do Acordão:11/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IRC
ENCARGOS FINANCEIROS
Sumário:I - As perdas decorrentes da cessão do papel comercial podem ser contabilizadas no apuramento do lucro tributável, à luz do disposto no artigo 23.º, n.º 1, al. c) do CIRC (redacção anterior a 2014), a título de encargos financeiros, se se demonstrar a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos do exercício;
II - Nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, o valor da acção, cujo pedido seja a impugnação da liquidação por erro na autoliquidação, corresponde ao da “importância cuja anulação se pretende”.
Nº Convencional:JSTA000P25118
Nº do Documento:SA2201911060427/11
Data de Entrada:03/15/2017
Recorrente:A......., S.A.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – A A………, S.A. interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, de 21 de Junho de 2016, que julgou apenas parcialmente procedente a impugnação judicial por si interposta, não admitindo a dedução a título de custos das perdas registadas com a alienação do papel comercial emitido pelas………., apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
§ 1. Censura-se a sentença do Tribunal a quo por esta ter errónea e ilegalmente negado a dedutibilidade em sede de IRC da perda suportada pela A……… aquando da cessão, em 2008, do papel comercial emitido pela ………… e por si subscrito, por ter fixado um valor da causa em clara violação da lei e por ter omitido qualquer pronúncia sobre pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
§ 2. O Tribunal a quo aceitou a perda decorrente da cessão pela A………… do papel comercial emitido pela ……… e a sua dedutibilidade fiscal à luz da regra geral prevista no n.º 1 do artigo 23.° do Código do IRC, prendendo-se a recusa da dedutibilidade da perda unicamente com o facto de o Tribunal a quo ter considerado aplicável a norma excepcional vertida na alínea a) do n.º 5 do artigo 23.° do Código do IRC.
§ 3. Simplesmente, esta norma, relevando apenas para as transmissões onerosas de «partes de capital», nada tem a ver com o caso dos Autos e não pode aqui ter aplicação.
§ 4. Com efeito, da interpretação do conceito de «partes de capital» à luz das regras vertentes da LGT e do Código Civil, resulta que o legislador entende que o conceito de «partes de capital» inclui apenas as «partes de capital social», distinguindo-o até das «restantes componentes do capital próprio».
§ 5. Assim, o papel comercial não constitui — nem nunca constituiu — uma «parte de capital social», consubstanciando, na verdade, valor mobiliário representativo de divida, destinado a financiar défices de tesouraria mediante a emissão de títulos nominativos, livremente negociáveis.
§ 6. O papel comercial representa um direito de crédito de curto prazo do seu subscritor sobre o emitente, permitindo a obtenção de rendimentos de juro a título de remuneração e poderá ser subscrito por qualquer terceiro; sendo que a posição de credor em nada se compara à posição de um accionista que interfere nos destinos da sociedade e tem direito à distribuição de lucros se a ela houver lugar.
§ 7. Concluindo-se que o papel comercial não se confunde com, nem se integra, no conceito de «partes de capital», então a alínea a) do n.º 5 do artigo 23.° do Código do IRC não é aplicável às transmissões de papel comercial, sendo ilegal a sentença dos Autos que assim não o entendeu.
§ 8. Em sede arbitral, e de modo unânime e consistente, foi também sustentado que quando a Lei Fiscal, como seja o Código do IRC ou o EBF, se refere a «partes de capital» se refere a partes de capital social (essencialmente, quotas ou acções) e não quaisquer outras figuras.
§ 9. Por outro lado, não sendo a norma plasmada na alínea a) do n.º 5 do artigo 23.° do Código do IRC aplicável às transmissões de papel comercial, a sua aplicação in casu conduz à violação do n.º 4 do artigo 11.° da LGT que afasta a integração analógica das normas tributárias, verificando-se, por isso, uma violação do princípio da legalidade vertido no artigo 3.° da Constituição da República Portuguesa e no artigo 8.° da LGT.
§ 10. Sem embargo, sendo a norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 23.º do Código do IRC excepcional, a sua aplicação analógica encontra-se também proibida pelo artigo 11.º do Código Civil.
§ 11. Como bem entende o Tribunal a quo, a outra perda sofrida pela Recorrente com a cessão dos demais créditos que detinha sobre a ……….., que foi efectuada através do mesmo instrumento contratual, com a mesma contraparte, nas mesmas condições e com o mesmo enquadramento económico-financeiro que a cessão do papel comercial, mostra-se plenamente dedutível, não havendo qualquer razão, de facto ou de direito, para entender de modo diferente no que respeita à perda atinente ao papel comercial.
§ 12. Não reconhecer a perda fiscal sub judice seria prejudicar duplamente a empresa; primeiro com a perda real e económica resultante da perda do activo (e.g. créditos) e, em momento posterior, ao impedi-la de reconhecer fiscalmente aquilo que foi efectivamente uma perda e tributando, portanto, o valor de perda como resultado.
§ 13. Se a Recorrente suportou, de facto, a perda com a alienação do papel comercial emitido pela …………., e não está em causa a racionalidade e a justificação das decisões por esta tomadas, então, negar a dedutibilidade daquela perda implica uma tributação que desconsidera a capacidade contributiva da Recorrente no exercício de 2008, i.e., o seu lucro real; e
§ 14. Que, simultaneamente, se afigura desproporcional aos fins tutelados pelo artigo 23.° do Código do IRC e, em particular, da alínea a) do n.º 5 do artigo 23.° do Código do IRC, e que se prendem, exactamente, com a garantia de que os custos e perdas dedutíveis sejam relacionados com os fins empresariais, evitando a verificação de abuso.
