Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02248/15.4BEPNF 0550/16
Data do Acordão:05/12/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - A prescrição do procedimento por contra-ordenação prevista e punida pelo art. 114.º do RGIT tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de seis anos (art. 28.º, n.º 3, do RGCO).
II - A suspensão da prescrição nos procedimentos pendentes não pode ultrapassar seis meses (art. 27.º-A, n.º 2, do RGCO).
III - Assim, a prescrição do procedimento por contra-ordenação prevista e punida pelo art. 114.º do RGIT tem sempre lugar quando, desde o seu início, tiver decorrido o prazo de seis anos e seis meses;
IV - A prescrição do procedimento por contra-ordenação deve ser declarada oficiosamente por qualquer autoridade judiciária em qualquer momento ou fase do processo, enquanto este não estiver terminado.
Nº Convencional:JSTA000P27684
Nº do Documento:SA22021051202248/15
Data de Entrada:05/04/2016
Recorrente:A............ S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Arguição de nulidade do acórdão proferido no recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de contra-ordenação com o n.º 2248/15.4BEPNF (550/16)
Requerente e Recorrente: “A…………, S.A.”
Requerida e Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 Na sequência do acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo, que, negando provimento ao recurso interposto pela sociedade acima identificada, manteve a sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou improcedente o recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária, vem a Recorrente apresentar requerimento de arguição de nulidades do acórdão «por (i) excesso de pronúncia e/ou (ii) “condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia”», resumindo a sua alegação em conclusões do seguinte teor:

«48. A Recorrente entende que o douto acórdão em apreço enferma de nulidade pelos».

1.2 A Recorrida não respondeu.

1.3 Cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga provados os seguintes factos:

A) À recorrente foi aplicada a coima constante da decisão de fls. 63 a 65 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, proferida em 26/02/2015.

B) A prestação tributária em falta tinha como data limite de pagamento voluntário 17/02/2014, foi paga em prestações e regularizada integralmente em 15/07/2014 (fls. 3 e verso).

C) Em 17/02/2014 a recorrente requereu o pagamento da prestação tributária em prestações (fls. 34 a 36).

D) O auto de notícia foi levantado em 23/03/2014 (fls. 23).

Com relevância para a decisão da causa inexiste matéria de facto julgada não provada».

2.1.2 Na sentença, já não na parte em que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel elencou os factos provados (sob a epígrafe «3. Fundamentação 3.1) De facto»), mas na parte em que se propôs aplicar o direito aos factos (sob a epígrafe «3. Fundamentação […] 3.2) De direito»), deixou escrito, no que ora nos interessa considerar para efeitos de matéria de facto provada, o seguinte:

«No caso em apreço está em causa a regularização do IVA deduzido, relativo a bens do activo imobilizado da recorrente, constante da declaração periódica de IVA do 4.º trimestre de 2013, pelo que o IVA tinha de ser entregue nos cofres do estado juntamente com a respectiva declaração periódica até 17/02/2014, já que tinha anteriormente deduzido nos termos da lei, nas declarações periódicas anteriores e que agora tem de ser regularizado em virtude da recorrente passar a beneficiar do regime de isenção»;

«a recorrente apresentou a declaração sem o respectivo meio de pagamento».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

