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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0892/10.5BEAVR 0100/18
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRS
CONTRATO
PERMUTA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:I - Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de "rendimento-acréscimo", segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do dec.lei 442-A/88, de 30/11, o qual aprovou o C.I.R.S.).
II - Como sucedâneo do recurso à reconstituição natural, enquanto forma de reparação do dano, a indemnização, normalmente em dinheiro, consiste na reparação, mediante compensação adequada, do prejuízo sofrido por outrem, sendo o seu cálculo baseado na teoria da diferença, expressa entre a situação real em que o lesado se encontra e a situação hipotética em que se encontraria, acaso não tivesse ocorrido o facto gerador do dano, em termos de causalidade adequada, devendo reportar-se tal avaliação à data mais recente que possa ser atendida pelo Tribunal (cfr.artº.566, nºs.1 e 2, do C.Civil).
III - O contrato de permuta não tem actualmente regulamentação no Código Civil, apresentando-se como um contrato atípico, inominado, de cariz oneroso, a que são aplicáveis, com as devidas adaptações, as normas da compra e venda (cfr.artº.939, do C.Civil) Será talvez o mais antigo contrato estabelecido entre humanos desde tempos imemoriais em que, na ausência de dinheiro, apenas a troca de bens permitia obter o que o outro possuía e nos faltava. Guardou essa característica de troca de bens que o anterior Código de Seabra tipificou no artº.1592, com a designação de "escambo" ou "troca", apresentando-se actualmente com consagração legal e um uso renovado ao nível do mercado imobiliário (cfr.artºs.2, nº.5, al.b), e 4, al.c), do C.I.M.T.). A realidade que lhe está subjacente reconduz-se a duas compras e vendas recíprocas e de sinal contrário, de bens ou de direitos, em que a contraprestação não consiste em dinheiro, mas sim no bem alienado pela contraparte integradas num mesmo contrato, um único acordo de vontades. A regulamentação própria do contrato de compra e venda não lhe é adequada quanto às regras que são efeito necessário da existência de preço, aqui ausente.
IV - Em termos gerais, o C.I.R.S. concretiza a citada conceção de "rendimento-acréscimo", sujeitando a tributação as indemnizações que constituam acréscimos patrimoniais (ou aquelas em que a falta de comprovação dos danos permita apontar também nesse sentido). Deste modo, o C.I.R.S. considera como rendimentos tributáveis, no âmbito da categoria G, os seguintes tipos de indemnização (cfr.artº.9, nº.1, al.b) do C.I.R.S.):
a-As indemnizações por danos não patrimoniais (exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente);
b-As indemnizações por danos emergentes não comprovados; e
c-As indemnizações por lucros cessantes (considerando-se como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão).
V - A prestação pecuniária efectuada no âmbito de um contrato de permuta de bens imóveis, ainda que futura e incerta, decorre do carácter sinalagmático do mesmo contrato, assim não revestindo natureza indemnizatória, pelo que não fica sujeita a tributação em I.R.S. ao abrigo do artº.9, nº.1, al.b), do C.I.R.S.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P26144
Nº do Documento:SA2202007010892/10
Data de Entrada:02/07/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Aveiro, exarada a fls.34 a 44 do processo, a qual julgou procedente a presente impugnação pelos recorridos, A………… e B…………, intentada e tendo por objecto o acto de liquidação de I.R.S./demonstração de acerto de contas, referente ao ano de 2007 e no montante total de € 28.047,42.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.57 a 66 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-O Tribunal a quo considerou que o ato impugnado sofre de errónea qualificação do facto tributário, porque entendeu que a quantia de que foram beneficiários os impugnantes, tem a natureza da contrapartida recebida ao abrigo do contrato de permuta, ao contrário do defendido pela Administração Tributária que diz tratar-se de uma indemnização;
2-O Tribunal considerou que a questão que se discute nos presentes autos é a de saber qual a natureza da quantia que foi atribuída pelo Município de Vagos: se uma indemnização autónoma do contrato de permuta ou um ganho resultante dessa alienação patrimonial?
