Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02957/12.0BELRS
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
Sumário:Se em recurso interposto em “acção administrativa especial” é posta em causa matéria de facto, nomeadamente, extraindo ilações de facto da que foi fixada na sentença recorrida, resulta a incompetência em razão da hierarquia do S.T.A. para apreciar o recurso interposto, de acordo com os artigos 26.º, b), do E.T.A.F. e 151.º n.º 4 do C.P.T.A.
Nº Convencional:JSTA000P26364
Nº do Documento:SA22020091602957/12
Data de Entrada:02/07/2019
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
I. Relatório.

I.1. A………………, S.A. interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, proferida em 23.10.2018, que julgou improcedente a Acção Administrativa Especial que intentara do Despacho do Director de Serviços da Divisão do Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas da Direcção de Serviços dos Impostos Especiais de Consumo e do Imposto sobre Veículos, que determinara o indeferimento do pedido de justificação de estampilhas fiscais destruídas no decurso do processo produtivo durante o ano de 2008, em que formulou alegações que concluiu nos termos seguintes:

Do objeto da ação

1°. O presente recurso visa reagir contra a Sentença do TAF de Almada que manteve o Despacho do Diretor de Serviços da DSIECIV que determinou o indeferimento da justificação das estampilhas fiscais inutilizadas durante o processo produtivo no ano de 2008 através do (i) procedimento simplificado de justificação previsto na Portaria n.° 1295/2007, de 1 de outubro cuja incidência foi amplificada pela Portaria n.° 53/2012, de 5 de março ou da (ii) prova documental conforme previsto no artigo 110.°, n.° 5, 1.ª parte do CIEC, que foram os dois fundamentos invocados pela Recorrente para o pedido formulado.

Do procedimento simplificado de justificação: aplicação da portaria n.º 1295/2007 conforme ao DUE

2°. A Recorrente tem os seus entrepostos de produção noutros EM da UE (Alemanha, Holanda, Espanha, Reino Unido e França).

3°. A AT e o Tribunal a quo entenderam não ser aplicável à Recorrente o procedimento simplificado de justificação por entender, com base na Portaria n.° 1295/2007, que este só seria aplicável a operadores cujos entrepostos de produção se situem no território nacional e, com base na Portaria n.° 53/2012, que a aplicabilidade deste procedimento aos operadores com entrepostos de produção noutros EM da UE só seria possível uma vez cumpridas as condições definidas no Despacho n.° 2658/2013, de 19 de fevereiro - cuja publicação ainda não tinha ocorrido à data da propositura da presente ação.

4º. A Recorrente entende que tanto a negação da aplicabilidade do referido procedimento simplificado aos operadores com entrepostos de produção noutros EM da UE, nos termos da Portaria n.° 1295/2007, como a possibilidade condicionada de aplicação a estes operadores, nos termos da Portaria n.° 53/2012, quando, num caso e noutro, se permite que os operadores que produzam tabaco em entrepostos fiscais de produção no território nacional beneficiem de um procedimento simplificado de justificação sem quaisquer condicionalismos ou obstáculos jurídicos constitui uma violação do princípio de direito europeu da igualdade, concretamente do seu corolário da não discriminação em função da nacionalidade (artigo 18.° do TFUE), das liberdades fundamentais de estabelecimento e prestação de serviços (artigos 49.° e 56.° do TFUE) e da proibição de auxílios de Estado (artigo 107°, n.° 1 do TFUE).

5º. O Tribunal a quo afirma liminarmente “não se pode considerar que esta situação viole o DUE afirmação que sustenta unicamente com a citação de um acórdão do TJUE em que se discute se as regras aí em causa violam o princípio da proporcionalidade quando, no presente caso, o que está em causa é uma violação do princípio da igualdade.

6°. Face ao que se toma impossível apurar as razões que levaram o Tribunal a quo a decidir como decidiu, padecendo a decisão recorrida de manifesta falta de fundamentação nos termos da lei e da Constituição (artigo 205.° da CRP), sendo por isso nula, nos termos do artigo 615.° n.° 1, alínea b) do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA.