§ 15. Em suma — como foi alegado pela Recorrente ante o Tribunal a quo —, a norma do artigo 23.°, n.º 5, alínea a) do Código do IRC, interpretada no sentido da negação da dedutibilidade da perda apurada pela Recorrente com a alienação do papel comercial emitido pela sociedade …………, é, nessa interpretação e aplicação, inconstitucional por violação do princípio da tributação pelo lucro real e do princípio da proporcionalidade, princípios constantes dos artigos 104.º, n.º 2, e 266.° da Constituição da República Portuguesa.
§ 16.Nesta conformidade, a decisão recorrida que negou a dedutibilidade da perda apurada pela Recorrente com a cessão do papel comercial de que esta era titular mostra-se violadora do disposto na própria alínea a) do n.º 5 do artigo 23.° do Código do IRC, na sua melhor interpretação, como ainda atentatória dos mais elementares princípios de Direito Fiscal, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que reconheça aquela mesma dedutibilidade e determine a anulação da autoliquidação de IRC de 2008 na parte correspondente.
§ 17. A Recorrente requereu ao Tribunal a quo a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, porém sobre este pedido o Tribunal não emitiu qualquer pronúncia; assim sendo, a Recorrente argui a nulidade da sentença dos Autos, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 125.° do CPPT e na alínea d), primeira parte, do n.º 1, e no n.º 4 do artigo 615.° do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.°, alínea e) do CPPT, a qual deverá ser, de imediato, suprida pelo Tribunal de primeira instância e não o sendo deverá ser declarada por V. Exas., conhecendo, nesse caso directamente, este douto Tribunal a questão que ficou por apreciar e com os fundamentos anteriormente arguidos pela Recorrente.
§ 18. De todo o modo, o Tribunal a quo errou ao fixar o valor da causa no montante que a Recorrente pretendia ver reconhecido como custo dedutível na declaração Modelo 22 de IRC de 2008, na medida em que, nos termos do artigo 97.°-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, o valor da causa deveria ter sido fixado em € 29.721.757,54, que equivale ao montante de IRC indevidamente liquidado e pago cuja anulação se pretende e que decorre justamente de aquela perda não ter sido inicialmente relevada fiscalmente.
§ 19. Donde, por manifesta violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT deve a decisão recorrida ser anulada e ser substituída por outra que fixe o valor da causa em € 29.721.757,54.
§ 20. De outro passo, a aplicação in casu, sem mais, da regra plasmada na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.°-A do CPPT e dos artigos 6.° e 11.° do Regulamento das Custas Processuais, implica o pagamento a final de um valor de taxa de justiça gritantemente desproporcionado e excessivo por a Tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais não conter qualquer tecto máximo.
§ 21. Nesta conformidade, a Recorrente entende que estão reunidas as condições para que seja fixado — precisamente para efeito de custas e ao abrigo do artigo 296.°, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 2.°, alínea e) do CPPT — um valor da causa inferior ao valor relevante para os restantes fins e que não se prenda, exclusivamente, ao valor da liquidação contestado sub judice.
§ 22. Aliás, as normas que resultam do artigo 97.°-A do CPPT e dos artigos 6.° e 11.º, conjugados com a Tabela I — A anexa do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, e na interpretação segundo a qual não é permitido ao juiz fixar um valor da causa para efeitos de custas atendendo ao carácter manifestamente desproporcional do montante que será exigido sem aquela fixação, padecem de inconstitucionalidade por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa, e do princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.° e 18.°, n.º 2, segunda parte, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que foi arguida e aqui se reafirma pata todos os efeitos legais.
§ 23. Ainda que assim não se entenda, a Recorrente considera, nos termos imediatamente requeridos ante o Tribunal a quo ainda que por este ignorados, que deverá ser dispensada do pagamento do remanescente, nos termos do n.º 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais.
§ 24. Tudo visto, sob pena de violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade, deve a decisão recorrida ser revogada e a substituída por outra que fixe o valor da causa com vista ao cálculo da taxa de justiça e custas em valor não superior a € 275.000,00, por ser este o montante máximo previsto na aludida Tabela I—A, de modo a evitar o carácter manifestamente desproporcionado daquela taxa e custas, ou, pelo menos dispense o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Termos em que, deve ser (i) declarada e suprida a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, com os devidos efeitos e, (ii) concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a decisão emitida pelo Tribunal a quo na parte recorrida, a qual deve ser substituída por outra que: (a) reconheça a dedutibilidade fiscal da perda sofrida com a alienação de papel comercial da …………. a terceiros, anule a autoliquidação de IRC impugnada na parte correspondente e determine o subsequente reembolso do imposto pago indevidamente pela Recorrente; (b) fixe o valor da causa em € 29.721.757,54 nos termos gerais; e (c) fixe um valor da causa apenas para efeitos de custas não superior a €275.000,00 ou, pelo menos, dispense o pagamento do remanescente da taxa de justiça».


