Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0681/10.7BEPNF 0682/14
Data do Acordão:05/11/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO
DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA
ARBITRAGEM
NULIDADE
Sumário:I – O STA, em sede de recurso de revista, apenas pode apreciar a questão tal como ela lhe é submetida pelas partes no recurso, à luz das regras processuais aplicáveis, e de acordo com a factualidade assente na decisão arbitral, tal significa, neste caso, dados os constrangimentos especiais em que se funda a apreciação do recurso por causa das vicissitudes processuais pretéritas, que a questão fica limitada à análise de alegadas nulidades a que o Recorrente pretendeu reconduzir todas as questões controvertidas do litígio.
II - Sendo imputáveis à Entidade Pública concedente as alterações respeitantes à proposta contratual cujo teor consistia na expansão do serviço e da área da concessão, é juridicamente improcedente o argumento de que o contrato é nulo por não prosseguir o interesse público.
III – Consequentemente, não só os referidos desvios face ao disposto no caderno de encargos, como a alegada maior onerosidade daí decorrente, à luz da factualidade apurada, não permitem subsumir o quadro real à previsão normativa de uma “violação grave” dos princípios que regem os procedimentos concorrenciais, capaz de sustentar a nulidade do contrato; tendo em conta, também, que o quadro normativo aplicável era anterior às normas europeias e nacionais em matéria de contratos públicos e de legalidade financeira.
Nº Convencional:JSTA000P30998
Nº do Documento:SA1202305110681/10
Data de Entrada:11/09/2022
Recorrente:MUNICÍPIO DE MARCO DE CANAVESES
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – Relatório

1 – O Município de Marco de Canaveses, com os sinais dos autos, recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte, de 29.04.2022, que manteve a decisão do Tribunal Arbitral [TA ad hoc] de 30.12.2004, constituído ao abrigo da cláusula 100.ª do contrato de concessão da exploração e gestão dos serviços públicos de distribuição de água e de drenagem de águas residuais de Marco de Canaveses, celebrado com A..., SA.
A decisão do TA ad hoc dispunha o seguinte
“[…]
i. Não reconhecer o pedido de indemnização, formulado pelo Município do Marco de Canaveses, por alegados prejuízos causados pela concessionária - A..., SA - à população do concelho;
ii. Julgar procedente o pedido da concessionária - A..., SA - de ver reconhecido o direito ao reequilíbrio económico-financeiro da concessão, determinando a atribuição, pelo Município de Marco de Canaveses, de uma compensação financeira no valor de 16 milhões de euros;
iii. Julgar procedente o pedido de reconhecimento de um crédito a favor da concessionária - A..., SA -, sobre o Município de Marco de Canaveses, no valor de 892.976,52€, relativo à faturação global da taxa variável de saneamento (entre o início da concessão e 31 de dezembro de 2007), acrescido dos juros de mora vencidos;
iv. Que a renda anual estabelecida na modificação unilateral do contrato de concessão, que ficará a cargo da concessionária - A..., SA - relativa às infraestruturas a construir pelo concedente, só será devida na proporção em que as referidas infraestruturas sejam disponibilizadas para entrada em serviço;
v. Julgar improcedente o pedido alternativo da concessionária - A..., SA - de ver reconhecido o direito de rescindir unilateralmente o contrato de concessão com base em violação do mesmo contrato e o concomitante direito a indemnização».
[…]».

2 – O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 20.10.2022, a admitiu o recurso de revista.



5 – O Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«[…]

[O objeto do recurso]

A. Por Acórdão do Tribunal Arbitral de 20.07.2010, foram julgados procedentes: i) o pedido da concessionária A..., SA de ver reconhecido o direito ao reequilíbrio económico-financeiro da concessão, determinando a atribuição, pelo Município de Marco de Canaveses, de uma compensação financeira no valor de 16 milhões de euros, e ii) o pedido de reconhecimento de um crédito a favor da concessionária A..., SA, sobre o Município de Marco de Canaveses, no valor de 892.976,52€, relativo à faturação global da taxa variável de saneamento (entre o início da concessão e 31 de dezembro de 2007), acrescido dos juros de mora vencidos.

B. O Recorrente interpôs recurso para os tribunais administrativos e fiscais do Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral de 20.07.2010 alegando, em síntese, que: i) o Acórdão é nulo por ter incorrido em erros de julgamento, mais concretamente, quanto aos factos que deu por assentes nos Pontos 4.º, 16.º, 22.º, 24.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º e 44.º do Acórdão Arbitral e, ainda, os quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Base Instrutória; ii) o Acórdão é nulo por erro de julgamento de direito pelo facto de ter considerado que o contrato de concessão que baseia a fixação do montante indemnizatório a título de reposição do equilíbrio financeiro a atribuir à Recorrida era válido quando, no seu entender, o mesmo é nulo.

C. O Recorrente alegou que a nulidade do contrato de concessão em crise nos autos decorre da violação do procedimento pré-contratual imposto pelos artigos 10.º, 13.º e 17.º do Decreto-lei n.º 379/93 e dos artigos 56.º e 58.º do Decreto-lei n.º 197/99, por ausência do parecer prévio do IRAR e da aprovação da Assembleia Municipal e, bem assim, pelo facto de o contrato comportar alterações substanciais das cláusulas gerais dispostas no Caderno de Encargos (CE), nas regras do Programa do Concurso (PC) e da própria proposta à qual o concorrente (posterior adjudicatário) se vinculou aumentando, inclusivamente, as suas receitas em mais de 50% e configurando um contrato que não tem qualquer correspondência com o procedimento pré-contratual que o conformou.

D. Nas suas alegações o Recorrente alegou, ainda, que o contrato seria inválido, pelo facto de o Recorrente ter incorrido em erro quanto à declaração de vontade no momento da sua celebração.

E. Por Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte de 02.05.2022 de que agora se recorre, o TCAN decidiu que não iria conhecer a questão suscitada quanto à impugnação da matéria de facto assente nos Pontos 4.º, 16.º, 22.º, 24.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º e 44.º do Acórdão Arbitral e, ainda, os quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Base Instrutória pelo facto de o Recorrente, nas suas conclusões de recurso, não ter cumprido o disposto no artigo 640.º n.º 1 alínea a) do CPC.

F. O TCAN decidiu que não iria conhecer da questão da nulidade do contrato de concessão invocada com base na violação do procedimento pré-contratual porque, por um lado, o Recorrente não teria invocado essa nulidade no âmbito das suas conclusões de recurso (restringindo o seu objeto) e, por outro lado, porque no entender do Tribunal, o artigo 180.º n.º 1 alínea a) do CPTA na versão anterior ao ano de 2015, excluía as questões relacionadas com “invalidades derivadas” dos contratos do âmbito de competência do Tribunal Arbitral e, por conseguinte, esta matéria estaria fora do poder de cognição do TCA no presente recurso daquela decisão arbitral.

G. O TCAN considerou que embora o contrato de concessão celebrado comporte alterações substanciais das cláusulas gerais dispostas no Caderno de Encargos (CE), das regras do Programa do Concurso (PC) e da própria proposta à qual o concorrente (posterior adjudicatário) se vinculou, o mesmo não estaria ferido de nulidade mas apenas do vício de anulabilidade, tendo caducado o direito de ação por parte do Recorrente por incumprimento do prazo de 6 meses contemplado no artigo 41.º n.º 2 do CPTA (na versão aplicável aos autos).

H. O TCAN decidiu que não ficou provada a ocorrência de um erro na declaração de vontade do Recorrente aquando da celebração do contrato mas, mesmo que tivesse existido esse erro, o prazo para interpor a ação de anulação do contrato decorrente desse vício (6 meses ao abrigo da referida versão do artigo 41.º n.º 2 do CPTA) já estaria ultrapassado ao tempo dos presentes autos.

I. O Recorrente, não se conformando com o Acórdão do TCAN, suscita no presente recurso que o STA se pronuncie sobre se o Tribunal a quo (TCA Norte) incorreu em erro de julgamento ao ter rejeitado conhecer do recurso quanto à impugnação da matéria de facto dada como assente pelo Acórdão Arbitral com base numa alegada violação do disposto no artigo 640.º n.º 1 alínea a) do CPC.

J. Ora, o tribunal a quo interpretou e aplicou de forma errada o disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, uma vez que a referida tarefa deveria ter sido realizada em consonância com o princípio da tutela jurisdicional efetiva - que encontra consagração legal e constitucional no artigo 2.º do CPTA e artigo 268.º, n.º 4 da CRP, respetivamente -, e com o princípio pro actione consagrada no artigo 7.º do CPTA, pelo que se vislumbra desde logo uma errada interpretação e aplicação de todas as normas jurídicas enunciadas;

K. No caso em concreto, tendo o Tribunal Arbitral conhecido o pedido do Recorrente quanto à arguição da nulidade do Contrato de Concessão por força de invalidades insanáveis do respetivo procedimento pré-contratual, o TCA Norte incorreu em erro de julgamento por omissão de pronúncia quando decidiu que não deveria conhecer essa parte da decisão arbitral pelo facto de o artigo 180.º n.º 1 alínea a) CPTA (na redação aplicável ao presente diferendo) excluir essa matéria do âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal Arbitral e, bem assim, por entender que o referido pedido não foi expresso nas conclusões das Alegações de Recurso (delimitando o objeto a decidir). O tribunal a quo incorreu assim numa errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 180.º, n.º 1, alínea a) CPTA (na redação aplicável ao presente diferendo).

L. O Acórdão do TCA Norte sob sindicância enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito ao não ter considerado nulo o Contrato de Concessão celebrado entre a Recorrente e a Recorrida quando, de acordo com a matéria de facto dada como assente nos presentes autos, o mesmo comporta alterações substanciais das cláusulas gerais dispostas no Caderno de Encargos (CE) e violação das regras do Programa do Concurso (PC), modificações a que correspondem alterações substantivas da proposta económica da então adjudicatária (Recorrida nos presentes autos), aumentando nomeadamente as suas receitas em 122 milhões de euros e os seus lucros em mais de 50%, bem como das próprias taxas internas de rentabilidade (TIR) dos acionistas futuros da concessionária (cfr. dado como matéria de facto assente nos presentes autos).

M. O Recorrente entende que o TCAN não poderia ter considerado que o contrato era apenas anulável, uma vez que os vícios contratuais dados como provados pelo próprio TCAN conduzem, necessariamente, à declaração da nulidade do contrato pelo mesmo carecer em absoluto de forma legal, fazendo assim uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 133.º, n.º 2, alínea f) do CPA na versão aplicável à presente demanda,

N. O presente recurso para o STA deverá ser admitido na medida em que se verifica o preenchimento dos pressupostos fixados no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, ou seja, está em causa a apreciação de uma questão jurídica que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou a admissão do recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.

O. Estes pressupostos verificam-se no caso em concreto, tanto por força do impacto económico e social que os contratos de concessão no sector da água têm ocasionado em diverso municípios do País, dando origem a avultados prejuízos ao erário público e disputas judiciais que se prolongam há quase duas décadas sem que haja um consenso quanto à interpretação e aplicação do direito dos diplomas legais (entretanto revogados) que regem estas concessões e que as continuarão a reger enquanto estes contratos estiverem em vigor (a maioria deles por períodos superiores a 30 anos).

P. A presente revista torna-se ainda mais premente no presente processo pelo facto do STA nunca se ter debruçado e emitido uma decisão quanto ao sentido interpretativo que se deve dar, por um lado, ao disposto no artigo 180.º n.º 1 alínea a) CPTA (na redação aplicável ao presente diferendo) e, bem assim, sobre se estando provado que houve modificações substanciais do Caderno de Encargos e da proposta do adjudicatário em sede da elaboração da minuta do contrato (alterações a que correspondem, nomeadamente, um incremento das contrapartidas financeiras em mais de 50% do que o constante da proposta adjudicada) se esse facto determina a anulabilidade ou, ao invés, a nulidade do contrato (tese que defendemos).

Q. O Tribunal a quo incorre em erro de julgamento ao não ter conhecido da impugnação da matéria de facto porque, em primeiro lugar, o ónus de impugnação estabelecido no artigo 640.º n.º 1 alínea a) do CPC foi ampla e exaustivamente debatido e cumprido pelo Recorrente nas páginas 101 e seguintes das Alegações de Recurso (com base nas transcrições dos depoimentos, confrontando documentos juntos e conclusões dos mesmos) e, em segundo lugar, porque omite o teor integral das conclusões apresentadas pelo Recorrente onde fica claro, de forma resumida, qual a matéria de facto que o Recorrente considera erradamente decidida e quais os meios de prova/factos que impunham decisão diversa.

R. Ao contrário do que decidiu o TCAN, do artigo 5.º das Conclusões resulta que a matéria que o Recorrente considera que foi erradamente julgada teve que ver com os factos dados como assentes quanto “à invalidade do contrato e o processo da sua celebração”, invalidade essa que o Recorrente dissecou nas páginas 72 a 84 e 101 a 191 (mais concretamente os Pontos 4.º, 16.º, 22.º, 24.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º e 44.º do Acórdão) e, ainda, os quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Base Instrutória, com a transcrição dos depoimentos e reprodução de documentos para os quais volta a remeter nas conclusões.

S. O não conhecimento da impugnação da matéria de facto no âmbito do presente recurso por parte do TCAN, dada a sua complexidade, dimensão e pormenorizada reclamação por parte do Recorrente na sua motivação/corpo das alegações configura, além do mais, uma violação manifesta do artigo 7.º do CPTA o qual impõe, como princípio basilar de “Acesso e promoção da justiça” que “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.

T. O TCAN interpretou e aplicou a lei processual do artigo 640.º n.º 1 alínea a) do CPC ao caso vertido de forma restritiva e preclusiva da tutela jurisdicional efetiva, sem o juízo de razoabilidade e proporcionalidade que lhe seria exigível e agarrado a um excessivo formalismo que se sobrepõe ao fim último que se visa obter com apelo aos órgãos jurisdicionais de recurso, fazendo uma interpretação e aplicação errada da referida norma adjetiva, bem como dos artigos 2.º do CPTA e 268.º 4 da CRP (que consagram o princípio da tutela jurisdicional efetiva) e do artigo 7.º do CPTA (que consagra o princípio pro actione).

U. O TCAN proferiu uma decisão que é contraditória, pois ao mesmo tempo que exigiu que as Conclusões das Alegações de Recurso fossem mais sucintas do que aquelas que constam do aperfeiçoamento apresentado e rejeitado, veio decidir, afinal, que não iria conhecer a impugnação da matéria de facto pelas conclusões (as primeiras e que são as constantes do presente recurso) serem demasiado genéricas.

V. No entendimento do Recorrente, o STA deverá mandar os autos baixar ao TCA Norte para que seja conhecia a impugnação da matéria de facto relativa à “invalidade do contrato e processo da sua celebração” constante das páginas 72 a 84 e 101 a 191 das Alegações de Recurso, mais concretamente a impugnação dos Pontos 4.º, 16.º, 22.º, 24.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º e 44.º da matéria de facto assente no Acórdão Arbitral e, ainda, os quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Base Instrutória

W. Ao contrário do que o TCAN entendeu, também não é verdade que nas suas conclusões finais de recurso o Recorrente não tenha invocado a nulidade do contrato por vícios do procedimento pré-contratual que o antecedeu, sendo referido, expressamente, que o Acórdão era “inválido por vícios de fundo (mérito), quanto ao direito aplicado, desde logo na questão da validade (total ou parcial) do contrato de concessão celebrado: julgou o acórdão recorrido que esse contrato é válido, quando na verdade tal contrato é absolutamente nulo e inválido (i) pelos vícios fortíssimos da sua celebração” (…) sendo “inválido porque, também sob este tema da invalidade, do contrato e do processo da sua celebração”.

X. Para além de ter invocado a questão em sede das conclusões, o Recorrente debateu na sua motivação, de forma exaustiva, os vícios relacionados com o procedimento pré-contratual do presente Contrato de Concessão elencando os inúmeros atropelos do Decreto-lei n.º 379/93 e do Decreto-lei n.º 197/99 (mais concretamente nas páginas 40 a 64 das suas Alegações de Recurso) tendo, inclusivamente, citado um parecer dos Drs. Sérvulo Correia, Lino Torgal, Carlos Cadilha, Fausto Quadros e transcrito a posição do Sr. Árbitro, o Dr. João Pacheco de Amorim, que defenderam a mesma posição e que consideraram que o contrato em causa era nulo por violação insanável do procedimento pré-contratual aplicável.

Y. Nas páginas 64 a 72 da motivação do recurso, num capítulo com a epígrafe de “A ausência de "parecer" (e ausência de consulta) do IRAR sobre a minuta final alterada e sobre o tarifário final aumentado (e muito diferentes quer do Caderno de Encargos quer da Proposta económica do concurso):”, o Recorrente invoca os motivos de facto e de direito que deveriam ter conduzido à decisão de nulidade do contrato de concessão.

Z. Também quanto à nulidade do contrato de concessão pelo facto de os Anexos finais constantes da minuta do contrato não terem sido aprovados pela Assembleia Municipal, o Recorrente dissecou as provas produzidas e a decisão de facto e de direito que, no seu entender, deveria ter sido adotada pelo Tribunal quanto ao Quesito n.º 5 da Base Instrutória e quanto à nulidade do contrato (cfr. páginas 73 a 85 das suas Alegações de Recurso).

AA. Segundo a jurisprudência do STA e STJ, o Tribunal “a quo” só deverá rejeitar conhecer destas matérias se, efetivamente, as conclusões demonstrassem um flagrante erro do dever de síntese ou as omitissem de todo o que, como se viu, não ocorreu a partir do momento em que o Recorrente identificou de forma sucinta, que o contrato também seria nulo por violações graves de todo o procedimento pré-contratual conforme amplamente discutido no corpo das alegações para as quais remeteu.

