Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:041/12.5BEALM 0272/18
Data do Acordão:11/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRS
RENDIMENTOS DO TRABALHO AUFERIDOS NO ESTRANGEIRO
DUPLA TRIBUTAÇÃO
CRÉDITO DE IMPOSTO
IMPOSTO ACESSÓRIO
COMPETÊNCIA EXCLUSIVA
Sumário:I - Se houve tributação em imposto sobre o rendimento no país em que tal rendimento foi obtido, potencialmente, haverá uma situação de dupla tributação, que pode ser minorada pelo mecanismo do crédito de imposto (ou da imputação). De forma muito resumida, este mecanismo confere ao contribuinte com residência fiscal em Portugal uma dedução à colecta pela menor das seguintes importâncias: imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro e a fracção da colecta do I.R.S. correspondente a esses rendimentos obtidos no estrangeiro (cfr.artº.81, nºs.1 e 2, do C.I.R.S., na redacção em vigor em 2006; artº.24, nº.1, da CDT, celebrada entre Portugal e a Alemanha e aprovada pela Lei 12/82, de 3/6).
II - Os impostos adicionais, mais não são do que tributos que dependem, na sua existência e elementos essenciais, da prévia presença de outros impostos (os impostos principais), não tendo qualquer autonomia, quer no plano normativo, quer no plano das relações tributárias concretas. A este propósito, fala a doutrina em tributos acessórios, de que são exemplos os ditos impostos adicionais, calculados sobre a colecta do imposto principal, e os adicionamentos, calculados sobre a respectiva matéria colectável.
III - Os impostos “Kirchensteuer” (tributo eclesiástico) e “Solidaritätszuschlag” (tributo de solidariedade), são abrangidos pela CDT celebrada entre Portugal e Alemanha (cfr.artº.2, nº.1, al.b), da Convenção), porque revestindo a natureza de tributos adicionais ao principal “Einkommensteuer”, assim devendo ser levados em consideração pela Fazenda Pública no cálculo do crédito de imposto por dupla tributação internacional.
IV - Os rendimentos e, consequentemente, os impostos que incidem sobre os mesmos, são conceitos-quadro, aos quais as convenções consagraram a solução de atribuir competência qualificatória exclusiva ao Estado da fonte (no caso a Alemanha), que não ao Estado de residência (no caso Portugal).
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P25114
Nº do Documento:SA220191106041/12
Data de Entrada:03/14/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Almada, exarada a fls.93 a 102 do presente processo, a qual julgou procedente a presente impugnação pelo recorrido, A…………, intentada e tendo por objecto mediato o acto de liquidação oficiosa de I.R.S., referente ao ano de 2006 e que apurou o montante a pagar, após demonstração de acerto de contas, de € 2.091,46.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.141 a 147-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Entendeu-se, na douta Sentença ora questionada, que na eliminação da dupla tributação, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 24.º, da CDT, ora posta em crise, deveria ter sido considerado, para além do Einkommensteuer, no montante de € 13.617,00, o Kirchensteuer, no montante de € 1.189,44, e o Solidaritätszuschlag, no montante de € 726.88, conforme n.º 5 do probatório.
2-Entende a recorrente que não se decidiu, sem quebra do merecido respeito, de forma acertada.
3-Desde logo, porque os impostos em causa não estão contemplados na lista do artigo 2.º da Convenção, nem, como o devido respeito, que é muito, constituem adicionais do Einkommensteuer porque não são impostos sobre o rendimento;
4-Isto é, não têm por objectivo a tributação do rendimento, não obstante, no seu cálculo, se recorra à mesma base de incidência. Se bem que poderiam ter recorrido a outra. E porque não à base de incidência do património?