O Director de Finanças do Porto aplicou à sociedade ora Recorrente uma coima de € 22.500,00, imputando-lhe a prática de uma infracção prevista e punida pelos arts. 27.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea b), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea a), e 26.º, n.º 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), por falta de entrega da prestação tributária.
A Arguida impugnou judicialmente a decisão administrativa de aplicação da coima, ao abrigo do disposto no art. 80.º do RGIT. Sustentou, em síntese, que o montante de IVA que entregou fora do prazo não provém de “prestação tributária deduzida nos termos da lei”, facto tipificado no n.º 1 do art. 114.º do RGIT, nem de qualquer dos factos que lhe são legalmente assimilados pelo n.º 5, designadamente o da invocada alínea a), do mesmo artigo; resulta, sim, da regularização das deduções efectuadas relativamente a bens do seu activo imobilizado, mais concretamente, ao IVA suportado na construção do edifício onde exerce a actividade de “lar de idosos”, uma vez que essa actividade, a partir de Março de 2013, passou a beneficiar da isenção de IVA prevista no art. 9.º, n.º 7, do Código daquele imposto.
Assim, sustentou a Arguida que, porque o IVA em causa não provém de valores deduzidos ou liquidados a terceiros, mas da referida regularização, o atraso na entrega desse imposto não constitui “a não entrega” prevista no n.º 1 do art. 114.º do RGIT, para a qual remete o n.º 2 do mesmo artigo, nem qualquer das situações que lhes são assimiladas pela alínea a) do n.º 5 do mesmo artigo, o comportamento em causa não se subsume à previsão do art. 114.º do RGIT nem a qualquer outra norma deste Regime.
Invocou ainda a Arguida a falta de fundamentação da decisão administrativa de aplicação da coima, se bem que não alcancemos na sua alegação matéria subsumível a esse vício.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, depois de salientar que o IVA em causa tinha de ser entregue com a declaração periódica até 17 de Fevereiro de 2014, o que não sucedeu e que o pagamento desse imposto só foi concluído em 15 de Julho de 2014, considerou que tanto basta para se considerar que a prestação tributária não foi paga na data legal, o que «consubstancia uma falta de entrega da prestação tributária deduzida pelas disposições conjugadas dos arts. 21.º, n.º 1, 41.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, 114.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT». Reconheceu, no entanto, que a Arguida tem razão quando questiona a subsunção do comportamento que lhe é imputado à alínea a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT, mas que «esta referência [que é feita na decisão de aplicação da coima] ao n.º 5, alínea a), torna-se irrelevante e inócua para a decisão recorrida, porquanto foi invocado o n.º 2, que remete para o seu n.º 1, e porque a recorrente revelou que percebeu perfeitamente os factos e o tipo de infracção em causa nos autos».
Finalmente, quanto à medida da coima, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel entendeu que, apesar de a Arguida a não questionar, se impunha fundamentar a sua fixação, o que fez, considerando que, tendo a Arguida reconhecido a sua responsabilidade e regularizado a situação antes da decisão que lhe aplicou a coima, é aplicável a atenuação especial, que permite que a coima seja reduzida a metade, pelo que, sendo de fixar esta no seu limite mínimo, a coima a aplicar é de € 22.500,00, montante igual ao aplicado pelo Director de Finanças do Porto.
Por tudo isso, julgou o recurso improcedente e, com a fundamentação aduzida na sentença (não inteiramente coincidente com a da decisão administrativa), manteve a coima aplicada.
Inconformada com a sentença, a Arguida dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo sustentando, em síntese, que o comportamento que lhe foi imputado não constitui infracção, designadamente que não se inclui nos factos tipificados e punidos pela norma do art. 114.º do RGIT, em qualquer dos seus números. Isto, em síntese, porque o IVA em causa não pode considerar-se «prestação deduzida nos termos da lei», facto tipificado no n.º 1 do art. 114.º do RGIT, nem qualquer dos factos que lhe são equiparados para efeitos contra-ordenacionais.
Este Supremo Tribunal proferiu acórdão em que negou provimento ao recurso.
Desse acórdão veio a Arguida e Recorrente arguir nulidades nos termos supra expostos.
Cumpriria, pois, apreciar a verificação das arguidas nulidades.
No entanto, impõe-se o conhecimento, prévio e oficioso, de uma outra questão, qual seja a da prescrição.

2.2.3 DA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL

A prescrição, que consiste na extinção de um direito em virtude do decurso de um certo lapso de tempo estabelecido na lei, constitui causa de extinção do procedimento contra-ordenacional, que deve ser conhecida oficiosamente em qualquer estado do processo, enquanto este não tiver terminado [cf. arts. 33.º, n.º 1, 61.º, alínea b), 77.º, n.º 1, do RGIT].

