Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0487/17.2BELLE
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:NULIDADE
DECISÃO
COIMA
PORTAGEM
CONHECIMENTO DO RESPONSÁVEL
Sumário:Não constitui elemento objetivo do tipo a considerar a qualidade do responsável a quem é imputada a prática da contraordenação a que alude o artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, pelo que a não indicação dessa circunstância nos autos de notícia ou nas decisões de aplicação de coima, não tem por consequência a nulidade insuprível de tal decisão, nos termos dos artigos 63.º, n.º 1, alínea d), e 79.º, n.º 1, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias.
Nº Convencional:JSTA000P26750
Nº do Documento:SA2202011180487/17
Data de Entrada:12/09/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório

1.1. A Representante da Fazenda Pública recorre da decisão do Mm.º Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente o recurso de contraordenação interposto por A……………, lda., com o número de identificação fiscal ……….., com domicílio da Rua ………, ……., Loja …….., em Alvor, contra a decisão de aplicação de coima proferida no processo n.º 11122017060000057268, do Serviço de Finanças de Portimão, que lhe aplicou a coima única de € 1.488,14.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respetiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões: «(…)

1 O Tribunal a quo fez errada aplicação e interpretação dos preceitos dos artigos 79 nº 1 al. b) do RGIT, e, artigos 5 nº 1 al. a) e 10 da Lei nº 25/2006 de 30 de Junho.

2 Na medida em que, a figura delituosa recortada in abstracto no artigo 5 nº 2 da Lei nº 25/2006 é o facto da falta de pagamento da taxa de portagem devida pela circulação de veículos automóveis em infra estruturas rodoviárias, e, não se tratando de um delito que exija a intervenção de um certo círculo de pessoas, a qualidade do sujeito activo da infracção não é um elemento essencial do tipo.

3 E, entrando em linha de conta que o artigo 79 nº 1 al. 2 do RGIT pretende assegurar ao arguido a possibilidade de exercício dos seus direitos de defesa, é manifesto que se basta com a descrição sumária, sem o rigor da sentença penal, da factualidade essencial da contra ordenação imputada.

4 Por isso, dentro deste entendimento e perante o conteúdo da decisão administrativa sub judice, é de concluir que o arguido tem perante si material mais que suficiente para se aperceber do ilícito contraordenacional que lhe é imputado e exercer os seus direitos de defesa; e, note-se, efectivamente conseguiu essa finalidade, como decorre da p.i de recurso.

5 Logo, ao decidir anular tal decisão, a pretexto de não terem sido cumpridos os requisitos enumerados no art. 79 nº 1 al. b) do RGIT, apegando-se a que tinha de ser mencionada a qualidade do agente, é evidente o erro de julgamento.

6 Sendo, aliás, em abono deste ponto de vista que se acha fundamentado o douto acórdão de 1/23/2019, proferido no processo 02017/17.1BEVIS 0189/18 pelo STA e, o de 04/11/2019, proferido no processo 180/18.9 BELLE pelo TCA Sul.».

Pediu fosse concedido provimento ao recurso e fosse revogada a douta sentença recorrida.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Não foram apresentadas contra-alegações.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

No seu douto parecer, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto disse acompanhar a resposta ao recurso oferecida pelo M.º P.º em 1.ª instância.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.



2. Do julgamento de facto

Na decisão recorrida foram apurados os seguintes factos a relevar para a decisão:

«(…)

A. Em 06-06-2017, foi autuado no Serviço de Finanças de Portimão, contra A………….., LDA o processo de Contra-ordenação n.º 11122017060000057268 (cfr. fls. 2 dos autos no SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

B. Em 19-07-2017, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Portimão, no âmbito do processo de Contra-ordenação referido na alínea A), decisão de aplicação de coima única ao arguido, ora Recorrente, no montante de €1.488,14, acrescida de €76,50 de custas processuais (cfr. fls. 27a 31 dos autos no SITAF, idem);