5-Na verdade, o Kirchensteuer é um imposto que reverte a favor das comunidades religiosas na Alemanha, o qual não tem equivalente em Portugal, tendo sido criado muito antes da Convenção, pelo que se os Estados Contratantes pretendessem que dela fizesse parte, tê-lo-iam incluído no elenco do artigo 2.º da Convenção;
6-Por sua vez, o Solidaritätszuschlag, ou taxa de solidariedade é um imposto extraordinário de carácter temporário, criado após a reunificação Alemã, para financiar a construção do leste do país, não existindo imposto análogo em Portugal;
7-Assim, tudo visto e ponderado, e atento o estatuído no artigo 24.º, n.º 1, alínea a), da Convenção - na medida em que foi deduzido ao imposto sobre o rendimento (IRS) liquidado em Portugal, o imposto sobre o rendimento (Einkommensteuer) pago na Alemanha - procedeu-se à eliminação da dupla tributação;
8-Tudo porque, de acordo com o disposto referido artigo 24.º, n.º 1, alínea a) da CDT Alemanha, quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados na Alemanha, Portugal deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago na Alemanha;
9-Neste sentido, como referido, tendo sido deduzido ao imposto sobre o rendimento (IRS) liquidado em Portugal o imposto sobre o rendimento pago na Alemanha, foi eliminada a dupla tributação nos termos previstos na Convenção;
10-Assim sendo, nada mais haverá que deduzir;
11-Entendimento maioritariamente sufragado pela Jurisprudência, como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal administrativo (STA) de 15-03-2006, Processo 01211/05, consultável em www.dgsi.pt:
“Sumário: Pago, na Alemanha, imposto sobre rendimentos de trabalho aí auferidos por residente em Portugal, deve o mesmo tributo ser deduzido no IRS aqui liquidado, nos termos do disposto no art. 24.º, alínea a), do n.º 1, última parte, daquela Convenção aprovada pela Lei n.º 12/82, de 3 de Junho.”;
12-E conforme excerto retirado do texto integral, do sobredito Acórdão:
“Cabendo, pois, ao Estado da residência – Portugal – eliminar a dupla tributação, nos termos do art. 24.º da Convenção – al. a) do n.º 1: dedução no imposto pago em Portugal, do imposto pago na Alemanha, não podendo contudo exceder a fracção do imposto, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos auferidos no estrangeiro, exigindo-se documento comprovativo do imposto aí pago que, na hipótese dos autos, foi de € 2.362,37, montante que foi considerado na liquidação correctiva, atendendo parcialmente a pretensão dos impugnantes. Cf. no sentido exposto os Acórdãos do STA, de 24 de Março de 2004 Recurso n.º 1872/03, de 15 de Dezembro de 2004 Recurso n.º 834/04 e de 20 de Abril de 2005 Recurso n.º 1254/04. Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação judicial.”;
13-E, ainda, no Acórdão do STA, de 22-02-2006, Processo 01021/05, consultável em www.dgsi.pt:
“Sumário: I - Os rendimentos do trabalho auferidos na Alemanha por residente em Portugal, onde permaneceu por período superior a 183 dias, são tributados naquele país.
II - Tendo o impugnante declarado os rendimentos do trabalho auferidos na Alemanha e efectuado a respectiva retenção do imposto, que consta dos valores declarados às finanças alemãs, através do Lohnsteuerkarte (declaração de rendimentos), sendo certo que do probatório vertido na sentença recorrida não consta a importância que ali foi retida a título de imposto, impõe-se a ampliação da matéria de facto com vista à obtenção dos factos que suportem a decisão de direito (art° 729°, n° 3 do CPC).
III - É que, pago na Alemanha o imposto por rendimentos de trabalho aí auferidos, por residente em Portugal, pode o mesmo imposto ser reduzido ao IRS, de acordo com o disposto no art° 24°, al. a), do n° 1 da «Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para evitar a dupla tributação em matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital», embora com o limite fixado na última parte do referido artigo.”;
14-Ao assim não se entender, a douta Sentença violou, por indevida interpretação, o artigo 2.º, n.º 1, al. b), parágrafo 6.º e n.º 2, bem como a al. a), do n.º 1, do artº 24.º, da CDT Alemanha Portugal, aprovada pela Lei n.º 12/82, de 3 de Junho;
15-Não podendo a mesma ser mantida, antes devendo ser revogada e substituída por uma decisão que dê provimento à pretensão da recorrente e, em consequência, julgar a oposição improcedente;
16-Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a Vossas Excelências se dignem julgar TOTALMENTE PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta Sentença, ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.
