Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0788/09.3BELRS
Data do Acordão:09/30/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:IRS
PRESUNÇÃO
ESCRITURA PÚBLICA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Sumário:I - No n.º 3 (corpo) do art. 10.º do C.I.R.S. não se prevê uma presunção quanto ao “momento da prática dos atos previstos no n.º1”.
II - Quanto o previsto neste n.º 1, na alínea a), a “alienação onerosa” trata-se de um conceito indeterminado, que, no caso de vir a ser realizada escritura de compra e venda de imóvel, é preenchido com a mesma e a entrega (“traditio”) do imóvel, salvo se quanto a esta resultar o contrário.
III - Não resultando este o caso, o momento a considerar para efeitos do dito n.º3 é o da data dessa escritura, ainda que na mesma se preveja pagamento parcial do preço em prestações diferidas para o ano seguinte e os respectivos rendimentos tenham sido recebidos ainda nesse ano.
Nº Convencional:JSTA000P26409
Nº do Documento:SA2202009300788/09
Data de Entrada:06/30/2020
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

I. Relatório.

I.1. A Administração Tributária, notificada do acórdão de 14 de fevereiro de 2019 proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que negou parcial provimento ao recurso que havia interposto da sentença proferida em processo de impugnação pelo Tribunal Tributário de Lisboa vem, nos termos do disposto nos art.ºs 144.º e 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), tendo concluído:

“a) O acórdão recorrido, salvo o devido respeito, incorre numa errada interpretação e aplicação do art.º 10.º n.º 3 do CIRS, em clara violação de lei substantiva, pelo que, no nosso entendimento, não deve manter-se, sendo, a admissão deste recurso de revista, claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) Os impugnantes, conjuntamente com mais 6 pessoas, venderam imóveis pelo valor total de €9.851.258,46, em 2003.12.05 – cf. A) e B) da matéria de facto;

c) coube aos impugnantes a quota-parte no valor de €1.231.407,31, tendo declarado o ganho nas declarações de IRS referente aos anos de 2003 (€246.264,79) e 2004 (€986.393,76) – cf. C) e F) da matéria de facto;

d) A inspeção tributária, entendeu, que nos termos do n.º 1 e 3 do artigo 10.º do CIRS (na redação à data dos factos, o momento para tributar os ganhos obtidos com alienação dos imóveis em causa, deve ser entendido como o momento da prática dos atos (a alienação), ou seja, a data da escritura. E nesse sentido acresceu ao rendimento tributável de 2003 o valor declarado como recebido em 2004, ficando a totalidade do montante recebido pela contraprestação a tributar no ano de 2003 – cf. I) a L) da matéria de facto;

e) importa referir que em sentido contrário, foi corrigida a declaração de IRS de 2004 apresentada pela impugnante, isto é, foi corrigido o rendimento tributável a favor da impugnante, originando uma nova liquidação de IRS e em 2009.10.07, foi devolvido o respetivo montante à impugnante – não ocorrendo duplicação de tributação;

f) a questão em controvérsia nos presentes autos resume-se simplesmente ao entendimento da AT quanto à aplicação do n.º 1 e 3 do art.º 10.º do CIRS. Considera a AT que deveriam ser declarados os rendimentos no ano em que ocorra a prática do acto tributário – no presente caso, na data da escritura de compra e venda -, na data da sua transmissão independentemente do momento de recebimento da sua contraprestação, e o tribunal a quo, entende que o momento a tributar é aquele em que ocorre o recebimento da contra-prestação.

g) O TCA Sul entende que, para os anos de 2003 e 2004, resulta da aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 10.º do CIRS, que «– a tributação no ano da realização da escritura – constitui uma presunção», socorrendo-se do Acórdão proferido pelo STA, no Proc. n.º 0320/03, que refere «o n° 3 do art° 10° deverá ser interpretado não como determinando, no ano da prática do acto, a tributação de rendimentos não efectivamente auferidos, nem postos à disposição do titular nesse ano, mas sim como uma presunção de que os rendimentos que constituem mais-valias são auferidos no momento da prática do acto».

h) Cabe aqui salientar, que o acórdão do STA (no Proc. n.º 0320/03) pronunciou-se sobre mais-valias a tributar no exercício de 1994, cuja redação do n.º 3 do art.º 10.º do CIRS à data daqueles factos, era a seguinte:

“3- Presume-se que a mais-valia se encontra realizada, nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato”.

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 julho, a redação do n.º 3 do art.º 10.º do CIRS foi alterada, mantendo-se o corpo do n.º 3 inalterado até à presente data e com a seguinte redação:

“3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes: (…)”;

i) O TCA Sul ao seguir o entendimento proferido naquele acórdão do STA, descurou a alteração na redação referente à mesma disposição legal, equivalendo a uma incorreta aplicação do direito, tratando-se de um erro grosseiro.

j) Nestes termos, entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito, que esta decisão enferma de erro grosseiro, devendo ser revogada para melhor aplicação do direito, é determinante que seja considerada a redação do n.º 3 do art.º 10.º do CIRS, que se encontrava em vigor à data dos actos e factos tributários (no exercício de 2003 e 2004) uma vez que o acórdão recorrido não considerou.

k) O que nos leva a concluir que o tratamento adotado pelo tribunal a quo, i.e., a consideração das datas de pagamento/recebimento dos imóveis para efeito da determinação do momento a relevar para a tributação dos ganhos referentes à alienação dos mesmos viola o disposto no art.º 10.º n.º 3 do CIRS, quando deveria considerar a data do acto (a data da escritura de compra e venda), por remissão ao n.º 1 do mesmo normativo, resultando o acórdão recorrido na violação da lei substantiva.

