Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0346/18.1BEVIS
Data do Acordão:07/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
REPOSIÇÃO
PENSÕES
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Sumário:I - À devolução de pensões indevidamente pagas pela CGA é aplicável o regime jurídico de administração financeira do Estado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho;
II - O direito da CGA a exigir as quantias indevidamente pagas prescreve no prazo de cinco anos após a data do respectivo recebimento e a prescrição interrompe-se, designadamente, pela citação para o processo executivo.
Nº Convencional:JSTA000P28014
Nº do Documento:SA2202107130346/18
Data de Entrada:05/28/2021
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:A...............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
***


Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO
1.1. A Caixa Geral de Aposentações (CGA) interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a oposição à execução fiscal n.º 2550201801035282, a correr termos contra A…………………., no Serviço de Finanças de Mangualde, por dívidas relativas a valores indevidamente pagos a título de pensão de sobrevivência, no período compreendido entre 01/06/2000 e 28/02/2015, no montante total de € 60.380,10 e acrescidos, extinguindo a execução na parte que contende com a dívida exequenda relativa ao período temporal de 01/06/2000 até 18/06/2013. Concluiu da seguinte forma as suas alegações:
«1- Não fosse o falecimento de B…………….. e o consequente pedido de atribuição de prestações por morte daquele à Segurança Social, muito provavelmente, a CGA não chegaria a tomar conhecimento da situação de união de facto continuando a pagar a pensão de sobrevivência a que a Oponente já não tinha direito. Isto, porque A…………………. preferiu resguardar-se num «prudente silêncio», omitindo, assim, à CGA, um facto essencial que determinaria a cessação do pagamento da pensão de sobrevivência por óbito de C………….., continuando a auferir de forma indevida dos capitais públicos.
2- Acresce que, a CGA apenas tomou conhecimento em maio de 2016 que estaria a pagar à Oponente pensões a que esta não teria direito, interpelou-a por carta registada com Aviso de Receção, em 2017-08-08, para efetuar a reposição das quantias que indevidamente recebeu entre junho de 2000 e fevereiro de 2015.
3- Segundo prescreve o n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil, “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido…”
4- No caso, o direito da CGA apenas pôde ser exercido a partir do momento em que esta tomou conhecimento, em 2016-05-17, da declaração da Oponente, perante a segurança social.
5- Estando perante uma situação de recebimento indevido de prestações sociais e existindo, para o efeito, o Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril, que cuida especificamente desta matéria, como resulta do disposto no seu artigo 1.º, também prevê, o seu artigo 13.º, um prazo especial de prescrição: “o direito à restituição do valor das prestações indevidamente pagas prescreve no prazo de cinco anos a contar da data da interpelação para restituir”.
6- Ora, a Oponente foi interpelada em 2017-08-08, por carta registada com Aviso de Receção, para efetuar a reposição das quantias que indevidamente recebera, pelo que é forçoso concluir que não beneficia de qualquer prazo prescricional.
7- A sentença recorrida, ao declarar prescrita a dívida no período temporal que vai de 2000-06-01 até 2013-06-18, incorreu em violação de lei, designadamente do disposto nos n.ºs 1 e alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril.
Termos em que, com os mais de direito doutamente supridos por V. Ex.as deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências.»