2 - A entidade recorrida não apresentou contra-alegações.


3 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso pelas seguintes razões:
1.º por considerar verificado um erro de julgamento na sentença do tribunal a quo quanto à qualificação do papel comercial para efeitos fiscais;

2.º por considerar que os custos relativos à subscrição do papel comercial emitido pela “…………” se devem considerar gastos à luz do disposto no artigo 23.º do CIRC;

3.º por considerar que a sentença incorreu também em erro sobre o valor fixado à acção e que, uma vez corrigido o valor da acção, e por estarem verificados os requisitos legais, deve ser deferido o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.


4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A - A A………. dedica-se à extracção mineira nas minas de………, sitas no concelho de…………, ao abrigo de contrato de concessão para a exploração do depósito mineral de cobre, zinco, chumbo, prata, ouro, estanho e cobalto denominado ………., celebrado entre o Estado e a A……… em 24 de Novembro de 1994, com a redacção que resultou após a alteração de 18 de Junho de 2004 — cfr. doc. n.º 6 junto com a pi;
B - A …………. era concessionária de uma outra exploração mineira de zinco, sita no concelho de………..;
C - Desde o ano de 2002 que o capital social da ……… era detido pelo Grupo ………., decorrendo de estratégia de investimento no mercado mineiro português — cfr. doc. n.º 7 junto com a pi;
D - No referido ano de 2002 a ………… encontrava-se numa situação de insolvência e, em termos produtivos, numa situação de suspensão dos trabalhos de exploração — cfr. doc. n.º 7 junto com a pi;
E - O aludido investimento do Grupo ………visava o relançamento do complexo mineiro de ………., encontrando-se dependente da recuperação da cotação do zinco nos mercados internacionais — cfr. doc. n.º 7 junto com a pi;
F - O mesmo grupo empresarial era também o candidato melhor posicionado à privatização da A………., detida, então, maioritariamente pelo Estado Português — cfr. doc. n.º 7 junto com a pi;
G - Prevendo a ……….... que o relançamento da exploração das minas de ………. e a gestão conjunta das concessões de …….. e ……… permitisse a criação de vantagens muito significativas, nomeadamente relacionadas com a redução de custos e a criação de economias de escala — cfr. doc. n.º 7 junto com a pi;
H - Foi concretizada a expectativa descrita em F) com a venda, em 4 de Março de 2004, pelo Estado Português, através da……….... - ………...., S.A. (por este detida), à ………… e à ………. —-……….., Lda a A………… mediante «Contrato de Compra e Venda de Acções e de Cessão de Créditos por Suprimentos» - cfr. doc. n.º 8;
I - Nos termos deste contrato, a…… - …………, S.A. transmitiu as acções representativas de 51% do capital social da A………... por aquela detidas à …………..e à …………. -………., Lda. — cfr. doc. n.º 8 junto com a pi;
J - A sociedade……. - …………, Lda. encontrava-se integrada no Grupo …………..— cfr. doc. n.º 7 junto com a pi;
K - Ademais, o Grupo …………… passou a ser detentor da totalidade do capital da A……….., posto que o accionista detentor dos restantes 49% do capital social — o Grupo ………. vendeu igualmente a sua participação à ………….— cfr. doc. n.º 9 junto com a pi;
L - No âmbito do processo de privatização da A……….... apresentava-se como pressuposto, por sugestão do Estado Português, o compromisso de retoma da exploração das minas de Aljustrel, caso as condições de mercado o permitissem — cfr. docs. n.º 7 e n.º 9 juntos com a pi;
M - Em 2006 a ………… fundiu-se com a………… — cfr. doc. n.º 10 junto com a pi;
N - Pelo que, desde essa data, a A…….. e a ...........passaram a encontrar-se ambas integradas no dito Grupo …………;
O - A evolução do preço do zinco, registada nos mercados internacionais em 2006, permitiu perspectivar que estariam reunidas as condições para a retoma da exploração — cfr. doc. n.º 11 da pi;
P - A A………… celebrou um contrato de consórcio com a ……… - ………., S.A. para a exploração do jazigo do …….... — cfr. doc. n.º 12 junto com a pi;
