Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0760/16.7BESNT
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:CORRECÇÃO TÉCNICA
AVALIAÇÃO INDIRECTA
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - Pese embora a fronteira por vezes ténue, a destrinça para determinar se estamos perante uma correcção técnica ou o uso de métodos indirectos e o regime jurídico aplicável há-de assentar na utilização que, em concreto, a AT faça (ou não) de dados contabilísticos objectivos existentes na contabilidade do sujeito passivo e/ou daqueles que com ele se relacionam e cuja contabilidade se entrecruza com a do mesmo.
II - A mera correcção contabilística de fluxos financeiros, sem recurso a presunções, operações de cálculo ou estimativas de proveitos omitidos deve qualificar-se como correcção técnica.
III - Quando o direito à liquidação diga respeito a factos relativamente aos quais tenha sido instaurado processo-crime, em que já tenha sido deduzida acusação formal pelo MP e requerida a abertura da instrução e que se encontre suspenso nos termos do estatuído no artigo 47.º do RGIT, o prazo de caducidade de 4 anos é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
Nº Convencional:JSTA000P26343
Nº do Documento:SA2202009160760/16
Data de Entrada:11/02/2018
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1- A……..., Lda., com os sinais dos autos, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 27 de Junho de 2018, que julgou improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA, referentes a 2009, no valor global de € 33.031,57, acrescidas de € 6.395,80, de juros compensatórios., apresentando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
1. Nos termos dos artigos 103.º, n.º 3 e 104.º, n.º 2 da CRP a liquidação dos impostos deve seguir a lei e a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real;

2. Nos termos do art.º 75.º da LGT, já atrás enunciado, presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. A presunção aqui referida poderá ser elidida nos termos do n.º 2 do mesmo artigo caso se verifiquem algumas das quatro situações aí referidas.

3. Nos termos da Inspecção realizada pela AT em 2013 e 2014, esta considerou a Contabilidade da Recorrente como não credível no período de 2009 a 2012 inclusive. Deste modo avançou para aplicação de métodos indirectos no ano de 2011 e de correcções aritméticas nos anos de 2009, 2010 e 2012.

4. As liquidações adicionais de 2009, em sede de IVA e acrescido, no montante de Euros 39.427,37, foram obtidas pela AT através de presunções e estimativas com base em avaliação indirecta, denominada de correcções meramente aritméticas, não pondo em causa o sistema de facturação certificado, o que contraria a lei.

5. Ora contrariando o que seria razoável e como é expresso na pág 9 do Relatório, a utilização de métodos indirectos cingiu-se apenas ao exercício de 2011, procurando a AT pôr em causa a Margem bruta do negócio e os resultados tomando por base as chamadas correcções aritméticas nos anos de 2009, aqui em Recurso, em 2010 e 2012. Repete-se foi invocado pela AT a aplicação apenas de correcções aritméticas e não de métodos indirectos com as inerentes consequências em termos de mecanismos de defesa, constitucionalmente garantidos aos contribuintes e do prazo de caducidade que seria reduzido para três anos.

6. Mas o que são correcções aritméticas para a AT e para o Tribunal a quo no ano de 2009 no contexto do Relatório inspectivo da Autoridade Tributária que considerou não credível a Contabilidade da empresa?

-Como se sabe e nos termos do SNC os resultados das empresas são apurados pela diferença entre Proveitos e Gastos em sentido económico, não interessando se tais movimentos foram pagos ou não.

Ora as liquidações adicionais da AT foram baseadas em presunções e estimativas como segue:

f) Todos os depósitos (receitas e não rendimentos) foram vendas;

g) Todos os cheques emitidos para os sócios da empresa (considerados todos distribuição de resultados) foram considerados mais vendas, quando a empresa mantinha até 2008 inclusive resultados transitados positivos que poderiam ser distribuídos a qualquer momento.

h) Havendo mais vendas nestas presunções, a AT presumiu igualmente mais gastos, em Matérias Primas, não se sabendo quem os forneceu e pagou.

i) Foi presumido que os Inventários finais eram iguais aos iniciais.

j) Chegando a um Resultado adicional por esta via, desdobrou-o mensalmente por critério aleatório.