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O recorrido produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.150 a 156 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
1-O presente recurso vem interposto da sentença proferida no âmbito do processo n.º 41/12.5BEALM, que julgou totalmente procedente a impugnação apresentada pelo ora Recorrido, tendo determinado, entre outros, a anulação do acto de liquidação de IRS do ano de 2006 e respectiva liquidação de juros compensatórios, bem como a restituição do valor de imposto pago e o pagamento de juros indemnizatórios;
2-No cerne da impugnação apresentada pelo ora Recorrido, esteve a desconsideração por parte da AT, do pagamento por parte do Recorrido, durante o exercício de 2006, de “Kirchensteuer” e “Solidaritätszuschlag”, para efeitos de crédito de imposto, ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e a Alemanha;
3-No âmbito das alegações apresentadas pelo Digno Representante da Fazenda Pública, o mesmo considera que a dedutibilidade dos impostos «kirchensteuer” e “Solidäritatszuschlag”, que o ora Recorrido efectivamente suportou na Alemanha, não se encontra abrangida pelo texto da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e a Alemanha, considerando que os mesmos não se encontram taxativamente previstos no texto da Convenção, nem constituem impostos sobre o rendimento;
4-Nestes termos, tal como considerou correctamente a sentença ora recorrida, a inclusão de forma taxativa do “Kirchensteuer” e do “Solidäritatszuschlag” no texto da Convenção, não vem fazer com que estes se encontrem excluídos do seu campo de aplicação;
5-Isto porque a aplicação da Convenção aos impostos adicionais resulta, meramente, da sua decorrência perante um imposto principal - neste caso, imposto sobre o rendimento das pessoas singulares - e na sua determinação sobre a colecta desse mesmo imposto principal;
6-Só assim será possível interpretar e aplicar correctamente o disposto no artigo 2°, n.º 1, alínea b), parágrafo 6 da Convenção;
7-Em segundo lugar, e na senda da sentença proferida pelo Tribunal a quo, o artigo 2°, n.º 2 da Convenção prevê que a mesma também se aplica aos impostos de natureza idêntica ou similar que venham a ser criados;
8-Ou seja, é a própria Convenção que vem estender as possibilidades de aplicação aos casos em que um determinado imposto vem acrescer ou substituir os impostos que estavam previstos aquando da assinatura da convenção;
9-Assim no que concerne ao ”Kirchensteuer”, encontrando-se o mesmo já previsto na data da assinatura da Convenção celebrada entre Portugal e a Alemanha, a sua aplicação decorre do já citado parágrafo 6.º, alínea b) do n.º 1, artigo 2.º da referida convenção, devido ao carácter adicional que tem sobre o imposto sobre o rendimento;
10-No que ao “Solidaritatszuschlag” diz respeito, também este um imposto adicional - por incidir sobre a colecta do imposto sobre o rendimento, do imposto sobre mais-valias e do imposto sobre sociedades - veio a ser criado pelo ordenamento jurídico-fiscal alemã em data posterior à assinatura da Convenção celebrada entre Portugal e a Alemanha;
11-No entanto, por força do artigo 2°, n.º 2 daquela Convenção, o mesmo encontra-se enquadrado no seu âmbito de aplicação;
12-Por outro lado, tal como também considerou a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, caso a AT tivesse qualquer tipo de dúvidas quanto à extensão e aplicação da Convenção aos impostos em causa deveria ter solicitado informações às Autoridades Fiscais Alemãs, nos termos do disposto no artigo 27º da Convenção;
13-Isto porque, ao abrigo da Convenção, sendo a qualificação da categoria de imposto da exclusiva competência do Estado da fonte, a atribuição do crédito de imposto para eliminação da dupla tributação deverá proceder forma automática no Estado de residência - Portugal;
14-Por outro lado, embora a criação do “Solidaritatszuschlag” tenha ocorrido posteriormente à assinatura da Convenção, não assistia qualquer dever às Autoridades fiscais alemãs de comunicarem tal alteração à AT, nos termos do artigo 2°, n.º 2 da Convenção;
15-Não se tratando, no entender do ora Recorrido, a criação de um imposto adicional a um imposto principal já existente de uma alteração substancial e importante da legislação fiscal do Estado alemão, teria cabido sim à AT procurar eventuais esclarecimentos junto da sua congénere alemã, em caso de manifesta necessidade de esclarecimentos;