BB. Não colhe o argumento do TCAN de que as questões em causa (vícios do procedimento pré-contratual que inquinaram a validade do contrato) também sempre estariam fora do âmbito dos poderes de cognição do Tribunal Arbitral nos termos do artigo 180.º n.º 1 alínea a) do CPTA e, por conseguinte, fora do poder de cognição do TCA no presente recurso conforme tinha sido expressamente solicitado pelas Partes no compromisso arbitral quando acordaram que “o Tribunal Arbitral tinha poderes e competência para conhecer sem qualquer reserva das questões relacionadas com a legalidade do contrato, independentemente de estas terem que ver com a legalidade originária ou derivada”.

CC. Ao contrário do que defendeu o TCAN, da leitura do artigo 180.º n.º 1 alínea a) do CPTA na sua versão anterior a 2015, não se deduz de forma, alguma, que o tribunal arbitral não possa conhecer nem que as partes não possam sujeitar ao seu conhecimento, as invalidades do contrato decorrente de outros atos administrativos que não os relativos à execução do contrato.

DD. A interpretação e alcance do artigo 180.º n.º 1 alínea a) do CPTA na sua versão anterior à entrada em vigor do Decreto-lei n.º 214-G/2015 era de tal forma discutível que motivou a sua posterior reforma que dissipou quaisquer dúvidas quanto a este ponto, sendo agora definido que estão sujeitos à competência do Tribunal Arbitral, entre outras, “Questões respeitantes à validade de atos administrativos, salvo determinação legal em contrário”.

EE. Ao contrário do Tribunal Arbitral, o TCA decidiu não conhecer das questões relacionadas com o procedimento pré-contratual, comprometendo não só a possibilidade de sindicância desta parte da decisão arbitral junto dos tribunais administrativos como, também, incumprindo novamente o artigo 7.º do CPTA, sob a epígrafe “Promoção do acesso à justiça” o qual impõe que “as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.

FF. O Supremo Tribunal nunca se chegou a pronunciar sobre qual a interpretação que deveria ser seguida acerca do artigo 180.º n.º 1 alínea a) do CPTA na sua versão anterior a 2015 quando, num caso como o presente, as partes tenham submetido o conhecimento de todas as invalidades do contrato, sem reserva, aos poderes de cognição do Tribunal Arbitral e, bem assim, o Tribunal Arbitral tenha emitido uma pronúncia sobre aquelas invalidades pré-contratuais (embora reconhecendo que a questão era controvertida).

GG. O Recorrente entende que é pacifico que a resposta às “dúvidas de interpretação” quanto ao teor do artigo 180.º n.º 1 alínea a) do CPTA se obtêm através da aplicação do artigo 7.º do CPTA o qual determina que, na dúvida, os tribunais devem seguir uma interpretação das normas processuais que promovam a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.

HH. O TCAN incorreu, assim, num erro de julgamento de direito ao não ter conhecido da matéria relativa às invocadas invalidades do procedimento pré-contratual que inquinaram o contrato celebrado, sendo que o STA deverá mandar os autos baixarem ao TCAN para, nessa sede, ser proferida uma decisão quanto às nulidades do contrato decorrentes da invalidade do procedimento pré-contratual respetivo.

II. O Acórdão do TCAN sob sindicância enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito ao ter considerado que o Contrato de Concessão celebrado entre a Recorrente e a Recorrida não seria nulo quando, de acordo com a matéria de facto dada como assente nos presentes autos, o mesmo comporta alterações substanciais das cláusulas gerais dispostas no Caderno de Encargos (CE), das regras do Programa do Concurso (PC) e da própria proposta à qual o concorrente (posterior adjudicatário) se vinculou.

JJ. As alterações substantivas da proposta económica da então adjudicatária (Recorrida nos presentes autos) em sede contratual, aumentou nomeadamente as suas receitas em 122 milhões de euros e os seus lucros em mais de 50%, bem como das próprias taxas internas de rentabilidade (TIR) dos acionistas futuros da concessionária (cfr. dado como matéria de facto assente nos presentes autos nos 12.º, 20.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 30.º, 39.º, 40.º, 44.º e 45.º do Acórdão Arbitral para o qual o Acórdão Recorrido remete).

KK. O Recorrente entende que o TCA não poderia ter considerado que o contrato era apenas anulável, uma vez que os vícios contratuais dados como provados pelo próprio TCA conduzem, necessariamente, à declaração da nulidade do contrato pelo mesmo carecer em absoluto de forma legal, nos termos do artigo 133.º n.º 2 alínea f) do CPA na versão aplicável ao presente diferendo.

LL. A decisão do tribunal a quo é assim violadora do disposto no artigo 133.º, n.º 2, alínea f) do CPA na versão aplicável à presente demanda.

MM. A partir do momento em que a entidade adjudicante, em sede da negociação do contrato, modificou aspetos do caderno de encargos e do programa do concurso não submetidos à concorrência por aquele, alterando também, as condições e atributos da proposta da Recorrida ao ponto de aumentar as suas receitas em 122 milhões de euros e os seus lucros em mais de 50% (cfr. matéria de facto assente), concluímos que os princípios da concorrência, igualdade e transparência são irremediavelmente incumpridos, carecendo aquele contrato em absoluto de forma legal por total inobservância das regras concursais que o antecedeu e, portanto, sendo nulo.

NN. No entendimento da doutrina protagonizada por Sérvulo Correia, Lino Torgal e Carlos Cadilha no Parecer sobre o contrato de concessão em análise e, bem assim, no Voto de Vencido do Árbitro João Pacheco de Amorim e na doutrina de Fausto Quadros, a preterição total do procedimento do concurso público também ocorre quando, como nos presentes autos, todas as regras, condições, termos económicos da proposta adjudicada são pura e simplesmente eliminados e é celebrado um contrato público que não tem qualquer correspondência com os pressupostos que balizaram o concurso público internacional e o prévio “call for competition”, o que determina a nulidade do contrato carecer em absoluto de forma legal nos termos do artigo 133.º n.º 2 alínea e) do CPA (versão aplicável).

OO. O TCA Norte, na análise quanto à tipologia de vício invocado, cingiu-se apenas à questão relacionada com a potencial nulidade do contrato pelo mesmo não visar um interesse público e limitou-se a concluir, sem mais considerações, que o mesmo não estaria abrangido por nenhuma das invalidades insanáveis tipificadas no artigo 133.º n.º 1 do CPA (versão aplicável).

PP. O TCAN incorreu em erro de julgamento ao ter desconsiderado o principal fundamento invocado pelo Recorrente quanto à nulidade do contrato, ou seja, o disposto no artigo 133.º n.º 1 alínea f) do CPA (versão aplicável) por carecer em absoluto de forma legal decorrente da inexistência de correspondência entre o clausulado do Caderno de Encargos, do Programa do Concurso e da proposta adjudicada com os termos do contrato celebrado (novo projeto contratual).

Termos em que,

Deve ser revogado o Acórdão recorrido e, em consequência:

i) o STA mande os autos baixarem ao TCA Norte para que seja conhecida a impugnação da matéria de facto relativa à “invalidade do contrato e processo da sua celebração” constante das páginas 72 a 84 e 101 a 191 das Alegações de Recurso, mais concretamente a impugnação dos Pontos 4.º, 16.º, 22.º, 24.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º e 44.º da matéria de facto dada como assente no Acórdão Arbitral e, ainda, os quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Base Instrutória;

ii) o STA mandar os autos baixarem ao TCAN para, nessa sede, ser proferida uma decisão quanto às nulidades do contrato decorrentes da invalidade do procedimento pré-contratual respetivo ao arrepio dos artigos 10.º, 13.º e 17.º do Decreto-lei n.º 379/93 e dos artigos 56.º e 58.º do Decreto-lei n.º 197/99, da ausência de parecer prévio do IRAR e da ausência de aprovação da minuta final do contrato por parte da Assembleia Municipal;

iii) seja declarada a nulidade do contrato de concessão por carecer em absoluto de forma legal por violação do disposto no artigo 133.º n.º 2 alínea f) do CPA por não existir correspondência entre o mesmo e as condições, obrigações e termos impostos pelas regras patenteadas no concurso público internacional e na própria proposta adjudicada que o antecedeu e, por conseguinte, a nulidade da decisão recorrida na parte que fixou o pagamento de uma indemnização a título de reposição do equilíbrio financeiro, pelo valor de € 16.000.000,00 euros e o pagamento da tarifa de saneamento fixada com base naquele contrato.

[…]».


6 – O Recorrido contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões:

«[…]

(i) Inadmissibilidade do recurso de revista

(…)

(ii) Improcedência do recurso

33. Tendo presente que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podem ignorar-se as conclusões do recurso do acórdão arbitral sobre as quais se pronunciou o Tribunal a quo e sobre as quais incidirá a eventual pronúncia deste Supremo Tribunal caso admita a revista, bem como as questões concretamente colocadas em revista.

34. Atento o disposto no artigo 150.º, n.º 4, do CPTA, caso o recurso quanto à impugnação da matéria de facto devesse ser conhecido, caberá ao Tribunal a quo julgar o recurso totalmente improcedente, nos termos da prova produzida e carreada para os autos, na medida em que o julgamento da matéria de facto pelo Tribunal Arbitral não padece dos erros que lhe foram imputados pelo Recorrente.

35. O Recorrente não logrou identificar os elementos de prova que contrariariam a decisão de facto tomada nem demonstrar a alegada contradição ou erro de julgamento que supõe, como não observou o ónus de alegação que lhe competia nos termos da lei.

36. Devem ser consideradas as alegações e conclusões formuladas nas contra-alegações do recurso do acórdão arbitral apresentadas pela Recorrida, para as quais se remete e se dão por integralmente reproduzidas, para todos os devidos efeitos, em especial as conclusões JJ) a SS) ali reproduzidas, e que apenas poderão ser apreciadas pelo Tribunal a quo.

37. Deve ser julgado improcedente o alegado erro de julgamento de direito imputado ao acórdão recorrido quanto à decisão do Tribunal a quo de não ter considerado que o contrato em apreço nos autos seria nulo, atento o teor das normas legais aplicáveis.

38. A Recorrida não consente quanto à suposta invalidade do contrato, quer no que se prende com alegados vícios originários do contrato, quer com a suposta invalidade derivada do contrato, pelo que não conforma com o entendimento vertido no acórdão recorrido quanto à suposta anulabilidade do contrato que o Tribunal a quo sustenta, em entendimento, aliás, incompatível com os factos provados nos autos.

39. Apenas a benefício de exposição e atento o teor do acórdão recorrido e as alegações de recurso de revista do Recorrente, se supõe a anulabilidade do contrato sem, no entanto, nela conceder, reiterando-se o entendimento quanto à validade do contrato celebrado.

40. O Tribunal a quo conheceu o alegado pelo Recorrente quanto à suposta invalidade do contrato relacionada com as peças do procedimento pré-contratual e com a proposta apresentada, tanto do ponto de vista do fim público do contrato como da correspondência ou respaldo do conteúdo do contrato face aos termos do procedimento, tendo concluído não estar ausente deste contrato um fim de interesse público ou que se esteja perante um outro contrato.

41. Apesar de (equivocamente) ter atribuído relevância invalidante às alterações no conteúdo do contrato, o Tribunal a quo andou bem ao julgar improcedente o argumento do Recorrente de que teria sido celebrado um contrato totalmente diferente do que tinha sido perspetivado, ou que se teria descaracterizado, e ao não ter considerado estar em causa um “novo projeto contratual” nem verificado um vício de preterição absoluta de forma legal.

42. O contrato foi celebrado na sequência do procedimento concursal desencadeado para o efeito e, ainda, dentro do quadro regulamentar que o mesmo previa, pelo que foi precedido do devido procedimento pré-contratual, estando a questão acerca da eventual invalidade deste procedimento assente e afastada.

43. Na eventualidade de se verificar alguma causa de invalidade, o contrato apenas poderia ser anulável, sendo que qualquer pedido de anulação que as partes pretendessem apresentar teria de ter sido deduzido no prazo de seis meses, contado da data da celebração do contrato, nos termos do artigo 41.º, n.º 2, do CPTA, na redação aplicável, o que no caso não sucedeu – a invalidade foi arguida mais de dois anos após a celebração do contrato e em resposta à ora Recorrida.

44. Pressupondo a alteração do contrato, em termos não admitidos – o que não se aceita –, a solução de direito seguida pelo Tribunal a quo era a única solução possível à luz da lei e em face dos factos apurados quanto ao contrato, considerando o prazo para deduzir pedido de anulação do contrato e a caducidade ocorrida no caso concreto.

45. Não se verifica o erro de julgamento em matéria de direito que se pretende assacar ao acórdão arbitral nem qualquer omissão de pronúncia quanto às alegadas invalidades derivadas do contrato, pelo que o Tribunal a quo não poderia deixar de confirmar a decisão proferida.

46. O Tribunal Arbitral analisou corretamente a questão da alegada invalidade do contrato, tendo em conta os factos dados como provados, sem que o Recorrente tenha sequer apoiado a sua alegação de erro de julgamento em factos provados no acórdão arbitral ou outros que para o efeito tivesse indicado.

47. O Tribunal Arbitral não considerou verificada qualquer invalidade derivada, pelo que não se pronunciou sobre a matéria, atendo-se aos limites do poder de cognição do tribunal arbitral que não foram colocados em crise, em consonância com a apreciação feita pelo Tribunal a quo quanto à referida norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 180.º do CPTA.

48. Não procede o argumento do Recorrente de que não existiria preceito legal expresso que permitisse uma segunda adjudicação no mesmo procedimento, uma vez inviabilizada a primeira, pelo que a segunda adjudicação teria supostamente ocorrido num quadro de preterição absoluta da forma legalmente devida.

49. Na hipótese em que a adjudicação ao primeiro classificado se tenha frustrado e a lei não disponha expressamente em sentido contrário, a adjudicação ao segundo consubstanciará o exercício do mesmo poder de adjudicar no procedimento, por referência à proposta que tinha sido admitida, avaliada e ordenada nesse procedimento e que, assim, estava e está em condições de vir a ser escolhida, quando não haja outra melhor – conforme elucidado no parecer do Senhor Doutor Pedro Gonçalves, junto aos autos pela Recorrida.

50. Julgou bem o acórdão arbitral ao considerar que, em si mesma, a adjudicação à Recorrida nas circunstâncias descritas não viola, nem os princípios gerais do concurso público, nem as regras específicas do Decreto-Lei n.º 379/93 que rege no caso concreto.

51. Não procede o alegado pelo Recorrente quanto à obrigatoriedade de submissão da minuta do contrato, na versão final, a parecer do IRAR, nos termos o Decreto-Lei n.º 362/98, de 18 de novembro, à data em vigor, na medida em que a lei não sujeitava a minuta a parecer prévio do IRAR, nem as “recomendações” a que se referia o artigo 11.º, n.º 1, alínea c), dos Estatutos anexos àquele diploma se poderiam qualificar como pareceres para o efeito.

52. Se a intenção do legislador tivesse sido exigir um parecer prévio do IRAR ou mesmo “recomendação”, teria previsto especificamente tal circunstância, ao regular a questão da intervenção do IRAR e nas alterações aos diplomas competentes, designadamente utilizando a expressão legal de pareceres (cfr. artigo 98.º do CPA à data aplicável) ou afirmando essa obrigatoriedade, o que não o fez.

53. A minuta do contrato foi submetida à apreciação do IRAR, não a sua versão final, pelo que, como referido no acórdão arbitral, a ocorrer uma eventual “irregularidade”, nunca seria “grave” nem causadora da invalidade do procedimento e do ato que decide a celebração do contrato.

54. No âmbito da competência da Assembleia Municipal para aprovar as condições gerais do contrato de concessão, foram apresentados e submetidos à aprovação desse órgão, no caso concreto, os elementos relativos ao mesmo.

55. A Assembleia Municipal dispunha, desde o início, do teor do contrato propriamente dito e dos seus anexos IX e C, contendo os tarifários a aplicar, tendo igualmente tomado conhecimento e aprovado os documentos relativos ao contrato após as alterações acordadas, conforme resulta provado nos autos.

56. Mesmo que se pudesse vislumbrar alguma irregularidade ou mesmo invalidade do contrato por algum dos fundamentos indicados – o que não se admite –, as alegadas desconformidades nunca seriam de molde a gerar a nulidade do contrato, inexistindo norma ou princípio geral que determinasse a nulidade nas situações indicadas.

57. Não procede a tese de que o Recorrente se pretende valer quanto à não aplicação do prazo de caducidade previsto no artigo 41.º, n.º 2, do CPTA, na redação à data: não é admissível a derrogação deste regime legal por convolação num suposto regime de nulidade sem qualquer suporte legal.

58. Verificado o termo do prazo de seis meses, contado da data da celebração do contrato, de que as partes dispunham para formular eventuais pedidos de anulação do contrato, o interessado fica impedido, após o decurso desse prazo, de invocar – por via de ação ou de exceção – a ilegalidade do contrato. Os eventuais vícios do contrato tornam-se judicialmente insindicáveis. Prazo há muito ultrapassado quando a questão foi, na presente ação, foi suscitada.

Sem conceder, a título subsidiário,

Ampliação do objeto do recurso quanto à suposta anulabilidade do contrato

59. A ampliação do objeto do recurso que se requer, ao abrigo do disposto no artigo 636.º do CPC, versa o segmento decisório e respetiva fundamentação do acórdão recorrido que expressamente diverge do acórdão arbitral, quanto à suposta invalidade originária do contrato que o Tribunal a quo parece conceber, qualificando-a como caso de mera anulabilidade.

60. O entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo decorre de um equívoco, com origem numa errada leitura dos factos assentes, que terá sido provocada pela estratégia seguida nas alegações de recurso do acórdão arbitral, de insistência em afirmações categóricas, mas vazias, que não correspondem à factualidade provada.

61. Os factos provados no acórdão arbitral quanto às diferenças na equação económico financeira do contrato tiveram por fundamento as conclusões da perícia realizada, sendo que nem do relatório da perícia nem dos esclarecimentos prestados pelos peritos resultam os factos alegados quanto ao aumento de receitas e lucros nos montantes indicados pelo Recorrente.