7°. Uma vez que a Recorrente consegue apresentar todos os elementos que permitem reconstituir plenamente os movimentos realizados em termos de estampilhas requisitadas, destino das mesmas e posterior introdução no consumo de produtos, tudo especificado por fábrica e tipo de produto e que no atual quadro legal e regulatório de integração europeia estão em vigor diversos mecanismos de controlo e cooperação recíproca entre entidades tributárias e aduaneiras dos países da UE que permitem afastar quaisquer considerações de desconfiança em relação a autoridades aduaneiras de outros EM, as supra referidas violações do DUE não têm justificação, não podendo, nomeadamente, ser invocadas razões de controlo alfandegário para as justificar (tanto mais que o tribunal a quo deu como provado que a destruição das estampilhas no decurso do processo produtivo se verificou efetivamente — Facto M do probatório).

8°. A discriminação em razão da nacionalidade fica ainda patente na circunstância de a AT procurar recusar conceder o benefício do procedimento simplificado de justificação à Recorrente por alegadamente esta não ter, nos termos do artigo 19.° da Portaria n.° 1295/2007, comunicado mensalmente as quantidades de estampilhas inutilizadas, quando é certo e manifesto que a Recorrente estava impedida de efetuar essa comunicação porque foi a própria AT que bloqueou o acesso da Recorrente ao submenu abatimentos (tendo esse bloqueio resultado unicamente do facto de a Recorrente ter os entrepostos de produção situados noutros EM da UE).

9°. Por outro lado, uma vez que, com base na interpretação da AT, os operadores com entrepostos de produção situados noutros Estados membros ficavam sujeitos ao pagamento de IEC muitas vezes na ordem dos milhões de euros por não conseguirem justificar a destruição de estampilhas, enquanto que os operadores com entrepostos em território nacional não tinham se suportar esse encargo, atendendo a que uns e outros se encontram a competir no mesmo mercado, esta interpretação toma menos atrativo o exercício das liberdades de estabelecimento e prestação de serviços pelos operadores com entrepostos situados no território de outros EM, constituindo uma inadmissível restrição àquelas liberdades.

10°. Acresce que todos os requisitos para a consideração da medida como auxílio de estado incompatível estão presentes já que a norma sub judice (i) permite que os operadores que produzam tabaco em entrepostos fiscais de produção no território nacional beneficiem de um procedimento simplificado de justificação sem quaisquer condicionalismos ou obstáculos jurídicos — com a consequência de que deixam assim de estar sujeitos a valores de IEC na ordem dos milhões de euros; (ii) veda esse mesmo beneficio aos operadores que produzem tabaco em entrepostos fiscais de produção num território de outro EM da EU que não Portugal; (iii) é conferida através de recursos estatais (impostos); (iv) tem como consequência tornar a atividade dos operadores que produzem tabaco em entrepostos fiscais de produção num território de outro EM da EU que não Portugal economicamente muito mais penosa (e, após a publicação do Despacho n.° 2658/2013, também procedimentalmente mais morosa), colocando-os numa posição de desvantagem face aos operadores com entrepostos em território nacional.

11°. Em consonância com o princípio da interpretação conforme ou compatível com o DUE o intérprete e o aplicador do direito nacional devem atribuir às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições europeias, sendo que todo o direito nacional aplicável deve ser interpretado em conformidade com o DUE como nota o TJUE, em Acórdão proferido no Caso C-384/17 e como decorre do artigo 8.°, n.° 4 da CRP.

12°. Termos em que se impõe concluir que a interpretação da Autoridade Tributária da norma restritiva e discriminatória em causa é violadora princípio de direito europeu da igualdade, concretamente do seu corolário da não discriminação em função da nacionalidade (artigo 18.° do TFUE), das liberdades fundamentais de estabelecimento e prestação de serviços (artigos 49.° e 56.° do TFUE) e da proibição de auxílios de Estado (artigo 107.º, n.° 1 do TFUE).

13º. Assim, por estar em causa no presente processo a interpretação de uma norma de direito europeu e, consequentemente, a harmonização de norma de direito interno com aquela que, de acordo com a CRP, tem prevalência valorativa, bem como por o presente litígio não consubstanciar um acte claire i.e. “o critério segundo o qual a correta aplicação do direito da União se impõe com tal evidência que não dá lugar a qualquer dúvida razoável”, e tendo em consideração que não existe possibilidade de recurso da decisão proferida por este Supremo Tribunal, toma-se imperativo, nos termos do artigo 267.°, terceiro parágrafo, do TFUE, suspender o presente processo e submeter ao TJUE, em sede de reenvio prejudicial, o conhecimento da violação do DUE, de modo a que se assegure a aplicação uniforme do direito europeu e se evitem decisões contrárias ao direito europeu.