3-E em resposta à referida questão o Tribunal parte do entendimento de que existe erro na qualificação do facto tributário, porque considera que a quantia em causa não tem a natureza de uma indemnização mas sim de uma contrapartida atribuída ao abrigo do contrato de permuta;
4-E na medida em que defende que a quantia em causa não tem a natureza de uma indemnização, decide que é inaplicável o disposto no artigo 9º nº 1 b) do CIRS, e como tal que é ilegal a liquidação por se basear em tal norma;
5-Ora pensamos salvo melhor opinião, que outra deveria ter sido a decisão sobre a natureza da quantia atribuída aos impugnantes pelo Município de Vagos, isto porque não se concorda com as ilações de facto que o Tribunal a quo retira dos factos provados, nem com a interpretação que foi dada ao artº 9º nº 1 b) do CIRS;
6-A douta sentença, deu como provado como ressalta do ponto 5 do probatório que através da escritura de permuta de 22/12/1993, a Câmara Municipal de Vagos cede aos outorgantes (“família …………”), incluindo os agora Impugnantes (sétimos), os lotes de terreno inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ………, Ílhavo, sob os artigos nºs 1481, 1482, 1483, 1484, 1485 e 1488, no valor global de 15.000.000$00 e, em contrapartida, os outorgantes particulares cedem à Câmara Municipal o terreno rústico inscrito na matriz predial nº 4 da mesma freguesia, não havendo diferença declarada de valores, comprometendo-se esta entidade pública a, no caso do aludido artº 4 vir a ser rentabilizado, reverter a favor dos segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo e décimo primeiro outorgantes cinquenta por cento dessa rentabilização;
7-E igualmente dá como provado que em 22/06/2007 o Município de Vagos vendeu 3 lotes de terreno, correspondentes a parte do artigo rústico nº 4 acima referido, pelo valor de € 901.327.80 (Veja-se ponto 6 do probatório);
8-E dá ainda como provado, como ressalta do ponto 7 do probatório, que em 2007 e em cumprimento do compromisso assumido na escritura de permuta de 22/12/1993, o Município de Vagos pagou “aos herdeiros B………… e aos herdeiros C…………, D…………, E…………, F…………, G…………, H…………, I…………, J………… e L………… a importância de € 360.531.12, correspondente a 4/5 dos 50% a que todos os herdeiros têm direito” e os referidos herdeiros deram quitação declarando-se totalmente “ressarcidos e indemnizados” por parte do Município de Vagos;
9-Conjugando o teor da escritura de permuta celebrada em 22/12/1993 e o recibo a dar quitação a que aludem os pontos 5 e 7 do probatório, é evidente que no caso em apreço, a importância atribuída pelo Município de Vagos, tem a natureza de uma compensação atribuída à impugnante mulher pelo facto de o artigo rústico nº 4 ter sido rentabilizado, e este beneficiar dessa rentabilização por se tratar de um dos ex-proprietários do referido prédio;
10-Aliás como resulta do ponto 5 dos factos provados, o contrato celebrado entre o impugnante marido e o Município de Vagos em que aquele se obrigou a ceder a sua quota-parte do artigo rústico nº 4 em troca de receber a sua quota-parte de vários lotes de terreno, previa uma compensação no caso do referido prédio rústico ser rentabilizado;
11-Ora não sendo a impugnante e os restantes herdeiros, proprietários do imóvel à data em que é atribuída a quantia que decorre da sua rentabilização, tal verba só pode ser justificada como uma forma de compensar os seus ex-proprietários pelo facto de por força do referido contrato de permuta terem ficado privados da potencial rentabilização;
12-A importância recebida é um acréscimo do património, pois corresponde a uma compensação que visa beneficiar ex-proprietários e que é provocada por uma rentabilização do artigo rústico nº 4 do qual estes já não eram proprietários;
13-E nunca pode ser entendida como defende o Tribunal a quo, como um pagamento pelo Município de Vagos ao contrato de permuta, pois a contrapartida atribuída aos outorgantes ao abrigo do referido contrato encontra-se aí indicada como sendo a atribuição dos lotes de terreno inscritos na matriz predial urbana da freguesia de …………, Ílhavo, sob os artigos nºs 1481, 1482, 1483,1484, 1485 e 1488, aliás como ressalta do ponto 5 do probatório;