Não pondo em causa o sistema de facturação por si certificado, será possível que a AT possa dizer a alguém que o processo por si seguido corresponde exclusivamente a correcções aritméticas? Será possível que um Tribunal de 1.ª Instância valide um procedimento nulo com o argumento que a AT pode usar em simultâneo métodos indirectos e correcções aritméticas? Toda a gente sabe desta brilhante conclusão, só que a AT usou avaliação indirecta por via de presunções e estimativas sem pôr em causa o sistema de facturação por si certificado, rotulando este procedimento exclusivamente de correcções aritméticas. Porquê? Por vários motivos. Entre eles para que o período de caducidade não fosse reduzido para três anos, o que conduziria a que antes do início da inspecção, o exercício de 2009 estivesse caducado e por outro lado a via da criminalização decorrente da aplicação de métodos indirectos ficaria prejudicada.

7. Onde é que a realidade descrita se cruza com o conceito de correcções aritméticas descrito no Acórdão de 13/9/2013 do TAF do Porto no processo 00120/03 -2.ª secção do contencioso tributário onde se lê "são correcções meramente aritméticas da matéria tributável aquelas em que a AT não recorre a qualquer método de avaliação da matéria colectável (directo ou indirecto) para determinar o imposto devido e se limita a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações" ?. EVIDENTEMENTE QUE NÃO HÁ CRUZAMENTO NENHUM POIS SÃO REALIDADES DISTINTAS.

8. Admitindo, sem conceder, que o processo seguido pela AT eram correcções aritméticas, este caminho não deixa de estar eivado de dúvidas e incertezas pois não nos podemos esquecer que estamos em presença de presunções. Assim:

- Sem reconciliações bancárias, como é possível garantir que todos os depósitos são vendas? Sem pôr em causa a facturação certificada?

- Existindo movimentos creditados numa conta do sócio, mais tarde devolvidos, total ou parcialmente(?) para contas da empresa, como é possível garantir que todos os movimentos são exclusivos da actividade da empresa?

- Chegando a vendas adicionais, presumiram gastos em matérias primas, em que base ou percentagem das vendas? Quem efectivamente comprou tais matérias-primas e as pagou?

- Quem garante que as existências finais reais foram iguais às iniciais?

- Quem garante que o acréscimo de vendas arranjado pela AT foi proporcional às vendas em cada mês de 2009, o que tem implicações por exemplo no cálculo de juros?

Torna-se claro que, mesmo admitindo o procedimento que consideramos nulo, o mesmo está eivado de dúvidas. E quando um cidadão médio perante isto tem dúvidas, as mesmas têm de reverter a favor do contribuinte, por via de anulação das liquidações oficiosas nos termos do artigo 100.º n.º 1 do CPPT.

9. Por fim a fundamentação da AT, no âmbito do seu processo inspectivo, não é minimamente adequada para a aplicação de correcções aritméticas, antes legitimando a aplicação de métodos indirectos o que foi feito, mas não assumido pela AT.

10. Nos termos do art.º 104.º n.º 1 da CRP a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real. Igualmente nos termos do art.º 103.º n.º 3 da CRP ninguém deve ser chamado a pagar impostos cuja liquidação não seja feita nos termos da lei.

11. A aqui Reclamante cumpriu o seu dever declarativo nos anos de 2009 a 2012, apresentando em tempo o modelo 22, com a determinação do lucro tributável nos termos do art.º 17.º do CIRC, lucro esse suportado na sua contabilidade e correspondente á diferença entre Rendimentos e Gastos, obtidos numa óptica económica, isto é independentemente dos recebimentos e pagamentos, cumprindo assim o princípio da especialização dos exercícios e as normas do SNC e do anterior POC.

12. Nos termos do art.º 75.º da LGT, já atrás enunciado, presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. A presunção aqui referida poderá ser elidida nos termos do n.º 2 do mesmo artigo caso se verifiquem algumas das quatro situações aí referidas.

13. Apesar dos rácios do Resultado Líquido sobre Vendas serem muito superiores à tabela fiscal para a actividade de restauração normal, antigo CAE 55301, a que correspondia uma rentabilidade percentual de 1,43%, a AT através da sua inspecção veio a declarar, expressamente, os factos que a levam a considerar que a Contabilidade da aqui Recorrente não mereciam confiança em todo o período decorrido entre 2009 e 2012 inclusive.

14. Ora a Douta Sentença do Tribunal a quo constitui uma autêntica falácia demonstrativa da colagem à tese da AT e do não conhecimento efectivo do que são correcções aritméticas.