Q - A situação de insolvência da ……., designadamente nos exercícios de 2006 e 2007, revelava-a incapaz de obter financiamentos imprescindíveis para proceder a investimentos de modo a poder dotar-se dos equipamentos modernos essenciais a uma exploração eficiente das minas de ………. — cfr. docs. n.ºs 13 e 14 juntos com a pi;
R - O necessário e avultado investimento financeiro tornava inviável o recurso pela ……….. a capitais alheios ao Grupo ……….. — cfr. docs. n.ºs 13 e 14 juntos com a pi;
S - A esta luz, a ………... recorreu a um financiamento intra-grupo para poder retomar a exploração das minas de…………;
T - Deste modo a A……… financiou a ………… na expectativa de um retorno fruto das sinergias que se desenvolveriam em conjunto — cfr. docs. n.ºs 16 e 17 juntos com a pi;
U - A ………… celebrou com o Estado Português um contrato de incentivos fiscais e financeiros em 15 de Maio de 2006 no qual se obrigou a realizar investimentos mínimos de €75.000.000 e estimando-se a produção de determinados concentrados durante o período compreendido entre 2008 e 2014— cfr. doc. n.º 18;
V - Ficando estabelecido que a Impugnante seria remunerada pelo risco assumido na concessão do aludido financiamento mediante o estabelecimento de juros a preços de mercado — cfr. docs. n.º 16 e n.º 17;
W - Para tais efeitos realizou-se em 19 de Março de 2007 uma reunião do Conselho de Administração da Impugnante na qual foi aprovada a subscrição do «papel comercial a emitir por …………. S.A., no montante de 50 milhões de Euros» — cfr. doc. n.º 17;
X - A A………… aplicava os seus excessos de tesouraria em papel comercial emitido por diversas sociedades — cfr. doc. n.º 19;
Y - A A……… concedeu empréstimos à …………. no valor total, revelado a final contabilisticamente, de €99.882.723 — cfr. doc. n.º 16;
Z - Os mencionados financiamentos foram efectuados no interesse da própria A………… que contabilizou e registou proveitos financeiros decorrentes dos juros devidos pela ……….... quanto a eles e que foram sujeitos a tributação — cfr. doc. n.º 20;
AA - Em concreto os proveitos decorrentes dos referidos empréstimos acresceram ao resultado líquido da Impugnante no correspondente exercício e originaram o pagamento de IRC, Derrama e Imposto do Selo;
BB - Em Novembro de 2005, o Estado Português declarou, em carta remetida à…………., que «na sequência da reunião que teve lugar nesta DGGE com responsáveis da PA, e tal como acordado com V. Ex.ª e dentro do acordado com a ………. quando da sua tomada de posição nas PA e na A………, estamos a aguardar a entrega da carta a reconfirmar a intenção de retoma do projecto de exploração das Minas de ………. em 2006»— cfr. doc. n.º 21;
CC - Decorreram quase dois anos entre o momento em que foi decidido avançar com o projecto, no início de 2006, e o momento que os investimentos estavam efectivamente realizados e a mina pronta a laborar, em finais de 2007;
DD - Contudo, a cotação dos preços de minérios no mercado internacional veio a ser desfavorável para a………...., designadamente pela queda acentuada do preço do zinco registada, em particular, nos anos de 2007 e 2008— cfr. doc. n.º 11;
EE - Em concreto, o preço do zinco revelou, entre 2006 e 2008, uma desvalorização na ordem de mais de 70% — cfr. doc. n.º 11;
FF - No ano de 2008 a …………… encontrava-se numa situação económica e financeira difícil, inviabilizando a sustentabilidade da manutenção da exploração das minas de ………… — cfr. doc. n.º 14;
GG - Em 6 de Novembro de 2008, a “……….&………, ....., S.A.” apresentou um relatório de avaliação dos créditos detidos pela A…………. sobre a ………….. do qual resulta que o seu valor de mercado era, nessa data, de 0,01 € — cfr. doc. n.º 22;
HH - Em 13 de Novembro de 2008, a ………... colocou a mina de ………… numa situação de “care & maintenance”, tendo comunicado este facto às autoridades estatais competentes — cfr. doc. n.º 23;
II - Em data não apurada surgiu um potencial interessado na aquisição das ………….... e na continuação do projecto, a…… - ………., S.A. que se encontrava integrada no Grupo…………..;
