Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0333/13
Data do Acordão:04/04/2013
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
FREGUESIA
CONVOLAÇÃO
Sumário:I – O recurso inadmissivelmente interposto de um despacho do relator é susceptível de ser convolado em reclamação para a conferência caso se mostre deduzido no prazo deste meio impugnatório.
II – Ao editar as Leis n.º 22/2012, de 30/5, e n.º 11-A/2013, de 28/1, a Assembleia da República exerceu, em ambas, a mesma actividade político-legislativa, ligada à reconfiguração territorial das freguesias.
III – A complementaridade entre os dois diplomas impregna-os dessa mesma natureza, de modo que se deve recusar, às definições individuais insertas no segundo deles, uma índole simplesmente administrativa.
IV – A impugnação das referidas definições não pode fazer-se no «âmbito da jurisdição administrativa» (art. 4º, n.º 2, al. a), do ETAF), em via principal ou a título cautelar.
V – Assim, há que, indeferindo a reclamação para a conferência, confirmar o despacho do relator que rejeitara «in limine» o pedido de suspensão da eficácia do acto que extinguiu a individualidade de uma freguesia.
Nº Convencional:JSTA000P15525
Nº do Documento:SA1201304040333
Data de Entrada:02/28/2013
Recorrente:JF DE RIBEIRA DO FÁRRIO
Recorrido 1:AR
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
A Junta de Freguesia de Ribeira do Fárrio interpôs recurso para o Pleno da Secção do despacho do relator, de fls. 96, que rejeitou «in limine» o seu pedido de que se suspendesse a eficácia do «acto administrativo», alegadamente incluso na Lei n.º 11-A/2013, de 28/1, que a extinguiu enquanto autarquia individual e a agregou numa nova freguesia.

Por despacho do relator, de fls. 125, o recurso não foi admitido; mas foi convolado em reclamação para a conferência.

A recorrente, agora detentora do estatuto de reclamante, acomete o despacho «sub specie» por duas fundamentais vias: diz que ele é nulo, porquanto o relator não podia, sozinho, rejeitar liminarmente a providência; e diz que ele está errado, pois o acto suspendendo, ainda que localizado numa lei, é deveras um acto administrativo, individual e concreto, cingindo-se a natureza política e legislativa da actuação da Assembleia da República à Lei n.º 22/2012, de 30/5, relativamente à qual a Lei n.º 11-A/2013 constitui um modo de execução propriamente administrativo.

Reconhecido o acerto da convolação operada pelo relator, cumpre decidir.
Quanto à arguição de nulidade, temo-la por fantasiosa. O art. 27º, n.º 1, al. f), do CPTA atribui ao relator a competência para «rejeitar liminarmente os requerimentos e incidentes de cujo objecto não deva tomar conhecimento». Donde parece imediatamente seguir-se que o relator podia indeferir «in limine» a suspensão de eficácia dos autos. Mas, se interpretássemos restritivamente essa alínea por forma a dela excluir os despachos do tipo do agora reclamado, sempre haveríamos de atentar no teor da al. h) do mesmo número e artigo. Dela resulta que ao relator incumbe, ao menos em princípio, «conhecer do pedido de adopção de providências cautelares»; ora, se o relator pode o mais, que é conhecer do mérito de tais providências, há-de também poder o menos, que é rejeitá-las liminarmente.
E o que dissemos não é afastável pelo art. 17º, n.º 1, do ETAF, onde se prevê que, no STA, «o julgamento em cada secção compete ao relator e a dois juízes». Esta norma fixa uma regra que se vê confirmada pelo art. 27º do CPTA na medida em que este, no seu n.º 2, admite que se reclame para a conferência dos despachos do relator; e que se vê exceptuada em casos do n.º 1 do mesmo art. 27º – mas só na medida em que tais reclamações não sejam deduzidas.
Assim, o despacho reclamado não sofre do vício que a reclamante verdadeiramente lhe imputa. E muito menos sofre da falta de assinaturas (provindas de mais dois juízes) que ele denuncia e enquadra no art. 668º, n.º 1, al. a), do CPC. Com efeito, se o despacho (e não o acórdão) é só do relator, absurdo seria que fosse assinado também por outrem – e confrange ver a reclamante a reivindicar isso.
Ultrapassado o antecedente ponto, de índole formal, atentemos agora na bondade do despacho reclamado. Na parte que ora nos interessa, tal despacho tem o seguinte teor:

«A requerente pretende obter a suspensão da eficácia do acto – incluso no anexo I à Lei n.º 11-A/2013, de 28/1 – que a extinguiu enquanto autarquia individual e a agregou numa nova freguesia.
Mas a pretensão é ilegal.
A reconfiguração territorial das freguesias corresponde a uma actividade política «par excellence»; e uma tal actuação inscreve-se na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República (cfr. o art. 164º, al. n), da CRP). Ora, não é verdade que essa índole político-legislativa meramente impregne o conteúdo da Lei n.º 22/2012, de 30/5, e já não as definições insertas na Lei n.º 11-A/2013, que se lhe seguiu – e que, segundo a requerente, conteria matéria simplesmente administrativa. É que tal dissociação entre os dois diplomas é artificiosa, pois recusa as suas manifestas união e complementaridade; e olvida ainda que o objecto, necessariamente individualizado, das «matérias» a que alude aquele art. 164º, al. n), não obstou à qualificação constitucional dessas pronúncias da Assembleia da República como legislativas – e, acrescentamos nós, também políticas, aliás em elevado grau.
Sendo assim, o acto suspendendo tem natureza política e legislativa. Porém, os «actos praticados no exercício da função política e legislativa» encontram-se excluídos «do âmbito da jurisdição administrativa» (art. 4º, n.º 2, al. a), do ETAF).
Deste modo, é já manifesta a ilegalidade da pretensão formulada pela requerente. Motivo por que, nos termos do art. 116º, n.º 2, al. d), do CPTA, rejeito «in limine» o presente pedido de suspensão de eficácia.»

Constatamos, assim, que o despacho reclamado recusou a dissociação que a reclamante estabelecera entre as Leis n.º 22/2012 e 11-A/2013 e em que continua a insistir – com o fito de reservar, para a primeira delas, a natureza político-legislativa que nega à segunda.
Todavia, damos inteira adesão ao despacho reclamado na medida em que assinalou a união e a complementaridade entre os dois diplomas – e, portanto, a comunicabilidade, à Lei n.º 11-A/2013, da natureza já presente na lei anterior. Embora através de diplomas diferentes e sucessivos, a Assembleia da República exerceu, nos dois, a mesma actividade – consistente na reconfiguração territorial das freguesias. Ora, isso traduz um exercício político-legislativo que não é afastado pela forçosa individualização das definições legais e cuja sindicância não cabe aos tribunais administrativos – como o despacho reclamado correctamente explicou e decidiu.
Nenhum motivo há, pois, para revogar ou alterar o despacho em crise.

Nestes termos, acordam em indeferir a presente reclamação.
Sem custas.
Lisboa, 4 de Abril de 2013. – Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Luís Pais Borges.