15. Passar por cima dos factos e vir afirmar que os pressupostos do acréscimo de vendas e do IVA determinados por via de presunções e critérios incorrectos e altamente duvidosos, aplicados sobre uma contabilidade que não lhes merece confiança, são correcções aritméticas, é uma subversão ao próprio conceito de correcções aritméticas.

16. Diz o Acórdão de 13/9/2013 do TAF do Porto no processo 00120/03 -2.ª secção do contencioso tributário que "são correcções meramente aritméticas da matéria tributável aquelas em que a AT não recorre a qualquer método de avaliação da matéria colectável (directo ou indirecto) para determinar o imposto devido e se limita a corrigir erros de cálculo das declarações liquidações".

17. Com o devido respeito, tal conceito legal nada tem a ver com o aplicado pela AT e que foi sufragado indevidamente pelo Tribunal a quo.

18. A Douta Sentença do Tribunal a quo disserta do ponto de vista da aplicação de métodos correctivos por parte da AT, afirmando, o que já é conhecido, que a AT pode utilizar métodos indirectos e correcções aritméticas em simultâneo e que podem utilizar métodos diferentes em exercícios distintos desde que devidamente justificados.

19. Ora o exposto em 18) seria verdadeiro se a realidade de partida em cada um dos anos fosse diferente. Ora o que aconteceu é que o Relatório lnspectivo declara taxativamente que a Contabilidade da Recorrente não era credível no período entre 2009 e 2012. Não há qualquer alteração ano a ano para o exposto.

20. Mas mesmo admitindo que tal fosse verdade, aquilo que a AT e o Tribunal a quo não podem fazer ou permitir é fazer avaliações indirectas da matéria colectável com base em presunções e estimativas que deixam dúvidas e afirmarem com todo o despudor que estamos em presença de correcções meramente aritméticas.

21. Como não deve ser desconhecido do Tribunal a quo, o recurso à avaliação directa ou indirecta está fora do conceito de correcções aritméticas e no caso de avaliação indirecta terá de ser fundamentada a sua aplicação e conceder à Recorrente todo o direito de defesa inerente nomeadamente o pedido de revisão da matéria colectável, o que não foi feito.

22. Ora o que verdadeiramente aconteceu, foi que a AT ao arrepio das suas próprias conclusões inspectivas e do explicitado na lei, e ao invés do aplicado no ano de 2011, aplicou avaliação indirecta aos anos de 2009 aqui em recurso e aos anos de 2010 e 2012, chamando-lhe de correcções aritméticas, dentro daquele princípio conhecido de sacar impostos passando por cima de tudo e todos.

23. Só que a utilização de métodos directos, incluindo as correcções aritméticas, para além de ter por base a contabilidade do contribuinte, têm de se consubstanciar em correcções e ajustamentos efectuados concretamente à contabilidade do mesmo, aplicadas de forma objectiva e não eivada de insuficiente fundamentação.

24. Mas para além da contradição de procedimentos aplicados a realidades iguais. torna-se necessário que a fundamentação dos actos de liquidação seja expressa. no sentido de explícita e contextual. não podendo ser tácita ou implícita, como decorre do n.º 3 do art.º 268.º da CRP (Ver Acórdão do STA de 1/3/2000). Por seu lado, o artigo 125.º do CPA define "equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição, ou insuficiência, não esclareçam a motivação do acto". Ou seja. a fundamentação tem de ser adequada ao acto tributário e aos casos concretos.

25. No entendimento da Recorrente, a violação alegada, por omissões e inexactidões nas declarações de IVA. constitui uma fundamentação contraditória e insuficiente. Contraditória porque o método seguido é aplicado sobre uma contabilidade que não merece confiança e diverge do aplicado à mesma contabilidade no ano de 2011 e é insuficiente porque não está apta completamente a justificar as correcções em concreto. Uma fundamentação insuficiente não é fundamentação e a falta de fundamentação gera a anulabilidade dos actos, o que aqui se requer.

26. Nos termos do Acórdão do STA de 24/4/02 proferido no processo n.º 026679, no caso de aplicação de métodos indiciários, o próprio método de quantificação, baseado em presunções e estimativas, nunca pode garantir a correspondência entre a matéria tributável quantificada e a realidade, pelo que, pela sua própria natureza. não pode deixar de conduzir a uma situação de dúvida sobre aquela quantificação, Nestas condições é de concluir que, no caso de utilização de métodos indiciários, só se estará numa situação de fundada dúvida, para efeitos do art.º 1002 do CPPT, quando positivamente se prove que tal quantificação é errada, ou pelo menos, quando haja indícios de que o seja.