1.2. Não houve contra-alegações.

1.3. Remetidos os autos a este Tribunal o Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso, com a fundamentação que se transcreve na parte relevante:
“Considerou a Sentença recorrida que o Decreto-Lei n.º 131/2012, aprovando a lei orgânica da CGA estabeleceu que esta tem por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e de outras de natureza especial.
Considerou, também, que o Decreto-Lei n.º 155/92, estabeleceu o Regime da Administração Financeira do Estado, constando dos artigos 36.º e seguintes o regime, de reposição de dinheiros públicos, considerando-o aplicável a situações como a dos autos. O tribunal a quo desconsiderou o regime previsto no DL n.º 133/88 (alterado pelo Decreto lei n.º 112/2012) defendendo a recorrente, a nosso ver com razão que este é aplicável a situações de recebimento indevido de prestações sociais, sendo que ele não foi revogado, nem expressa, nem tacitamente, pelo DL n.º 155/92. Veja-se, a propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 01/10/2020, no processo n.º 3138/15.6BESNT. Estabelece aquele diploma que “no caso de o pagamento indevido das prestações resultar de alterações do condicionalismo da sua atribuição, cujo conhecimento por parte das instituições de segurança social dependa de informação dos interessados, a obrigatoriedade da respectiva restituição respeita à totalidade dos montantes indevidos, independentemente do período de tempo da respectiva concessão” – cf. art.º 3.º. Por seu lado, nos termos do art.º 13.º do mesmo diploma estabelece o diploma, um regime especial de prescrição do direito à restituição do valor das prestações indevidamente pagas, contando-se esse prazo, de cinco anos no entender da recorrente, da data da interpelação para restituir. Ora, no caso dos autos, resulta dos elementos recolhidos que esse prazo se mostra respeitado e que nesta perspectiva, o direito de exigir judicialmente a dívida não se mostra prejudicado por prescrição, ao contrário do que foi decidido pela Sentença recorrida. Na verdade resulta dos elementos recolhidos que a recorrente teve conhecimento de que a recorrida tinha deixado de ter o direito à pensão de sobrevivência não antes de 17/05/2016, uma vez que as condições que estiveram na base da atribuição do direito à pensão de sobrevivência da recorrida tinham deixado de existir em 10/05/2000 e que a beneficiária tendo o dever de comunicar tal facto à recorrente, mas não o fez. Por seu lado a recorrente interpelou a recorrida em 28/06/2017 e esta foi citada no processo de execução fiscal em 18/06/2018. Como se vê e resulta do exposto o prazo de prescrição não foi ultrapassado e, por essa razão é a dívida é judicialmente exigível. Ao decidir como decidiu a Sentença recorrida violou os art.º 3.º e 13.º do DL n.º 133/88, cometeu erro de direito e merece, por isso ser alterada, concedendo-se provimento ao recurso.»

2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal recorrido efetuou o seguinte julgamento da matéria de facto:

«1. A……………………., aqui Oponente, desde a data de 01/01/1994, recebia da Caixa Geral de Aposentações, uma pensão de sobrevivência por óbito de seu marido, C………………. em 27/12/1993 – facto não controvertido e cfr. Doc. n.º 1 junto com a contestação, de fls. 50 verso do processo físico.

2. Em 17/05/2016, a aqui Oponente apresentou requerimento junto do Serviço Local de Mangualde do Instituto de Segurança Social, I.P., relativo a atribuição de prestações por morte de B…………….., indicando em “Declaração de Compromisso de Honra Situação de Facto”, ter vivido com aquele em união de facto, entre o período de 2005/05/10 e 2016/03/23 – cfr. Doc. n.º 2 junto com a contestação, de fls. 51 do processo físico.

3. Em 23/06/2017, a Caixa Geral de Aposentações, remeteu via postal sob registo com aviso de receção, ofício dirigido à aqui Oponente, o qual se mostra assinado pela própria na data de 28/06/2017, nos seguintes termos:
“ (…) Assunto: Perda de direito à pensão de sobrevivência
Audiência prévia
(…) Esta Caixa tomou conhecimento de que V. Exa esteve em união de facto, no período de 200-05-10 a 2016-03-23, com o ex-pensionista n.º ………., B………. Mais se informa de que nos termos do n.º 2 do artigo 66º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 47.º, ambos do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, a vivência em união de facto constitui motivo de extinção da qualidade de pensionista.
Assim, a pensão que lhe competia pela CGA na qualidade de cônjuge de C………………, será cancelada com efeitos a 2000-06-01 e será solicitada a devolução de todas as verbas indevidamente abonadas até 2015-02-28 (último crédito).
No entanto, nos termos do artigo 122º do Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, terá o prazo máximo de 10 dias, a contar da presente notificação para, querendo, informar do que se lhe oferecer sobre o assunto (…)
- cfr. ofício e avido de receção, juntos como Doc. n.º 3 da contestação, de fls. 52 e 52 verso do processo físico.
4. Em 08/08/2017, a Caixa Geral de Aposentações, remeteu via postal sob registo com aviso de receção, ofício dirigido à aqui Oponente, o qual se mostra assinado pela própria na data de 10/08/2017, nos seguintes termos:

“ (…) Assunto: Dívida à Caixa Geral de Aposentações
Face à alteração da sua situação perante a Caixa Geral de Aposentações, informo V.Exa. de que foi-lhe indevidamente pago o montante de € 62 537, 71, a título de pensão de sobrevivência, nos meses de junho de 2000 a fevereiro de 2015.
Assim, solicito a V.Exa. se digne regularizar a dívida acima referenciada junto da Caixa Geral de Aposentações no prazo de 30 dias, contados da data de receção da presente notificação, por uma das seguintes formas, findo o qual esta Caixa se reserva o direito de acionar os mecanismos legais ao seu dispor:
(…) Chama-se a atenção para o facto de, esgotado o referido prazo, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 131/2012, de 25 de junho, as dívidas à CGA estarem sujeitas á aplicação de juros de mora à taxa consagrada na lei fiscal (…)”
- cfr. ofício e avido de receção, juntos como Doc. n.º 4 da contestação, de fls. 53 e 53 verso do processo físico.
5. Em 30/05/2018, por referência ao aqui Oponente, foi pela unidade de Abonos da Caixa Geral de Aposentações, emitida certidão de dívida, da qual consta, o seguinte:

“ (…) certifica que A…………………., contribuinte fiscal nº ………., residente (…), deve à Caixa Geral de Aposentações a importância de € 60.188,98 (Sessenta mil cento e oitenta e oito euros e noventa e oito cêntimos), correspondente aos valores indevidamente creditados pela CGA no período de 1 de junho de 2000 a 28 de fevereiro de 2015 na conta sob o IBAN (…) constituída na CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, por perda do direito à pensão de sobrevivência.----
---- À dívida acima mencionada acrescem os respetivos juros de mora, à taxa de 0.414 % ao mês, entre 10 de agosto de 2017 e 31 de dezembro de 2017 e de 0.405 % ao mês, entre 1 de janeiro de 2018 e 30 de maio de 2018, no montante global de € 2 380,86 (Dois mil trezentos e oitenta euros e oitenta e seis cêntimos).-----
---- Até integral pagamento da dívida continuarão a vencer-se juros de acordo com as taxas sucessivamente em vigor para os juros de mora das dívidas ao Estado e a outras entidades públicas.------- Importa esta certidão no valor total de € 62 569,84 (Sessenta e dois mil quinhentos e sessenta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos).------
- cfr. certidão a fls. 24 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos.

6. Em 11/06/2018, tendo por base a certidão de dívida a que se alude em 5), foi instaurado, pelo Serviço de Finanças de Mangualde, contra a aqui Oponente, o processo de execução fiscal com o n.º 2550201801035282, pela quantia exequenda de € 60.188,98 – cfr. Docs. de fls. 19 a 24 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos.

7. No âmbito do processo de execução fiscal a que alude em 6), foi remetida via postal sob registo com aviso de receção, “Citação Pessoal”, dirigida à aqui Oponente, para pagamento da quantia exequenda de € 60.380,10, acrescida da quantia a título de juros de mora de € 8,01 e custas processuais no montante de € 279,81, cujo aviso de receção se mostra assinado pela própria na data de 18/06/2018 - cfr. cópia da citação junta na p.i., a fls. 11 e aviso de receção a fls. 26, da cópia do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos.

8. Em 18/07/2018 e 31/07/2018, a aqui Oponente efetuou o pagamento de € 2.700,00, € 750,00 e € 1.200,00, respetivamente, a título de pagamentos por conta da dívida em cobrança coerciva no processo de execução fiscal a que se alude em 6) – cfr. informação do Serviço de Finanças de Viseu de fls. 37 a 40, e extratos eduzidos do sistema informático da AT em ficheiro “Gestão de Pagamentos (…) Número de Processo: 2550201801035282 (…) Pagamento Voluntário”, a fls. 41, todas do processo físico.

