Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:028/16.9BEVIS
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:IVA
QUESTÃO PREJUDICIAL
Sumário:I – Impõe-se submeter, nos termos dos artigos 267.º do T.F.U.E., ao Tribunal de Justiça da EU, a seguinte questão prejudicial, sobre a interpretação do art. 132.º, n.º 1, b), da Diretiva IVA:
- os pagamentos efectuados como contrapartida do serviço de abertura de ficha individual de cada utente, incluindo a ficha clínica que dá direito à compra de tratamentos de “termalismo clássico”, podem-se subsumir-se ao conceito de «operações estreitamente relacionadas» a que se refere o artigo 132.º, n.º 1, b), da Diretiva IVA e assim serem considerados isentos de IVA?
II - Nos termos dos artigos 269.º e 272.º do C.P.C., resulta, em consequência, a suspensão dos autos.
Nº Convencional:JSTA000P26126
Nº do Documento:SA220200701028/16
Data de Entrada:11/16/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, S. A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
I. Relatório.

I.1. Por sentença proferida a 14-6-2018 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu foi julgada procedente a impugnação judicial apresentada por A…………, S.A., e consequentemente:

a. Determinou-se a anulação parcial das liquidações impugnadas (IVA e juros compensatórios de 2010, 2011 e 2012) na parte em que refletem a não isenção de IVA incidente sobre os valores cobrados a título de “inscrição termal” e prestação de serviços de “termalismo clássico”, com a proporcional correção em sentido inverso no que tange ao IVA dedutível;

b. Anulou-se as decisões tácitas de indeferimentos de recursos hierárquicos autuados sob os n.ºs 2720201510000248 e 2722020151000050;

c. Anulou-se as decisões de indeferimento proferidas em processos de reclamação graciosa n.º 272202015040000149 e 27220201504001826.

I.2. Inconformada com tal sentença, a representante da Fazenda Pública vem interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, no qual apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:

A - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 14/06/2018, no segmento que julga procedente o vício de violação de lei, nomeadamente do art. 9° do CIVA, imputado às correções efetuadas em sede de IVA no que tange à consideração da inscrição termal como sujeita a IVA e dele não isenta, com a consequente anulação das liquidações aqui impugnadas em conformidade (liquidações oficiosas de IVA e juros compensatórios de 2010, 2011 e 2012).

B - A questão jurídica fundamental a decidir nos autos é a de saber se determinadas prestações de serviços efetuadas pela impugnante estão abrangidas pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (lVA) prevista no art. 9°, 2 do respetivo código, concretamente por se qualificarem como "operações estreitamente relacionadas com prestações de serviços médicos e sanitários".

C - Para alcançar uma resposta é necessário, por um lado, interpretar a norma de isenção, procurando fixar os seus conceitos até onde tal se afigure possível e necessário; e, por outro lado, interpretar a realidade factual, com vista ao exercício da subsunção dos factos na previsão da norma.

D - As razões que motivam o presente recurso respeitam a ambos os objetos da discussão: a interpretação da norma e a interpretação dos factos.

E - O artigo 9°, 2 do Código do IVA (norma de isenção) deve ser interpretado em conformidade com o direito europeu e com a jurisprudência do TJUE sobre o mesmo.

F - Esta disposição legal transpõe para a ordem jurídica interna o art. 132°, 1, b) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (de ora em diante Diretiva IVA)

G - A norma do CIVA deve ser interpretada de modo consentâneo com a interpretação que tem sido feita da transcrita disposição da normativa europeia pelo TJUE: constituindo princípio há muito assente no direito da União Europeia que os tribunais dos Estados Membros devem interpretar todo o direito nacional em conformidade com o direito da União Europeia (Acórdão TJUE de 04-07-2006, C-212/04 Konstantinos Adeneler e outros).

H - Resulta da própria letra do artigo 132° da Diretiva IVA que as isenções que aí se preveem são imperativas para os Estados quanto ao seu âmbito de aplicação. Os Estados membros não podem - salvo em casos excecionais expressamente previstos - deixar de isentar as atividades aí prevista, e só o podem fazer com a extensão com que aí se prevê a sua isenção. Assim o afirma o TJUE no acórdão Skafteverket (Acórdão do TJUE de 21 de março de 2013, Caso C-91/12, (Skatteverket v. PFC Clinic AB).

I - É jurisprudência assente do TJUE que as isenções previstas no artigo 132° da Diretiva IVA constituem conceitos autónomos do direito da União que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado Membro para outro (Acórdão TJCE, 25-02-1999, C 349/96, Card Protection Plan Ltd (CPP)/Commissioners of Customs & Excise, par. 15; Acórdão TJCE 15-06-1089, C 348/87, Stichting Uitvoering Financiële Acties v Staatssecretaris van Financiën, par.11; Acórdão TJUE 28-01-2010, C 473/08, Eulitz v. Finanzamt Dresden I, par. 25).

J - Resulta igualmente de jurisprudência assente que as isenções previstas no artigo 132° da Diretiva IVA não se destinam a isentar de IVA quaisquer atividades de interesse geral, mas unicamente as que aí são enumeradas e descritas de maneira muito detalhada (v., designadamente, acórdãos de 11-07-1985, Comissão/Alemanha, C 107/84, par. 17; de 20 de Novembro de 2003, D'Ambrumenil e Dispute Resolution Services, C 307/01, par. 54; e Eulitz, par. 26).

K - Todavia, a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objetivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA. Assim, esta regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 132.º devam ser interpretados de maneira a privá-Ias dos seus efeitos (v., designadamente, acórdão de 14-06-2007, Haderer, C 445/05, par. 18 e jurisprudência referida, e acórdão Eulitz, já referido, par. 27 e jurisprudência referida).