16-Ao ter agido da forma pela qual veio a merecer a censura do Tribunal a quo, a AT desconsiderou regras elementares da sua actuação administrativa, nomeadamente as previstas no artigo 58.º da Lei Geral Tributária (LGT);
17-Deste modo, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.165 e 166 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.167 do processo físico) vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.94 a 97-verso do processo físico):
1-No ano de 2006, o ora impugnante, trabalhador da B………. Lda., com sede em Portugal, exerceu a sua actividade profissional na Alemanha, por ter sido destacado para exercer funções na empresa do mesmo grupo C………., AG (facto alegado pelo impugnante e não impugnado);
2-O impugnante, apesar de deslocado na Alemanha, manteve a sua residência fiscal em Portugal, bem como o vínculo laboral com a B……… Lda. (facto alegado pelo impugnante e não impugnado);
3-No ano de 2006, o impugnante obteve um rendimento total de € 90.340,76, sendo que deste valor, € 84.291.72 foram pagos pela B……….. Lda. e € 6.049,04 foram pagos pela C…………. AG, a título de pagamento de impostos na Alemanha e pela utilização de uma viatura atribuída para uso do impugnante (cfr.fls. 22 e 23 dos autos, fls. 31 e 33 do processo de reclamação graciosa - RG - apenso aos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);
4-O valor de € 90.340,76 referido no número antecedente foi declarado e tributado pelo impugnante em Portugal (facto alegado pelo impugnante e não impugnado);
5-O rendimento obtido pelo impugnante foi tributado na Alemanha, tendo aquele suportado neste país os impostos respeitantes a “Einkommensteuer” no montante de € 13.617,00, “Kirchensteuer” no montante de €1.189,44, e “Solidaritatszuschlag” no montante de € 726.88, no valor total de € 15.533,32 (cfr.fls. 25 a 28 dos autos e fls. 35 a 38 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6-Em 19-11-2009 foi elaborado pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais a informação n.º 15045/09 com o seguinte teor:



7-Sobre a informação identificada no número anterior recaiu despacho concordante da Directora de Serviços proferido em 27-11-2009 (cfr.fls. 43 do processo de RG apenso);
8-Em 08-02-2010, através do ofício n.º 01102, foi remetido ao Impugnante projecto de decisão de alteração dos rendimentos inscritos na declaração modelo 3 do IRS do ano de 2006 com o seguinte teor:




9-Em 26-02-2010 o impugnante pronunciou-se por escrito sobre o projecto de decisão identificado no número antecedente (cfr.fls. 46 a 50 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10-Em 03-08-2010, foi em nome do impugnante emitida liquidação de IRS n.º 2010 4004884909, com imposto a reembolsar no valor de € 14.561,79 (cfr.fls. 25 e 85 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
11-Em 16-08-2010 foi emitida em nome do impugnante a demonstração de acerto de contas n.º 2010 00006250955, com imposto a pagar no valor de € 2.091,46, tendo como data limite de pagamento o dia 22-09-2010 (cfr.fls. 29 e 83 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12-Em 22-09-2010 o impugnante procedeu ao pagamento da liquidação identificada no número anterior e respectivos juros compensatórios (cfr.fls. 44 e 45 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
13-Em 10-12-2010 o impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação identificada em 11) (cfr.fls. 19 a 23 do processo de RG apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
14-Em 07-01-2011 foi elaborada pelo Serviço de Finanças de Palmela informação a propor o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo impugnante, sobre a qual recaiu despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças a determinar a audição do impugnante sobre o projecto de decisão (cfr.fls. 87 a 89 do processo de RG apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
15-O projecto de decisão identificado no número antecedente foi remetido ao impugnante em 10-01-2011, através do ofício n.º 250 (cfr.fls. 90 e 81 do processo de RG apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
16-Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Palmela, de 20-01-2011, foi determinada a conversão em definitivo do projecto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo impugnante (cfr.fls. 95 e 96 do processo de RG apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