62. O impacto económico-financeiro das novas obrigações de investimento exigidas posteriormente pelo Recorrente no contexto da equação do contrato representou um aumento em 1,49 pontos percentuais quanto à TIR acionista, por força das alterações solicitadas pelo Recorrente e no seguimento das conversações com ele havidas no sentido de acomodar essas alterações, conforme resulta dos factos provados.

63. Reconhecendo, no acórdão recorrido, que «não pode afirmar-se que o referido contrato se tenha descaracterizado» e que «as alterações introduzidas, supra referidas, nomeadamente, as que se refletiram num aumento da TIR acionista, o que revelam é que o interesse público não foi acautelado da forma mais eficiente. Mas essa constatação, não leva a que possa dar-se como inexistente, por força de tais alterações, o fim de interesse público que subjaz à celebração do referido contrato, mas apenas que esse interesse público não foi prosseguido de modo tão eficiente quando deveras o poderia ter sido.», não podia o Tribunal a quo, em evidente contradição, ter concluído no sentido de uma eventual causa de anulabilidade do contrato.

64. Como apurado no relatório dos peritos e esclarecimentos prestados e explicitado no acórdão arbitral, o contrato não teria sido significativamente desequilibrado (e, portanto, “desfigurado” nos seus elementos essenciais), nem significativamente desequilibrado em benefício da Recorrida.

65. Considerando os factos provados, estava afastada a qualificação de qualquer alteração ao contrato como substancial, em moldes que não fossem admitidos por lei, à semelhança do que se verificou no acórdão arbitral e em coerência com a fundamentação apresentada no acórdão recorrido, no âmbito de ponderações porventura de mérito e não de invalidade do contrato.

66. O entendimento sufragado no acórdão arbitral no sentido da validade do contrato e da inexistência dos vícios alegados, plasmado no parecer fundamentado do Senhor Doutor Pedro Gonçalves, não merece reparo e deve ser confirmado por este Supremo Tribunal, revogando-se, nessa parte, os fundamentos do acórdão recorrido em oposição.

67. Apesar de ter acompanhado aquele parecer e acórdão arbitral, designadamente no sentido da adequação ou correspondência genérica entre o conteúdo dos contratos administrativos celebrados e o disposto nas peças do procedimento, o Tribunal a quo incorreu em erro e não fez uma correta análise dos factos provados e aplicação do entendimento que enunciou, que não admitiam outra solução que não a que constava já, cabal e exaustivamente fundamentada, no acórdão arbitral, ainda à luz daquele parecer.

68. A diferença entre a proposta apresentada a concurso e o contrato celebrado, num aumento não desrazoável da TIR em 1,49 pontos percentuais, não implicou alterações a “aspetos essenciais do contrato” nem alterações significativas no equilíbrio do contrato, sendo incontroverso que os princípios gerais de contratação pública, bem como o Decreto-Lei n.º 379/93, ou o Decreto-Lei n.º 197/99 (à data em vigor), não proibiam a introdução de modificações ao caderno de encargos.

69. O acórdão arbitral andou bem ao concluir que as cláusulas do contrato em causa não eram nulas nem inválidas, tendo demonstrado que cada uma das alegadas alterações era legítima e admissível, nos termos da lei, no mesmo sentido do citado parecer.

70. Sendo que as alterações introduzidas foram motivadas pelas pretensões do próprio Recorrente, que teve perfeito conhecimento do seu impacto no teor, no equilíbrio do contrato a celebrar, sem afetar o fim de interesse público subjacente ao contrato.

71. O contrato em causa não padece de qualquer invalidade, pelo que deverá ser revogado o acórdão recorrido na parte em que supõe a invalidade originária do contrato (ainda que, sempre e em qualquer caso, apenas geradora de mera anulabilidade, cujo prazo de arguição há muito terminou, tal como ali se julgou).

Nestes termos e nos demais de Direito, deverá o presente recurso excecional de revista ser liminarmente indeferido ou rejeitado, sem mais, por não se verificaram os pressupostos legais para a respetiva admissão.

Sem conceder e caso assim não se entenda, deverá:

(i) ser o recurso interposto pelo Recorrente julgado totalmente improcedente, com todas as consequências legais; e

(ii) ser o pedido de ampliação do objeto do recurso, que subsidiariamente se formula, por cautela de patrocínio, admitido e julgado totalmente procedente, com todas as consequências legais.

[…]».


7 - A Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.



Cumpre apreciar e decidir.






II – Fundamentação

II.1. De facto
Na decisão recorrida foi dada como assente a seguinte matéria de facto:
«[…]
A) Adjudicação e celebração do Contrato.
1.° - Por anúncio publicado no Diário da República, III Série, de 11 de Novembro de 2002, e no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 22 de Outubro de 2002, o Município do Marco de Canaveses abriu concurso público internacional com vista à adjudicação da «Concessão da Exploração e Gestão dos Sistemas de Abastecimento de Água para Consumo Público e Recolha, Tratamento e Rejeição de Efluentes do Concelho do Marco de Canaveses» [A1].
2.° - O Caderno de Encargos, o Programa do Concurso e os respectivos Modelos são os que se encontram nos autos, como documentos IN 2 e 3 juntos com a petição inicial (doravante PI). A Concessionária apresentou a sua proposta no dia 6 de Fevereiro de 2003 (documento n.° ... da Contestação, doravante Cont.) [A2].
3.° - Realizado o concurso, a Câmara Municipal deliberou adjudicar a concessão à concorrente «B...». Em consequência de falta de entendimento entre o concedente e a adjudicatária, quanto ao conteúdo que o contrato de concessão deveria assumir, veio tal adjudicação, porém, a ser revogada por deliberação da Câmara, de 15 de Março de 2004 (v. art. 142.º/144.º e Doc. n.° ...) [A3].
4.° - Posto isso, e em simultâneo, deliberou a Câmara Municipal do Marco de Canaveses proceder à adjudicação da concessão ao segundo dos dois concorrentes, o agrupamento organizado (ou a organizar) pela «C..., S.A.», convidando-o para a negociação e celebração do respectivo contrato (art.º 144.º segs. e Docs. ...8 a ...) [A4].
5.° - Antes da tomada destas deliberações, a Câmara Municipal enviara, em 18 de Fevereiro de 2004, à adjudicatária uma nova minuta de contrato, «seguindo o modelo mais recente para este tipo de contratos», e realizaram-se reuniões, em 25 e 27 de Fevereiro do mesmo ano, entre o Vereador Dr. AA e um representante daquela 1.ª adjudicatária, em que tal minuta foi analisada, reuniões que foram inconclusivas quanto a uma solução (mesmo Doc. ...) [Quesito 2]
6.° - Por outro lado, havendo já a indicação de que a 1ª adjudicatária não desejaria assumir a concessão, mas em data que não se apurou, o vereador Dr. AA contactou a C..., S.A., na pessoa do Eng.° BB, para indagar da disponibilidade de o agrupamento por ela organizado aceitar a adjudicação da concessão, no caso de desistência daquela 1.ª primeira adjudicatária — dele tendo recebido uma resposta afirmativa (depoimento do mesmo Vereador) [Quesito 2].
7.º - Em 13 de Fevereiro de 2004, a C... veio desistir da instância de recurso contencioso e do pedido de suspensão de eficácia do primeiro acto de adjudicação, que interpusera junto do Tribunal Administrativo competente, e comunicou (na mesma data) tal desistência à Câmara Municipal do Marco de Canaveses (fotocópias juntas como Doc. n.° ... ao requerimento do Concedente, de 2.VI.2009) [Quesito2].
8.° - A minuta do contrato de concessão foi entregue pela Concedente ao novo Adjudicatário em 30 de Março de 2004 (art. 147.º e art. 30.º da Réplica, doravante Répl.) [A5].
9.° - A minuta de contrato recebida pelo novo Adjudicatário (recte, pela C..., empresa que organizou a sua constituição, precisão esta que fica feita e doravante se omite, referindo-se simplesmente «o Adjudicatário»), e por ela exibida nestes autos, compreende duas partes: uma primeira, com três folhas (em que se encontra uma numeração de fls. 640 a 642 e uma rubrica de autoria desconhecida), correspondendo ao teor da escritura pública a outorgar para celebração do contrato; e uma segunda, composta por 75 páginas, com o timbre e o selo da Câmara Municipal do Marco de Canaveses, correspondendo ao conteúdo propriamente dito do contrato, integrado pelas cláusulas 1.ª a 103.ª (Doc. nº ... do requerimento da Concessionária de 28.V.2009). Pelo menos esta parte da minuta, relativa ao conteúdo do contrato, foi-lhe entregue em mão (art. 30.º Répl. e seu contexto) [Quesitos 1 e 2].
10.º - Essa minuta (a minuta com o conteúdo do contrato) é a mesma que fora enviada já, em 18 de Fevereiro (supra, n.° 5.º), à 1.ª adjudicatária (confronto do teor da minuta com o teor da «ata de reuniões» que integra o Doc. ...) [Quesitos 1 e 2].
11.° - Tal minuta foi submetida à apreciação do IRAR, pela Câmara, também em 18 de Fevereiro de 2004 (art. 4.º e Doc. n.º ...), o qual sobre ela se pronunciou nos termos do ofício de 8 de Março seguinte — com comentários a apenas três das suas cláusulas (Doc. nº ... PI) [Quesito 1]
12.° - A minuta do contrato que vem sendo referida não foi elaborada pelas técnicas do Gabinete Jurídico da Câmara ou pela funcionária da mesma que actuou como notária na escritura do contrato (depoimentos das mesmas técnicas, Dras. CC e DD e da testemunha Dr. EE) [Quesitos 2 a 4].
13.° - Após a entrega da minuta do contrato, seguiram-se conversações, entre a Câmara e o novo adjudicatário, sobre o conteúdo final daquele [A5].
14.° - Pelo menos segundo a experiência da Concessionária, é usual — e mesmo praticamente inevitável — que, no quadro da celebração de contratos de concessão, decorra, entre a entidade concedente e o adjudicatário, um processo de reexame, acerto e definição final do conteúdo contratual, relativamente à proposta apresentada — desde logo, em razão do tempo entretanto decorrido. No caso, o contrato não era de natureza diferente do celebrado pela empresa adjudicatária com outros Municípios e o processo decorreu em termos semelhantes (depoimentos das testemunhas BB, FF e GG) [Quesitos 2 a 41].
15.° - No caso concreto, as conversações entre o Município concedente e o Adjudicatário prolongaram-se ao longo dos meses que mediaram até à celebração do contrato, e tiveram como pontos centrais — sem excluir outros, suscitados por uma ou outra das partes — os seguintes: — a intenção, manifestada pelo Município de alargar a área de cobertura dos serviços a concessionar, prevista na proposta do adjudicatário; — a possibilidade de tal se fazer através do recurso, pelo Município, a fundos comunitários ainda disponíveis, e a falta de falta de fundos próprios do Município para arcar com a sua comparticipação; — o problema da falta de licenciamento das origens da água e a possibilidade de aumentar a produção de água; — o aumento de investimento a assumir pelo adjudicatário; — a correspondente repercussão em termos de custos financeiros e operacionais, e, consequentemente, no nível das tarifas; — por outro lado, a necessidade de obviar a sobreposições detectadas entre o investimento em obras prevista na proposta do adjudicatário e investimento que entretanto foi sendo realizado pelo Município ou a realizar por este através do recurso a fundos comunitários (depoimentos das testemunhas BB, FF, e, em particular, GG, e ainda das testemunhas HH, Eng.º II e Dr. AA, os dois primeiro quanto às sobreposições e recurso a fundas comunitários, e o último quanto a tarifas) [Quesitos 2 a 4]
16.° - Ao longo dessas conversações (em que foram considerados mais do que um cenário) foram mostradas e explicadas (designadamente com recurso a quadros e quantificando números) aos representantes do Município as incidências económico-financeiras — mormente no tocante às tarifas, e ao aumento real destas, em 4% ao ano, nos três primeiros anos da concessão — das alterações a introduzir assim no contrato final, relativamente à proposta inicialmente apresentada pelo adjudicatário (depoimentos das testemunhas Eng.º BB e, em particular; Eng.º GG, e ainda, quanta às tarifas, da testemunha Dr. AA) [Quesitos 2 a 4].
17.° - Entretanto, resultou dessas conversações que a Concessionária pagaria ao Concedente, a título de retribuição da concessão, uma verba de 2 milhões de euros, com o objectivo de facultar à Câmara os meios financeiros de que necessitava para poder concorrer aos fundos comunitários (depoimentos do Eng.º GG, HH e Eng.º II). E resultou, bem assim, que a Concessionária entraria também com uma contribuição, até um milhão e cem mil euros, para a aquisição dos terrenos necessários às obras a realizar (depoimento do Eng.º GG). (Cfr., em definitivo, Documento referido infra, e n.º 21) [Quesitos 2 a 4].
18.° - Igualmente ficou entendido, nas mesmas conversações, que, no caso de se concretizar a utilização de fundos comunitários, e a Câmara vir assim a realizar obra ou investimentos previstos no plano da Concessionária, esta compensaria o investimento que assim deixava de efetivar com a realização de outro, de valor equivalente. É isto mesmo que vem a ser formalizado ulteriormente, já depois de celebrado o Contrato, pelo Protocolo assinado pelas partes em 2 de Setembro de 2005 (Doc. n.º ... Cont. e, por último, depoimento complementar do Eng.º GG, em 16.XI.2009).
19.° - No mesmo período que mediou entre a adjudicação e a celebração do Contrato, o Adjudicatário solicitou à Câmara informação vária, incluindo para «alteração ou confirmação dos pressupostos considerados na fase de elaboração da proposta» (fotocópias de fax enviados à Câmara em 16 de Julho e 18 de Novembro de 2004 e de um fax da Câmara de 17 de Agosto do mesmo ano, juntos pela Concessionária na audiência de 16.XI.2009) [Quesitos 2 a 4].
20.° - Durante esse mesmo período, mas sobretudo na parte final, foram sendo enviados pelo Adjudicatário à Câmara Municipal vários elementos relativos ao contrato, designadamente em minutas provenientes de escritórios de advogados ligados àquele (depoimento da Eng.ª FF) [Quesito 2].
21.° - Em particular, o Adjudicatário, em 2 de Setembro de 2004 enviou à Câmara uma minuta alterada do contrato, chamando especificamente a atenção para os seguintes pontos: — comprometimento da Concessionária de contribuir para os custos de aquisição de terrenos, até ao montante de €1.100.000 (cláusula 26.ª); — consideração de um valor de retribuição ao Concedente de €2.000.000 (cláusula 71.ª); — consideração de um aumento real das tarifas nos anos de 2006 a 2008 (cláusulas 64.ª a 69.ª) (Doc. n.º ... do requerimento do Concedente, de 8.V.2009) [Quesitos 2 a 4]
22.° - Ao longo do processo antes descrito — e apesar de os seus serviços não estarem particularmente habilitados a seguir a conclusão de um contrato com tanta complexidade — a Câmara não recorreu a qualquer assessoria externa para o efeito. Agiu num quadro de confiança com a adjudicatária C... (cfr. depoimentos das testemunhas HH e Dr. EE) [Quesitos 2 a 4].
23.° - No mesmo processo intervieram, por parte da Câmara Municipal do Marco de Canaveses, designadamente o Vereador, e então Vice-Presidente, HH e o Vereador Dr. AA (cfr., desde logo, depoimento da testemunha Eng.º GG). Segundo o primeiro, o «contrato» (naturalmente a versão final) foi enviado à Câmara com tempo para poder ser por esta analisado; e o próprio nunca se sentiu enganado, naquelas conversações, pelo Adjudicatário — ainda que admitindo, agora, que algumas situações poderiam ter sido melhor esclarecidas pela empresa, mas que a Câmara o deveria ter solicitado na altura. De acordo com a percepção do segundo, tudo decorreu normalmente nesse processo de acerto do contrato entre a Câmara e o Adjudicatário; o mesmo admitiu que, face à urgência da Câmara, possa ter havido algum aproveitamento, mas não favorecimento, do Adjudicatário; e ainda acrescentou que o Anexo XV do Contrato [infra, n.°s 39.° e seguintes] não foi visto (pelo mesmo pelo depoente), nem tinha de sê-lo, já o tarifário sendo significativo (respectivos depoimentos) [Quesitos 2 a 4].
24.° - Entretanto, as alterações à minuta do contrato, na versão deste enviada pelo Adjudicatário em 2 de Setembro de 2004 (supra, n.° 21.º) — sintetizadas e explicadas num documento provindo do Adjudicatário — foram objecto da «Informação» pelas Técnicas do Gabinete Jurídico da Câmara, de 15 do mesmo mês, junta aos autos, por solicitação do Tribunal, na audiência de 2.VI.2009 — «Informação» essa que lhes foi solicitada, no mesmo dia, pelo Vereador HH. As mesmas Técnicas não tiveram qualquer intervenção no concurso da concessão em apreço, não conhecendo o respectivo Caderno de Encargos e Programa ou a minuta do contrato (depoimento das Técnicas, nessa mesma audiência) [Quesitos 2 a 4].
25.° - Posto isso, a minuta do contrato, com as alterações nela assim introduzidas, foi aprovada pela Câmara Municipal em reunião de 20 de Setembro de 2004 (Doc. nº ... da PI; e extracto da acta, constante da certidão junta pelo Concedente na audiência de 16.XI.2009) [Quesitos 2 a 5].
26.° - Subsequentemente, foi submetida à Assembleia Municipal, em sessão de 1 de Outubro de 2004, «a apreciação e deliberação, sob proposta da Câmara Municipal, do Contrato de concessão da gestão e exploração dos sistemas de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do Marco de Canaveses» (Ponto 7 da respectiva «ordem de trabalhos»), tendo-se registado a sua aprovação, por maioria, por 30 votos a favor, 19 contra e 7 abstenções (certidão da acta da sessão da Assembleia, incorporando o Doc. nº ... do requerimento da Concessionária, de 28.V.2009) [Quesito 5].
27.° - Mais tarde, no entanto, em 1 de Dezembro seguinte, uma nova versão do contrato vem a ser enviada pela C... (Eng.° GG) à Câmara Municipal (Vereador HH), com a indicação de que assim se fazia «conforme o combinado» e de que se tratava «de pequenas alterações de redacção e alterações nas cláusulas 9.ª, 38.ª e 71.ª decorrentes da falta de licenças para as captações» (documento junto pela Concessionária na audiência de 16.XI.2009) [Quesitos 2 a 4].
28.° - Esta nova e última versão do contrato, com a indicação das alterações que incorporava, acompanhada de uma nova «Informação» de uma técnica do Gabinete Jurídico da Câmara e do ofício do IRAR acima referido (n.º 11.º), foi de novo submetida à Câmara Municipal, em sessão de 15 de Dezembro de 2004, e por ela aprovada por maioria (com uma abstenção, do Vereador do Partido Socialista) (extracto da acta da sessão, junta nas condições referidas supra, n.º 25.º). [Quesitos 2 a 5].
29.° - Em sessão de 28 de Dezembro de 2004, foi novamente submetida à Assembleia Municipal «a apreciação e deliberação, sob proposta da Câmara Municipal, do ‘Contrato de concessão da gestão e exploração dos sistemas de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do Marco de Canaveses’» (Ponto 16 da respetiva «ordem de trabalhos»), tendo-se registado a sua aprovação, por maioria, com 46 votos a favor, 9 contra e 2 abstenções (certidão da acta da sessão da Assembleia, incorporando igualmente o Doc. n.º ... do requerimento da Concessionária, de 28.V.2009) [Quesito 5].
30.° - No tocante à sessão da Assembleia de 1 de Outubro, os respectivos membros «não foram informados em tempo útil» de vários anexos integrantes do Contrato de Concessão (declaração de voto dos deputados municipais do PSD, constante da respectiva acta, integrando o Doc. n.º ... do requerimento da Concessionária de 28.V.2009), só lhes havendo sido entregues uma minuta do contrato e 2 anexos, com o tarifário e o tarifário reestruturado (depoimento das testemunhas Eng.º JJ e Dr. KK) [Quesito 5].
31.° - Ainda no tocante à mesma sessão da Assembleia, de 1 de Outubro, e ao ponto em que apreciou o contrato ora em causa, os únicos documentos enviados àquela pela Câmara Municipal, e existentes no arquivo da Assembleia, foram, além do extracto da acta contendo a deliberação da Câmara e da «Informação» referida supra, n.° 24.°, a minuta do contrato e os seus anexos IX e X (com o tarifário e o tarifário reestruturado) e um «memorial», sem indicação de autoria, datado de Sintra, em 9 de Setembro de 2004, com a epígrafe «Marco de Canaveses — Principais vantagens da opção de adjudicação dos sistemas de Abastecimento de Água e Saneamento ao agrupamento liderado pela C...» (certidão emitida pelo Presidente da Assembleia, junta pelo Concedente em requerimento apresentado na audiência de 16.XI.2009) [Quesito 5].
32.° - Na mesma sessão da Assembleia foi prestada informação sobre as alterações introduzidas no contrato e debatida a questão das tarifas (depoimentos das testemunhas Eng.º JJ e Dr. KK; cfr. ainda certidão da acta, referida supra, n.º 26) [Quesito 3].
33.° - Por sua vez, no tocante à sessão da Assembleia de 28 de Dezembro de 2004 e relativamente ao mesmo ponto, os únicos documentos enviados àquela pela Câmara Municipal, e existentes no arquivo da Assembleia, foram, além do extracto da acta contendo a nova deliberação da Câmara, e de cópia da «Informação» e do ofício reportados na mesma acta (supra, n.° 28.°), a parte da minuta do contrato relativa às cláusulas objecto de (nova) alteração (mesma certidão referida no número anterior) [Quesito 5].
34.° - A versão final do contrato, com todas as alterações sucessivamente introduzidas na respectiva minuta (incluindo, pois, a relativa ao tarifário), não foi submetida a nova apreciação do IRAR (ausência de referência, na deliberação da Câmara de 15 de Dezembro – mencionada supra n.º 28 – e a outro ofício do Instituto, que não o referido supra n.º 11.º) [Quesito 1].
35.° - Todo o «processo» antes descrito, veio a culminar, em 30 de Dezembro de 2004, na ratificação, pela Câmara, da adjudicação antes feita à Concessionária, e na celebração do Contrato de Concessão — por escritura pública da mesma data, outorgada perante a Notária Privativa da Câmara — entre o Município do Marco de Canaveses e a sociedade Demandante, «A..., S.A.», entretanto constituída, para esse fim, pelo Adjudicatário [A6].
36.° - O Contrato de Concessão é o que se encontra nos autos, junto como Doc. n.º ... da PI, constituindo o documento anexo à escritura antes referida e compreendendo dezassete anexos [A7].
37.° - Entretanto, por aditamento de 22 de Abril de 2005, foi retirado ao Contrato de Concessão o Anexo XIII, denominado «Contrato de Construção» — contrato esse mediante o qual a Demandante transferia para o ACE contraparte desse contrato a realização dos trabalhos de concepção, projecto, construção e montagem de obras e equipamentos abrangidos pela concessão e respectivo de Plano de Investimentos, e que nos termos do Contrato de Concessão ficara a seu cargo (art. 18.º e Doc, n.º ... Cont. e arts. 128.º e 129.º Répl.) [A8].
38.° - Tal ocorreu — essa retirada do Contrato de Construção — em consequência da posição negativa (com devolução, sem visto, do Contrato de Concessão) tomada pelo Tribunal de Contas quanto à admissibilidade da sua inclusão (em razão de se excluir assim o concurso público para a realização das obras implicadas na concessão) no contrato principal (fotocópias dos ofícios do Tribunal de Contas, de 17 de Janeiro e 30 de Março de 2005, juntos pelo Concedente como Doc. n.º ..., em 8.V.2009) [Quesito 4].
39.° - Entre os anexos ao Contrato, conta-se o Anexo XV, contendo o respectivo «Caso Base», que exprime o modelo económico-financeiro do mesmo Contrato — na definição que neste último dele se dá: «o conjunto de pressupostos e projeções económico financeiras» [cláusula 1.ª, alínea d)] que «representa a equação financeira com base na qual se celebra o contrato» (cláusula 86.ª, n.° 4) — e que reflecte, como resultado final, o clausulado no mesmo contrato ou noutros seus anexos (cfr. depoimentos dos Engs. BB e FF). O Anexo XV em causa foi elaborado pela empresa D..., com dados fornecidos pelo Adjudicatário e sendo da responsabilidade deste a sua validação e está referido à data de 7.XII.2004 (certidão Integral da escritura do contrato, incluindo todos os anexos, junta pela Concessionária por requerimento de 11.III.09) [Quesitos 2 a 5].
40.° - Esse Anexo XV do Contrato foi enviado pelo Adjudicatário à Câmara Municipal apenas em versão escrita, para ser incluído na escritura. A Câmara não solicitou ao Adjudicatário o envio de uma versão informática do mesmo Caso Base (cfr. depoimentos das testemunhas Engs.º BB, FF e GG, e ainda da testemunha Dr. AA) [Quesitos 2 e 59].
41.° - Ao longo das conversações atrás referidas foram, porém, exibidos à Câmara Municipal pelo menos os quadros mais importantes do Caso Base (depoimento da testemunha Eng.º BB) [Quesitos 2 a 4 e 59].
42.° - A versão escrita do Caso Base, tal como consta da escritura do contrato, é legível, embora com a dificuldade decorrente do tamanho A4 em que está impressa — e contém uma folha inicial, com o «painel de controlo do modelo», que compendia todos os seus indicadores principais; mas deparou-se nele com quatro quadros de difícil leitura (documento referido supra, n.º 39.°; cfr. depoimento de parte, pela Demandante, do Eng.º LL, e depoimentos das testemunhas Eng.ºs MM, II, JJ e, em particular, da testemunha Dr. NN ­ com divergências; e «Relatório da perícia», p. 7). Seja como for, essa versão foi utilizada, seja para preparar documento que serviu à Câmara para se decidir pela Modificação Unilateral do Contrato, seja nos documentos com que aquela encerrou o correspondente procedimento do reequilíbrio, como decorre das referencias ao Caso Base que neles se faz (v. «Relatório» da empresa de consultadoria E..., Ld.ª, junto pelo Demandado em audiência de 2.VI.2009, aquando da audição da testemunha Dr. NN; e Docs. ...8 e ...) [Quesitos 3 e 4 e 59].
43.º - A versão editável do Caso Base — junta aos autos com o requerimento da Concessionária de 1.III.2008 — corresponde à e reproduz a versão escrita do mesmo que constitui o Anexo XV do contrato de concessão («Relatório da perícia» realizada no processo, n.º 3; e já o depoimento da testemunha Dr. NN) [Quesito 5].
44.° - Ocorrem diferenças, com expressão significativa, entre o «Estudo Económico-Financeiro do Projeto de Concessão», que integra a proposta apresentada ao Concurso de Concessão pela Concessionária (junta em versão escrita, incompleta, pelo Concedente, com o requerimento de 13.1.09, e, incluído em versão CD da Proposta, junta pelo mesmo em 12 de Março seguinte; e junto, Integrando a versão integral da Proposta, e, por último em versão informática editável, pela Concessionária, com os requerimentos, respetivamente de 4.V e 17.VII.2009), e o Caso Base do Anexo XV do Contrato (depoimentos das testemunhas Eng.º BB, FF, GG, e ainda Eng° II) [Quesitos 3 a 5].
45.° - As diferenças em causa, entre o mencionado «Estudo» da Proposta e o Caso Base do Contrato, no tocante aos elementos economicamente relevantes de um e outro, apuradas em perícia complementar, são as que constam do respectivo «Relatório», de 23.X.2009 (a fls..), e se dão aqui por reproduzidas [Quesitos 3 a 5].
46.º - Em esclarecimento solicitado pelo Tribunal, o Perito por este designado manifestou o entendimento de que a diferença da TIR accionista, que se verifica entre … o Estudo económico-financeiro que integrou a Proposta da Concessionária e o Caso Base do Anexo XV do Contrato (mais 1,49 ponto percentuais neste último, passando de 10,87% para 12,36%), não é despropositada ou desrazoável e pode justificar-se atento o aumento do investimento e o inerente aumento do risco da Concessionária (esclarecimento em audiência, em 16.XI.2009) [Quesitos 3 a 5].