Nos termos do disposto no art. 28.º, n.º 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações, (RGCO), «[a] prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição, acrescido de metade».
Conforme a jurisprudência deste Supremo Tribunal, esta norma é também aplicável, subsidiariamente, ao procedimento contra-ordenacional tributário, ex vi o disposto na alínea b) do art. 3.º do RGIT (Vide, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 5 de Fevereiro de 2020, proferido no processo com o n.º 273/12.6BEALM (197/18), disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/b42071d30bf7a2448025850b00439098;
- de 20 de Maio de 2020, proferido no processo com o n.º 1901/15.BELRA, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/26b5b94830bf980e802585750067b3df;
- de 16 de Setembro de 2020, proferido no processo com o n.º 1476/15.7BELRA, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/199f6bcfcd077152802585ee0043d66a;
- de 7 de Abril de 2021, proferido no processo com o n.º 635/15.7BEVIS, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/4d221f11eb4aa897802586b1005827d5.).
Apuremos, então, qual o prazo de prescrição em causa
Nos termos do n.º 2 do art. 33.º do RGIT, «[o] prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação».
Para efeitos deste dispositivo legal, este Supremo Tribunal tem vindo a entender que que a infracção depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 28 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 777/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/3dacb8df9ba3ec978025771a00346e79.).
No caso, está em causa uma contra-ordenação prevista pelo art. 114.º do RGIT e punível pelo mesmo artigo com coima cujo montante se determina pelo valor da prestação devida, pois os respectivos limites mínimo e máximo são fixados tendo por referência o valor do imposto em falta (Vide o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Abril de 2019, proferido no processo com o n.º 679/11.8BEALM, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/382640f26e5f07c9802583f3004524fe.).
Assim, o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, ou seja, é reduzido a quatro anos, a contar da data em que o facto tributário ocorreu, por estar em causa a falta de pagamento por conta de um imposto de obrigação única, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 45.º da LGT.
Assim, e para os efeitos do citado artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, a prescrição do procedimento teria lugar quando desde a data em que se verificou o facto tributário, tivesse decorrido o prazo de quatro anos acrescido de metade.

Reportando-se a infracção à falta de entrega até 17 de Fevereiro de 2014 do imposto respeitante ao 4 trimestre do ano de 2013, o prazo de prescrição do procedimento respectivo iniciou-se em 1 de Janeiro de 2014 e teria decorrido até 31 de Dezembro de 2019 (4 anos + 2 anos).
A lei manda ressalvar da prescrição o tempo de suspensão. Que, todavia, nos termos do n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO, não pode ultrapassar seis meses.
Do exposto deriva que o procedimento contra-ordenacional está prescrito, o que cumpre declarar, assim ficando prejudicadas as questões suscitadas pela Recorrente.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A prescrição do procedimento por contra-ordenação prevista e punida pelo art. 114.º do RGIT tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de seis anos (art. 28.º, n.º 3, do RGCO).

II - A suspensão da prescrição nos procedimentos pendentes não pode ultrapassar seis meses (art. 27.º-A, n.º 2, do RGCO).

III - Assim, a prescrição do procedimento por contra-ordenação prevista e punida pelo art. 114.º do RGIT tem sempre lugar quando, desde o seu início, tiver decorrido o prazo de seis anos e seis meses;

IV - A prescrição do procedimento por contra-ordenação deve ser declarada oficiosamente por qualquer autoridade judiciária em qualquer momento ou fase do processo, enquanto este não estiver terminado.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em julgar extinto o procedimento contra-ordenacional quanto à infracção em causa no presente recurso e, consequentemente, em ordenar o arquivamento dos autos.

Sem custas.

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Lisboa, 12 de Maio de 2021. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Paulo José Rodrigues Antunes.