JJ - Estabelecendo a mesma, como condição do negócio, a aquisição integral do capital da ……….... e a aquisição simultânea dos créditos e demais activos relacionados com a exploração mineira, detidos pela A………, ao respectivo valor de mercado — cfr. doc. n.° 24;
KK - Na sequência das negociações, no final de 2008, a ….. - ……., S.A. veio a adquirir à …………, Ltd. (sociedade integrante do Grupo ……….... e que detinha à data 99,8336% do capital social da…………) o capital social da ……….. e os créditos detidos pela A…………. — cfr. docs. n.º 24 e n.º 5
LL - Em 19 de Dezembro de 2008 realizou-se uma reunião do Conselho de Administração da A…………., na qual, no âmbito da «Venda de…………, S.A. (PA)», foram aprovadas a venda dos empréstimos da A……….... à PA e do papel comercial subscrito pela A……….. — cfr. doc. n.º 26 junto com a pi;
MM - Em 23 de Dezembro de 2008, a A………. e a……. - ………., SA celebraram o contrato de cessão de créditos através do qual a primeira cedeu à segunda, por € 2, os créditos que detinha sobre a ………… — cfr. doc. n.º 5 junto com a pi;
NN - Na mesma data, a ………...., Ltd. e a …… - …………, S.A. celebraram contrato de compra e venda de acções, através do qual a primeira vendeu à segunda 99,8336% do capital social da …………. pelo valor total de € 1 — cfr. doc. n.º 24 junto com a pi;
OO - Igualmente em 23 de Dezembro de 2008 o Ministro da Economia e Inovação enviou uma carta à Impugnante na qual comunicava a «aceitação da referida transmissão de acções [da………..] nos exactos termos e condições do contrato de compra e venda de acções cuja minuta foi objecto da supra mencionada comunicação» — cfr. doc. n.º 27 junto com a pi;
PP - Ambos os contratos, ou seja, o contrato de compra e venda de acções e o contrato de cessão de créditos, eram indissociáveis, isto é, cada um pressupunha e dependia da existência do outro - cfr. doc. n.º 29 junto com a pi;
QQ - Em consequência do negócio de venda dos créditos detidos sobre a ………..à …….. - ……., S.A., a Impugnante sofreu e reconheceu uma perda financeira no montante de € 149.882.721, resultante da venda por € 2 de créditos detidos sobre aquela com o valor contabilístico de € 149.882.723 — cfr. doc. n.º 2 junto com a pi;
RR - Nesta perda incluindo-se o montante de €99.882.721 relativo ao valor total dos empréstimos concedidos à ………… e a quantia de €50.000.000, respeitante ao valor total de papel comercial emitido pela……….... — cfr. doc. n.º 2 junto com a pi;
SS - As referidas perdas foram como tal caracterizadas do ponto de vista contabilístico, concorrendo para a definição do resultado líquido do exercício da A……… — cfr. doc. n.º 2 junto com a pi;
TT - Esta perda corresponde à diferença negativa entre o valor contabilístico dos créditos que a A…….... detinha, naquele exercício de 2003, sobre a sociedade ………… e o preço pelo qual a A………… alienou os referidos créditos — cfr. docs. n.ºs 2 e 5 juntos com o pi;
UU - Esta perda — que reduziu o resultado líquido do exercício de 2008 e deveria diminuir o valor do «lucro tributável» inscrito no Campo 240 do Quadro 7 da respectiva declaração Modelo 22 de IRC — foi acrescida para efeitos tributários pela Impugnante, em concreto no Campo 270 do Quadro 7 da declaração Modelo 22 de IRC — cfr. doc. n.º 1;
VV - Tal correcção foi considerada enquanto lapso pela A…………. e formalmente conhecido como tal pelo Conselho de Administração da mesma em Abril de 2011, o qual determinou ser essencial a respectiva rectificação na declaração de IRC apresentada— cfr. acta do Conselho de Administração da A………… já junta como doc. n.º 3;
WW - A sociedade Impugnante apresentou a declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2008 em 20 de Maio de 2009;
XX - A sociedade Impugnante apresentou reclamação graciosa invocando erro na autoliquidação apresentada na declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2008 em 20 de Maio de 2011;
YY - A sociedade Impugnante apresentou a petição inicial que deu origem aos presentes autos em 20/0/2011.