14-De realçar que, a importância paga foi qualificada pela entidade pagadora como “indemnização”, como resulta patente dos termos consignados no recibo de quitação que aqui se cita “os herdeiros (…) declaram-se totalmente ressarcidos e indemnizados”. (Veja-se ponto 7 dos factos provados);
15-De salientar ainda, como refere a AT na informação que suporta a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a quantia recebida não pode ser entendida como integrante da contrapartida recebida pela celebração do contrato de permuta. Pois são realidades distintas o contrato de permuta celebrado em 1993, e o negócio que se verificou posteriormente em 2007, que se traduziu no recebimento de uma indemnização. E não é pelo facto de o segundo negócio estar previsto numa cláusula do contrato de permuta que se pode confundir com este. Pois o primeiro realizou-se em 1993, produzindo desde logo os seus efeitos, independentemente de o segundo se concretizar ou não;
16-A quantia que foi atribuída ao impugnante em 2007, não corresponde ao valor que foi atribuído ao prédio cedido pelos impugnantes e os outros herdeiros, mas apenas uma compensação por o prédio do qual eles são ex-proprietários se ter rentabilizado;
17-Caso não se verificasse a referida rentabilização, não seria atribuída a quantia aqui em discussão;
18-E como resulta do ponto 5 do probatório a contrapartida recebida pela celebração do contrato de permuta, consistiu na aquisição dos lotes de terreno inscritos na matriz predial urbana da freguesia de …………, Ílhavo, sob os artigos nºs 1481, 1482, 1483,1484, 1485 e 1488;
19-A resposta à questão suscitada nos presentes autos, a de saber qual a natureza da quantia recebida pelos impugnantes, se se trata de uma indemnização autónoma do contrato de permuta ou de um ganho resultante dessa alienação, não pode ser outra senão a de se trata de uma indemnização recebida autonomamente ao contrato de permuta;
20-No presente caso, andou mal o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ao considerar que a quantia aqui em causa tem a natureza de contrapartida atribuída ao abrigo do contrato de permuta, e consequentemente não tem a natureza de indemnização e como tal não se aplica o artº 9º nº 1 alínea b) do CIRS;
21-O Meritíssimo Juiz a quo refere na douta sentença sob recurso que o artº 9º nº 1 b) do CIRS, abrange apenas as “indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais”;
22-Ora na verdade parece-nos que a conclusão é apresada, e que a doutrina não apoia tal conclusão;
23-O artº 9º nº 1 b) do CIRS prevê a tributação das indemnizações na categoria G de rendimentos;
24-E como refere José Guilherme Xavier de Basto, in IRS, Coimbra Editora, pág. 254, são 3 os tipos de indemnizações tributáveis como rendimentos da categoria G: as indemnizações por danos não patrimoniais, as por danos emergentes não comprovados e as por lucros cessantes;
25-No caso das indemnizações por danos não patrimoniais, consideram-se como rendimento, porque elas compensam perdas não patrimoniais, ou seja, perdas que não tiveram tradução no património da pessoa singular;
26-O CIRS torna tributáveis essas indemnizações, excecionando apenas da tributação em IRS as que tenham sido fixadas por decisão judicial ou arbitral ou sejam resultantes de transação em processo judicial;
27-Constituem ainda rendimento tributável as indemnizações por dano emergente não comprovado, o que implica a contrário que as indemnizações por dano emergente devidamente comprovado não são tributáveis;
28-As indemnizações por lucro cessante, trata-se de verdadeiros acréscimos patrimoniais líquidos. A indemnização substitui então, não perdas que o património do sujeito passivo experimentou, como acontece com as indemnizações por dano emergente, mas antes ganhos que teriam afluído ao seu património se o evento indemnizável não tivesse ocorrido. Ganhos em suma que, a terem tido lugar, haveriam sido tributáveis em IRS. Há, pois, toda a lógica em sujeitar essas indemnizações a imposto;
29-A sujeição de somas recebidas a título de indemnização a imposto de rendimento depende de tais somas poderem ser qualificadas como rendimento;
30-E para tanto, importa debruçarmo-nos sobre o conceito de rendimento;
31-O IRS é um imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e, pretende tributar todos os acréscimos patrimoniais líquidos que afluem ao titular durante o período de imposto;