A prova admitida nos termos do artigo 110.°, n.° 5 do CIEC

14º. O Tribunal a quo, seguindo a decisão proferida no despacho objeto da presente ação, recusou a justificação das 38.124 estampilhas não só por recusa de aplicação do procedimento simplificado, mas também por recusa da prova feita pela Recorrente nos termos do artigo 110.º n.° 5 do CIEC (pedido igualmente formulado - cfr. Documento n.° 6 da PI).

15°. O Tribunal a quo limita-se a desaplicar a norma invocada pela autora, afirmado que à data dos factos estava em vigor não o atual CIEC, mas o anterior CIEC, parecendo indiciar que a diferença na letra da segunda parte de uma e outra norma leva a que estas tenham conteúdos cuja diferença influencia a decisão do caso sub judice, sem aduzir um único argumento para essa conclusão, sendo certo que a aplicação de qualquer uma das normas permitiria concluir pela possibilidade de justificação administrativa da destruição das estampilhas no decurso do processo produtivo sem recurso a declarações das entidades alfandegárias.

16°. Termos em se impõe concluir que a decisão recorrida padece de manifesta falta de fundamentação nos termos da lei e da Constituição, sendo por isso nula, nos termos do artigo 615°, n.° 1, alínea b) do CPC ex vi artigo 1.° do CPTA.

17°.O Tribunal a quo considerou não ser aplicável o artigo 110°, n.° 5 do CIEC novo por à data dos factos vigorar o artigo 93.°, n.° 9 do CIEC. No entanto, a aplicação de uma ou outra norma levaria ao mesmo resultado prático - não sendo possível a apresentação de uma declaração emitida pelos serviços competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas, sempre seria possível justificar a falta de apresentação das estampilhas requerendo a admissão de prova diferente à entidade competente: enquanto que nos termos do artigo 93.°, n.° 9 do CIEC antigo a justificação pode ser feita “em face de prova reconhecida em despacho ministerial proferido em processo administrativo”, o artigo 110.º, n.° 5 do CIEC novo admite-a “em face de prova admitida pelo Diretor-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo”.

18°. Por outro lado, não obstante as estampilhas terem sido destruídas durante a vigência do CIEC antigo, o momento da necessidade de justificação das estampilhas em falta ocorreu durante a vigência do Código novo, face ao Oficio n.° 2478, de 16 de maio de 2012 (cfr. Documento n.° 2 da PI), pelo que a norma invocada pela Recorrente na PI - a segunda parte do artigo 110.°, n.° 5 do CIEC novo — é a que cabe aplicar ao presente caso, não estando em causa qualquer aplicação retroativa.

19°. De facto, a Recorrente apresentou à AT três declarações, assinadas por cada um dos responsáveis de estampilhas fiscais dos três fabricantes de tabaco em cujas fábricas se verificou a destruição das estampilhas durante o processo produtivo (cfr. facto dado como provado E da Sentença), que permitiam a reconstituição plena dos movimentos realizados em termos de estampilhas requisitadas e destruídas.

20°. No entanto, o despacho de que se recorre, apesar de não por em causa a veracidade do documento, indeferiu a admissão de tal prova (i) por não ter o valor probatório atribuí do aos documentos autênticos e porque (ii) as declarações foram emitidas pelos fabricantes “que certamente mantêm com a A……….S.A. estreitas relações comerciais”, tendo o Tribunal a quo acolhido estes fundamentos.

21°. Quanto ao primeiro fundamento, é óbvio que as declarações apresentadas pela Requerente são documentos particulares e que não têm o valor probatório atribuído aos documentos autênticos emitidos pelos serviços competentes mas o artigo 110°, n.° 1, 2.ª parte do CIEC é precisamente uma alternativa à apresentação das declarações emitidas pelos serviços competentes, nomeadamente para os casos em que a obtenção destas não é possível.

22°. No entanto, o Tribunal a quo, na senda do entendimento propugnado pela AT, confunde os meios de justificação da 1.ª e 2.ª partes do n.° 5 do artigo 110.° do CIEC, esvaziando, em absoluto, de conteúdo a 2.ª parte daquela norma: é que o artigo 110.° n.° 5 do CIEC apresenta claramente duas formas alternativas de prova: (i) ou se apresenta a declaração adequada emitida pelos serviços competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas (ii) OU se faz a prova por outros meios, submetendo estes meios de prova alternativos a um despacho de admissibilidade emitido pelo Diretor-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo.