17-A decisão de indeferimento identificada no número antecedente foi comunicada ao impugnante através do ofício n.º 1565 de 04-02-2011, o qual lhe foi entregue em 10-02-2011 (cfr.fls. 100 e 102 do processo de RG apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
18-Em 07-03-2011 o impugnante apresentou recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 103 a 112 do processo de recurso hierárquico - RH - apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
19-Em 24-05-2011 foi elaborado pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais informação a propor o indeferimento do recurso hierárquico com o seguinte teor:







20-Por despacho da Directora de Serviços das Relações Internacionais de 07-07-2011 foi determinada a notificação do impugnante para se pronunciar sobre a proposta de indeferimento referida no número anterior (cfr.fls. 183 do processo de RH apenso);
21-Em 31-08-2011 foi proferido despacho pela Directora de Serviços das Relações Internacionais a negar provimento ao recurso hierárquico apresentado pelo impugnante (cfr.fls. 188 e 189 do processo de RH apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
22-Em 13-10-2011 foi remetido ao impugnante ofício a comunicar a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, o qual lhe foi entregue em 18-10-2011 (cfr.fls. 192 e 192 do processo de RH apenso);
23-A presente impugnação judicial deu entrada no TAF de Almada 12-01-2012 (cfr. carimbo aposto a fls. 1 dos autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente procedente a presente impugnação, em consequência do que decidiu:
1-Anular o despacho de indeferimento do recurso hierárquico identificado no nº.21 do probatório supra;
2-Anular o acto de liquidação de I.R.S. e juros compensatórios objecto mediato do processo;
3-Ordenar a restituição do valor de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que os impostos “Kirchensteuer” (tributo eclesiástico) e “Solidaritatszuschlag” (tributo de solidariedade) não constituem adicionais ao imposto principal sobre o rendimento existente na Alemanha (“Einkommensteuer”), uma vez que nenhum deles tem a natureza de imposto sobre o rendimento, não tendo por objectivo a tributação do rendimento, embora seja utilizada para o seu cálculo a mesma base da incidência. Que os referidos impostos não estão contemplados na lista do artº.2, da CDT, celebrada entre Portugal e a Alemanha e aprovada pela Lei 12/82, de 3/6. Que foi deduzido ao imposto sobre o rendimento liquidado em Portugal o imposto sobre o rendimento pago na Alemanha, assim sendo eliminada a dupla tributação nos termos previstos na dita CDT, nada mais havendo a deduzir. Que a sentença recorrida violou, por indevida interpretação, o disposto nos artºs.2, nºs.1, al.b), § 6, e 2, e 24, nº.1, al.a), ambos da CDT, celebrada entre Portugal e a Alemanha (cfr.conclusões 1 a 15 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Em sentido jurídico, ocorre uma situação de dupla tributação quando se verifica a regra das quatro identidades: do objecto, do sujeito passivo, do período tributário e do imposto. Esta dupla tributação é internacional quando as normas em colisão integram ordenamentos de dois diferentes Estados. Está em causa a pretensão de dois Estados tributarem, na titularidade de uma mesma pessoa, o mesmo rendimento (em impostos sobre o rendimento), relativamente a um mesmo ano fiscal.
Os Estados estão conscientes da necessidade de eliminar esta cumulação internacional de tributações, porquanto a desejável, e inevitável, internacionalização das relações económicas resultaria, de outro modo, gravemente prejudicada. A forma mais equilibrada de o conseguirem, uma vez que implica a partilha amigável das pretensões tributárias nacionais, com o consequente abdicar mútuo de parte delas, é a celebração de convenções bilaterais (CDT), norteadas pela regra da reciprocidade e, normalmente, baseadas em modelos de convenção-tipo, as quais revestem a natureza jurídica de mera recomendação (cfr.Rui Duarte Morais, Dupla Tributação Internacional em IRS, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, nº.1, Abril de 2008, pág.109 e seg.; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição Actualizada, Almedina, 2007, pág.31 e seg. e 97 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.80 e seg.).
Assim, quando um determinado contribuinte singular obtém rendimentos num país com o qual Portugal celebrou uma CDT em sede de Imposto sobre o Rendimento, será sempre importante apurar o que as regras desse acordo dispõem quanto à eliminação da dupla tributação.