2. Questões a decidir
Saber (i) se as perdas decorrentes da alienação de papel comercial constituem gastos para efeitos do disposto no artigo 23.º do CIRC (redacção em vigor em 2008) e saber (ii) se o valor da acção em caso de recurso de sentença que indefira parcialmente uma impugnação judicial de indeferimento tácito de reclamação graciosa intentada por erro na autoliquidação de um exercício de IRC se deve fixar, segundo o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al a) do CPPT, pela importância cuja anulação se pretende.


3. De direito

3.1. Da qualificação das perdas decorrentes da alienação do papel comercial
3.1.1. O litígio em apreço decorre da emissão, em 2007, de 50 milhões de Euros em papel comercial pela sociedade comercial ………… (cujo capital social era, desde 2002, detido pelo Grupo …………… e desde 2006 pelo Grupo……….). O referido papel comercial seria adquirido pela A………. (cujo capital social era, desde 2006, igualmente detido pelo Grupo………....) e consubstanciava uma forma de financiamento intra-grupo, uma vez que a ………… não teria naquele momento capacidade para se financiar no mercado (cf. pontos A a V do probatório da sentença do TAF de Beja).
Por efeito da subscrição daquele papel comercial, a A………….... ficou titular de um valor mobiliário, ou seja, um título de crédito transacionável no valor nominal de 50 milhões de Euros, a cuja titularidade se associava o direito ao recebimento de juros a preços de mercado, sendo esta remuneração uma contrapartida adequada para o risco assumido (cf. ponto V do probatório da sentença do TAF de Beja).
A aquisição de papel comercial envolve risco, uma vez que após a sua emissão, os títulos são admitidos a negociação (podem passar para a titularidade de terceiros) e não é garantida a sua liquidez na data de vencimento. Com efeito, embora uma das condições para a emissão de papel comercial, segundo o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 69/2004, fosse a de “obter, a favor dos detentores, garantia autónoma à primeira interpelação que assegure o cumprimento das obrigações de pagamento decorrentes da emissão”, tal não era um requisito obrigatório, pois para a emissão bastava preencher uma das condições estipuladas naquele artigo, podendo o emitente optar apenas por “evidenciar no último balanço aprovado e sujeito a certificação legal de contas ou a auditoria efectuada por revisor oficial de contas, consoante o caso, capitais próprios ou património líquido não inferior a 5 milhões de euros” ou ainda por “apresentar notação de risco da emissão ou notação de risco de curto prazo do emitente, atribuída por sociedade de notação de risco registada na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários”. Em outras palavras, o preenchimento de uma daquelas condições era suficiente para viabilizar a emissão do papel comercial e os requisitos apontavam para a obrigação de apresentação de condições aparentes de solvabilidade (por certificação de contas, notação de risco) da empresa emitente, mas não exigiam a garantia de solvabilidade dos títulos da dívida.
Assim, o papel comercial apresenta uma margem de ganhos financeiros determinados pela transacção – o respectivo valor passava a ser determinado pelo valor de transacção, que, normalmente, é diferente do valor nominal (varia consoante a rentabilidade oferecida e o risco de liquidez associado ao emitente) e pela remuneração (juros associados), mas também uma margem de risco, quer de depreciação do seu valor de transacção (valor abaixo do valor nominal), quer de solvabilidade dos títulos, caso o emitente deixe de ter liquidez e activos suficientes para satisfazer o respectivo reembolso na data do seu vencimento.
No caso do papel comercial emitido pela………, a sua desvalorização foi evidenciada no relatório da “…………., ......, S.A.” de 6 de Novembro de 2008 (cf. ponto GG do probatório da sentença do TAF de Beja).
Isso explica que no contexto do processo de alienação da …………. pelo Grupo ………. à. - …………, S.A. tivesse sido celebrado, em 23 de Dezembro de 2008, entre a A…………. e a referida…. - …………., SA, um contrato de cessão de créditos através do qual a primeira cedeu à segunda, por € 2, os créditos que detinha sobre a………....; créditos que incluíam, quer os empréstimos concedidos àquela empresa, quer o papel comercial que havia adquirido. No fundo, esta operação de cessão de créditos através da transmissão do papel comercial mais não era do que uma forma de assegurar que os créditos relativos às dívidas contraídas pela ……….... com a emissão do papel comercial se extinguiam por remissão. Ora, desta operação resultou para a A………… uma perda financeira de €149.882.721,00, correspondente a € 99.882.721 do valor total dos empréstimos e €50.000.000, respeitante ao valor total do papel comercial (cf. pontos II a RR do probatório da sentença do TAF de Beja).
E é precisamente a diferença negativa entre o valor contabilístico dos créditos que a A………. detinha, naquele exercício de 2008, sobre a sociedade …………, e o preço pelo qual os alienou – que incluem a alienação do papel comercial –, que corresponde ao valor que a A…………. incluiu a título de perdas no referido exercício, alegando erro na autoliquidação (cf. pontos SS e TT do probatório da sentença do TAF de Beja). Perdas que a sentença do TAF de Beja apenas reconheceu parcialmente – na parte relativa aos créditos concedidos às …………, no valor de € 99.882.721 –, considerando que o restante – o valor das perdas relacionadas com o papel comercial –, por corresponder a uma alienação de partes sociais, estaria abrangido pela excepção do artigo 23.º, n.º 5, al a) do CIRC (redacção em vigor em 2008).