23°. Por outro lado, nem a AT nem o Tribunal a quo põem em causa a veracidade do documento mas desconsideram, sem qualquer fundamentação, o conteúdo das declarações assinadas pelos respetivos autores.

24°. Ora, o facto de existirem relações comerciais entre os fabricantes e a Requerente não significa que os responsáveis pelos selos fiscais de cada um dos fabricantes, que emitiram, em nome pessoal, as respetivas declarações tenham feito falsas declarações.

25°. Aliás, se algum indício existisse de falsas declarações, isso mesmo deveria ser invocado expressamente pela AT, sendo certo que, face aos artigos 87.° e 88.° do CPTA e 56.º e 104.° do CPA, para o fazer teria previamente de ouvir as pessoas que assinaram as declarações para poder pôr em causa o conteúdo das mesmas já que a AT “não põe em causa” a veracidade do documento, consubstanciado essa falta de diligências um vício procedimental de falta de instrução.

26°. Acresce que, tal como refere o Tribunal a quo “Da leitura das declarações juntas pela Autora, designadamente do teor das mesmas, resulta patente que as estampilhas fiscais aí melhor identificadas foram destruídas, e que a sua reconstrução não é possível (sublinhado nosso). O que demonstra que, não tivesse o pedido de aceitação de prova alternativa nos termos do artigo 110.º, n.° 5, 2.ª parte do CIEC sido ignorado, as referidas declarações seriam necessariamente consideradas prova bastante da destruição das estampilhas.

27°. Adicionalmente, note-se que a rácio da necessidade de justificação da inutilização de estampilhas requeridas se prende com exigências de controlo e de prevenção da saúde pública pelo tendo sido dada como provada a destruição das estampilhas no decurso do processo produtivo, não existem quaisquer preocupações de introdução ilegal no consumo que ponham em causa as referidas exigências de controlo ou de prevenção da saúde pública e que possam justificar um entendimento diverso do propugnado pela Recorrente.

28°. Nestes termos, impõe-se concluir que o despacho impugnado está viciado de violação de lei (por violação dos artigos 87.º e 56.° do CPTA e 104.º do CPA, na redação em vigor à data dos factos e do artigo 110.º, n.° 5 do CIEC), considerando-se justificada a inutilização de 0.0012% de estampilhas de tipo 1, 0.787% de estampilhas tipo 2 e de 0.1075% de estampilhas tipo 3 uma vez que foi dado como provado que as estampilhas em causa foram efetivamente destruídas no decurso do processo produtivo e a prova apresentada pela recorrente era suficiente para que nos termos do artigo 110.º, n.° 5 do CIEC (ou 93.°, n.º 9 do CIEC na redação anterior) fosse admitido o reconhecimento administrativo da justificação de falta de apresentação das estampilhas destruídas.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente procedente, assim se fazendo o que é de LEI e de JUSTIÇA!

I.2. A Autoridade Tributária e Aduaneira juntou contra-alegações, das quais concluiu o seguinte:

A. A Recorrente imputa à douta sentença recorrida falta de fundamentação nos termos da lei e da Constituição, defendendo que a interpretação da AT é restritiva e discriminatória, violadora do direito europeu da igualdade, porque o despacho impugnado está viciado de violação de lei, por violação dos artigos 87.° e 56.° do CPTA e 104.° do CPA e do artigo 110.°, n.° 5 do CIEC ou do artigo 93°, n.° 9, do CIEC anterior, considerando que deve ser reconhecida a justificação da falta de apresentação das estampilhas especiais de tabaco destruídas.

B. É a Recorrente que, defendendo uma interpretação que não encontra apoio na letra da lei, incorre em violação de lei porquanto, das normas em causa, do CIEC e da Portaria n.° 1295/2007, não se retiram as conclusões que lhes pretende atribuir.

C. Ao invés do afirmado pela Recorrente, quanto às estampilhas especiais inutilizadas fora do território nacional, durante o processo produtivo no ano de 2008, face ao artigo 110.°, n.° 5, do CIEC (ou o artigo 93.°, n.° 9, do CIEC na redacção anterior) não foi apresentada prova adequada para justificar a falta de apresentação de tais estampilhas.