27. Atendendo ao exposto anteriormente, é convicção da Recorrente existir fundada dúvida sobre a existência e quantificação dos factos tributários, onde a AT, sem por em causa o programa certificado de facturação, pretende, por caminhos não isentos de dúvida e contestação, acrescentar MAIS VENDAS E IVA, deverá o acto reclamado ou impugnado ser anulado, nos termos do art.º 1002 n.º 1 do CPPT.

28. O reconhecimento de que a AT aplicou avaliação indirecta e não somente correcções aritméticas deverá levar a que o período de caducidade seja reduzido para três anos. Assim e antes do início do acto inspectivo na parte final de 2013 e da consideração de indícios de ordem criminal para estender os prazos, já em relação ao ano de 2009 a possibilidade de liquidações adicionais estava caducada, o que se requer.

Foram violadas ou não aplicadas as seguintes normas:

- Art.º 103.º n.º 3 e 104.º n.º 2 da CRP.

- Art.º 75.º da LGT.

- Art.º 77.º n.º 4 da LGT.

- Art.º 87.º e 89.º da LG

- Art.º 90.º da LGT.

- Conceito de correcções aritméticas - Acórdão de 13/9/2013 do TAF do Porto no processo 00120/03 -2ª secção do contencioso tributário.

- Acórdão do STA de 26/4/2007 no processo 037/2007.

- Acórdão do TCAS de 13/3/2014 no processo 07216/13 -CT 2.º Juízo.

- Acórdão do STA de 24/4/02 proferido no processo n.º 026679

- Art.º 100.º do CPPT.

Tendo em conta a deficiente interpretação dos factos e principalmente da aplicação do direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e ser revogada a sentença do tribunal a quo, sendo substituída por outra que contemple a pretensão da recorrente, nomeadamente:

A) ser declarada a nulidade do procedimento da AT no apuramento e liquidação adicional do IVA em causa, por clara violação da lei.

B) caso não seja reconhecido o requerido em a) seja declarada a caducidade do procedimento pois foi verdadeiramente aplicada avaliação indirecta, estando em consequência o prazo esgotado em final de 2012, antes de qualquer inspecção ou indício criminal.

C) ser anulada a liquidação de iva de 2009 e acrescido, com as inerentes consequências legais.

Assim se fazendo a costumada justiça!».


2- O Representante da Fazenda Pública, notificado, não apresentou contra-alegações.

3- O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

4- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 2009, a sociedade B…………., LDA., com o NIF …………, dedicava-se à exploração de um restaurante de tipo tradicional, localizado na cidade de Almeirim. - facto não controvertido que se extrai do ponto II – 3.2 do Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 50 verso, do PRG – volume I apenso;

B) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201301749 e OI 201301750, foi realizado um procedimento de inspecção à sociedade B…………, LDA., com o NIF ………., de âmbito geral, relativo aos exercícios de 2009, 2010 e 2012. – facto não controvertido que se extrai do ponto II – 2 do Relatório de Inspecção Tributária e do pedido de prorrogação, respectivamente, a fls. 50 verso e 70 do PRG – volume I apenso
C) Em 2 de Outubro de 2013, a Divisão de Inspecção Tributária I, da Direcção de Finanças de Santarém, elaborou uma informação preliminar, referente a "Factos que indiciam a presumível prática de crime fiscal", praticados, além do mais, no exercício de 2009, relativamente ao sujeito passivo B…………, LDA., com o NIF …………... – cf. Informação preliminar, elaborada por Fernando Costa, de fls. 423 a 425 do PRG – volume II apenso
D) Em 11 de Outubro de 2013, foram assinadas as Ordens de Serviço n.ºs I201301749 e OI201301750, assinadas por B’…………., na qualidade de representante legal da sociedade B………….., Lda. - facto não controvertido que se extrai do ponto II – 1 do Relatório de Inspecção Tributária e da Ordem de Serviço, respectivamente, a fls. 50 verso e 66 do PRG – volume I apenso
E) Em 30 de Dezembro de 2013, a Impugnante A…………, LDA., com o NIF …………, incorporou por fusão a sociedade B………, LDA., com o NIF …………. - facto não controvertido que se extrai do intróito da petição inicial e da informação elaborada pelo Serviço de Finanças de Sintra-4, a fls. 8 e 21, e cf. Ap. 330/20131230, constante da publicação online do acto societário, de fls. 304 a 306 do PRG – volume II apenso
F) Em 29 de Janeiro de 2014, foi cessada a actividade da sociedade B………., LDA., com o NIF …………, com data reportada a 31 de Dezembro de 2013, por fusão/cisão. – cf. impressão de "Visão Integrada do Contribuinte", extraída em 7 de Fevereiro de 2014, da plataforma da Autoridade Tributária, a fls. 370 do PRG – volume II apenso e ponto II – 3.1 do Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 50 verso do PRG – volume I apenso
G) Em 13 de Março de 2014 a sociedade B……….., LDA., com o NIF …………, foi notificada, na pessoa de B’……………, para apresentar no dia 27 de Março seguinte, um conjunto de documentos e esclarecimentos no âmbito do procedimento de inspecção identificado na alínea anterior. – cf. "Notificação para Exibição de Documentos Fiscalmente Relevantes", a fls. 80 e 81 do PRG – volume II apenso
H) Em 28 de Março de 2014 a sociedade B………., LDA., com o NIF ……….., foi notificada, na pessoa de B’……….., da prorrogação do procedimento de inspecção externa, em curso ao abrigo das ordens de serviço n.os OI201301749 e OI201301750, por um período de mais três meses, com conclusão prevista para 10 de Julho de 2014. – cf. Notificação da Prorrogação do procedimento de inspecção, despacho, parecer e pedido, de fls. 68 a 70 do PRG – volume I apenso
I) A 13 de Maio de 2014 foram assinadas as Notas de Diligência associadas às OI201301749 e OI201301750. facto que se extrai do ponto II – 1 do Relatório de Inspecção Tributária e da Nota de Diligência, a fls. 50 e 67do PRG – volume I apenso
J) A Impugnante, na qualidade se sociedade incorporante da B………….., LDA., foi notificada do projecto de correcções do relatório de inspecção tributária, com 128 páginas. – cf. Doc. 2 junto pela Impugnante ao PRG - ofício n.º 2859, da Direcção de Finanças de Santarém, de 20 de Maio de 2014, a fls. 13 PRG – volume I apenso
K) Em 13 de Maio de 2014 foi elaborado o relatório de inspecção tributária, referente à inspecção decorrente da OI n.º 201301749, realizada à actividade da sociedade B…………., LDA., com o NIF …………., no exercício de 2009, de cujo teor se extrai [cf. original do documento no PA apenso aos autos]