C. Consta da decisão mencionada na alínea antecedente, a seguinte descrição sumária dos factos: “(…)

[imagem]

(…)”(cfr. fls. 27 a 30 dos autos no SITAF, ibidem);

3. O Direito

Vem o presente recurso interposto da douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou nula a decisão de aplicação da coima proferida pelo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Portimão por nela não ter sido cumprida a exigência da «descrição sumária dos factos» a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

Com o assim decidido não se conforma a Representante da Fazenda Pública, por entender, fundamentalmente, que «a qualidade do sujeito ativo da infração não é um elemento essencial do tipo» e que, por conseguinte, a decisão recorrida padece de erro de julgamento.

A questão fundamental a decidir é por isso, a de saber se a omissão da indicação, na decisão de aplicação da coima, da qualidade do responsável constitui nulidade insuprível no processo, por violação do artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias.

Ora, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre esta questão, tendo decidido que «não constitui elemento objectivo do tipo a considerar a qualidade do responsável a quem é imputada a prática das contra-ordenações (…), pelo que a não indicação dessa circunstância, nos autos de notícia ou nas decisões de aplicação de coima, não tem por consequência a nulidade insuprível de tal decisão, nos termos dos artºs.63, nº.1, al.d), e 79, nº.1, al.b), do R.G.I.T.» (cit. acórdão 6 de maio de 2020, no processo n.º 01070/18.0BEALM para cujo teor aqui se remete, não se juntando cópia do mesmo por se encontrar disponível no endereço eletrónico www.dgsi.pt em redação integral).

E isso acontece porque, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, a responsabilidade pelo pagamento recai sobre o titular do documento de identificação do veículo, a menos que este proceda à identificação do condutor do veículo no momento da prática da contraordenação.

E que o faça no prazo do pagamento voluntário do valor da taxa de portagem e dos custos administrativos associados. Porque, nos termos do n.º 6 daquele dispositivo legal, o direito de ilidir a presunção da responsabilidade se considera «definitivamente precludido» caso não seja exercido naquele prazo.

Assim sendo, a falta de especificação na decisão de aplicação da coima de outros elementos caraterizadores da autoria da infração não contende com o direito de defesa do arguido. Porque este está, em qualquer caso, em condições de lhe saber o que lhe é imputado e de se defender dessa imputação sem necessidade de consultar outros elementos em posse da administração.

Porque é, necessariamente, do seu conhecimento se a entidade autuante procedeu à notificação a que alude aquele dispositivo legal e são do seu conhecimento os elementos que, eventualmente, tenha fornecido. Estando, por isso, em condições de opor o seu teor à imputação da responsabilidade que lhe seja feita no próprio auto de notícia.

Resulta do exposto que não é verdade – ao contrário do que se afirma na, aliás douta, decisão recorrida – que a infração possa ser imputada a qualquer uma das pessoas referidas naquele artigo 10.º. A infração só pode ser imputada a uma das pessoas referidas no artigo 10.º, consoante o caso e o resultado das diligências realizadas pela entidade autuante.

Não se verificando as nulidades que determinaram a declaração da nulidade da decisão de aplicação da coima, o recurso terá que ser provido devendo os autos regressar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé para aí prosseguirem, se nada mais a tal obstar.



4. Conclusão

Não constitui elemento objetivo do tipo a considerar a qualidade do responsável a quem é imputada a prática da contraordenação a que alude o artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, pelo que a não indicação dessa circunstância nos autos de notícia ou nas decisões de aplicação de coima, não tem por consequência a nulidade insuprível de tal decisão, nos termos dos artigos 63.º, n.º 1, alínea d), e 79.º, n.º 1, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias.



5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a devolução dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé para aí prosseguirem com conhecimento do recurso judicial, se nada mais a tal obstar.

Custas do presente recurso pela Recorrida.

D.n.

Lisboa 18 de novembro de 2020. – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Anabela Ferreira Alves e Russo.