Importa, por isso, saber se é correcta a qualificação do TAF de Beja do papel comercial como parte social de uma empresa. Veremos que não, que assiste razão ao recorrente quando alega que existe um erro de direito nesta qualificação jurídica.

3.1.2. O denominado “papel comercial” corresponde, segundo o respectivo regime jurídico-legal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25 de Março (e alterado posteriormente pelo Decreto-Lei n.º 52/2006 de 15 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 29/2014 de 25 de Fevereiro e pelo Decreto-Lei n.º 77/2017 de 30 de Junho, sendo que as duas últimas modificações deste regime jurídico não relevam para a decisão do caso em apreço, cujos factos remontam a 2008), a “valores mobiliários representativos de dívida emitidos por prazo inferior a um ano” (cf. artigo 1.º, n.º 2, na redacção em vigor em 2008), quer isto dizer que estamos perante um instrumento de financiamento de curto prazo – títulos de dívida emitidos por entidades empresariais – e não perante participações sociais, como equivocadamente entendeu o TAF de Beja.
Um instrumento de financiamento que, de acordo com o artigo 2.º do referido Decreto-Lei n.º 69/2004 (na redacção em vigor em 2008), podia ser utilizado pelas “sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado”, desde que observasse um dos requisitos legais para a respectiva emissão (requisitos previstos no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 69/2004 e antes referidos).
Para os titulares do papel comercial – os respectivos adquirentes – o mesmo correspondia apenas a um título de crédito nominativo ou ao portador, registado, com forma escritural (artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 69/2004, na redacção em vigor em 2008), que daria direito a uma remuneração a título de juros nos termos que viessem a ser definidos na respectiva emissão, sem prejuízo de nesse documento se preverem também condições para a possibilidade de o capital investido poder ser reembolsado pelo emitente antes do fim do prazo de emissão (artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 69/2004).
Trata-se, contudo, e sobretudo em 2008, antes das alterações legislativas introduzidas pelos já mencionados Decreto-Lei n.º 29/2014 e Decreto-Lei n.º 77/2017, de um produto financeiro com risco associado como vimos anteriormente; risco que advinha, fundamentalmente, de estarmos perante créditos cuja única garantia é a capacidade financeira da empresa.
Apesar do risco, este era um instrumento de financiamento muito divulgado entre os grupos económicos até 2008, pelas vantagens que representava na diversificação das fontes de crédito e na criação de soluções mais ajustadas às necessidades de tesouraria. Compreende-se, por isso, que sendo a A…….….... uma empresa que aplicava os seus excessos de tesouraria em papel comercial emitido por diversas sociedades no âmbito do grupo (cf. ponto X do probatório da sentença do TAF de Beja), tivesse também adquirido papel comercial da ………….
Em suma, as perdas sofridas pela A………… com a depreciação do valor do papel comercial da ………….. consubstanciam perdas com encargos de natureza financeira e não com a transmissão onerosa de partes de capital adquiridas a entidades com relações especiais, não sendo por isso aplicável in casu a al. a), do n.º 5, do artigo 23.º do CIRC (redacção vigente em 2008).
Por esta razão, verificando-se o erro na aplicação do direito quanto à não admissão das perdas respeitantes à venda do papel comercial da ………., haverá que revogar a sentença do TAF de Beja nesta parte e proferir nova decisão.