B) Início da concessão e assunção de infra-estruturas pré-existentes
1.°- A concessão teve início em 16 de Maio de 2005 — nessa data tendo a Câmara Municipal publicado Edital a transferir unilateralmente para a Concessionária todos os serviços de gestão e exploração dos sistemas municipais de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do concelho do Marco de Canaveses, com a introdução no objecto da concessão das infra-estruturas preexistentes enumeradas no Anexo VI do respectivo Contrato (Doc. ... PI) [A9].
2.° - Por Edital de 3 de Maio anterior, fora entretanto tornada pública pela Câmara a alteração à tabela de taxas relativas a esses serviços, para entrar em vigor quinze dias após a publicação (Doc. ... PI) [A10].
3.° - A Concessionária aceitou expressamente a transferência antes referida e começou a operar os mencionados sistemas em 16 de Maio de 2005 (Doc. ...), assumindo todas as actividades objecto do contrato de concessão (art. 21.º PI e art. 57.º Cont.) [A11].
4.º - Por ocasião e em ordem à transferência referida e ao início da concessão, a Concessionária elaborou e apresentou ao Concedente o «auto de vistoria» e «auto de consignação», juntos como documentos n.ºs ... e ... da petição inicial, os quais, todavia, não foram assinados (arts. 24.° a 28.º PI e art. 65.º Cont.) [A12].
5.° - A Câmara Municipal facultou instalações à Concessionária para que esta realizasse a vistoria subjacente aos autos antes referidos; e a correspondente pesquisa, levantamento e exame dos locais foi realizada com o acompanhamento de técnicos daquela (depoimentos das testemunhas Engs. GG e OO) [Quesito 7].
6.° - Os autos referidos supra, n.° 4.º, foram entregues em mão, pela Concessionária, em reunião realizada na Câmara Municipal, em Maio de 2005, na qual participaram um Vereador e técnicos da Câmara — e ficaram para exame desta, que teve uma atitude de reserva, e não os aceitou de imediato nem veio a aceitá-los depois (depoimentos das testemunhas Engs. GG e OO; e ainda da testemunha Eng. II) [Quesito 7].
7.º - Além das infra-estruturas, relativas a abastecimento de água e a saneamento elencadas no Anexo VI do Contrato, outras, destinadas aos mesmos ou semelhantes serviços, existiam e existem na área do Município do Marco de Canaveses — que a Concessionária não conheceu aquando da visita (prevista no Programa do Concurso) que efectuou previamente à apresentação da sua proposta ao concurso de concessão, e que só veio a identificar na vistoria agora em causa (depoimento das testemunhas Engs. GG e OO e depoimento parte, pela Demandante, do Eng.° LL e ainda, quanto à primeira parte, depoimento da testemunha Eng.° II) [Quesitos 8 e 9].
8.° - Algumas das infra-estruturas elencadas no Anexo VI do Contrato apresentavam-se mais degradadas do que à época do concurso, e a Concessionária assumiu-as sob essa reserva (depoimento da testemunha Eng.° OO e Anexos aos «autos» referidos, supra. n.° 4°, integrando os Docs. ... e ...) [Quesito 8].
9.° - Relativamente às infra-estruturas não elencadas no Anexo VI do Contrato, referidas supra, n° 7°, a Concessionária apenas assumiu ou integrou operacionalmente (não formalmente) no seu serviço as relativas aos sistemas de água (com ressalva das que continuam a ser operados por juntas de freguesia e mesmo outras entidades) e uma parte das relativas a saneamento: quanto a estas últimas, tão-só nas situações onde havia «clientes» que já o eram anteriormente da Câmara e foram «transferidos» para a Concessionária, e a que esta continuou a prestar o serviço nos mesmos termos (depoimento de parte, pela Demandante, do Eng.° LL e depoimentos das testemunhas Eng.°s OO e MM, e cfr. ainda depoimento da testemunha Eng.° II; em definitivo, mapa apresentado pela testemunha Eng.° MM na audiência de 18.III.2009, e que ficou junto aos autos) [Quesitos 9 e 10].
10.º - O documento n.° ... junto pelo Concedente com o articulado superveniente de 5.XII.2008 reporta-se a um «cliente» nas circunstâncias antes indicadas (depoimento da testemunha Eng.° MM e documento junto pela Concessionária com a resposta de 19.XII.2008) [Quesito 10-C].
11° - As infra-estruturas de saneamento antes referidas (n.º 9) consistem em unidades de dimensão relativamente pequena, como reservatórios, fossas sépticas colectivas e ETAR's compactas, nomeadamente incluídas em urbanizações (em causa, estão apenas as já transferidas para o domínio municipal) que não se encontram licenciadas e se apresentam - pelo menos algumas delas - muito degradadas (em más condições de equipamento ou funcionamento) e a maior parte sem clientes associados (depoimento das testemunhas Eng.°s GG, OO e MM: cfr. ainda mapa apresentado por este último, referido antes) [Quesitos 9 e 10-B].
12.° - Nas situações referidas no número anterior, e que não assumiu, a Concessionária só presta serviço avulso de limpeza, mediante pagamento (depoimento e mapa, já referido, apresentado pela testemunha MM [Quesito 9].
13.° - A situação referida supra, n° 9°, mantinha-se sensivelmente nos mesmos termos à data do antes referido articulado superveniente do Concedente (assim decorre da própria resposta a esse articulado) — e mesmo depois (ainda o mapa apresentado pela testemunha Eng.° MM, já referido) [Quesito 10-A].

C) Retribuição ao Concedente.
1.° - Em 1 de Julho de 2005, a Concessionária pagou ao Concedente o montante de €1.234.200, correspondente ao valor actualizado da primeira prestação, de €1.000,000, da importância de €2.000.000, a qual, nos termos da alínea a) do n.° 2 da cláusula 71.° do Contrato de Concessão, era devida àquela pela atribuição da mesma concessão (arts. 17.°/18.º e 231.º PI e art. 192.º Cont.) [A13].
2.° - A segunda prestação de €1.000.000, prevista na alínea b) do n.° 2 da referida cláusula 71.º não foi ainda paga pela Concessionária, com fundamento em que ainda se não venceu [A13].