Se houve tributação em imposto sobre o rendimento no país em que tal rendimento foi obtido, potencialmente, haverá uma situação de dupla tributação, que pode ser minorada pelo mecanismo do crédito de imposto (ou da imputação). De forma muito resumida, este mecanismo confere ao contribuinte com residência fiscal em Portugal uma dedução à colecta pela menor das seguintes importâncias: imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro e a fracção da colecta do I.R.S. correspondente a esses rendimentos obtidos no estrangeiro (cfr.artº.81, nºs.1 e 2, do C.I.R.S., na redacção em vigor em 2006; artº.24, nº.1, da CDT, celebrada entre Portugal e a Alemanha e aprovada pela Lei 12/82, de 3/6; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/03/2006, rec.1211/05; ac.S.T.A-2ª.Secção, 12/07/2006, rec.126/06; Paula Rosado Pereira, Manual de IRS, 2ª. Edição, Almedina, 2019, pág.303 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, do exame do probatório se retira que o impugnante e ora recorrido, no ano de 2006, auferiu rendimentos de categoria A, trabalho dependente, enquanto trabalhador da empresa “B…………, L.da.” sedeada em Portugal, embora tenha exercido a sua actividade profissional na Alemanha, em situação de destacamento junto de empresa do mesmo grupo económico, razão pela qual os rendimentos pagos pela sua entidade patronal, apesar de declarados e tributados em Portugal, igualmente foram objecto de tributação na Alemanha, enquanto Estado fonte dos rendimentos (cfr.nºs.1 a 5 do probatório; artº.15, nº.1, da CDT, celebrada entre Portugal e a Alemanha).
Mais se deve vincar que, em 2006, o impugnante tinha residência fiscal em Portugal, assim se presumindo que o centro de interesses económicos do mesmo se situa em Portugal (cfr.nº.2 do probatório; artº.16, nº.1, al.b), do C.I.R.S.; artº.4, nº.2, al.a), da CDT, celebrada entre Portugal e a Alemanha).
Com estes pressupostos, competia a Portugal (A. Fiscal) a eliminação da dupla tributação nos termos do artº.24, nº.1, al.a), da CDT, celebrada entre Portugal e a Alemanha, através da dedução ao imposto sobre os rendimentos do impugnante de uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago na Alemanha. Algo que foi efectuado, mas apenas quanto ao “Einkommensteuer” no montante de € 13.617,00, tendo a Fazenda Pública desconsiderado o tributo “Kirchensteuer”, no montante de € 1.189,44, e o “Solidaritatszuschlag”, no montante de € 726.88, assim corrigindo o total de imposto pago na Alemanha, para efeitos de crédito de imposto por dupla tributação internacional, da importância de € 15.533,32 para a quantia de € 13.617,00 (cfr.nºs.5, 6 e 19 do probatório).
Haverá que saber se os ditos impostos “Kirchensteuer” (tributo eclesiástico) e “Solidaritatszuschlag” (tributo de solidariedade), são abrangidos pela CDT celebrada entre Portugal e Alemanha, para efeitos de eliminação da dupla tributação prevista no citado artº.24, nº.1, al.a), da CDT.
E recorde-se que a interpretação destas Convenções, enquanto tratados internacionais que versam matéria fiscal, deve ser realizada de acordo com a doutrina geral de interpretação dos tratados e das normas tributárias (cfr.artºs.31 e 32 da Convenção de Viena; artº.25, § 3, da Convenção Modelo OCDE; artº.11, da L.G.T.; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição Actualizada, Almedina, 2007, pág.149 e seg.).
Nos termos do artº.2, nº.1, al.b), da mesma Convenção, relativamente à Alemanha, a CDT aplica-se aos seguintes impostos:
“1º. O imposto sobre o rendimento (Einkommensteuer);
(…)
6º. Os adicionais dos impostos precedentes (a seguir referidos pela designação de “imposto alemão”).

Por sua vez, o nº.2 do mesmo preceito prevê ainda que:
“A Convenção será também aplicável aos impostos de natureza idêntica ou similar que entrem em vigor posteriormente à data da assinatura da Convenção e que venha a acrescer aos actuais ou a substituí-los. As Autoridades competentes dos Estados contratantes comunicarão uma à outra, no princípio de cada ano, as modificações importantes introduzidas nas respectivas legislações fiscais no ano anterior.”.

Conforme resulta do teor literal do artº.2, nº.1, al.b), da CDT, os impostos adicionais integram o leque de tributos abrangidos pela Convenção, sem fazer qualquer referência à sua nomenclatura.
Ora, os impostos adicionais, mais não são do que tributos que dependem, na sua existência e elementos essenciais, da prévia presença de outros impostos (os impostos principais), não tendo qualquer autonomia, quer no plano normativo, quer no plano das relações tributárias concretas. A este propósito, fala a doutrina em tributos acessórios, de que são exemplos os ditos impostos adicionais, calculados sobre a colecta do imposto principal, e os adicionamentos, calculados sobre a respectiva matéria colectável (cfr.Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Volume I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.135 e seg.; José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11ª. Edição, Almedina, 2019, pág.79 e seg.).