32-No preâmbulo do Código do IRS diz-se no ponto 5, que o legislador não seguiu o conceito de rendimento-produto, o que leva a tributar o fluxo regular de rendimentos ligados às categorias tradicionais da distribuição funcional (em que são considerados rendimentos os salários, os juros, as rendas e os lucros) e adotou o conceito de rendimento tributável de rendimento acréscimo patrimonial, que alarga a base da incidência a todo o aumento do poder aquisitivo, incluindo nele as mais-valias e de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos (rendimento-acréscimo);
33-Nesta conceção, o que está em causa é um conceito de rendimento que serve de padrão de medida da capacidade de gastar de cada um, e portanto da respetiva capacidade de pagar impostos;
34-Nesta perspetiva, qualquer acréscimo patrimonial, proveniente ou não da atividade produtiva, deve contar para a determinação da capacidade de gastar, desde que possa ser gasto sem dano do património inicial, ou seja, desde que seja um acréscimo patrimonial líquido;
35-Chega-se assim a uma noção lata de rendimento, uma noção que associa o rendimento aos acréscimos patrimoniais líquidos que afluem a um titular num determinado período, não curando de saber se provêm ou não de uma atividade produtiva;
36-Ora sabendo-se que a tributação em IRS assenta na tributação de rendimento acréscimo, para que as indemnizações sejam tributadas é necessário que tais somas constituam “acréscimos patrimoniais líquidos” que portanto sejam susceptiveis de ser gastas sem dano do património inicial;
37-Ora, nem todas as indemnizações constituem “acréscimos patrimoniais líquidos”. Não o são seguramente as indemnizações por “dano emergente”, já que não representam qualquer acréscimo patrimonial;
38-A indemnização por dado emergente visa colocar o lesado no estado em que se encontrava antes da lesão, pelo que não é um acréscimo patrimonial líquido; é um incremento patrimonial que apenas compensa o decréscimo patrimonial que é a sua causa;
39-Já constituem incremento patrimonial líquido as indemnizações por lucro cessante, pois que substituem apenas outros incrementos patrimoniais líquidos que foram impedidos pelo ato lesivo constitutivo da responsabilidade;
40-Face ao atrás exposto, e partindo da tese que aqui se defende devidamente apoiada nos factos provados, de que a importância atribuída aos impugnantes foi paga a título de indemnização, deverá manter-se a liquidação de IRS impugnada pois a esfera patrimonial dos impugnantes sofreu um incremento patrimonial, e como tal deve ser tributada ao abrigo do artº 9º nº 1 al. b) do CIRS;
41-E aliás como se decidiu no acórdão do TCA-Norte de 17/12/2004 in processo nº 00229/04, que apreciou um caso idêntico ao da impugnante, em que se colocava a questão de saber se a verba recebida por dois dos 4 sócios da impugnante pode ou não considerar-se como proveito desta estando, por isso, a mesma sujeita aos impostos de IRC e de IVA, e em que foi entendido que tendo um banco negociado uma indemnização destinada ao inquilino por denúncia de contrato de arrendamento de determinado local, a fim de esse Banco aí instalar serviços seus, esta indemnização constitui um proveito do inquilino, no caso uma sociedade, sujeito a IRC;
42-A douta sentença recorrida violou o artigo 9º nº 1 al. b) do CIRS.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.74 a 77 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.78 e verso do processo físico) vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.35 a 39 do processo físico):
1-Em 13-01-1977 e em 09-10-1980 faleceram, respectivamente, M………… e a sua mulher, N………… (cfr. escritura de partilhas, de fls. 6 e ss. do P.A: apenso, onde constam mencionados estes factos por referência à escritura de habilitação de herdeiros, que consta ter sido lavrada nesse Cartório no mesmo dia; este facto não é controvertido);
2-Ao casal identificado no ponto anterior sucederam como únicos e universais herdeiros os seus cinco filhos, O…………, P…………, Q…………, R………… e a ora Impugnante mulher, B………… (cfr. escritura de partilhas, de fls. 6 e ss. do P.A. apenso, onde constam mencionados estes factos por referência à escritura de habilitação de herdeiros, que consta ter sido lavrada nesse Cartório no mesmo dia; este facto não é controvertido);