D. À data dos factos em litígio, que se reportam ao ano de 2008, relevam as normas previstas nos n.°s 8 e 9 do artigo 93.° do CIEC aprovado pelo Decreto-Lei n.° 566/99, e especificamente o n.° 9, de acordo com o qual considera-se justificada a falta de apresentação das estampilhas fiscais ao serviço fiscalizador caso seja entregue declaração adequada, emitida pelos serviços aduaneiros competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas ou em face de prova reconhecida em despacho ministerial proferido em processo administrativo.

E. O n.° 5 do artigo 110.º do CIEC que estabelece que se considera justificada a falta de apresentação das estampilhas especiais à autoridade aduaneira caso seja entregue declaração adequada emitida pelos serviços competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas, ou em face de prova admitida pelo director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, entrou em vigor em 21.07.2010, pelo que não se aplica ao caso sub judice.

F. Ainda que se aplicasse, retroactivamente, n.° 5 do artigo 110.º do CIEC, também não poderia, face ao exigido, ser aceite a prova apresentada para os efeitos pretendidos por não ter sido entregue a declaração adequada nos termos previstos.

G. A Portaria n.° 1295/2007, de 1 de Outubro, que veio estabelecer as regras relativas às formalidades a observar para a requisição, fornecimento e controlo das estampilhas especiais para o tabaco manufacturado, regulamentando o regime estabelecido no CIEC quanto à selagem dos tabacos, afirma, de forma clara e inequívoca, que o n.° 23.°, a que se refere o n.° 19.° da Portaria, se reporta, expressamente, às inutilizações de estampilhas ocorridas durante o processo de fabrico nos entrepostos fiscais de produção situados no território nacional, podendo ser objecto de procedimento simplificado de justificação.

H. Estabelecendo o mesmo n.° 19.° da mesma Portaria a obrigação de os requisitantes de estampilhas especiais declararem, até ao dia 8 de cada mês, por transmissão electrónica de dados, as quantidades consumidas e inutilizadas no decurso do processo produtivo referido no n.° 23°, discriminadas por tipo de produto e reportadas ao mês anterior.

I. Prevendo, ainda, o n.° 27.° da Portaria, a justificação nos casos de inutilização ou extravio das estampilhas quando devidos a caso fortuito ou de força maior, só podem ser justificados em face de prova reconhecida em despacho ministerial proferido em processo administrativo, devendo ser comunicados à estância aduaneira competente, para efeitos de confirmação, até ao 2.° dia útil imediato ao da sua ocorrência, o que também não ocorreu.

J. Com referência aos factos ocorridos em 2008, a Portaria n.° 1295/2007 não previa um regime simplificado de justificação para os entrepostos fiscais de produção situados noutros Estados-membros, e a Portaria n.° 53/2012 só entrou em vigor em 6 de Março de 2012 (cf. artigo 4.º), pelo que nunca poderia ser aplicada.

K. O artigo 23.º da Portaria n.° 1295/2007, à data, prevê unicamente a existência do procedimento simplificado de justificação para as inutilizações de estampilhas ocorridas durante o processo de fabrico nos entrepostos de produção situados no território nacional, ficando excluídos, consequentemente, os entrepostos fiscais de produção, como é o caso dos entrepostos de produção da Requerente situados no Reino Unido, pelo que, a justificação da destruição das estampilhas especiais referentes ao ano de 2008, atento o disposto no n.° 9 do artigo 93.º do CIEC, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 566/99, só poderia ser efetuada, junto do serviço fiscalizador, através da apresentação de declaração adequada, emitida pelos serviços aduaneiros competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas ou em face de prova reconhecida em despacho ministerial proferido em processo administrativo, o que não ocorreu.

L. Atento o direito aplicável aos factos, a Recorrente não fez, efetivamente, a prova que lhe competia, não podendo, consequentemente, considerar-se justificada a inutilização/destruição das estampilhas especiais em questão, referentes ao ano de 2008, o que é corroborado pela Recorrente porquanto vem solicitar que lhe seja aplicado o regime simplificado de justificação previsto para os entrepostos fiscais de produção situados em território nacional

M. Não existe violação do princípio de direito europeu da igualdade, conforme invoca a Recorrente, porque o legislador nacional adoptou internamente o regime atinente aos impostos especiais sobre o consumo na sequência da legislação da comunitária relativa aos IEC, incluindo o sistema de selagem dos tabacos.