Por todo o exposto, e o mais que o venerando tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido e, analisado o mérito, ser dado provimento ao mesmo, revogando-se, em conformidade, o douto acórdão recorrido.”

I.2. Contra-alegaram os recorridos, A…………………… e B……………, negando os argumentos invocados pelos recorrentes, pugnando pela não admissão do recurso, e pelo seu não provimento.

I.3. O recurso de revista foi admitido por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3-6-2020.

I.4. A exm.ª magistrado do Ministério Público teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido do não provimento do recurso, sendo de confirmar o decidido no acórdão recorrido.

I.5. Importa apreciar a questão de “saber se a interpretação conjugada do disposto no artigo 10º, n.º 1 e n.º 3 corpo, do CIRS, permite que se conclua que aí se contém uma presunção ilidível que permita afectar o valor real da compra e venda, com pagamentos diferidos, aos diversos anos fiscais em que os mesmos ocorram, para efeitos de tributação de mais valias”, tal como ficou dito no acórdão que admitiu a revista.

Conforme neste acórdão é referido: “No essencial pretende a recorrente que o acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação do disposto no artigo 10º, n.ºs. 1 e 3 do CIRS, na redacção vigente à data, uma vez que concluiu que aí se estabelecia uma presunção “…susceptível de prova com sentido diferente…” nos termos do disposto no artigo 73º da L.G.T..

Vejamos, pois, se assiste razão ao invocado no recurso interposto.

II. Fundamentação.

II.1. De facto.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido a fls. 12 a 25 - art. 663.º, n.º 6 do C.P.C., subsidiariamente aplicável.

II.2. De direito.

Atenta-se, mais uma vez, na redacção dada às normas do art. 10.º n.ºs 1 a) e 3 (corpo) do C.I.R.S. postas ainda em causa pela recorrente:

“1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individuai pelo seu proprietário;”
(...)
"3. Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n° 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes"

(…).

Ora, a redação do n.º3 acima transcrito, ao tempo dos factos vigente, embora diversa da inicial do dito C.I.R.S., dada pelo Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 julho, ao consagrar “os ganhos consideram-se obtidos na data da prática dos actos previstos no n.º1” não é aparentemente muito diferente da de outros artigos do CIRS, como os 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 8.º, nomeadamente, relativos a rendimento-produto, em que não se coloca a questão de se preverem presunções.

E o legislador quando quis referir-se a “presunções”, nomeadamente, quanto ao momento a considerar afirmou-o claramente, conforme consta dos artigos 6.º e 7.º do dito código.

É certo que autores há que admitem estar contida no dito n.º 1 do art. 10.º ainda uma presunção - assim, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed. Encontro de Escrita, 2012, pág. 651.

Contudo, o aí contido é referido no caso ao conceito de “alienação onerosa” previsto no art. 10.º n.º 1, a).

Sendo um conceito indeterminado, é de admitir que seja preenchido com a compra e venda realizada através de escritura pública, a qual tem por efeito a entrega (“traditio”) do imóvel, salvo se resultar ainda o contrário.

Tal o que, na dúvida quanto à interpretação a efetuar, é de concluir do princípio interpretativo de prevalência da substância económica dos factos tributários contido no art. 11.º n.º 3 da L.G.T., conforme defendem os referidos autores na obra citada, a pág. 652 e 653.

Ou seja, no dito n.º3 não se prevê uma presunção e quanto previsto ao n.º1, sendo um conceito indeterminado, é de admitir que seja preenchido com a compra e venda realizada através de escritura de compra e venda de imóvel com entrega (“traditio”) deste, salvo se resultar ainda o contrário.

O consagrado no n.º3 do dito art. 10.º do C.I.R.S., desse modo interpretado e aplicado, não viola princípios constitucionais como o da tributação pelo rendimento real (art. 104.º n.ºs 1 e 2 da C.R.P.), até porque têm de ser levados em consideração outros princípios, como o princípio da capacidade contributiva que pode ser manifestada no momento da revelação da dita capacidade, conforme defende Casalta Nabais, em Direito Fiscal, 7.ª ed. Almedina, 2012, pág.157, ou o princípio da igualdade, que admite restrições numa ideia de tipo médio, conforme defende ainda Ana Paula Dourado, em Direito Fiscal, 4.ª ed. Almedina, 2019, pág. 272.

Aliás, são estes dois princípios que a jurisprudência do Tribunal Constitucional (T.C.) tem levado em conta para a elisão de presunções previstas na lei fiscal – cfr., acórdãos n.ºs 348/97, 211/03, 753/2014 e 211/2017, do Tribunal Constitucional, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt.

Sendo de considerar conforme acima referido, é irrelevante que o recebimento de rendimentos, por parte dos impugnantes, tenha ocorrido em parte em 2004, quanto ao imóvel a que se refere a escritura de compra e venda realizada em 2003, e conforme pagamento em prestações acordado conforme consta da dita escritura.

E, não havendo, assim, razões para deixar de aplicar a norma contida no art. 10.º n.ºs 1, a), e 3 do C.I.R.S., quanto ao momento da realização das mais-valias, resulta erro no decidido no acórdão recorrido, sendo de revogar o decidido, e, julgando a impugnação judicial improcedente, manter o decidido na reclamação graciosa.

III. Decisão:

Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, revogar o decidido pelo acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul e, julgando improcedente a impugnação, manter o decidido na reclamação graciosa.

Notifique e remeta certidão, pelo seguro do correio, à 3.ª secção do DIAP de Lisboa (proc. 180/08.7IDLSB), em resposta ao ofício de 18-2-2020 que a solicitou com nota de muito urgente.

Custas pelos recorridos – art. 527.º n.º1 do C.P.C..

Lisboa, 30 de setembro de 2020. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.