3-Dos bens deixados pelo casal identificado no ponto anterior fazia parte, entre outros, um terreno de mato “sito na ………, a confrontar do norte com ………, do sul com ………, do nascente com estrada e do poente com ………, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo quatro, com o valor matricial de cento e quarenta escudos” (cfr. escritura de partilhas de fls. 6 e ss. do PA apenso);
4-O prédio que antecede foi adjudicado na proporção de 1/5 a cada um dos herdeiros identificados em 2. supra (cfr. escritura de partilhas, de fls. 6 e ss. do PA apenso);
5-Em 22-12-1993, no Notário Privativo da Câmara Municipal de Vagos, foi celebrada a escritura de “permuta” na qual consta que essa Câmara Municipal cede aos outorgantes, incluindo os agora Impugnantes (sétimos), os lotes de terreno inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ………, Ílhavo, sob os artigos nºs 1481, 1482, 1483, 1484, 1485 e 1488, no valor global de 15.000.000$00 e, em contrapartida, os outorgantes particulares cedem à Câmara Municipal o terreno rústico inscrito na matriz predial n.º 4 da mesma freguesia, não havendo diferença declarada de valores, comprometendo-se esta entidade pública a assumir as despesas deste processo de permuta amigável e “a, no caso do artigo 4 vir a ser rentabilizado, reverter a favor dos segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo e décimo primeiro outorgantes cinquenta por cento dessa rentabilização” (fls. 21 e ss. do PA);
6-Em 22-06-2007 o Município de Vagos vendeu 3 lotes de terreno, correspondentes a parte do artigo rústico n.º 4 acima referido, pelo valor de € 901.327,80 (fls. 28 do PA apenso, retirando-se do documento em causa este facto, o qual, de resto, não é impugnado);
7-Em 2007, e em cumprimento do compromisso assumido na escritura de permuta de 22-12-1993, o Município de Vagos pagou à herdeira B………… e aos herdeiros C…………, D…………, E…………, F…………, G…………, H…………, I…………, J………… e L…………, a importância de € 360.531,12, correspondente a 4/5 “dos 50% a que todos os herdeiros têm direito” e os referidos herdeiros deram quitação declarando-se totalmente “ressarcidos e indemnizados” por parte do Município de Vagos (fls. 28 e 29 do PA apenso);
8-Por ofício n.º 16576, de 26-8-2008, a Direcção de Serviços do IRS da DGCI enviou à Direcção de Finanças de Aveiro a seguinte informação:
“Em referência ao e-mail relacionado com o assunto em epigrafe, informa-se que, de acordo com o estabelecido no nº 1, alínea b), do artigo 9º do Código do IRS, constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais, exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de transacção, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão.
No caso, atendendo a que a questão se coloca quanto à indemnização recebida e adveniente do acordo celebrado entre as partes aquando da alienação do prédio rústico, posteriormente loteamento, ocorrida em 1993, encontra-se a mesma sujeita a tributação em sede de IRS nos termos da alínea b), nº 1, do artigo 9º do Código do IRS, pelo que deverá o sujeito passivo e os demais herdeiros fazer constar no anexo G da declaração modelo 3 do IRS do ano de 2007, a referida indemnização nas respectivas quotas-partes”
(fls. 47 do PA apenso);
9-Em 19-11-2008 os agora Impugnantes entregaram declaração modelo 3 do IRS do ano 2007, acompanhada do anexo G, indicando no campo 10 “Outros incrementos patrimoniais – alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS” “Indemnizações por danos patrimoniais, danos não patrimoniais e lucros cessantes” o valor de € 90.132,78, de que resultou a liquidação n.º 2008 5004690633, de 24-11-2008, no valor de € 28.047,42, e o valor a pagar, após estorno da liquidação anterior, de € 17.216,36, a pagar até 08-01-2009 e pago em 18-12-2008 (fls. 31 a 34 e 37 a 39 do PA apenso);
10-Em 05-02-2009, os ora Impugnantes apresentaram no Serviço de Finanças de Vagos reclamação graciosa, a que foi atribuído o n.º 0183200904000161, contra a liquidação a que se refere o ponto anterior (fls. 4 e ss. do P.A.);
11-A reclamação que antecede foi indeferida com fundamento no entendimento de que ocorreram dois factos distintos, a escritura de permuta, de que resultou um ganho fora do campo de sujeição do IRS, e outro negócio celebrado em 2007, de que resultou a indemnização em causa nos autos, que já não é parte do valor atribuído ao prédio rústico (artigo n.º4) cedido à Câmara Municipal de Vagos (fls. 64 e ss. do PA apenso);