9. Em 23/10/2018, foram registados no processo de execução fiscal a que se alude em 6), os valores de € 291,88 e € 2.43, a título de pagamentos decorrentes de penhoras efetuadas - cfr. informação do Serviço de Finanças de Viseu de fls. 37 a 40, e extratos eduzidos do sistema informático da AT em ficheiro “Gestão de Pagamentos (…)
Número de Processo: 2550201801035282 (…) Pagamento Coercivo”, a fls. 41, todas do processo físico.

10. Os valores efetuados a título de pagamento voluntário e coercivo a que se alude em 8) e 9), foram imputados ao montante da dívida exequenda e acrescidos - cfr. informação do Serviço de Finanças de Viseu de fls. 37 a 40 do processo físico.
**
Inexistem quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir que se tenham considerado não provados

3.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
3.1. A questão a decidir
A Caixa Geral de Aposentações recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que declarou prescrita a dívida exequenda do período temporal que vai de 01/06/2000 até 18/06/2013, por entender que há violação do disposto no n.º 1, e alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril.

Discute-se, pois, neste recurso, a prescrição da dívida exequenda resultante do recebimento indevido de valores relativos a pensão de sobrevivência do período decorrido entre 01/06/2000 e 28/02/2015, pagos à Oponente, ora Recorrida, pela Caixa Geral de Aposentações.

O Tribunal recorrido aplicou o prazo de prescrição de 5 anos contados da data do recebimento das quantias, previsto no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28/07, que diz que, “[a] obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.”
Por seu turno, a Recorrente pugna pela aplicação do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20/04, o qual no seu artigo 13.º estabelece que a prescrição dos cinco anos se conta da data da interpelação para restituir.

3.2. Da prescrição
A questão não é nova no Supremo Tribunal Administrativo e tem merecido uma resposta uniforme e reiterada pelo que, tendo em conta o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, a assumimos, reproduzindo a fundamentação do acórdão proferido em 21/11/2019, no processo com o n.º 1213/15.6BELRS, posteriormente reiterado no acórdão de 19/02/2020, proferido no processo 01811/12.0BELRS:


«3.1. As questões aqui em apreço – determinação das normas, do prazo e do momento inicial para a contagem do prazo de prescrição aplicável a quantias indevidamente recebidas a título de pensão de reforma, pagas pela Caixa Geral de Aposentações – não são novas na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, pois sobre elas já se pronunciou o acórdão de 6 de Junho de 2018 (processo n.º 01614/15), em sentido do qual aqui não iremos divergir.

3.2. No referido acórdão de 6 de Junho de 2018 (processo n.º 01614/15) firmou-se a seguinte doutrina: “I - A obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas, que devam reentrar nos cofres do Estado, prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento (artigo 40.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho); II - O referido prazo de prescrição interrompe-se nos mesmos termos da prescrição civil, ou seja, interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (art. 323.º, n.º 1, do CC)”.