L) Em 17 de Junho de 2014, o Chefe de Divisão do Serviço de Inspecção Tributária de Lisboa, confirmou as correcções apuradas no relatório identificado na alínea anterior, "em sede de IVA (…), relativa ao exercício de 2009, resultante de imposição legal". - cf. Parecer do Chefe de Equipa de 16 de junho de 2014 e Despacho, de 17 de junho de 2014, a fls. 47 do PRG – volume I apenso
M) Em 18 de Junho de 2014, foram remetidos por correio dirigido ao Representante Legal da B……………, LDA., o Relatório de Inspecção Tributária elaborado na sequência das OI201301749 e OI201301750, com 135 páginas. – cf. Ofícios n.os 3522 e 3512, de 18 de Junho de 2014, de fls. 71 e 72 do PRG – volume I apenso
N) As cartas identificadas no ponto anterior foram devolvidas. – cf. envelope a fls. 73 e 74 do PRG – volume I apenso
O) O Relatório de Inspecção Tributária, descrito na alínea K) supra, foi remetido por correio dirigido à sociedade B…………., LDA.. – cf. Ofícios n.os 3512 e 3522, de 18 de Junho de 2014, a fls. 71 e 72 do PRG – volume I apenso
P) A carta identificada no ponto anterior foi devolvida. – cf. envelope a fls. 73 e 74 do PRG – volume I apenso
Q) Em 20 de Junho de 2014, a Impugnante, A………….., LDA., na qualidade de sociedade incorporante da B…………., LDA., recebeu do Relatório de Inspecção Tributária, descrito na alínea K) supra, que lhe foi remetido por correio. - cf. Ofício n.º 3513, de 17 de Junho de 2014 e comprovativo de expedição e recepção postal, a fls. 75 e 76 do PRG – volume I apenso
R) Em 2 de Agosto de 2014, a Autoridade Tributária emitiu as seguintes liquidações adicionais de IVA, referentes ao sujeito passivo com o NIF ………., com pagamento devido até 31 de Outubro de 2014:
i. N.º 14019045, referente a 012009, no valor de € 2.636,57;
ii. N.º 14019047, referente a 022009, no valor de € 3.799,28;
iii. N.º 14019049, referente a 032009, no valor de € 5.146,99;
iv. N.º 14019051, referente a 042009, no valor de € 3.785,32;
v. N.º 14019053, referente a 052009, no valor de € 1.788,79;
vi. N.º 14019055, referente a 062009, no valor de € 3.796,00;
vii. N.º 14019057, referente a 082009, no valor de € 1.712,12;
viii. N.º 14019059, referente a 092009, no valor de € 1.763,34;
ix. N.º 14019061, referente a 102009, no valor de € 1.993,28;
x. N.º 14019063, referente a 112009, no valor de € 4.058,01;
xi. N.º 14019065, referente a 122009, no valor de € 2.551,87. – cf. Doc. 1 junto pela Impugnante com a reclamação graciosa e impressões extraídas em 12 de Dezembro de 2014, da plataforma informática de "Liquidações emitidas por Cont./RF", da DGCI/SIVA, a fls. 12, 17 a 22 e 36 a 42 do PRG
S) A Autoridade Tributária emitiu as seguintes liquidações referentes ao sujeito passivo com o NIF …………., a juros compensatórios das adicionais de IVA descritas na alínea anterior, com pagamento devido até 31 de Outubro de 2014:
i. N.º 14019046, referente a 012009, no valor de € 554,76;
ii. N.º 14019048, referente a 022009, no valor de € 785,25;
iii. N.º 14019050, referente a 032009, no valor de € 1.048,01;
iv. N.º 14019052, referente a 042009, no valor de € 757,48;
v. N.º 14019054, referente a 052009, no valor de € 352,47;
vi. N.º 14019056, referente a 062009, no valor de € 735,07;
vii. N.º 14019058, referente a 082009, no valor de € 319,72;
viii. N.º 14019060, referente a 092009, no valor de € 323,68;
ix. N.º 14019062, referente a 102009, no valor de € 359,34;
x. N.º 14019064, referente a 112009, no valor de € 717,32;
xi. N.º 14019066, referente a 122009, no valor de € 442,70. – cf. Doc. 1 junto pela Impugnante com a reclamação graciosa e impressões extraídas em 12 de Dezembro de 2014, da plataforma informática de "Liquidações emitidas por Cont./RF", da DGCI/SIVA, a fls. 12 e de fls. 23 a 35 do PRG
T) Em 6 de Setembro de 2014, a sociedade B……….., LDA., com o NIF …………., foi notificada das liquidações descritas nas duas alíneas precedentes. - cf. e impressões extraídas em 12 de Dezembro de 2014, da plataforma informática de "Liquidações emitidas por Cont./RF", da DGCI/SIVA, a fls. 19 a 22 e 25 a 42 do PRG
U) Em 11 de Dezembro de 2014, a Impugnante, na qualidade de "incorporante por fusão de B……….., Lda." apresentou reclamação graciosa das liquidações descritas nas alíneas R) e S) supra, que deu origem à instauração do processo n.º 3166 2014 04005074. – cf. Requerimento, de fls. 4 a 11 do PRG – volume I apenso
V) Em 2 de Novembro de 2015, foram remetidas duas cartas, uma dirigida B…………, LDA. e outra à sua mandatária, a fim de notificar a sociedade do indeferimento da reclamação graciosa descrita na alínea anterior. – cf. Ofícios n.os 057802 e 057803, ambos de 30 de Outubro de 2015, a fls. 1467 e 1468 do PRG – volume II apenso
W) As cartas identificadas no ponto anterior foram devolvidas. – cf. envelopes a fls. 1467 e 1468, ambas verso, do PRG – volume II apenso
X) Em 9 de Dezembro de 2015, a mandatária da sociedade B…………, LDA. foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa a que se refere a alínea U) supra. – cf. ofício n.º 0066219, da Direcção de Finanças de Lisboa, de 4 de Dezembro de 2015, dirigido à mandatária da sociedade, e comprovativo de envio e recepção postal, de fls. 1473 e 1475 do PRG – volume II apenso
Y) Em 17 de Fevereiro de 2016, a Impugnante foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa a que se refere a alínea U) supra. – cf. ofício n.º 008116, da Direcção de Finanças de Lisboa, de 15 de Fevereiro de 2016, dirigido à mandatária da Impugnante, a fls. 30
Z) Em 15 de Maio de 2016, foi remetida por correio a petição que instrui a presente impugnação. – cf. vinheta postal, a fls. 19
AA) Em 11 de Outubro de 2016, foi declarada aberta a instrução no processo n.º 61/13.2IDSTR, que tramita no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Instrução Criminal de Santarém – Juiz 2, o qual foi aberto pelo Ministério Público mediante participação da Direcção de Finanças de Santarém e outro(s), em que são arguidas, entre outros, a sociedade B…………, LDA., e a Impugnante, A…………, LDA, que responde por aquela, e quem tem por objecto a averiguação da prática de crimes de fraude fiscal agravada e frustração de créditos, relacionados, além do mais as liquidações impugnadas. - cf. Ofício n.º 77029399, de 21 de Dezembro de 2017, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Instrução Criminal de Santarém – Juiz 2, e despacho de abertura de instrução, de fls. 86 a 94