D) Suspensão da taxa de venda de saneamento.
1.° - Após uma primeira comunicação do Concedente, de 22 de Julho de 2005 (Doc. ...), nesse sentido, após o esclarecimento subsequente da Concessionária e sua disponibilidade para analisar o assunto (Doc. ...) e a reunião que sobre ele tiveram, foi suspensa, por determinação do Concedente, a facturação aos consumidores da parte do tarifário relativa à parcela variável do saneamento, denominada no Plano Tarifário «taxa de venda de saneamento» (Docs. ...2, ...3 e ...) — com efeitos retroactivos a Maio/Junho, isto é, logo ao primeiro período de facturação da Concessionária [B1].
2.° - Na comunicação enviada pela Câmara Municipal à Concessionária em 26 de Julho de 2005, relativa à suspensão antes mencionada, ressalva-se expressamente que «tal medida poderá provocar alterações que lesem a v/Empresa no plano financeiro» e que «se tal se verificar, esta Câmara por proposta minha [scil., do subscritor, Vice-Presidente da Câmara] irá assegurar tal diferença» (cit. Doc. ...) [B2].
3.° - A suspensão da facturação da «taxa de venda de saneamento» manteve-se ao longo da restante parte do ano de 2005 e dos anos de 2006 e 2007 - só havendo cessado a partir do início do ano de 2008 [Docs. ...1 (n.° 4) e 82, in fine, P1] [B3].
4.° - Em consequência de tal suspensão, nos termos referidos, a Concessionária emitiu ao Concedente cinco facturas correspondentes aos montantes da taxa de venda de saneamento que deixara de facturar aos consumidores, relativas aos períodos de Maio a Outubro de 2005, Novembro de 2005 a Junho de 2006, Julho a Dezembro de 2006 e Janeiro a Dezembro de 2007, perfazendo — com a dedução que a Concessionária fez à primeira dessas facturas de uma importância por si devida ao Concedente — o montante total de €949.761,52 (art. 54.° e Docs. ...5 a ...; art. 251.° Cont.) [B4].
5.° - As facturas em causa respeitam apenas a taxa de saneamento (docs. antes referidos) e os seus valores — ainda que globalmente expressos — nunca foram antes contestados pela Câmara, a qual procedeu mesmo a uma provisão para o seu pagamento (depoimentos das testemunhas Eng.° MM e Dr. EE, este, especialmente, quanto ao último ponto) [Quesito 11].
6.° - Por outro lado, a solicitação da Concessionária, a Câmara prestou aos auditores daquela a informação de que o valor em que se encontrava em dívida com a mesma Concessionária, em 31 de Dezembro de 2008, era de €1.078.126,28 — praticamente correspondente ao da soma das facturas atrás referidas (documentos n.ºs ... e ... juntos pela Concessionária, pelo requerimento de 21.IV.2009) [Quesito 11].
7.° - Em 4 de Fevereiro 2009, a Câmara Municipal procedeu a um pagamento parcial à Concessionária, no montante de €66,785,00, imputado ao valor da primeira das facturas supra referidas, tendo continuado sem pagamento o restante (documentos n.° ... junto pela Concessionária, pelo requerimento de 21.IV.2009) [Facto superveniente, que prejudica e altera o especificado em B5 da Base Instrutória].

E) Revisão tarifária:
1.º - Em 15 de Novembro de 2005, a Concessionária enviou ao Concedente, com a base do respectivo cálculo, o plano tarifário a aplicar em 2006 — tendo em conta o estipulado nas cláusulas 64.ª, n.º 4, e 69.ª do Contrato de Concessão (Doc. ...) [Cl].
2.º - Por indicação da Concedente, em reunião de 25 de Novembro seguinte, a aplicação do novo tarifário ficou, porém, suspensa, mantendo-se o tarifário inicial [C2].
3.º - O Concedente e a Concessionária mantiveram então vários contactos sobre a revisão tarifária, tendo a Concessionária apresentado várias propostas ou cenários para a sua efectivação, os quais, porém, não foram aceites pela Câmara Municipal, porque, no entender desta, «nenhum deles correspondia ao objectivo perseguido [por ela] de baixar significativamente o tarifário» (arts. 72.° segs. PI e art. 91.º Cont.) [C3].
4.º - As propostas antes referidas (da Concessionária) tinham sempre como pressuposto a manutenção da receita total (art.84° PI) [C4].
5.º - Em 30 de Novembro de 2006, a Concessionária solicitou ao Concedente uma posição sobre a possibilidade de revisão do tarifário para 2007 (art. 163.º e Doc. ...) [C5].
6.º - Ao ofício em que formulou a solicitação antes referida, a Concessionária não juntou qualquer proposta de plano tarifário para 2007 (cfr. o respectivo documento e depoimento da testemunha Eng.° MM) [Quesito 12].
7.º - Até 31 de Dezembro de 2007 manteve-se em vigor, pois, o tarifário de 2005 [C6].
8.º - À data de 18 de Novembro de 2008 (apresentação de articulado superveniente pela Concessionária), o Concedente não tinha ainda submetido ao IRAR a proposta do revisão do tarifário para 2009 (que lhe tinha sido enviada por aquela em 29 de Outubro anterior). Veio a fazê-lo em 24 do mesmo mês de Novembro (documento n.° ... da resposta do Concedente, de 2.XII.2008, àquele articulado), sendo que, entretanto, se pronunciara sobre a mesma proposta, junto da Concessionária, em 21 ainda desse mês (documento n.° ... da mesma resposta do Concedente) [Quesitos 12-A e 12-B].

F) Plano de investimentos e projectos de execução de obras e disponibilização de terrenos:
1.º - O Contrato de Concessão compreende um Plano de Investimentos — Anexo VIII — por cuja execução ficava responsável a Concessionária (cláusulas 47.ª e seguintes) [D1].
2.° - Durante o «período de transição», decorrido entre a assinatura do contrato e a assunção dos sistemas pela Concessionária (em Maio de 2005), esta não apresentou ao Concedente qualquer projecto de execução de obras, designadamente relativos às obras a candidatar pelo Município a fundos comunitários [cfr. supra, alínea A), n.ºs 17.° e 21.°], que a Câmara ficou a aguardar desde o início (cfr. a data da primeira apresentação de projectos: infra, número seguinte; e depoimento da testemunha Eng.° II) [Quesito 27].
3.° - Em 11 de Agosto de 2005, a Concessionária apresentou ao Concedente três projectos de execução de obras (Doc. ...), que foram por ele aprovados desde que fossem "levadas em linha de conta as recomendações" mencionadas no Doc. ...1 junto com a PI (arts. 194.° e 195.° PI e art. 149.° Cont.) [D2].
4.° - Em 31 de Agosto e 27 de Outubro do mesmo ano, foram apresentados pela Concessionária outros projectos de execução de obras, que, porém, não foram objecto de pronúncia por parte do Concedente (arts. 202.º e 203.º, e Docs. ...5 e ...) [D3].
5.° - Os primeiros projectos de execução de obras apresentados não continham os «pormenores-tipo», mas a situação ficou sanada com a apresentação dos projectos de 31 de Agosto (depoimento da testemunha Eng.° II) [Quesito 29].
6.º - Estes últimos projectos — os apresentados em 31 de Agosto — foram os disponibilizados pela Concessionária para o Concedente candidatar, como candidatou, a fundos comunitários disponíveis (do Programa Operacional do Norte - PON) algumas obras (de saneamento), destinadas a alargar as redes da concessão, e a ser integradas nesta (arts. 232.º e 233.º PI e art. 192.º-3.º/5.º e Doc. ... Cont.) [D10, com mais precisa especificação e completado pelo depoimento da testemunha Eng.º II].
7.º - No primeiro semestre de 2006 a Concessionária procedeu ao levantamento das necessidades em termos de infra-estruturas prioritárias e das intervenções a realizar, bem como ao levantamento das zonas do concelho para a implementação dessas infra-estruturas (arts. 216.º e 218.º PI e art. 186.º Cont.) [D5].
8.º - A Concessionária veio a apresentar ulteriormente novos projectos de execução de obras (arts. 208.° e Doc. 58, e 211.º PI; e cfr. art. 178.º Cont.., impugnando apenas parcialmente) [D8].
9.° - Até 31 de Dezembro de 2006, a Concessionária já tinha enviado ao Concedente os projectos de execução referidos no art. 212.º PI (cfr., de novo, art. 178.º Cont., a silentio) [D9].
10.° - Destes projectos — os quais, acrescidos de um aí não mencionado, mas constante do doc. ..., perfazem um total de 32 (cfr. ainda depoimento de parte, pela Demandante, do Eng.° LL e depoimento da testemunha Eng.° MM, sem contestação especifica, quanto a esse total, por testemunhas do Município) —três são os referidos supra, n.º 3.°, seis e um, respectivamente, os entregues em 31 de Agosto e 27 de Outubro de 2005 (agora, n.° 4.°) e dezasseis foram entregues em 21 de Julho de 2006 (doc. ...). Quanto aos restantes seis (os últimos referidos a fls. 3 do doc. ...) não se apurou a data da sua apresentação. A Concessionária ainda veio a apresentar alguns projectos de obras em 2008 (depoimento da testemunha Eng.° JJ; e «Relatório» de gerência da Concessionária relativo a 2008, junto como documento n.º ... do requerimento de 12.VI.2009) [Quesito 30].
11.° - Por outro lado, em 26 de Abril (ou seja, antes ainda da transferência dos sistemas) e em 20 de Junho de 2005, a Concessionária solicitou ao Concedente a disponibilização dos terrenos referidos nos artigos 197.° a 199.° da Petição (e Docs. ...2, ...3 e ...4, aí mencionados) [D4].
12.° - Entretanto, após as eleições autárquicas de 2005 e a entrada em funções do novo Presidente e da nova vereação da Câmara Municipal do Marco de Canaveses, esta última — no seguimento, de resto do que já havia sido debatido e anunciado durante a campanha eleitoral — comunicou à Concessionária a sua intenção de proceder a uma análise global do contrato de concessão [v. infra, alínea l)], em ordem uma sua revisão que conduzisse, por um lado, a um abaixamento considerável das tarifas e, por outro lado, a um alargamento da área de cobertura da concessão — sem excluir, nesse quadro, a própria possibilidade ou eventualidade da rescisão do contrato [depoimentos de parte, pela Demandante, do Eng.° LL e da testemunha Eng.° GG; depoimentos de parte, pelo Demandado, do Presidente da Câmara e da testemunha Eng.° JJ; doc. ..., com entrevista do Presidente da Câmara; e, quanto à hipótese de rescisão ou resolução do Contrato, ainda o depoimento da testemunha Dr. NN e o «Relatório» junto aquando do mesmo depoimento, referido supra, alínea A), n.° 41.º] [Quesitos 13 e 14].
13.° - Aquando da análise e avaliação do contrato, antes referida, a Câmara Municipal não emitiu qualquer instrução formal, dirigida à Concessionária, no sentido de esta suspender a execução do Plano de Investimentos do Contrato (depoimentos de parte, pelo Demandado do Presidente da Câmara e da testemunha Eng.° JJ; e ausência nos autos de qualquer documento que mostre o contrário) [Quesito 14].
14.° - Todavia, nesse mesmo contexto, a Câmara Municipal — designadamente na reunião de 5 de Janeiro de 2006 — anuiu ou aceitou implicitamente, pelo menos, que, enquanto decorressem as negociações entre as partes e não houvesse uma decisão quanto ao futuro ou destino da concessão, não fazia sentido iniciar o Plano de Investimentos (depoimentos de parte, pela Demandante, do Eng.° LL e da testemunha Eng. GG) [Quesito 13].
15.° - A Concessionária não formalizou junto da Câmara, em comunicação a tanto especificamente destinada, tal entendimento, nem lhe opôs, por essa via, alguma ressalva ou reserva (depoimento de parte, pelo Demandado, do Presidente da Câmara; e ausência nos autos de qualquer documento nesse sentido) [Quesito 15].
16.° - A Concessionária suspendeu efectivamente, a partir de então, a execução do Plano de Investimentos (infra-estruturas novas) mantendo apenas investimentos e obras necessárias à operacionalidade dos sistemas existentes — e fazendo depender de indicação expressa da Câmara a realização de obras de infra-estruturas, que, apesar de tudo, se mostravam prioritárias (depoimentos de parte, pela Demandante, do Eng.° LL e das testemunhas Engs. GG e MM) [Quesito 16].
17.° - Nesses investimentos (que a Concessionária continuou, de todo o modo, a promover) contam-se nomeadamente: os relativos a telegestão, beneficiação de reservatórios, beneficiação da ETA, alternativas de captação de água e informação geográfica (cadastro) (depoimentos de parte, pela Demandante, do Eng. LL e das testemunhas Eng.° MM, e ainda Eng.° II; cfr, artigos 214.º, 215.°, 217.°, 219.° e 220.° PI) [Quesitos 16 e 18].
18.º - Por outro lado, e ainda no contexto que vem referindo-se, a Concessionária tão-pouco se prevaleceu do silêncio (ou «aprovação» tácita) da Câmara sobre os projectos (cláusula 51.ª, n.° 3, do Contrato de Concessão), para lhes dar execução (depoimentos de parte, pela Demandante, do Eng.° LL e das testemunhas Engs. GG e MM) [Quesito 19].
19.° - Fê-lo, não só em razão dessa mesma suspensão, mas ainda porque não seria curial não colher o parecer da Câmara e respectivos serviços, que conhecem o terreno e podem formular sugestões e alterações (como aconteceu com os primeiros projectos: supra, n.° 3.º) (depoimentos de parte, pela Demandante, Eng.° LL e das testemunhas Engs. GG e MM) [Quesito 23].
20.° - Só com a comunicação da Câmara à Concessionária, da decisão de promover a modificação unilateral do contrato, o Concedente invocou perante a segunda o facto de ela não estar a executar o Plano de Investimentos, apesar de os projectos se acharem «tacitamente deferidos» (depoimentos das testemunhas Engs. GG e MM; e cfr. ainda o depoimento de parte, pelo Demandado, do Presidente da Câmara) [Quesito 22].
21.° - Nessa oportunidade, e em resposta ao assim referido em tal comunicação, a Concessionária explicou ou justificou por que não se prevalecia de tal «deferimento tácito» (carta de 6 de Agosto de 2007, Doc. ...). Antes disso a questão não era levantada (depoimento da testemunha Eng.° MM) [Quesito 24].
22.° - No seu «Relatório de Gestão» relativo a 2006, apresentado em 2007 (Doc. ...), a Concessionária refere que «o Plano de Investimentos, na sua componente de construção de novas infra-estruturas foi suspenso a pedido da Concedente. Uma referência expressa similar não se encontra noutro documento junto aos autos, nomeadamente no «Relatório de Gestão» da mesma Concessionária relativo a 2005 e apresentado em 2006, no qual ainda se faz uma apreciação positiva do decurso da concessão (Doc. ...) [Quesito 17].
23.° - Ao longo do ano de 2006 e ainda em 2007 — mais precisamente: em 30 de Janeiro, 21 de Julho e 21 de Agosto de 2006 e em 9 de Fevereiro e 7 de Novembro de 2007 — a Concessionária enviou ao Concedente as cartas, relativas ao funcionamento e andamento da concessão, que correspondem aos documentos n.ºs ...6, ...8, ...7, ...0 e ...3 juntos com a petição inicial, e cujo teor é o desses documentos. A tais cartas não houve resposta. (V. arts. 206.°, 208.°, 209.° e ainda 222.° e 224.° e 274.° PI e docs. aí referidos; e cfr. o reconhecimento explícito ou implícito dessa correspondência nos arts. 168.° segs. Cont.) [D6].
24.° - Nas cartas de 30 de Janeiro e 21 de Agosto de 2006 e de 9 de Fevereiro de 2007 (Docs. ...6, ...7 e ...) — e ainda na última referida, mas esta posterior já ao anúncio da Modificação Unilateral do Contrato — a Concessionária pede à Câmara que tome posição sobre, ou dê indicação ou autorização para a execução de obras relativas a «novas infra-estruturas», tidas como prioritárias pela mesma Concessionária (mais precisamente, as obras de renovação e substituição das condutas adutoras entre a ETA e três reservatórios, sendo que tais obras eram, inclusivamente, as dos três primeiros projectos apresentados pela Concessionária, sobre que a Câmara chegou a pronunciar-se: supra, n.° 3.°) [Quesitos 15, 16 e 17].
25.° - A suspensão e a não realização do Plano de Investimentos ocorreram nas circunstâncias referidas ao longo dos números anteriores [Quesitos 25 e 26].
26.° - A suspensão da cobrança da tarifa de saneamento e a não actualização do tarifário em 2006 e 2007 implicaram, no imediato, uma diminuição dos meios de financiamento da Concessionária, que ela poderia afectar a investimento [cfr. supra, alíneas D), n.° 7.°, e E), n.° 5.°] [Quesito 25].
27.° - Dos terrenos referidos supra, n.° 11.°, apenas foi disponibilizado — ainda durante o mandato do anterior executivo da Câmara — o referido no Doc. ..., estando a situação ultrapassada; e, quanto ao referido no Doc. ...4, decorriam negociações com o proprietário, em finais de 2008, para obter a sua disponibilização (depoimentos das testemunhas Engs. II e JJ). A não disponibilização dos terrenos é impeditiva da realização das obras a que os mesmos se referem, mas não necessariamente a realização de outras (depoimento de parte, pela Demandante, do Eng.° LL e depoimento da testemunha Eng.° MM, e, ainda, dos Engs. II e JJ — com divergências) [Quesitos 21 e 22].
28.° - Já depois de apresentados os articulados — o que é dizer, depois também da Modificação Unilateral do Contrato — a Concessionária continuou a não executar obras referentes a infra-estruturas prioritárias, designadamente na conduta adutora entre a ETA do Semealho e o reservatório de Maria Gil. Isso, por entender que se trata de obra nova — a responsabilidade cuja execução passou, com aquela Modificação, para o Concedente, mas relativamente à qual continuou a adoptar a posição descrita supra, n.° 16.°, ou seja, de procurar uma solução de acordo com a Câmara, como já tinha feito antes (depoimento de parte, pela Demandante, do Eng.° LL e depoimento da testemunha Eng.° MM, e doc. ..., referido, supra, n.° 23) [Quesitos 26-A e 26-B].
29.° - A obra referida no número anterior tem as características e implicações referidas no doc. .... A infra-estrutura em causa já existente — tem a extensão total de 6 a 7 quilómetros; a obra a executar, sendo diferente consoante os troços, passará, em quase todos deles, pela renovação e substituição da conduta e, num deles, mesmo pela construção-de uma conduta nova, noutro local (depoimentos das testemunhas Engs. II e JJ) [Quesitos 26-A e 26-B].
30.° - As obras referidas supra, n.° 6.º, foram adjudicadas e iniciadas no 1.° trimestre de 2007 (depoimento de parte, pelo Demandado, do Presidente da Câmara e depoimento da testemunha Eng.° II) — sendo que as candidaturas das mesmas aos fundos comunitários disponíveis só foram aprovadas no final de 2006 (depoimento da testemunha Eng.° JJ). O início dessas obras não foi comunicado formalmente à Concessionária (depoimento de parte, pela Demandante, do Eng.° LL e da testemunha Eng. MM), delas só tendo tido conhecimento informal (cfr. «Relatório e Contas» da Concessionária, relativo a 2008, p. 8, por ela junto em 20.IV.2009; cfr., ainda, depoimento do Eng.º II). O prazo para a sua conclusão era o 1.º semestre de 2008 (depoimentos imediatamente antes mencionados), sendo que estava ligado ao prazo de utilização dos fundos comunitários em causa (depoimento da testemunha Eng.° JJ, e ainda, depoimento da testemunha Eng.° MM). As obras, porém, só ficaram concluídas no semestre seguinte, salvo quanto a uma delas (uma ETAR), ainda não terminada (depoimentos das testemunhas Engs. II e JJ). À data dos depoimentos, encontravam-se — ao menos algumas dessas obras — em procedimento de entrega à Concessionária (depoimentos das testemunhas acabadas de citar e ainda da testemunha Eng.° MM; e documentos n.ºs ... e ..., juntos pelo requerimento da Demandante, de 28.V.2009) [Quesito 31].
31.° - A par das obras — obras de saneamento — a que se refere o número anterior, o Concedente, aproveitando a abertura das valas a que as mesmas obrigavam, instalou igualmente condutas de água, numa extensão de aproximadamente 11 quilómetros; e, além disso, construiu 4 ETAR's (duas delas já incluídas no Plano de Investimento da concessão), das quais apenas uma (em Soalhães) consta do elenco dos projectos respeitantes às mesmas obras (supra, n.° 6.º), mas que foi, por sua vez, objecto de alargamento e modificação, relativamente ao inicialmente projectado. Tal representará um aumento potencial de clientes e um potencial benefício (acréscimo de receitas) para a Concessionária (depoimentos das testemunhas Engs. II e JJ e confronto com doc. ...) [Quesito 32].
32.° - O valor total do investimento da Concessionária contratualmente previsto para 2005, 2006 o 2007 era, respectivamente, de €18.211.194, €13.270.792 e €7.825,614, a preços constantes de 2003 (artigos 95.º e 97.° PI). Desses valores, a Concessionária executou investimento, durante o ano de 2005, no valor de €4,005.574 (art. 205.° PI) e, até 31 de Dezembro de 2007, e desde o início da concessão, no valor acumulado de €7.106.891,65 (art. 230.° PI) [D7].
33.º - Em 16 de Setembro de 2008, realizou-se uma reunião entre representantes da Concessionária (Eng.ºs MM e LL) e representantes da Câmara Municipal (Vereador Eng.° JJ e Eng.° Couto), com o objectivo de aquela colher informação sobre o andamento das obras referidas supra, sob os n.ºs 6.° e 30.°, e sobre o que a Câmara projectava fazer em 2009, para a Concessionária organizar o seu orçamento. Do que foi dito nessa reunião por aquele Vereador, extraíram os representantes da Concessionária a percepção e a convicção claras de que a Câmara não ia realizar obra nova (respeitante ao objecto da concessão) no ano de 2009, e previa investir (nesse mesmo domínio) até 2013 a verba de 3,7 milhões de euros, com um apoio do QREN de 2,6 milhões de euros (depoimento de parte, pela Demandante, do Eng.° LL e da testemunha Eng.° MM) [Quesitos 32-A e 32­C].
34.º - Tal percepção e tal convicção ficaram registadas em documento redigido pelos referidos representantes da Concessionária (denominado de «acta» da mencionada reunião) e que foi enviado por correio electrónico ao Vereador JJ, em 10 de Outubro seguinte; ao que se seguiu, em 31 do mesmo mês, uma carta da Concessionária à Câmara, advertindo para quanto o antes referido representava, em termos de incumprimento ou impossibilidade de cumprimento do novo Plano de Investimentos da concessão, tal como estabelecido pela Modificação Unilateral do Contrato (documentos n.° ..., última parte, e n.° 2, juntos com o articulado superveniente da Demandante, de 18.XI.2008) [Quesitos 32-A e 32-B].
35.° - Segundo o Vereador Eng.° JJ, a percepção, que os representantes da Concessionária colheram da mencionada reunião, é errada, não correspondendo o que se refere na dita «acta», no seu todo, ao conteúdo da reunião, e ao que nela afirmou, e não sendo correctas as conclusões tiradas (seu depoimento como testemunha) [Quesitos 32-B e 32-C].
36.° - Com referência à carta da Concessionária, de 31 de Outubro, a Câmara Municipal enviou àquela um ofício, em 26 de Novembro (posteriormente, pois, à apresentação pelo articulado superveniente pela Demandante), no qual, e em resumo (no que possa aqui interessar), diz: — que, no quadro do PONorte-QREN, está atribuída ao Município do Marco de Canaveses uma verba de 11 milhões de euros, nos quais se inclui uma verba de 2,6 milhões para o ciclo da água, estando a trabalhar-se nos respectivos projectos e indo realizar-se as correspondente obras em 2009; — que, adicionado isso às obras entretanto em vias de conclusão, se atingia em 2008 e 2009 um investimento dentro da média prevista; — e que, essas verbas do QREN seriam apenas uma parte do financiamento comunitário possível, porque seriam ainda apresentadas candidaturas a um outro programa, o Programa Operacional de Valorização do Território, de âmbito nacional (documento n.° ... junto com a resposta do Demandado ao articulado superveniente da Demandante) [Quesitos 32-C e 32-D].
37.° - O Plano e o Orçamento da Câmara Municipal do Marco de Canaveses para o ano de 2009 não previam qualquer verba para a realização de obras novas (isto é, para além das já em curso) respeitantes ao objecto da concessão; por outro lado, não havendo qualquer obra lançada em Março de 2009 (data do depoimento), não se via como pudesse haver obra realizada até ao fim do ano (depoimento da testemunha Eng.° MM) [Quesitos 32-A e 32-B].
38.° - Atendendo à natureza nacional do Programa, e ao seu primário destino para investimentos intermunicipais, não se afigura muito fácil, se não possível, que o Município do Marco de Canaveses, concorrendo com o conjunto de todos os municípios do País, possa vir a beneficiar de verbas significativas do referido plano «nacional» do QREN (depoimento da testemunha Eng.º MM) [Quesitos 32-A e 32-B].
39.° - O Município do Marco de Canaveses encontra-se numa situação financeira difícil, tendo apresentado a quem de direito um Plano de Reequilíbrio Financeiro, em Abril de 2009 (documento n.º ... junto pelo Demandado em 18.VI.2009) [Quesitos 32-B a 32-D].