12-A decisão que antecede foi notificada aos Impugnantes através do Ofício n.º 202080, de 09-09-2009, enviado mediante carta registada com A/R, assinado em 10-09-2009 (fls. 67 e 68 do P.A);
13-Em 22-09-2009 os agora Impugnantes apresentaram recurso hierárquico, relativamente ao qual foi proferida decisão de indeferimento, em 07-05-2010, com os mesmos fundamentos do indeferimento da reclamação graciosa (fls. 71 e 72 e 77 a 81 do PA apenso);
14-A decisão que antecede foi notificada aos Impugnantes através do ofício n.º 200772, de 31-05-2010, enviado por carta registada com AR, assinado em 04-06-2010 (fls. 82 e 83 do PA apenso);
15-Em 30-08-2010 deu entrada neste Tribunal a presente petição de impugnação (cfr. carimbo no topo de fls. 2 dos autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico dos documentos que constam dos autos, não impugnados, e do Processo Administrativo apenso, cuja relevância foi referida a propósito de cada ponto…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente procedente a presente impugnação, em consequência do que anulou o acto de liquidação de I.R.S. objecto do processo (cfr.nº.9 do probatório), mais condenando a Fazenda Pública à devolução do valor pecuniário indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a quantia recebida pelos recorridos não pode ser entendida como integrante da contrapartida auferida pela celebração do contrato de permuta. Que são realidades distintas, o contrato de permuta celebrado em 1993 e o negócio que se verificou em 2007, o qual se traduziu no recebimento de uma indemnização. Que a importância pecuniária recebida pelos recorridos foi paga a título de indemnização, pelo que deverá manter-se a liquidação de I.R.S. objecto do processo pois a sua esfera patrimonial sofreu um incremento patrimonial e como tal deve ser tributada. Que a sentença recorrida violou o regime previsto no artº.9, nº.1, al.b), do C.I.R.S. (cfr.conclusões 1 a 42 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Deve fazer-se, em primeiro lugar, uma breve menção ao contrato de permuta, enquanto espécie contratual constante da matéria de facto provada (cfr.nº.5 do probatório).
O contrato de permuta não tem actualmente regulamentação no Código Civil, apresentando-se como um contrato atípico, inominado, de cariz oneroso, a que são aplicáveis, com as devidas adaptações, as normas da compra e venda (cfr.artº.939, do C.Civil) Será talvez o mais antigo contrato estabelecido entre humanos desde tempos imemoriais em que, na ausência de dinheiro, apenas a troca de bens permitia obter o que o outro possuía e nos faltava. Guardou essa característica de troca de bens que o anterior Código de Seabra tipificou no artº.1592, com a designação de "escambo" ou "troca", apresentando-se actualmente com consagração legal e um uso renovado ao nível do mercado imobiliário (cfr.artºs.2, nº.5, al.b), e 4, al.c), do C.I.M.T.). A realidade que lhe está subjacente reconduz-se a duas compras e vendas recíprocas e de sinal contrário, de bens ou de direitos, em que a contraprestação não consiste em dinheiro, mas sim no bem alienado pela contraparte integradas num mesmo contrato, um único acordo de vontades. A regulamentação própria do contrato de compra e venda não lhe é adequada quanto às regras que são efeito necessário da existência de preço, aqui ausente (cfr.ac.S.T.J., 9/10/2007, proc.07A2761; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1986, pág.255).
"In casu", estamos face a um contrato de permuta em que uma das partes além da prestação que realizou imediatamente se comprometeu ainda a realizar uma outra prestação futura e incerta, consistente na entrega de 50% do valor obtido com a rentabilização de um dos imóveis que recebeu por força deste contrato (terreno rústico inscrito na matriz predial nº.4 da freguesia de ………), se viesse a verificar-se tal rentabilização (cfr.nº.5 do probatório).
Avancemos.
A questão posta à apreciação deste Tribunal é a de saber se o valor recebido pelos impugnantes/recorridos, de € 90.132,78, está ou não sujeito a I.R.S., categoria G de rendimentos, incrementos patrimoniais (cfr.artº.9, nº.1, al.b), do C.I.R.S., na redacção em vigor em 2007, a resultante da Lei 32-B/2002, de 30/12), mais exactamente enquanto indemnização, como defende a entidade recorrente (cfr.nºs.7 a 9 da factualidade provada).