N. Os regimes em causa, relativos aos IEC e sistema de selagem no âmbito dos tabacos, assentam em preocupações relacionadas com o combate à fraude e evasão fiscais ao nível da União Europeia, resultando a criação e utilização de estampilhas especiais do artigo 21.° da Directiva 92/12/CEE e artigo 39.° da Directiva 2008/118/CE, constituindo instrumentos de controlo de pagamento do imposto, marcas de natureza fiscal, competindo aos Estados-membros definir o respectivo regime, criando as medidas adequadas tendo em vista a prevenção da fraude e evasão fiscais.

O. Neste âmbito, o artigo 22.°, n.° 2, alínea d), da mesma Directiva prevê expressamente que os produtos sujeitos ao imposto especial de consumo introduzidos no consumo num Estado-Membro e ostentando, por isso, uma marca fiscal ou uma marca de identificação desse Estado-Membro possam ser objecto de reembolso do imposto devido às autoridades fiscais do Estado-Membro que emitiu essas marcas fiscais ou de identificação, desde que a destruição dessas marcas seja verificada pelas autoridades fiscais do Estado-Membro que as emitiu.

P. O TJUE já se pronunciou no âmbito de uma situação de desaparecimento de estampilhas especiais de tabaco, conforme resulta do Acórdão de 15.04.2006, no Processo n.° C-494/04, no qual estava em causa a responsabilidade resultante da não justificação da utilização de estampilhas de tabaco.

Q. Improcede a alegada violação de lei, por violação dos artigos 87.° e 56.° do CPTA e 104.° do CPA e do n.° 5 do artigo 110.° do CIEC ou do artigo 93°, n.° 9, do CIEC anterior, imputada à decisão recorrida, a qual ao contrário do alegado pela Recorrente, teve em consideração toda a matéria de facto e de direito, tendo procedido a uma correcta delimitação e aplicação do direito ao caso concreto.

Termos em que, em face do exposto:

Deve ser declarado que a sentença recorrida não padece de violação de lei, devendo ser mantida, integralmente, a decisão do Tribunal a quo com as legais consequências.

I.3. O exm.º magistrado do Ministério Público, teve vista dos autos, emitindo parecer em que, em resumo, se pronunciou no sentido da improcedência do recurso, afastando a nulidade da sentença, por falta de fundamentação, bem como ter de se proceder ao requerido reenvio prejudicial por se tratar de um ato claro, aderindo ainda ao alegado pela AT nas contra-alegações.

I.4. O ora relator proferiu, após, despacho para efeitos de contraditório, no qual analisando as conclusões de recurso, considerou que a recorrente tinha alegado factos novos, extraindo ainda ilações de facto quanto à matéria provada, nomeadamente, no que respeita às conclusões 2.ª e 7.ª, em que concretiza os países dos entrepostos, bem como ter conseguido apresentar todos os elementos que permitem reconstituir os movimentos realizados em termos de estampilhas requisitadas, considerando que na contestação apresentada o representante da Fazenda Pública tinha exercido impugnação quanto à matéria articulada na petição, nomeadamente, nos artigos 77.º e 78.º, mais referindo que na perspetiva acima o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo o S.T.A. incompetente, ou que ultrapassa o âmbito da revista, nos termos do artigos 26.º b) do E.T.A.F. e 151.º n.º 4 do C.P.T.A., sendo o T.C.A. Sul o competente, para onde tem de baixar para o recurso aí ser julgado como apelação.

I.5. A recorrente respondeu ao mesmo, manifestando que entende que a matéria em causa nas conclusões de recurso é exclusivamente de direito, manifestando que quanto à conclusão 2.ª os postos referidos resultam do probatório no ponto M, em resposta ao requerimento da autora ao requerimento provado no ponto D, sendo que apenas importa considerar que os postos se localizam fora de Portugal; e que quanto à conclusão 7.ª se trata de mera conjugação dos factos provados no ponto D, E e M, pelo que, atendendo aos factos dados como provados nestas alíneas é possível concluir ainda nos termos vertidos nas conclusões de recurso, mas não levantando oposição a que os autos baixem ao T.C.A. Sul para decisão do recurso como apelação nos termos propostos no anterior despacho.

1.6. Foram colhidos vistos dos exm.ºs Conselheiros adjuntos, mas, tendo cessado funções na secção o 2.º adjunto, e sendo de conhecer, antes de mais, da questão da incompetência, em conferência, intervém o atual 2.º adjunto do ora relator, com dispensa de visto, tendo acesso aos autos através do SITAF.