G) Regulamento dos serviços.
1.º - Após obter, junto do Concedente, uma prorrogação do respectivo prazo, a Concessionária enviou e submeteu à aprovação daquele, em 6 de Outubro de 2005, uma proposta do «Regulamento de Serviços» contratualmente previsto (arts. 173.º/174.° e Doc. ...) [E1].
2.º - O Concedente, porém, não contactou ainda a Concessionária sobre tal proposta, nem procedeu à sua aprovação (art. 178.º PI e art. 147.° Cont.) [E2].
3.° - O «Regulamento dos Serviços» permitirá uma melhor regulação e prestação dos serviços de água e saneamento (em aspectos como, por exemplo, os da prevenção da contaminação dos sistemas, do controlo do fornecimento e da qualidade da água, e outros: cfr. os artigos 179.° e 180.º da Petição) e é necessário para corrigir a desactualização e insuficiências do Regulamento em vigor; mas não se provou que fosse «essencial» para o funcionamento dos serviços (depoimentos do Eng.º MM, e ainda do Eng.º II — com divergências) [Quesito 33].

H) Auditoria do IRAR:
1.° - Por solicitação do Concedente (art. 237.º e 239.º PI e art. 198.º - 1.º Cont.), o Instituto Regulador de Águas e Resíduos (IRAR) promoveu uma auditoria à concessão, que se iniciou em Fevereiro de 2007 [F1].
2.° - Após a apresentação de um relatório preliminar, para efeitos de contraditório, o IRAR apresentou em 17 de Julho do mesmo ano o seu relatório definitivo, que constitui o documento ...5 junto com a Petição Inicial — e cujas observações e conclusões (parcialmente transcritas pelas partes, naquela Petição e na Contestação) se dão aqui por reproduzidas, no que ao objecto da arbitragem possa interessar [F2].

I) Modificação Unilateral do Contrato de Concessão:
1.° - A partir de Novembro de 2005, com a entrada em funções do novo Executivo da Câmara Municipal do Marco de Canaveses, emergente das eleições autárquicas desse ano, entendeu essa Câmara reapreciar e reavaliar o Contrato de Concessão, do que logo fez ciente a Concessionária, em reuniões de 25 daquele mês e 1 de Dezembro (cfr. arts. 74 ° e 80.º PI) [G1]. [Cfr. já supra, alínea F), n.° 12.º].
2.° - Em consequência da posição assim assumida pela Câmara Municipal, iniciou-se um longo processo de discussão e negociação entre as partes, que decorreu basicamente durante todo o ano de 2006 e o primeiro semestre de 2007, e que pode ver­se pormenorizadamente descrito ao longo da Petição Inicial (v, nomeadamente arts. 82.°, 87.º, 99.°, 105.°, 108.° segs., 126.°, 132.°, 152.°) — descrição que, ao menos quanto às suas linhas gerais e ao seu objecto, o Concedente não põe em causa na Contestação (e antes é aí confirmada: cfr. art. 137.°) [G2].
3.° - Entretanto, em Julho de 2006, foi o Contrato de Concessão objecto, igualmente, de reavaliação pela Assembleia Municipal do Marco de Canaveses (art. 136.º a 140.º PI) — em reunião para a qual a Concessionária foi convidada pela Câmara (art. 126.º e Doc. ...), e para cuja presença aquela se disponibilizou nas condições referidas na sua resposta (Doc. ...4 e arts. 127.º, transcrevendo, e 128.º PI). Tal presença, porém, não chegou a verificar-se (art. 136.° PI e art. 119.°, 2.ª parte, Cont.).
Os termos da reavaliação levada a cabo pela Assembleia são os constantes do «Ponto Quatro» da Acta da respectiva reunião, junta como Doc. ..., de onde decorre que, representantes de várias forças políticas nela representadas fizeram uma apreciação crítica do Contrato e da actuação da Concessionária [G3].
4.° - No processo negocial referido, em suma, estava essencialmente em causa o nível tarifário e «o objectivo de manter as taxas e tarifas aos utentes em patamar mais próximo do existente no início de 2005» (v., por último, art. 137.º Cont., e cfr. art. 21.º Répl.) [G4].
5.° - Ao longo desse processo, as partes — um e outra — foram apresentando várias propostas ou cenários de solução do problema (cfr., em particular, arts. 86.º, 110.º, 153.º, 159.º, e Docs. ...5, ...3 e ...), mas sem que alguma delas haja sido aceite (cfr., nomeadamente, art. 151.º e Doc. ...2, e art. 161.º todos da P1) e sem que, portanto, hajam chegado a acordo [G5].
6.° - Durante o mesmo processo a Concessionária apresentou-se sempre disponível para encontrar uma solução, nomeadamente considerando a possibilidade de recorrer a novos fundos comunitários ou mesmo a da sua participação numa empresa mista, e apresentou ao Concedente vários cenários sobre as possibilidades e implicações das modificações pretendidas, seja em termos de investimento, seja em termos de tarifas (v. Docs. ...5 e ...; cfr. ainda Parecer do IRAR, Doc. ..., p. 54, observação relativa à clausula 86.ª do Contrato). Tal disponibilidade, porém, esteve limitada à manutenção dos pressupostos económico-financeiros da concessão (ainda que haja chegado a encarar-se uma solução que se dizia implicar redução da TIR: cfr. cit. Doc. ...4) e à impossibilidade, segundo a Concessionária, de simultaneamente aumentar investimentos e reduzir tarifas (Depoimentos de parte, pela Demandante, do Eng.º LL e das testemunhas Engs. BB, GG e MM; e cfr. depoimentos das testemunhas Engs. II e JJ) [Quesitos 34 e 35].
7.° - Os níveis tarifários propostos pela Concessionária para o ano de 2006 (Doc. ...) apresentavam-se, no que toca às tarifas variáveis de água e saneamento, como consideravelmente superiores aos praticados em municípios vizinhos (como Penafiel e Amarante, onde a prestação dos correspondentes serviços permanece «municipalizada») ou no município de Santa Maria da Feira (onde essa mesma prestação de serviços se encontra concessionada) (documento junto pelo Concedente por requerimento de 8.1.2009; cfr. ainda depoimentos das testemunhas Eng. II, Eng.º JJ e Dr. PP). Na medida em que, em cenários referidos no número anterior, a Concessionária figurou o aumento de algumas das tarifas mencionadas propostas para 2006 (Doc. ...), elas eram aí, pois, ainda mais altas do que as correspondentes nesses outros municípios [Quesitos 36 e 37].
8.° - Respondendo à proposta de diminuição do tarifário que lhe foi enviada pelo Concedente em 1 de Setembro de 2006 (Doc. ...), e que se traduzia numa redução global da sua receita (ao longo da concessão) de 32%, a Concessionária considerou que o seu acolhimento exigiria uma redução do seu investimento de 57,3 M€ (preços de 2003) para 18,3 M€ pelo que contrapropôs uma alternativa, que passava por uma diminuição tarifária menor, implicando uma diminuição da sua receita em 20%, com uma diminuição do seu investimento para 25M€ — redução do investimento, pois, de 68%, no primeiro caso, e de 56%, no segundo, ou seja, reduções de investimento em mais do dobro das reduções da receita (Doc. ...). Não existe, porém, «uma relação economicamente determinística entre as duas variáveis, pois, num projecto de investimento, não tem de se verificar uma qualquer constante de proporcionalidade entre variações de investimentos previstos e alterações de proveitos esperados» (resposta unânime do «Relatório» da perícia, nº 4.1; de resto, cfr. já depoimento da testemunha Dr. PP) [Quesito 38].
9.° - Frustrado o processo de negociação que vem referindo-se, e depois da apresentação do relatório final do IRAR, atrás mencionado [v. supra, alínea H), n.° 2.º], o Concedente anunciou à Concessionária, em 24 de Julho de 2007, a sua intenção de proceder à «Modificação Unilateral do Contrato de Concessão», e de abrir com ela as respectivas negociações (art. 252.º e doc. ...) [G6].
10.° - Os termos e pressupostos da modificação anunciada são os que constam do documento antes citado, compreendendo basicamente quatro vectores: — a revisão e recalendarização do Plano de Investimentos, retirando deste e à Concessionária, e passando para o Concedente, a responsabilidade pelos investimentos em terrenos, obras, equipamentos e instalações que aquela não tivesse ainda realizado, e mantendo na responsabilidade da Concessionária os investimentos referidos nos arts. 255.° e 256.º PI; — o pagamento de uma renda, pela Concessionária, pela afectação à concessão das infra-estruturas, equipamentos e instalações, cuja execução ficava a cargo do Concedente; - fixação em 85% e 75% das taxas de atendimento no abastecimento de água e no saneamento; — estabelecimento de um tarifário inferior em 30% ao então previsto, tendo as actualizações em conta o perfil dos utilizadores e as praticadas em municípios vizinhos (cfr. arts. 254.º a 258.º PI) [G7],
11.º - Na fundamentação da sua deliberação, o Concedente, através da sua Câmara Municipal, invoca a inexecução do Contrato de Concessão por parte da Concessionária — alegando, nomeadamente, que esta não estava a cumprir o Plano de Investimentos, não obstante terem sido «tacitamente deferidos» os projectos de execução por si apresentados e que «tal inexecução consubstancia um incumprimento gravíssimo e continuado ou reiterado das obrigações emergentes do contrato» por parte dela, o qual «persiste, nomeadamente, desde há mais de dois anos e meio, sem que a Concessionária tenha tornado qualquer iniciativa para reverter a situação» — mas invoca também o interesse pública (cfr. art. 252.º e doc. ... e art. 204º Cont) [G8].
12.° - À comunicação do Concedente respondeu a Concessionária em 6 de Agosto seguinte, nos termos do Doc. ... [G9].
13.° - Nessa resposta, a Concessionária não impugnou a faculdade de o Concedente promover a modificação unilateral do contrato, mas rejeitou expressamente, ab initio, que esta se pudesse fundar em «qualquer tipo de insatisfação por incumprimento contratual da sua parte» e que antes se devia a «uma legítima alteração de perspectiva e da estratégia da Câmara Municipal relativamente aos investimentos a realizar, ao nível de Serviço e aos valores tarifários susceptíveis de serem transmitidos aos munícipes, na sequência das recomendações formuladas pelo IRAR» (art. 276.º PI) [G10].
14.° - Em 28 de Setembro de 2007 o Concedente comunicou à Concessionária a manutenção da sua deliberação de modificar o contrato — repetindo basicamente, nessa deliberação final, os fundamentos antes invocados, mas acrescentando-lhes uma contradita do que fora alegado pela Concessionária, sobre o seu comportamento, na resposta referida supra, n.º 12.º (art. 291.º e Doc. ...) [...],
15.° - A Modificação Unilateral do Contrato — tendo sido anunciada em Julho de 2007 (supra, no 9°) — só começou a produzir efeitos em 1 de Janeiro de 2008 (Docs. ...8 e ...; e depoimentos de parte, pelo Demandado, do Presidente da Câmara, e da testemunha Eng.º MM) [Quesito 39].