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FACTOS NÃO PROVADOS
Não foram alegados outros factos com relevo para a decisão da causa e que importe registar como não provados.


2. Do direito
O recurso que vem interposto da sentença do TAF de Sintra aponta erros de julgamento em relação a três pontos: i) falta de fundamentação das liquidações; ii) utilização efectiva (e ilícita) de métodos indirectos na determinação da matéria colectável sob a denominação de correcções quantitativas; e iii) caducidade do direito à liquidação. Vejamos cada um deles.

2.1. Estão em causa liquidações adicionais mensais de IVA e dos respectivos juros compensatórios, respeitantes ao ano de 2009, que foram emitidas na sequência do procedimento inspectivo realizado em cumprimento das Ordens de Serviço n.º OI201301749 e n.º OI 201301750 (pontos B e R da matéria de facto).
Por essa razão, a fundamentação dos mencionados actos de liquidação consta do referido relatório de inspecção tributária, elaborado em 13.05.2014 (v. ponto K da matéria de facto), mais precisamente das suas conclusões, transcritas, de resto, no probatório da sentença recorrida.
Da leitura desses elementos é possível inferir, com total clareza, os motivos que presidiram à emissão daqueles actos de liquidação. E da impugnação apresentada pelo aqui Recorrente, assim como das restantes peças processuais, é possível concluir também que ele (o destinatário do acto), percebeu, com meridiana clareza, as razões que presidiram à emissão daqueles actos de liquidação, razão pela qual apresenta diversos argumentos de facto e de direito que visam a respectiva anulação.
Nestes termos, e em linha com o que é o entendimento sufragado por este Supremo Tribunal Administrativo a respeito do conteúdo da obrigação de fundamentação dos actos tributários, verificamos que, ainda que “remissiva, a fundamentação dos actos tributários impugnados revela-se clara, congruente e contempla os aspectos, de facto e de direito, que permitem conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração” – v., por todos, acórdão de 9 de Setembro de 2015 (proc. 01173/14). Importa não esquecer que o preenchimento da obrigação ou dever legal de fundamentação dos actos por parte da Administração não se confunde (nem pode confundir) com a “aceitação” por parte dos destinatários dos fundamentos que estão na origem da sua emanação, bastando-se com a compreensão por parte do destinatário das razões do mesmo, i. e., com o fornecimento do referido iter cognitivo que lhe permita promover a impugnação do mesmo.
E é isso que se verifica neste caso, o destinatário não se conformou com a interpretação que a AT fez do fluxo financeiro existente entre as contas pessoais e as contas da sociedade comercial no ano de 2009, assim como com o efeito que nesse contexto a AT não deu ao alegado contrato de mútuo, bem como não se conformou com a qualificação de meras correcções técnicas que a AT deu ao modo como procedeu ao cálculo da matéria colectável do IVA em falta, mas compreendeu (revela nas peças processuais ter compreendido) todos os fundamentos e operações que presidiram à emissão dos actos de liquidação impugnados.
Assim, consideram-se preenchidas, in casu, as exigências constitucionais (artigo 268.º, n.º 3 da CRP) e legais (artigo 77.º da LGT) a respeito da fundamentação das liquidações.

