Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01941/22.0BEPRT |
Data do Acordão: | 05/11/2023 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | JOSÉ VELOSO |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL APRECIAÇÃO PRELIMINAR CONTRATAÇÃO PÚBLICA EXCLUSÃO DE PROPOSTAS |
Sumário: | É de admitir a revista em que a «questão» principal contende com a exclusão de proposta por alegado incumprimento de aspectos exigidos apenas no caderno de encargos. |
Nº Convencional: | JSTA000P31007 |
Nº do Documento: | SA12023051101941/22 |
Data de Entrada: | 05/05/2023 |
Recorrente: | A... UNIPESSOAL, LDA. |
Recorrido 1: | MUNICÍPIO DA MAIA E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A..., UNIPESSOAL, LDA. [A...] - autora desta acção do «contencioso pré- contratual» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAN - de 10.03.2023 - que negou provimento à sua «apelação», confirmando a sentença - de 16.12.2022 - pela qual o TAF de Braga julgou totalmente improcedente a sua acção e absolveu do pedido a entidade demandada - MUNICÍPIO DA MAIA - e as contra-interessadas - B..., S.A. [B...] e C..., LDA [C...]. Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão». A entidade demandada - MUNICÍPIO DA MAIA - e a contra-interessada B... contra-alegaram defendendo - além do mais - a não admissão do recurso de revista, por falta dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA. 2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. 3. Com a presente acção, do contencioso pré-contratual, pretende a autora - A... - ver anulada a decisão final do procedimento de concurso - despacho de 26.09.2022 do Presidente da Câmara Municipal da Maia que homologou a exclusão da sua proposta e a adjudicação do objecto do procedimento nº...22 - para aquisição e instalação de quiosque sustentável de apoio à designada praceta do ... - à ora contra-interessada B... -, bem como o respectivo contrato - se entretanto tiver sido celebrado -, e a condenação da entidade demandada - MUNICÍPIO DA MAIA - a admitir a sua proposta e a adjudicar-lhe o objecto do concurso. Os tribunais de instância - TAF de Braga e TCAN - julgaram improcedente esta pretensão da autora, e mantiveram na ordem jurídica o acto que excluiu a sua proposta por ela não apresentar «evidência do cumprimento da cláusula 4ª do caderno de encargos, relativa aos requisitos mínimos da equipa a afectar à execução do contrato». E fizeram-no - essencialmente - por entenderem que os requisitos mínimos, exigidos nessa cláusula 4ª do caderno de encargos, consubstanciam termos ou condições respeitantes à execução do contrato, não submetidos à concorrência, o que imporia que a proposta fosse instruída com elementos sobre a composição da respectiva «equipa», de modo a permitir que ao júri fosse possível verificar o cumprimento dos exigidos requisitos mínimos. E a exclusão da proposta da autora, que resultou na adjudicação do objecto do concurso à contra-interessada B..., foi legalmente justificada com o disposto nos «artigos 57º, nº1 alínea c), 70º, nº2 alínea a), e 146º, nº2 alínea o), todos do CCP». A autora, e apelante, volta a discordar, agora do acórdão do «tribunal de apelação», e aponta-lhe erro de julgamento de direito na interpretação e aplicação das normas que acabamos de indicar - a que adita o desrespeito pelos princípios da legalidade, da transparência, da boa-fé e da tutela da confiança estatuídos no artigo 1º-A, nº1, do CCP -, por nele se entender que a sua proposta foi legalmente excluída ao abrigo do artigo 70º, nº2 alínea a), por omissão de termos e condições referentes a aspectos «não submetidos à concorrência». E defende que, ao contrário deste modo de ver, ela não estava obrigada a instruir a sua «proposta» com «documento» - sobre a composição da equipa a afectar à execução do contrato - que não se encontrava previsto no «programa do procedimento de concurso». De facto, sublinha, não estando prevista no programa de concurso, a informação em questão deveria ser apresentada pelo «adjudicatário» e não pelos concorrentes em fase de apresentação de propostas. Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Feita tal apreciação, facilmente se constata que neste caso estão em causa «questões» - relevância, para a admissão de propostas, de elementos que apenas são mencionados no caderno de encargos, e não no programa de concurso, ou no convite, sua qualificação jurídica, e impacto da sua omissão nas propostas - que impõem a concatenação de «normas legais» diversas com a teleologia fundamental do actual regime jurídico dos contratos públicos. E, se bem que não é assunto totalmente novo para o tribunal de revista, ele situa-se, neste caso, numa «linha de fronteira» que justifica a sua abordagem e esclarecimento, tanto em nome da relevância jurídica do tema como da conveniência de o abordar de uma forma mais sólida e paradigmática. Assim, e sem mais delongas, quer em nome da necessidade de esclarecer, e solidificar, a decisão jurídica da referida questão, quer em nome da importância fundamental que lhe assiste, é de admitir a presente revista. Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista. Sem custas. Lisboa, 11 de Maio de 2023. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz. |