J) Reequilíbrio económico-financeiro da concessão:
1.° - Comunicada à Concessionária, em definitivo, a modificação unilateral do Contrato, iniciaram-se então as negociações com vista à reposição do equilíbrio económico-financeiro da concessão, negociações que tiveram por base o documento, elaborado e apresentado pelo Concedente, junto com a petição inicial como Doc. ...5, e que decorreram ao longo de várias reuniões, nomeadamente em 31 de Outubro e 26 de Novembro de 2007 [...].
2.° - Nessas negociações a Concessionária apresentou vários cenários e estudos alternativos desenvolvidos por si (arts. 300.º e 296.º, ab initio, PI, e cfr. arts 227.º e 228.º Cont. a silentio) e forneceu ao Concedente os elementos por este solicitados, incluindo relativos ao Caso Base do contrato (arts. 304.º e 305.º e Docs. ...6 e ...). Mas, mantendo as partes as suas divergências amplamente reveladas pelo teor da Petição (art.ºs 291.° segs.) e da Contestação (arts. 227.° segs) — o termo do prazo das negociações chegou sem que tivesse havido acordo (art 307.º PI) [H2].
3.º - Posto isso, o Concedente, em 28 de Janeiro de 2008, comunicou à Concessionária o «encerramento do período de negociações relativas à reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato» (art. 308.º e Doc. ... e art. 229.º Cont.) [H3].
4.º - A essa comunicação juntou o Concedente o documento a ela anexo, em que são analisados os termos da Modificação Unilateral do Contrato, e em que conclui que «com eles se atinge um novo equilíbrio económico-financeiro, não havendo assim qualquer obrigação de reposição [desse equilíbrio] por força da modificação do contrato imposta pela CMMC» (art. 310.º e Doc. ... com transcrições nos artigos seguintes da Petição, em que se explicitam os fundamentos dessa conclusão) [H4].
5.° - Convidada a Concessionária a pronunciar-se sobre essa comunicação e sobre esse documento, e porque aí se fazia referência a um documento complementar, sobre o tarifário, que lhe não havia sido remetido, solicitou aquela, em 12 de Fevereiro, essa prévia remessa, mas não deixando logo de manifestar a sua discordância quanto à desnecessidade de reposição do equilíbrio económico-financeiro da concessão (arts 323.º a 326.º PI) [H5].
6.° - Em 21 de Fevereiro, foi enviado à Concessionária, pelo Concedente, o referido documento complementar, contendo o «tarifário a praticar», ou seja, «a nova estrutura tarifária, com preços líquidos de IVA, que substituem para todos os efeitos o Anexo IX, a partir de 1 de Janeiro de 2008» (arts. 328.º e 329.º e Doc. ...) [H6].
7.° - De posse desse elemento, pronunciou-se então a Concessionária, em definitivo, por Fax de 26 de Fevereiro, sobre as consequências da Modificação Unilateral do Contrato e do novo tarifário, em termos de equilíbrio financeiro da concessão, reiterando, em suma, a necessidade de repor esse equilíbrio «por alteração do Caso Base e pagamento de uma compensação financeira directa a apurar em sede arbitral» (arts 334.º e 335.º e Doc. ...) [H7].
8.° - A necessidade de tal reequilíbrio, entretanto, reporta-a ainda a Concessionária, nesse documento, aos demais factos e circunstâncias referidos no trecho do mesmo documento transcrito no citado artigo 335.º da Petição [H8].
9.° - Ainda no mesmo Fax a Concessionária comunica que «em cumprimento da decisão de Modificação Unilateral do Contrato de Concessão [...] irá aplicar o novo tarifário na facturação de Março, com retroactivos a Janeiro de 2008» (cfr. art. 334.º PI) [H9].
10.° - Em 3 de Março, o Concedente respondeu à Concessionária, confirmando os termos da Modificação Unilateral do Contrato e o entendimento de que não havia lugar à reposição do equilíbrio económico-financeiro deste — e comunicando-lhe que devia aplicar o novo tarifário, a partir de 1 de Janeiro de 2008, na íntegra (arts. 343.º a 347.º e Doc. ...) [H10].
11.° - Através da correcção do Cenário 1 (apresentado pela Concessionária ao Concedente, nas negociações para o reequilíbrio do contrato: supra, n.° 2.°), mediante o reajustamento, nele operado pelo Concedente — e que encontrou expressão nos quadros do documento referido supra, n.° 4.°, que é o Doc. ... — das rendas a pagar pela Concessionária, e dos financiamentos e encargos financeiros a que a mesma terá de recorrer e em que terá de incorrer, não se chega ao equilíbrio do contrato, tal como definido na sua cláusula 86ª — isto é, tendo como referência o Caso Base e a necessidade da sua reposição [«Relatório» da perícia, n.º 4.1, quesito b), e declaração complementar, sobre o mesmo ponto, do Perito designada pelo Demandado, que não se vê que contrarie o essencial dessa conclusão; e já depoimentos das testemunhas Dr. PP e Dr. NN]. E nem mesmo esse equilíbrio se atinge com as correcções ulteriores, feitas já aos quadros do documento antes mencionado, constantes do documento junto pelo Demandado em 18.VI.2009 (como resulta dos termos em que o «Relatório» comum da perícia fundamenta a anterior conclusão) [Quesito 40].
12.° - O «Novo Tarifário» constante do «documento complementar» referido supra, n.° 6.°, é diferente do constante do dito Cenário 1. O exame pericial não permitiu, porém, uma conclusão unânime sobre o reflexo dessa diferença em termos de proveitos, apenas um dos peritos (o designado pela Concessionária) havendo entendido que ele podia estimar-se em menos e 442.000, «em termos médios anuais, a partir de 2008 e até ao término da concessão» [«Relatório» da perícia, nº 4.1, quesito c), e declaração de voto, quanto ao mesmo ponto, do mencionado Perito] [Quesitos 41 e 42].
13.° - O estabelecimento e a aplicação do novo tarifário, a redução dos investimentos em infra-estruturas a cargo da Concessionária, e a obrigação do pagamento, por esta última, de uma renda pela utilização das estruturas construídas pelo Concedente, à medida que as mesmas forem disponibilizadas, tudo nos termos da Modificação Unilateral do Contrato, implicam, conjugadamente, um desequilíbrio económico-financeiro da concessão, tomando como referência o Caso Base do contrato [«Relatório» da perícia, n.º 4.1, quesitos d) e 1) e declarações de voto, sobre os mesmos quesitos, de cada um dos peritos] [Quesitos 43 e 45].
14.° - A não actualização tarifária nos anos de 2006 e 2007 provocou igualmente um desequilíbrio da concessão [«Relatório» da perícia, nº 4.1, idem, e ainda quesito e), com a correspondente declaração de voto do Perito da Demandada] [Quesitos 43 e 45].
15.° - Não são quantificáveis os impactos que possam ter tido no equilíbrio da concessão, seja o atraso na efectivação ou a suspensão do plano de investimentos (independentemente da parte a que devam imputar-se), seja a não disponibilização de terrenos pela Concedente, seja a não aprovação e entrada em vigor do novo Regulamento de Serviços [«Relatório» da perícia, n.º 4.1, quesito e, com declaração de voto, sobre o ponto, do Perito designado pelo Demandado, mas não contrariando propriamente a conclusão] [Quesitos 43 a 45].
16.° - A dever reconhecer-se à Concessionária o direito à correspondente compensação, a assunção, pela mesma, de infra-estruturas mais degradadas do que na fase da apresentação da sua proposta, terá tido impacto, mas um impacto marginal, no equilíbrio da concessão [Relatório da perícia, nº 4.1, quesito f)] [Quesitos 44 e 45].
17.° - A dever relevar-se esse facto, a exclusão, do âmbito do Contrato de Concessão, do denominado «Contrato de Construção», teve impacto negativo no equilíbrio da mesma concessão [«Relatório» da perícia, nº 4.1, quesito h), mas com ressalva da declaração de voto, sobre o ponto, do Perito designado pelo Demandado] [Quesitos 44 e 45].
18.° - Não houve entendimento unânime entre os peritos, seja quanto ao valor, seja quanto à forma de repor o equilíbrio da concessão. Assim: o Perito indicado pelo Tribunal estima que esse reequilíbrio se atingirá através de uma compensação financeira paga pelo Concedente à Concessionária no valor actual de €16.714.846 ou de €13.631.083, conforme deva ou não ser considerado o impacto da exclusão do Contrato de Construção, referido no número anterior [«Relatório» da perícia, declaração de voto, n.ºs 6.1 e 6.2]; o Perito designado pela Demandante estima que o valor actual dessa compensação deve antes ser de e €26.983.008 ou de €23.899.245, consoante a mesma alternativa [«Relatório» da perícia, declaração de voto, resposta aos quesitos d) e i), in fine]; finalmente, resulta do seu laudo que o Perito designado pelo Demandado entende que o equilíbrio se atingirá se o valor global das rendas a pagar pela Concessionária ao Concedente, nos termos da Modificação Unilateral do Contrato, for reduzido para €9.919.179 («Relatório» da perícia, declaração de voto, n.º 2, in fine), sendo que a renda prevista pelo Concedente, no documento referido supra, n.° 4.º, para o cenário de investimento (pelo mesmo Concedente) a 8 anos, é de €15.559.497 (cfr. mesmo documento, que é o Doc. ..., cujos quadros ampliados formam o Doc. ... Cont.) [Quesitos 46 e 47].

L) Alegado incumprimento do contrato pela Concessionária
1.º - Na mesma data — 24 de Julho de 2007 - em que comunicou à Concessionária a intenção de promover a modificação unilateral do Contrato, o Concedente, por outro ofício, notificou e advertiu a Concessionária para a «retoma do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de concessão» — pormenorizando um elenco de alegados incumprimentos desse contrato, nos termos que constam do doc. ...8 junto com a Petição (arts. 261.º e 262.º PI) [I1].
2.º - A Concessionária respondeu por carta de 7 de Agosto seguinte (doc. ...), refutando cada um dos invocados incumprimentos (cfr. arts. 280.° a 290.º PI) [I2] .
3.º - A Concessionária suspendeu a execução do Plano de Investimentos nas condições descritas supra, alínea F), n.°s 14s° e seguintes [Quesito 51].
4.º - A Concessionária não assumiu e integrou na concessão certas infra-estruturas de saneamento, como fossas e ETAR's compactas de urbanizações, nas condições referidas supra, alínea B), n.°s 7.º, 9.º e 11.º [Quesito 51].
5.º - O elenco de comportamentos imputados à Concessionária no referido Doc. ... (supra, n.° 1.º) tem a sua fonte no Relatório da Auditoria do IRAR [supra, alínea H), n.° 2.º] — como o confronto dos dois documentos claramente evidencia. Desses comportamentos e dos mais alargadamente referidos no artigo 199.º, para que remete o artigo 310.º Cont. — configurando-se como factos específicos e concretos da Concessionária, relativos a cláusulas contratuais — verificaram-se os seguintes [Quesitos 49 a 52]:
— não inclusão num contrato de prestação de serviços com terceiros da ressalva prevista na cláusula 78.ª, n.º 1, do Contrato;
—não fornecimento trimestral ao Concedente de cópias dos relatórios de controlo analítico das águas e efluentes [cláusula 79.ª, n.º 3, b), do Contrato];
— não apresentação suficientemente detalhada, nos relatórios semestrais, do «resumo dos resultados do controlo analítico efectuado» (cláusula 80.ª do Contrato);
— não apresentação detalhada ao Concedente da referência e função de cada elemento da sua estrutura (cláusula 21.ª, n.º 5, do Contrato).
(Relatório do IRAR, supra referido; e cfr. ainda a resposta da Concessionária, no mencionado Doc. ...1)
6.º - A reposição de pavimentos, quando a abertura de valas, demora sempre algum tempo, por razões técnicas, e tem sido efectuada segundo procedimentos comuns (sendo que outros tipos de procedimento, mais sofisticados e eficientes, não são habitualmente utilizados entre nós, por entidades sobre as quais recai tal tipo de obrigação). A Concessionária recebeu duas queixas sobre essa matéria; e houve um caso de acentuada demora (Depoimento de parte, pela Demandante, do Eng.º LL, e depoimentos das testemunhas Engs. MM e II). Face ao que o Concedente perante ele alegou, o IRAR recomendou à Concessionária «a necessidade de garantir a qualidade dos trabalhos de reposição dos pavimentos» (Relatório citado, p. 18) [Quesitos 52-A e 52-B].
7.° - Registaram-se queixas, de um munícipe residindo na proximidade dessa infra-estrutura, relativas a odores e maus cheiros emitidos pela ETAR de S. Nicolau. Trata-se de uma situação que vem de trás — de uma ETAR que funciona normalmente, mas antiga, com tanques abertos, em que não há «sistema» de desodorização. A instalação de um tal sistema poderá melhorar a situação, mas sem a eliminar em absoluto (Depoimento de parte, pela Demandante, do Eng.º LL, e depoimentos das testemunhas Engs. QQ, MM, II e JJ) [Quesitos 52-C e 52-D].
8.° - A Concessionária não presta o serviço de descarga de fossas integradas em urbanizações, por não ter assumido essas infra-estruturas na concessão (salvo quando havia clientes anteriores), conforme o referido supra, alínea B), n.ºs 7.º, 9.º e 11.º (supra n.º 4.º). Quanto a «fossas particulares», a Concessionária presta o correspondente serviço de descarga (e tem-no prestado em larga escala), mediante o correspondente pagamento, salvo quanto a fossas localizadas em zonas servidas por rede de saneamento (em ordem a «pressionar» a ligação dos respectivos utentes à mesma rede) (Depoimentos das testemunhas Engs.II e JJ, quanto à primeira parte, e depoimento de parte, pela Demandante, do Eng. LL e da testemunha Eng. MM, quanto à segunda) [Quesitos 52-E e 52-F, corrigida a referência, no primeiro, apenas a «fossas particulares»].

M) Alegado incumprimento do contrato pelo Concedente
1.° - A Concessionária não apresentou ao Concedente a comunicação prevista na cláusula 98ª, n° 3, do Contrato, nem lhe apresentou, quanto aos factos em que pretende fundamentar o seu direito à rescisão do mesmo contrato, qualquer reserva ou pretensão indemnizatória (depoimento da testemunha Eng.º JJ) [Quesito 53].
2.° - No caso de vir a ser reconhecido à Concessionária o direito à rescisão do contrato, por incumprimento do Concedente, o montante da indemnização a arbitrar àquela, determinado por recurso aos factores enunciados na cláusula 98.ª, n.° 6, do mesmo contrato, situar-se-á, segundo o entendimento dos peritos (neste ponto, não unânime), num dos valores dos seis cenários por eles apresentados — sendo o menor de €10.976.134 e o maior de €14.999.955 consoante o relevo que, no cálculo daqueles factores, deva ser dado (o que é matéria de direito) a certos factos ou circunstâncias («Relatório» da perícia, n.º 5.1, e declarações de voto dos peritos da Demandante e do Demandado, referidas ao quesito 3 da perícia) [Quesito 54].
3.º - As receitas da Concessionária, nos anos de 2005 a 2007, cifraram-se no valor de 4.761.000 («Relatório» da perícia, n° 5.2) [Quesito 55].
4.° - Tais receitas são imputáveis a investimento realizado, na sua quase totalidade, pelo Concedente, nos bens e no estabelecimento que disponibilizou para a concessão (assim já resulta do referido supra, alínea F), n.ºs 11.º, 12.º e 32.º; e cfr., ainda, depoimentos de parte, pelo Demandante, do Eng.º LL e das testemunhas Engs. II e JJ) [Quesito 55].
5.° -No mesmo período entre o início da concessão, em Maio de 2005, e o termo do exercício de 2007 o número de clientes de água da Concessionária passou de cerca de algo mais de 7.000 para 7.715 e, o de clientes de saneamento, de cerca de cerca de 4.900 para 5.305 (cfr. «Relatório e Contas» da Concessionária, relativo a 2005 — Doc. ... – e mesmo «Relatório», relativo a 2007 junto em 20.V.2009) [Quesito 55].
6.º - O valor atribuído aos bens e estabelecimento do Concedente que passaram a integrar a concessão, constantes do Anexo VI do Contrato, foi neste estimado e fixado, para efeitos de seguro, em €8.978.362,15 (cláusula 87.ª, n.º 3, do Contrato; e cfr. «Relatório» da perícia, n.º 5.2) [Quesito 55].

N) Alteração das circunstâncias.
1.° - O anúncio da nova taxa variável de saneamento e do novo tarifário, introduzidos no início da concessão, provocou um sentimento muito vivo de reacção por parte da população do Município do Marco de Canaveses, que conduziu, em particular, a uma manifestação expressiva junto aos Paços do Concelho (depoimentos das testemunhas HH, Eng.º II e Dr. EE) [Quesito 56].
2.º - A possibilidade de recurso a fundos comunitários do novo QREN2006/2013, para a realização de obras integradas no âmbito da concessão, não se colocou aquando da celebração do correspondente contrato, em 2004. A elegibilidade de obras desse tipo para tais fundos só veio a ser conhecida em 2007 (Depoimentos das testemunhas Dr. EE e Eng.º JJ) [Quesito 57]
17. Não lograram provar-se outros factos levados à Base Instrutória. Ou só ficaram provados parcialmente, ou nos termos que podem retirar-se das «respostas» que antecedem.
Importa agora, à luz da factualidade provada, extrair as conclusões de direito»
[…]».

II.2. De Direito

2.1. Do alegado erro de julgamento respeitante à interpretação e aplicação do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC (aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA)

O Recorrente alega que o Tribunal a quo fez uma interpretação errada do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC, aqui aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do CPTA.

No essencial, está em causa saber se o aresto do TCAN fez uma correcta interpretação e aplicação ao caso do regime jurídico do ónus a cargo do recorrente quando o mesmo pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto. A mencionada norma do artigo do 640.º do CPC impõe, sob pena de rejeição do recurso nesta parte, que o Recorrente especifique obrigatoriamente: i) “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; ii) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; e iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Após explicação alongada das razões que subjazem à consagração legal do ónus do artigo 640.º do CPC, o Tribunal a quo conclui, a final, que tal ónus não se encontra satisfeito através do teor da conclusão 5.º das alegações de recurso, na qual se pode ler que o Tribunal Arbitral ad hoc “(…) julgou com flagrante erro e contradição, em, pelos menos, alguns pontos de facto determinantes (como resulta dos documentos acima citados, e das gravações dos depoimentos, transcritas, e gravações mencionadas) (…)”. Na apreciação que fez quanto à verificação ou não do cumprimento do ónus legal do artigo 640.º, n.º 1 do CPC, o TCAN conclui que o mesmo não foi cumprido, razão pela qual o recurso tem de ser rejeitado nessa parte.