II. Fundamentação.

II. 1. De facto.

2. A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

A) A Autora, A…………, SA — Sucursal em Portugal (doravante A……….) é um operador na área dos Impostos Especiais de Consumo (IEC) concretamente do Imposto sobre o Tabaco (IT), que detém o estatuto de depositário autorizado. [cfr. facto a no ponto 7º da petição inicial e confirmado no ponto 6º da contestação];

B) A Autora é uma sociedade que se dedica à importação e distribuição de tabaco no território nacional, sendo titular do entreposto fiscal de armazenagem n.º PT50026064802. [cfr. facto alegado no ponto 7º da petição inicial e confirmado no ponto 6º da contestação];

C) Através do ofício n.º 2478 de 16 de Maio de 2012, foi remetido a Autora o ofício com o Assunto: “Encerramento da conta-corrente de estampilhas referente ao Ano de 2008. Espaço Fiscal do Continente” com o teor que se reproduz:

“No âmbito do processo de encerramento da conta corrente de estampilhas especiais de tabaco manufacturado para o ano económico de 2008, Espaço Fiscal do Continente, foram apurados os seguintes saldos (Anexo I).

Tipo de Tabaco: 01 Cigarros - 1.450 Estampilhas Especiais

Tipo de Tabaco: 02 Charutos e cigarrilhas -31.757 Estampilhas Especiais

Tipo de Tabaco: 03 Tabaco de enrolar e outros tabacos de fumar -4.917 Estampilhas especiais

Os saldos apurados resultam da diferença entre o número de estampilhas especiais requisitadas por V. Exas junto da INCM referente ao ano económico de 2008 para o espaço fiscal do Continente e o número de utilizações justificadas das mesmas. Representa assim, o número de estampilhas especiais fornecidas à A……….. SA., que não se encontram regularmente utilizadas, através da aposição em embalagens de venda ao público rececionadas em regime de suspensão de pagamento do IEC, não tendo as mesmas, sido apresentadas à autoridade aduaneira.

Em face do exposto ficam V. Exas notificados nos termos do n.° 4 do artigo 110° do DL n.° 73/2010, que estabelece o Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, para no prazo definido no artigo 23° do Código de Procedimento e do Processo Tributário, 30 dias a contar da data da presente notificação, em local por vós designado, apresentarem as estampilhas em falta para efeitos de controlo, devendo na mesma data providenciar a sua inutilização com assistência aduaneira. Chama-se a particular atenção de V. Exas, para o facto de, nos termos do mesmo artigo, se considerar introduzido no consumo, o tabaco manufacturado correspondente às estampilhas especiais que não se mostrem utilizadas regularmente, ou que não sejam apresentadas à autoridade aduaneira a solicitação desta, sendo o Imposto especial sobre o consumo calculado com base no n.° 5 do mesmo artigo, ie, com base no Preço de Venda ao Público (PVP) mais elevado praticado por V. Exas no ano de 2008.”

[cfr. a fls. 40 a 44 dos Autos e 93 e 94 do PA];

D) Através de Requerimento datado de 19 de Junho de 2012, veio a Autora responder ao solicitado no ofício referido na alínea antecedente, referindo, designadamente o seguinte:

[cfr. a fls. 45 a 51 dos Autos e 86 a 92 do PA];

E) Com o aludido requerimento, a Autora juntou 3 certificados de fabricantes de tabaco que comercializam os seus produtos em Portugal e que são titulares de entrepostos de produção situados fora de Portugal, mas em território da União Europeia, os quais se reproduzem:

[cfr. facto que se extrai do teor do requerimento a fls. 45 a 51 dos Autos e 86 a 92 do PA e não impugnado];

F) No seguimento da resposta apresentada pela Autora, em 16 de Maio de 2012, a Alfândega do Jardim do Tabaco, prestou a seguinte informação:

[cfr. de fls. 45 e 47 do PA];

G) Através do ofício n.º 1663 de 6 de Julho de 2012, enviado por carta registada com aviso de receção, assinado em 10 de Julho de 2012, foi enviado à Autora o Despacho do Diretor de Serviços da DSIECIV com a “proposta de indeferimento do peticionado pela requerente” e, para, querendo, exercer o direito de audição, no prazo de 8 dias. [cfr. de fls. 40 do PA];

H) Em anexo à decisão referida na alínea antecedente, foi junta “Informação”, de onde se extrai, designadamente, o seguinte:

[cfr. de fls. 41 a 43 do PA];