3.3. O mencionado acórdão analisou a questão da aplicabilidade ou não do regime jurídico do Decreto-Lei nº 155/92 à obrigação de reposição de quantias indevidamente recebidas a título de reforma, pagas pela Caixa Geral de Aposentações, concluindo a este respeito que: “o Decreto-Lei n.º 155/92, enquanto diploma regulador do novo regime de administração financeira do Estado, tem um âmbito de aplicação mais vasto [que o anterior o Decreto-Lei n.º 324/80, de 25 de Agosto], e integra na sua Secção IV um capítulo relativo à «reposição de dinheiros públicos», nele se referindo «à reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado», e não, expressa e unicamente, à reposição de quantias «recebidas dos cofres do Tesouro por quaisquer funcionários, agentes ou credores do Estado». Assim, dispõe o artigo 36.º daquele diploma legal que «1- A reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado pode efectivar-se por compensação, por dedução não abatida ou por pagamento através de guia. 2- As quantias recebidas pelos funcionários ou agentes da Administração Pública que devam reentrar nos cofres do Estado serão compensadas, sempre que possível, no abono seguinte de idêntica natureza. 3- Quando não for praticável a reposição sob as formas de compensação ou dedução, será o quantitativo das reposições entregue nos cofres do Estado por meio de guia» (…) Em suma, resulta daquele regime legal de prescrição, que, estando em condições de ser exercido o direito à reposição de verbas, o mesmo se aplica a qualquer montante de dinheiro público indevidamente recebido que deva reentrar nos cofres do Estado, quer resulte de meros actos jurídicos de pagamento, quer resulte de actos administrativos, definidores de qualquer relação jurídica obrigacional com as pessoas a quem o pagamento indevido foi dirigido, nomeadamente beneficiários de pensões, funcionários ou agentes do Estado”. Assim, no entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo, o novo âmbito de aplicação definido para o regime jurídico de administração financeira do Estado, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 155/92, passou a abranger a devolução de pensões indevidamente pagas pela Caixa Geral de Aposentações.
Da aplicação deste entendimento à factualidade dos presentes autos, resulta que o regime jurídico aplicável à devolução das quantias que tenham sido indevidamente recebidas pelo Oponente é o estipulado no já mencionado Decreto-Lei n.º 155/92.

3.3.1. Em aditamento e reforço da fundamentação expendida no acórdão de 6 de Junho de 2018 (processo n.º 01614/15), que se centra essencialmente no teor literal do Decreto-Lei n.º 155/92, acrescentamos alguns argumentos de natureza sistemática e teleológica.
Primeiro para destacar – no plano da interpretação sistemática – que o artigo 74.º, n.º 1 do Estatuto da Aposentação da Caixa Geral de Aposentações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72 e actualizado por diversas vezes, a última em 24 de Maio de 2019) dispõe expressamente que “o aposentado, além de titular do direito à pensão de aposentação, continua vinculado à função pública, conservando os títulos e a categoria do cargo que exercia e os direitos e deveres que não dependam da situação de actividade” e que o artigo 79.º, n.º 1 do mesmo Estatuto acrescenta ainda que “no período que durar o exercício das funções públicas autorizadas, os aposentados, reformados, reservistas fora de efectividade e equiparados auferem a remuneração que está definida para as funções ou cargo que desempenham ou para o trabalho prestado, mantendo o direito à respectiva pensão, quando esta seja superior, e no montante correspondente à diferença entre aquela e esta” (sublinhados nossos). Destas normas resulta que existe um continuum entre o estatuto de funcionário público ou trabalhador em funções públicas e o de aposentado da Caixa Geral de Aposentações, pelo que, na falta de disposição que especificamente indique um prazo de prescrição para o exercício do direito à devolução das quantias indevidamente pagas aos aposentados da Caixa Geral de Aposentações, deve ser-lhes aplicável o regime jurídico a que se subordinam os funcionários do Estado (ou seja, o do Decreto-Lei n.º 155/92).

Segundo, para salientar – agora no plano da interpretação teleológica – que são diferentes, no plano orçamental e financeiro, os fundos da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social. Com efeito, e não obstante as inúmeras modificações legislativas que têm vindo a aproximar os dois regimes em termos de estrutura orgânico-funcional, a verdade é que o fundo da Caixa Geral de Aposentações continua a inscrever-se orçamentalmente (v., por exemplo, os mapas I e VI anexos à Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2019, Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro) no perímetro das receitas e despesas do Orçamento do Estado (serviços e fundos autónomos), ao passo que o fundo da Segurança Social se inscreve no respectivo Orçamento Autónomo (v., por exemplo, os mapas X e XIV anexos à Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2019, Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro). Acresce que os financiamentos da Caixa Geral de Aposentações (incluindo as prestações contributivas dos diversos serviços a que os beneficiários estão vinculados) são todos decorrentes de dinheiros públicos – incluindo, em certa acepção, as contribuições dos funcionários e trabalhadores em funções públicas, pois também elas resultam de operações de retenção na fonte de remunerações pagas ou suportadas por dinheiros públicos, como o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 396/2011 destacou, ao analisar a diferença de tratamento decorrente da medida das reduções remuneratórias consagrada na Lei do Orçamento do Estado para 2011 – ao passo que os financiamentos do Fundo da Segurança Social são mais diversificados, incluindo, entre outras receitas, contribuições de trabalhadores e empregadores privados. O que significa que a reposição de quantias indevidamente pagas e recebidas consubstancia, no primeiro caso, uma “reposição de dinheiros públicos que devem reentrar nos cofres do Estado” e, no segundo caso (na reposição de prestações indevidamente recebidas da Segurança Social), a “reposição de dinheiros sob gestão pública, que devem reentrar no Fundo da Segurança Social” – uma diferente natureza jurídica dos financiamento que pode justificar, também, uma diferença de tratamento no regime da reposição das verbas indevidamente recebidas.