Nas alegações do recurso de revista, o Recorrente sustenta que este juízo do TCAN é errado, porquanto a interpretação que faz do disposto no artigo 640.º, n.º 1 do CPC não cumpre as exigências da garantia da tutela jurisdicional efectiva (artigo 268.º, n.º 4 da CRP), nem o princípio pro actione (artigo 7.º do CPTA). Mas sem razão.

Às inúmeras explicações aventadas na decisão recorrida sobre o sentido da consagração legal deste ónus no quadro da reforma do processo civil – que aqui subscrevemos, sem necessidade de as transcrever – soma-se a jurisprudência uniforme dos Tribunais Supremos sobre a questão, que sufraga o entendimento vertido na decisão recorrida: v., por todos, Acórdãos do STJ de 27.09.2018 (proc. 2611/12.2TBSTS.L1.S1), de 02.02.2022 (proc. 1786/17.9T8PVZ.P1.S1), de 20.01.2022 (proc. 6234/19.7T8PRT.P1.S1) e de 14.02.203 (proc. 82/20.9T8FAR.E1.S1).

Acresce que, tal como também resulta, a seu modo, do aresto recorrido, a rejeição do recurso tem por base igualmente o facto de o Recorrente ter já “cumprido defeituosamente” o “ónus de formular conclusões recursivas” (ónus vertido nos artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 2 do CPTA), mesmo após convite do Tribunal a quo. E cabe lembrar que sobre esta questão da delimitação do objecto do recurso – que é essencial para o correcto julgamento das causas, atento o facto estarmos no domínio do exercício de uma actividade profissional, em que as partes são assistidas necessariamente por mandatário – (ex vi do disposto no artigo 635.º, n.º 4 do CPC, aplicável por efeito dos artigos 1.º e 140.º do CPTA), existe já no processo uma decisão transitada em julgado com o seguinte teor: “(…) como foram apresentadas alegações e conclusões no documento inicial de recurso não pode o Tribunal deixar de se debruçar sobre elas, apesar de se reconhecer que não são o esperado, uma vez que outra conclusão violaria o princípio da tutela jurisdicional efectiva. Assim sendo o recurso debruçar-se-á sobre os articulados inicialmente propostos (…)». Logo, a conclusão em que se enuncia o objecto de impugnação da matéria de facto dispõe o seguinte: “(…) E é inválido porque, também sob este tema da invalidade do contrato e processo da sua celebração, julgou com flagrante erro e contradição, em, pelo menos, alguns pontos de facto determinantes (como resulta dos documentos acima citados, e das gravações dos depoimentos, transcritas, e gravações mencionadas)”.

Em suma, o incumprimento do ónus constante do artigo 640.º, n.º 1 do CPC tem, aqui, de ser julgado com base neste concreto circunstancialismo e não como se estivesse em causa a mera análise das limitações eventualmente decorrentes daquele artigo para o exercício do direito de defesa. É por isso que também a invocada violação da garantia da tutela jurisdicional efectiva e do princípio pro actione têm de ser analisados e interpretados com este especial viés. Pois, desde logo, nunca poderia retirar-se daqueles princípios, como parece pretender o Recorrente, um “fundamento jurídico” para neutralizar o ónus legal expresso a cargo do Recorrente que pretende impugnar a matéria de facto, quando este também alega, no caso concreto, motivos que sustentem a impossibilidade ou a especial dificuldade em atender aquelas regras.

Improcede o alegado erro de julgamento nesta matéria.

2.1.1. Do erro de julgamento relativo à interpretação e aplicação do disposto no artigo 180.º, n.º 1, alínea a) do CPTA

Ainda no âmbito da questão da delimitação do objecto do recurso, o Recorrente aponta como erro de julgamento da decisão recorrida (a que chama ainda impropriamente “omissão de pronúncia”) o facto de esta ter secundado a decisão do Tribunal Arbitral ad hoc na parte em que o mesmo julgou que não eram arbitráveis as alegadas invalidades contratuais decorrentes de alegadas invalidades insanáveis do procedimento pré-contratual.

Com efeito, a decisão arbitral ad hoc tinha sustentado que, face ao teor do artigo 180.º, n.º 1, alínea a) do CPTA, na redacção aplicável ao caso, as questões respeitantes à invalidade derivada do contrato por efeito da violação das regras respeitantes aos actos e procedimento pré-contratual constituíam matéria não arbitrável e, por isso, delas não se conhecia na decisão arbitral.

Já o acórdão do TCAN sustentou a este respeito que não podia conhecer da questão por as conclusões do recurso terem restringido a questão recursiva – pelas razões acima mencionadas – às invalidades directas do contrato. A isto aditou na fundamentação que, ainda que tal restrição não tivesse ocorrido, sempre seria de subscrever a tese da decisão arbitral ad hoc, porquanto, à data, era aquele o teor do artigo 180.º, n.º 1, al. a) do CPTA.

Ora, não se trata sequer de um problema de interpretação do texto do artigo 180.º do CPTA, e sim de uma não consagração, na redacção prévia à revisão de 2015 (em que se aditou o n.º 3 ao artigo 180.º do CPTA), da hipótese de conhecimento em sede de arbitragem de eventuais ilegalidades contratuais decorrentes de vícios ocorridos na fase pré-contratual. Assim, estando os tribunais vinculados ao princípio da legalidade, e não havendo lei que previsse a possibilidade de arbitrabilidade daquela questão, não poderia a decisão do Tribunal a quo ser outra em relação a esta questão. E não tem sentido o Recorrente invocar o princípio pro actione ou a garantia da tutela jurisdicional efectiva para dele pretender retirar uma competência em matéria de conhecimento de questões que, por lei, não se previa que fossem do conhecimento dos tribunais arbitrais.

Por conseguinte, também neste ponto nenhum erro pode ser apontado à decisão recorrida, seja quanto à exclusão do conhecimento da questão por via da delimitação do objecto do recurso em sede de conclusões do mesmo, formuladas no documento que o interpôs, seja quanto à interpretação a retirar do disposto no artigo 180.º, n.º 1, al. a) do CPTA.

Improcede, pois, também este fundamento do recurso.

2.2. Do alegado erro de julgamento na apreciação dos fundamentos invocados como nulidade do contrato

O Recorrente alega ainda que a decisão recorrida errou ao não julgar o contrato de concessão inválido por o mesmo comportar alterações substanciais das cláusulas do CE e violar as regras do Programa do Concurso.

O Recorrente considera que as alterações constantes do clausulado do contrato que veio a ser celebrado e aqui está em apreço, face ao que era o teor do Caderno de Encargos, assim como face à própria proposta apresentada no concurso, constituem um fundamento de nulidade do contrato nos termos do disposto no artigo 133.º, n.º 2, al. f) do CPA, na redacção vigente à data. Segundo o Recorrente, tendo em conta que as divergências representam um incremento das contrapartidas financeiras para a concessionária de mais de 50% face ao valor apresentado na proposta do concurso, devia concluir-se que o contrato celebrado carecia em absoluto de forma legal, porquanto teria deixado, inclusive, de prosseguir o interesse público para passar a prosseguir um interesse privado da concessionária, o que ditaria a impossibilidade da produção dos respectivos efeitos jurídicos, face à gravidade da violação ao direito aqui subjacente.

Vejamos.

A matéria de facto assente deu como provado que existiam desvios do teor do contrato face ao conteúdo do CE e da minuta inicial do contrato [A13 a A35], fundamentalmente, nos seguintes pontos:

i) intenção de o município alargar a área de cobertura dos serviços a concessionar, relativamente à proposta apresentada pela concessionária; [A15]

ii) o aumento do investimento a assumir pela adjudicatária; [A15; A17; A21]

iii) aumento das tarifas decorrente do aumento daqueles custos; [A15; A16; A21]

iv) modificação do investimento a realizar pela concessionária; [A18]

v) a inclusão do “caso base”, que exprime o modelo económico-financeiro do contrato; [A44]

vi) o aumento da TIR em 1,49 pontos percentuais, passando do valor de 10,87% previstos no Estudo económico-financeiro que integrou a Proposta apresentada pela Concessionária para o valor de 12,36% constantes do “caso base” [A46].

A decisão recorrida considerou que, não obstante “todas estas alterações se traduzirem em vantagens para a concessionária e em maior onerosidade para o concedente”, em linha com a matéria de facto apurada na decisão arbitral, aquela maior onerosidade associada às alterações introduzidas ao contrato eram uma decorrência das “solicitações do Concedente na fase negocial que se seguira à apresentação da proposta, visando aumentar a taxa de cobertura da rede”; exigências implicaram “maiores custos e investimentos para a Concessionária”. E que, por isso, a decisão arbitral ad hoc não merecia censura na parte em que concluíra que não se podia afirmar que as modificações agora questionadas não tinham um interesse público subjacente, pois o dito interesse público existia e consistia em expandir o serviço e a área da concessão.

Não assiste razão ao Recorrente quando alega que o contrato não prossegue o interesse público.

E o acórdão recorrido secundou também a decisão arbitral ad hoc na parte em que esta concluiu que não se podia assacar, ante a matéria de facto assente, qualquer violação dos princípios da publicidade, da transparência e da concorrência, em especial, acolhidos nos artigos 8.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, aplicáveis por força do artigo 189.º do CPA, com as devidas adaptações. É que, como bem se dá nota nas decisões – seja na do TCAN, seja na decisão arbitral ad hoc – os referidos princípios de contratação pública em geral não se podem aplicar ao procedimento de adjudicação de uma concessão de serviços de forma integral. Primeiro, porque substantivamente há diferenças entre os procedimentos de natureza “aquisitiva” (como são os regulados pelo Decreto-Lei n.º 197/99) e aqueles que visam constituir uma relação jurídico-administrativa de colaboração na prossecução de uma tarefa de natureza administrativa (como é o caso da adjudicação de uma concessão ao abrigo do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro). Segundo, porque a adjudicação das concessões de serviços, no plano europeu, é um “domínio excluído” das regras da contratação pública e, à data, a concessão de serviços públicos era até um domínio abrangido apenas pelos princípios gerais do TFUE [v. COM (2011)0897final, que previa a proposta de Directiva relativa à adjudicação de contratos de concessão, a Directiva 2014/23/UE].

Assim, têm razão as decisões precedentes quando evocam, quer o carácter mitigado com que estes princípios podem ser convocados na apreciação de um “desvio grave” da legalidade assacável ao contrato que pudesse sustentar a sua nulidade, quer ainda quando afirmam que esses princípios visam, essencialmente, a protecção de terceiros e que aqui está em causa a alegada protecção do interesse público reclamado por uma das partes do contrato. E têm por isso também razão quando concluem que um tal desvio face ao teor daqueles princípios é insusceptível de conduzir ao resultado da nulidade do contrato, tendo em conta dois pontos essenciais: primeiro, que a matéria de facto assente dita que o desvio foi “provocado originariamente” pelo Recorrente público; e, segundo, que a mesma factualidade assente mostra que o resultado económico-financeiro gerado (em termos de desvio da TIR) não é de valor que possa ser considerado “excessivo” no plano da análise comparativa. Pois o relatório do Tribunal de Contas [Relatório de Auditoria n.º 03/14 – 2.ª Secção] revela que a TIR nas 27 concessões oscila entre 9,5% e 15,5%.

Improcede, por esta razão, também este fundamento recursivo.

O Recorrente insurge-se, igualmente, contra a decisão recorrida – o acórdão do TCAN – quando esta, divergindo aparentemente, de forma parcial, da fundamentação vertida na decisão arbitral ad hoc, considera que as alterações introduzidas no contrato, por força de novas exigências e condições propostas pelo concedente, “(…) revelam que o interesse público não foi acautelado da forma mais eficiente (…)”, mas que este desvalor jurídico atribuível ao contrato – e que a decisão arbitral ad hoc lhe não reconheceu – apenas poderia dar origem a um fundamento de anulação do contrato e não à respectiva nulidade. E conclui desta forma por considerar que um tal “vício” – o da não prossecução do interesse público da forma eficiente como deveria ter ocorrido – não é reconduzível a nenhuma das situações tipificadas do artigo 133.º do CPA, aqui aplicável por estarmos perante um contrato administrativo com objecto passível de acto administrativo.

Mas, uma vez mais, o Recorrente não tem razão ao pretender subsumir o “vício” identificado no acórdão recorrido – ainda que pudéssemos anuir a respeito da sua verificação, o que, em si, não é líquido – ao disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA.

Primeiro, porque não pode qualificar-se o “mero desvio” do conteúdo do contrato face ao teor do CE e da proposta apresentada a concurso como “carência em absoluto de procedimento”, equivalente a “carência em absoluto de forma legal”. Ao estar provado (como está na matéria de facto assente) que o referido desvio se ficou a dever a acto induzido pelo Concedente, que agora pretendia imputar a esse desvio a nulidade do contrato, teríamos a concorrência de um outro valor que seria a violação grave da boa fé negocial e do princípio da confiança jurídica, que neutralizaria aquele resultado enquanto pretensão subjectiva do Demandante. A que acresceria ainda, eventualmente, também no sentido da improcedência da pretensão recursiva, a questão do princípio da proibição de venire contra factum proprium.

Segundo, porque, analisando a questão no plano do interesse público e da defesa da legalidade objectiva, o “desvio” que poderia justificar a subsunção da factualidade assente àquela previsão legal teria de ser, ou com uma qualificação grave de resultado, que já vimos que inexiste, pois os resultados dali decorrentes em sede de aumento da TIR accionista não mostram que o valor seja, em absoluto, demasiado alto (conclusão retirada da análise comparativa das concessões vertida no estudo do Tribunal de Contas antes mencionado), nem que a percentagem do aumento (o desvio face ao inicialmente previsto) seja desproporcionada face à modificação do risco imposto à concessionária. Ou então com uma qualificação grave de comportamento procedimental, i. e. de manipulação da informação, que a matéria de facto assente não provou que tivesse existido.

Terceiro, a isto acresce que neste caso o artigo 133.º do CPA sempre seria também norma subsidiária face ao disposto nos artigos 10.º e 11.º, por efeito do artigo 17.º, do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, onde se encontra regulado, quer o procedimento de formação do contrato, quer o respectivo conteúdo, cuja inobservância ditaria, ex vi do artigo 17.º, em primeira linha, a nulidade do contrato. Assim, a nulidade por alegada falta em absoluto de forma legal, nos termos em que a mesma decorria do disposto no artigo 133.º do CPA, seria uma nulidade que – a admitir-se, o que não é líquido – teria natureza subsidiária e, ainda assim, repetimos, não se verifica.

Por último, cabe ainda destacar que tudo quanto se apreciou, e que tem um enquadramento jurídico sui generis, corresponde a um exercício espartilhado pelos termos em que o recurso aqui se apresenta no quadro de diversos “casos julgados formais”, entretanto constituídos de forma parcial no âmbito do processo.

É que não pode deixar de destacar-se, à luz do princípio da continuidade do Estado de direito democrático, enquanto dimensão constitucional essencial do princípio do Estado de direito, a necessária assunção objectiva pelos titulares dos órgãos administrativos dos compromissos previamente assumidos. Não se deve olvidar que um contrato público de concessão de um serviço público, é, em si, um contrato regulatório de uma relação jurídico-administrativa que sob ele se constitui, por iniciativa da Entidade Concedente. Não obstante estarmos sob um domínio de legalidade e formalidade, diferente, por isso, da mais ampla liberdade contratual que caracteriza o direito civil, ainda assim as regras de controlo nesta matéria têm sido consagradas, quer em defesa da concorrência e, por isso, ampliando a legitimidade processual dos terceiros, quer em defesa do interesse público (os direitos dos consumidores destes serviços) e, por isso, ampliando os instrumentos de controlo administrativo interno deste tipo de contratos (como sucedeu com o Decreto-Lei n.º 147/95, de 21 de Junho, ainda que, neste caso, esse controlo se traduzisse na “mera emissão de recomendações”). Quando é a entidade pública contratante a questionar a sua própria conduta, não pode deixar de operar, também, o princípio da protecção da confiança legítima de quem contrata com o “Estado em sentido amplo” e, nessa medida, cabe escrutinar escrupulosamente, eventuais situações que contendam com a boa fé negocial ou pretensões de desobrigar as partes de deveres ou encargos a que formalmente se vincularam, pondo em causa as regras e os princípios jurídicos fundamentais em que assenta a actuação das entidades administrativas.

E a questão coloca-se com acuidade pois estamos aqui limitados, essencialmente, ao conhecimento de uma questão que o Recorrente pretende ver conhecida e que, por lei, estava excluída do âmbito da arbitrabilidade, nos termos antes explicitados, e outra que era apenas respeitante à alegada nulidade do contrato, a qual apenas poderia proceder se àquele pudesse ser assacado um tal desvalor à luz do quadro legal então vigente, fosse por ter sido celebrado um contrato sem observância do procedimento prévio – o que não sucedeu, nem se pode pretender fazer equivaler a isso o facto de o Concedente ter provocado a introdução de modificações à minuta na fase pré-procedimental negocial da mesma sem alterar o respectivo objecto (como ficou provado na matéria de facto assente) –, fosse por, em termos económico-financeiros, o mesmo se consubstanciar num desvalor grave para o interesse público, por apresentar uma solução desproporcionada em favor do concessionário face a contratos semelhantes, o que se comprovou que não sucedia.

Assim, inexistem razões para sustentar a pretensão recursiva na sua totalidade.

III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 11 de maio de 2023. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – José Augusto Araújo Veloso – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.