3.1.3. Assim, para determinar se as perdas decorrentes da cessão do papel comercial podem ser contabilizadas no apuramento do lucro tributável, à luz do disposto no artigo 23.º, n.º 1, al. c) do CIRC, importa determinar se aqueles encargos financeiros se hão-de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos do exercício. E quanto a este ponto não encontramos razões que justifiquem um tratamento diferenciado destes encargos relativamente aos encargos suportados com os empréstimos não especificados concedidos à ………… e que a sentença do TAF de Beja, mobilizando os factos dados como provados, e a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, considerou preencherem os requisitos daquele artigo.
Com efeito, é entendimento deste Tribunal, como bem se explicita na sentença do TAF de Beja, que «(…) um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)» - cfr. acórdão do STA, de 24 de Setembro de 2014, proc. 0779/12. No mesmo sentido ver também acórdãos do STA de 29 de Março de 2006, proc. n° 01236/05; de 17 de Julho de 2007, proc. 01107/06; e de 24 de Setembro de 2014, proc. 0779/12.
No caso concreto, consta expressamente do probatório que “os mencionados financiamentos [onde se inclui o papel comercial adquirido] foram efectuados no interesse da própria A………… que contabilizou e registou proveitos financeiros decorrentes dos juros devidos pela ……………. quanto a eles e que foram sujeitos a tributação” (cf. ponto Z do probatório da sentença do TAF de Beja). Um facto que, como bem sublinha o Ex.mo Senhor Procurador Geral Adjunto no seu parecer, não foi sequer contestado pela Fazenda Pública e que não pode nem deve ser dissociado dos ganhos globais expectáveis com aquele financiamento no contexto de uma estratégia intra-grupo, uma vez que ambas as empresas se dedicavam à exploração mineira e o investimento assim potenciado e alavancado da …………... com o excedente de tesouraria da A……………. era expectável e adequado a produzir resultados financeiros positivos para ambas as explorações mineiras, no contexto da criação de sinergias entre elas, algo que acabaria por ser frustrado em razão das alterações na cotação dos preços de minérios no mercado internacional (cf. pontos DD e EE do probatório da sentença do TAF de Beja).
Assim, e à semelhança do que se afirmou na decisão da primeira instância a propósito dos empréstimos concedidos, também se deve considerar demonstrada a indispensabilidade do financiamento concedido pela Impugnante à …………... através da aquisição do papel comercial, nos termos em que o exige o artigo 23.º, n.º 1, al. c) do CIRC, pelo que deve igualmente ser reconhecido à A………… o direito à dedução, a título de custo financeiro no apuramento do lucro tributável do exercício de 2008, da perda apurada com a cessão de créditos (venda do papel comercial) de que a mesma era titular.

3.2. Da fixação do valor da causa
3.2.1. Alega ainda a recorrente que existe erro na fixação do valor da causa. Sobre este ponto se pronunciou também o ilustre Procurador Geral Adjunto no seu parecer, considerando que assistia razão à recorrente, pois a sentença incorreu em erro sobre o valor fixado à acção.
Com efeito, por aplicação do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, o valor da acção, cujo pedido é a impugnação da liquidação por erro na autoliquidação, corresponde ao da “importância cuja anulação se pretende”.
Ora, no caso concreto, esse valor é de €29.721.757,54, por ser esse o montante de IRC cuja anulação se peticionou, sob a alegação de ter sido esse o valor liquidado e pago a mais no exercício de 2008. E não, como interpretou erradamente o TAF de Beja, o valor de €149.882.723,00, que corresponde ao montante total das perdas que não haviam sido deduzidas à matéria colectável.

3.2.2. Importa, por isso, anular também a sentença do TAF de Beja nesta parte e fixar o valor da acção em €29.721.757,54.

3.3. Da dispensa do remanescente da taxa de justiça
Por último, importa ainda cuidar do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça. Verificados, no caso concreto, o valor da causa superior a €275.000,00 e uma conduta correcta das partes (requisitos a que alude o n.º 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais), embora não sendo este um caso de menor complexidade, entende-se que o princípio da proporcionalidade entre o valor a suportar a título de custas e o serviço prestado, justifica, no caso concreto, a dispensa em 90% do remanescente da taxa de justiça.

3.2. Conclusões
Assim, podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que:
- deve ser reconhecido à A………… o direito à dedução, a título de custo financeiro no apuramento do lucro tributável do exercício de 2008, da perda apurada com a cessão de créditos (venda do papel comercial) da ……….., de que a mesma era titular;
- o valor da acção, cujo pedido é a impugnação da liquidação por erro na autoliquidação, deve, por aplicação do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, ser fixado pela “importância cuja anulação se pretende”, ou seja, no valor de €29.721.757,54;
- por estarem reunidos os requisitos a que alude o n.º 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais, deve a recorrente ser dispensada do remanescente da taxa de justiça.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar totalmente procedente a impugnação, determinar o reembolso do imposto indevidamente pago e fixar o valor da acção em €29.721.757,54.

Custas em ambas as instâncias pela recorrida [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e, do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário], com dispensa em 90% do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 6 de Novembro de 2019. – Suzana Tavares da Silva (relatora) – Paulo Antunes – Francisco Rothes.