No caso “sub judice”, para concluir que os aludidos impostos “Kirchensteuer” (tributo eclesiástico) e “Solidaritatszuschlag” (tributo de solidariedade), são abrangidos pela CDT celebrada entre Portugal e Alemanha, porque revestindo a natureza de tributos adicionais ao principal “Einkommensteuer”, o Tribunal “a quo” exarou o seguinte na sentença recorrida, o que se reproduz abaixo:

“Vejamos, em concreto, cada um dos impostos em causa.
O “Kirchensteuer” (“Church Tax”), incide sobre a colecta do imposto rendimento das pessoas singulares na Alemanha que beneficia a igreja à qual o contribuinte pertença, sendo que a taxa aplicável varia entre 8% e 9%, consoante o Estado em que o contribuinte resida (8% na Baviera e Baden-Wuerrttemberg e 9% no resto do país), a qual incide sobre a colecta apurada no imposto principal – o “Einkommensteuer” (neste sentido, Gustavo Lopes Courinha, Ainda a propósito dos trabalhadores portugueses na Alemanha - Algumas notas ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Julho de 2006, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, n.º 1, Abril, Almedina, 2008, pp. 293-295).
Quanto ao “Solidaritatszuschlag” (“Solidarity Surcharge”) incide sobre a colecta do imposto sobre o rendimento, do imposto sobre mais-valias e do imposto sobre sociedades, o qual foi criado com vista ao financiamento do desenvolvimento da ex-RDA, sendo aplicável uma taxa de 5,5%.
Ou seja, face à noção de imposto adicional e face às características dos tributos em causa, conclui-se que os mesmos constituem adicionais ao imposto principal -“Einkommensteuer” - e, apesar de não contemplados na lista prevista no artigo 2.º da CDT, deve-lhes ser aplicada a CDT, por integrarem a categoria prevista no parágrafo 6.º - impostos adicionais.”

Concordando com a visão interpretativa da sentença recorrida, também este Tribunal conclui que, no caso concreto, os impostos “Kirchensteuer” (tributo eclesiástico) e “Solidaritatszuschlag” (tributo de solidariedade), são abrangidos pela CDT celebrada entre Portugal e Alemanha, porque revestindo a natureza de tributos adicionais ao principal “Einkommensteuer”, assim devendo ser levados em consideração pela Fazenda Pública no cálculo do crédito de imposto por dupla tributação internacional.
No sentido da conclusão acabada de expressar, ainda se alinham dois outros argumentos:
1-A propósito da interpretação do artº.2, nºs.1 e 2, da CDT, supra identificados, deve sublinhar-se que a aplicação da Convenção aos impostos adicionais não está dependente da natureza do mesmo tributo adicional. Com efeito, a CDT limita-se a indicar que se encontram abrangidos os impostos adicionais, neste caso, com referência ao “Einkommensteuer”. Ou seja, para que se possa aplicar a CDT aos impostos adicionais, basta que estes decorram de um dos impostos principais, independentemente de terem a mesma natureza daquele, igualmente tal aplicação não dependendo da existência de um imposto idêntico ou similar no outro Estado contratante, no caso Portugal;
2-Os rendimentos e, consequentemente, os impostos que incidem sobre os mesmos, são conceitos-quadro, aos quais as convenções consagraram a solução de atribuir competência qualificatória exclusiva ao Estado da fonte (no caso a Alemanha), que não ao Estado de residência (no caso Portugal). Significa isto que, se de harmonia com a convenção e a legislação interna do Estado da fonte, foi correctamente interpretada a convenção e qualificada o facto, a outorga de isenção ou de crédito de imposto é automática, não pressupondo, ou envolvendo, nova e autónoma qualificação pelo Estado da residência (cfr.Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição Actualizada, Almedina, 2007, pág.171 e seg.).
Por último, sempre se dirá que não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida tenha violado, por indevida interpretação, o disposto nos artºs.2, nºs.1, al.b), § 6, e 2, e 24, nº.1, al.a), ambos da CDT, celebrada entre Portugal e a Alemanha.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se a recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 6 de Novembro de 2019. – Joaquim Condesso (relator) – Paulo Antunes – Ascensão Lopes.