I) Na sequência do Despacho e informação melhor identificadas nas alíneas G) e H), através de Requerimento datado de 13 de Julho de 2012,veio a Autora exercer o seu direito de Audição Prévia: [cfr. de fls. 16 a 21 do PA];

J) Na sequência do requerimento da Autora com vista ao exercício do direito de Audição Prévia, foi elaborada pelos serviços da Entidade Demandada a “Informação”, cujo teor se reproduz, em parte:

[cfr. de fls. 13 a 15 do PA];

K) Em 10 de Setembro de 2012 foi proferido Despacho pelo Sr. Subdiretor-Geral da AT de concordância com a informação reproduzida na alínea anterior. [cfr. de fls. 12 do PA];

L) Através do ofício n.º 2491 de 19 de Setembro de 2012, foi enviado, por carta registada com aviso de receção assinado em 27 de Setembro de 2012, à Autora o Despacho e a informação melhor identificados em J) e K). [cfr. de fls. 12 do PA];

M) A destruição das estampilhas fiscais ocorreu nos entrepostos de produção situados tora do território nacional, mas em território da União Europeia. [cfr. facto que se extrai do teor do requerimento apresentado pela Autora — D) e alegado na p.i e não impugnado];

N) As percentagens de estampilhas fiscais inutilizadas nos entrepostos de produção situados fora de Portugal, mas num país Estado Membro, no ano de 2008, foram as seguintes: “- 0,0012% paro as estampilhas de tipo 1; - 0,7870% para as estampilhas do tipo 2; - 0,1075% para as estampilhas do tipo 3” [cfr. facto que se extrai do teor do requerimento apresentado pela Autora — D) e alegado na p.i e não impugnado];

O) A Autora não apresentou junto da Autoridade Aduaneira - Estância Aduaneira Competente, uma declaração justificativa das diferenças de estampilhas apuradas na contabilidade, no ano de 2008. [cfr. facto que se extrai do teor das informações melhor identificados nas alíneas H) e L) e corroborado pela Autora na petição iniciar];

P) A presente Ação Administrativa deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa, em 26 de Novembro de 2012, por SITAF. [cfr. a fls. 2 dos autos];

*

Não foram dados como provados outros factos com interesse para a decisão da causa.

II. 2. De direito.

Ainda que se admita que a recorrente na 2.ª conclusão de recurso procedeu apenas à enunciação dos países em que tem entrepostos, todos na União Europeia, resulta da 7.ª conclusão de recurso para o que importa conhecer de acordo com as conclusões de recurso apresentadas, que pretende extrair a ilação de ter apresentado todos os elementos que permitem reconstituir plenamente os movimentos realizados em termos de estampilhas requisitadas, tudo especificado por fábrica e tipo de produto.

Ora, tal não foi a perspetiva da sentença recorrida que considerou, nomeadamente, matéria não provada, bem como que, não tendo sido efetuados oportunamente pedidos pela ora recorrente para que se procedesse oportunamente a essa reconstituição, julgou ainda em sentido contrário ao que se defende na dita conclusão 7.ª, referindo ainda terem sido apresentadas declarações pelos fabricantes de tabaco que comercializam o mesmo em Portugal e noutros países da União Europeia e não declarações passadas pelas respetivas alfândegas.

Em face do invocado no recurso interposto, nomeadamente, na dita conclusão 7.ª, resulta que a recorrente pretende que se extraia ilação de facto da dita matéria de facto fixada e, conforme é entendimento há muito firmado na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, sendo incompetente para decidir o mesmo que, tendo sido interposto em ação administrativa especial, fica subsumido ao disposto nos artigos 26.º, b), do E.T.A.F. e 151.º n.º 4 do C.P.T.A. – por todos, o acórdão de 29/9/2010, no recurso n.º 0446/10, e Jorge Lopes Sousa em Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. I, pág. 224, 6.ª ed. 2011.

E, versando ainda matéria de facto, é competente o Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos previstos ainda nos artigos 38.º, a), do E.T.A.F. e 149.º do C.P.T.A..

III. Decisão:

Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativa acordam em declarar a sua incompetência em razão da hierarquia para apreciar os recursos interpostos e a competência do Tribunal Central Administrativo Sul, a que os autos são de remeter, uma vez transitada a presente decisão em julgado.

Custas do presente incidente no mínimo – art. 516.º n.º 1, 1.ª parte, do C.P.C..

Lisboa, 16 de setembro de 2020. – Paulo Antunes (relator) – José Gomes Correia – Aragão Seia.