3.4. Quanto ao prazo prescricional e à sua contagem, afirma-se ainda no referido acórdão de 6 de Junho de 2018 (processo n.º 01614/15) o seguinte: “No que se refere à obrigatoriedade de reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado (art.º 36.º, n.º 1), o art.º 40.º nº 1 do referido diploma estabelece um prazo de prescrição de cinco anos (n.º 1), prazo que não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141.º do diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, aditado com “natureza interpretativa”, pelo artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (n.º 3) (…) A este propósito, sublinhou a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo que o sentido normativo deste nº 3, introduzido pela Lei n.º 55-B/2004, era o de que a previsão legal do n.º 1 – de que a obrigatoriedade de reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas só prescreve 5 anos após o seu recebimento – não é prejudicada ou de alguma forma condicionada pelo regime de revogação dos actos administrativos inválidos fixado no artigo 141.º do CPA (neste sentido, podem ver-se os Acórdãos do Pleno da SCA do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de Junho de 2008, recurso 1212/06, e da 2.ª Subsecção de 30 de Outubro de 2007 – Rec. 86/07). Tendo-se uniformizado jurisprudência no sentido de que «[o] despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do artigo 40.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, não viola o artigo 141.º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no n.º 3 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro» - cf. o supracitado Acórdão 1212/06 e bem assim os Acórdãos que se lhe seguiram, de 17 de Março de 2010 [Proc. n.º 0413/09], de 22 de Novembro de 2011 [Proc. n.º 0547/11], e de 29 de Outubro de 2015 [Proc. n.º 0183/15] (…) Parece pois claro que no regime de administração financeira do Estado regulado pelo Decreto-Lei n.º 155/92 se prevê um prazo de prescrição de cinco anos quer para a obrigatoriedade de reposição de dinheiros públicos, quer para o direito de restituição de receitas, o que bem se compreende e a que não será, seguramente, alheia a ponderação de valores como a segurança e a certeza jurídicas.
Daí que se entenda que o prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 40.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, constitui norma especial e derroga a norma geral do artigo 309.º do Código Civil (…) Importa, pois, proceder à contagem do prazo de prescrição de cinco anos tendo em conta que, como resulta inequivocamente do n.º 1 do referido artigo 40.º, a data do recebimento constitui o seu termo inicial. Sendo que tal prazo se interrompe nos mesmos termos da prescrição civil, ou seja, interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (art.º 323.º, n.º 1, do CC)”.

3.3. Aplicando esta interpretação à factualidade sub judice, ter-se-á de concluir que o direito da Caixa Geral de Aposentações de exigir as quantias indevidamente pagas à Oponente prescreve no prazo de cinco anos após a data do respetivo recebimento, não tendo aplicação, ao contrário do defendido pela Recorrente, o regime de prescrição do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril, e que a citação no processo executivo, tal como o afirmou a sentença recorrida, interrompeu essa prescrição, podendo apenas ser exigidas as prestações pagas nos cinco anos anteriores.
A sentença recorrida decidiu nesse sentido, estribando-se na jurisprudência deste Tribunal, motivo por que não merece censura.

4. DECISÃO
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acorda-se em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13 de julho de 2021
Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (Relatora)
A Relatora atesta, nos termos do artigo15.º-A, do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos Francisco António Pedrosa de Areal Rothes e Joaquim Manuel Charneca Condesso.