Como sucedâneo do recurso à reconstituição natural, enquanto forma de reparação do dano, a indemnização, normalmente em dinheiro, consiste na reparação, mediante compensação adequada, do prejuízo sofrido por outrem, sendo o seu cálculo baseado na teoria da diferença, expressa entre a situação real em que o lesado se encontra e a situação hipotética em que se encontraria, acaso não tivesse ocorrido o facto gerador do dano, em termos de causalidade adequada, devendo reportar-se tal avaliação à data mais recente que possa ser atendida pelo Tribunal (cfr.artº.566, nºs.1 e 2, do C.Civil; J. M. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol.I, 7ª. edição, Almedina, 1991, pág.874 e seg.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1982, pág.551 e 552).
Por outro lado, na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de "rendimento-acréscimo", segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do dec.lei 442-A/88, de 30/11, o qual aprovou o C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.221 e seg.).
Em termos gerais, o C.I.R.S. concretiza esta conceção de "rendimento-acréscimo", sujeitando a tributação as indemnizações que constituam acréscimos patrimoniais (ou aquelas em que a falta de comprovação dos danos permita apontar também nesse sentido). Deste modo, o C.I.R.S. considera como rendimentos tributáveis, no âmbito da categoria G, os seguintes tipos de indemnização (cfr.artº.9, nº.1, al.b) do C.I.R.S.):
1-As indemnizações por danos não patrimoniais (exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente);
2-As indemnizações por danos emergentes não comprovados; e
3-As indemnizações por lucros cessantes (considerando-se como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão).
E deve recordar-se que nem todas as indemnizações constituem "acréscimos patrimoniais líquidos", assim enquadráveis na citada concepção de rendimento-acréscimo. Nomeadamente, as indemnizações por danos emergentes não originam um acréscimo patrimonial líquido, na medida em que apenas procuram compensar o decréscimo patrimonial sofrido pelo indemnizado, em virtude do dano, apenas reconstituindo a situação patrimonial anterior à lesão (cfr.José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.253 e seg.; Paula Rosado Pereira, Manual de IRS, Almedina, 2ª. Edição, 2019, pág.269 e seg.).
No caso "sub iudice", quer o efeito real da transmissão do direito de propriedade sobre os imóveis objecto do contrato de permuta, quer a aquisição pelos impugnantes/recorridos do montante monetário de € 90.132,78, ocorrem como efeito do contrato e configuram as prestações recíprocas estabelecidas nele pelas partes, ainda que uma fosse actual e determinada e outra futura e incerta, tudo no exercício da liberdade contratual das partes conformarem o conteúdo do contrato (cfr.artº.405, do C.Civil).
Já a expressão «os referidos herdeiros deram quitação declarando-se totalmente "ressarcidos e indemnizados" por parte do Município de Vagos» (cfr.nº.7 do probatório) do valor que este pagou em cumprimento do compromisso assumido na escritura de permuta de 22/12/1993, não tem a virtualidade de converter aquele pagamento numa indemnização ou de lhe retirar a natureza jurídica de prestação devida por força do contrato de permuta. Tratou-se de um ajuste sobre o valor dos bens declarado no contrato de permuta e que, nesse mesmo momento, se admitia que não fosse equivalente. Pelo que, a identificada prestação pecuniária efectuada no âmbito do contrato de permuta de bens imóveis, ainda que futura e incerta, decorre do carácter sinalagmático do mesmo contrato de permuta. Em consequência, a mesma prestação não assume natureza indemnizatória, motivo por que não fica sujeita a tributação em I.R.S. ao abrigo do artº.9, nº.1, al.b), do C.I.R.S., contrariamente ao que defende o recorrente.
Neste sentido, vai, de resto, a jurisprudência deste Tribunal, a qual subscrevemos, incidente sobre casos em tudo idênticos ao presente, porque relativos a outros herdeiros em situação paralela aos recorridos (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/06/2018, rec.82/18; ac.S.T.A-2ª.Secção, 3/10/2018, rec.338/10.9BEAVR).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 1 de Julho de 2020, - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Paulo José Rodrigues Antunes - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.