2.2. Alega em segundo lugar o Recorrente que as operações realizadas pela AT para a quantificação da matéria colectável do IVA em falta, a que se reportam as liquidações impugnadas, consubstanciam uma verdadeira forma de quantificação indirecta da matéria colectável, que a AT, impropriamente, designou de correcções técnicas.
Porém, não tem razão o Recorrente, pois a factualidade dada como provada e não impugnada corresponde a uma verdadeira correcção técnica e não à utilização de métodos indirectos. Pese embora a fronteira por vezes ténue que possa existir entre as duas vias de correcção da base tributável, ou mesmo os casos em que se registe uma conjugação de ambas, como se afirma na sentença recorrida, a destrinça para determinar se estamos perante uma correcção técnica ou o uso de métodos indirectos e o regime jurídico aplicável há-de assentar na utilização que, em concreto, a AT faça (ou não) de dados contabilísticos objectivos existentes na contabilidade do sujeito passivo e/ou daqueles que com ele se relacionam e cuja contabilidade se entrecruza com a deste, como sucede no caso em apreço.
A AT, como bem destaca o parecer do Ex.mo Senhor Procurador Geral Adjunto, baseou a sua decisão na mobilização dos dados existentes na contabilidade da sociedade e na contabilidade dos sócios (listagens de pagamentos, depósitos e transferências) para, “requalificando-os” contabilisticamente, calcular a omissão de proveitos, ou seja, a base tributável que ilicitamente não tinha sido tributada em IVA. Em outras palavras, a AT “corrigiu” (alterou) a qualificação contabilística dos dados mensais de fluxos financeiros existentes na contabilidade da sociedade e do sócio (fluxos que não foram impugnados pelo Recorrente) e não procedeu a um cálculo, por estimativa ou por via indirecta, dos proveitos omitidos, por isso a operação deve qualificar-se como uma correcção técnica ainda reconduzível, inteiramente, a métodos directos de apuramento da base tributável omitida – neste mesmo sentido v. os acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Maio de 2015 (proc. 01509/14) e de 3 de Junho de 2015 (proc. 088/15).
De resto, a argumentação do Recorrente centra-se na diferença de tratamento dada ao modo de cálculo dos proveitos omitidos relativamente ao ano de 2009 (correcções técnicas), em apreço nestes autos, e o modo de cálculo dos proveitos omitidos em relação ao exercício de 2011, que aqui não está em apreço, e em que terão sido utilizados métodos indirectos. Contudo, essa diferença de tratamento não encerra, em si, nenhuma ilicitude, nem é fundamento, em si, para invalidar as correcções técnicas aqui realizadas.
Em suma, com base na factualidade provada, nada obsta à qualificação jurídica da operação levada a cabo pela AT como correcções técnicas e, nessa medida, nenhum juízo de censura merecem as liquidações administrativas.

2.3. Invoca, por último, o Recorrente, a caducidade do direito à liquidação. Mas, uma vez mais, sem razão. O prazo de caducidade de 4 anos iniciou-se – lembre-se que está em causa o exercício fiscal de 2009 – em 1 de Janeiro de 2010, ex vi do disposto no n.º 4 do artigo 45.º da LGT, e o Requerente foi notificado dos actos de liquidação em 6 de Setembro de 2014, ou seja, antes de decorridos os referidos 4 anos.
O Recorrente alega que deveria aplicar-se o prazo de 3 anos previsto no n.º 2 do artigo 45.º da LGT (na redacção anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro), uma vez que a factualidade deveria subsumir-se à aplicação de métodos indirectos. Ora, independentemente de não estar aqui em causa, pelas razões que vimos, a utilização de métodos indirectos, cumpre acrescentar que mesmo que assim fosse o Recorrente não teria razão, pois o prazo de 3 anos previsto na mencionada norma abrangia apenas a “utilização de métodos indirectos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade”, o que nunca seria o caso.
Por último, sublinha-se ainda, como bem destaca o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, que “respeitando o direito à liquidação a factos relativamente aos quais foi instaurado processo-crime, onde já foi deduzida acusação formal pelo MP e requerida a abertura da instrução e se encontra suspenso nos termos do estatuído no artigo 47.º do RGIT, o prazo de caducidade de 4 anos é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

Lisboa, 16 de Setembro de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.