L - Por consequência, o conceito de "assistência médica, que figura no artigo 132.º, n.º 1, aI. b), da diretiva IVA (tal como o de "prestações de serviços de assistência", que figura no artigo 132.º, n.º 1, aI. c), dessa diretiva) visa prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde (v. acórdão 21-03-2013, C-91/12, SkaUeverket v. PFC Clinic, par. 25; e acórdão TJUE de 10-06-201, C-86/09, Future Health Technologies, pars. 37 e 38).

M - A disposição do art. 132°, 1 b) deve ser objeto de uma interpretação restritiva: os termos usados para designar as isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva são de interpretação estrita, dado que constituem exceções ao princípio geral da tributação em IVA de cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo.

N - Por outro lado, a aplicação que o Tribunal de Justiça fez da mesma no caso de De Fruytier (Acórdão TJUE, de 2 de julho 2015, C-334/14, Bélgica v. Nathalie De Fruytier) e ainda mais, no caso Klinikum Dortmund (Acórdão de 13 de março de 2014, caso C-366/12 Finanzamt Dortmund-West v Klinikum Dortmund), ambos em matéria de serviços de saúde, deixam claro que o Tribunal, na atualidade, faz uma interpretação restritiva das normas que isentam de iva os serviços médicos e sanitários.

O - O Tribunal não podia ser mais claro: a norma destina-se a isentar as prestações médicas em sentido estrito.

P - O que pode extrair-se da sentença do tribunal europeu é que, não devendo ser feita uma interpretação particularmente restritiva do que seja a "finalidade terapêutica" de uma operação, a norma deve ser objeto de uma interpretação restritiva, de tal modo que só as prestações médicas em sentido estrito e as que com estas estejam "em estreita relação", devem considerar-se abrangidas pelo desagravamento.

Q - A norma que analisamos - o art. 9°, 2 do CIVA - contempla duas realidades, ou situações: (i) os "serviços médicos e sanitários," e (ii) as "operações com elas estreitamente conexas". Parece não oferecer dúvida de maior que em relação à situação factual na origem dos autos apenas pode ser discutida a sua qualificação como "operações estreitamente conexas com serviços médicos e sanitários".

R - No art. 132º, 1, b) da Diretiva IVA, a expressão correspondente é "a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas".

S - A Diretiva IVA não contém, no artigo 132.º ou em qualquer outro local, uma definição da noção de "operações estreitamente relacionadas com operações a hospitalização e a assistência médica."

T - O tribunal a quo, no que tange ao valor cobrado a título de inscrição termal, limita-se ao seguinte: " ... sendo aquele valor cobrado em razão da disponibilização dos tratamentos termais, já considerados como isentos de IVA, deve também aquele ser considerado isento, uma vez que é exclusivamente cobrado após consulta médica e na decorrência da prescrição de tratamento termal por parte de médico habilitado." Com a devida deferência, que não pode constituir embargo à discussão, não enfermará a posição do Tribunal a quo da falha de desatender o imperativo de uma interpretação restritiva das normas em causa?

U - Olhemos, uma vez mais, o acórdão de Fruytier e vejamos se nele o TJUE aplicou a noção de operações estreitamente relacionadas com operações a hospitalização e a assistência médica em sentido conforme: estaremos perante uma "operação, realizada em momento anterior ou posterior ao serviço (de diagnóstico), com o qual apresenta uma ligação ou uma relação, no sentido de concorrer para a sua realização", podendo ser vista como acessória ou instrumental em relação à prestação principal? Estaremos perante uma operação que "não representando uma finalidade em si mesma para o cliente, permite assegurar que o serviço principal seja de maior qualidade ou seja obtido em melhores condições?" (as expressões entre aspas traduzem a abordagem conceptual da doutrina nesta sede, nomeadamente LAIRES, Rui (2012), O IVA nas Atividades Culturais, Educativas, Recreativas, Desportivas e de Assistência Médica ou Social, Coimbra: Almedina I IDEFF, pp. 133-4 e NEVES, Filipe Duarte (2010), Código do IVA e Legislação Complementar, Comentado e Anotado, Porto: Vida Económica, pp. 178).

V - A resposta é evidentemente afirmativa, em ambos os casos. E, contudo, não é, para o Tribunal de Justiça, uma operação estreitamente relacionada com um serviço de assistência médica. O que mostra que as definições doutrinárias não encontram harmonia com a doutrina, recente, do tribunal europeu.

X - Em reforço desta posição, não poderemos deixar de referir um outro acórdão do TJUE, proferido no caso C-366/12 (Acórdão de 13 de março de 2014, caso C-366/12 Finanzamt Dortmund-West v Klinikum Dortmund), no qual o Tribunal considerou, em conclusão final, que a administração de medicamentos citoestáticos, a doentes com cancro tratados em ambulatório, por parte da farmácia do hospital não poderia beneficiar de isenção de iva. É certo que não estava em discussão, no caso, a noção de "atos estreitamente relacionados", mas a discussão não deixa de ser proveitosa para a perceção do quão restritiva era, em 2015, a interpretação que o Tribunal de Justiça fazia das isenções relativas a serviços de saúde.

Y - A partir dos dois casos mencionados, decididos pelo Tribunal de Justiça, não podemos definir "atos estreitamente relacionados" com a prestação de serviços médicos e sanitários; mas podemos afirmar que o Tribunal impõe que se faça uma interpretação restritiva desse preceito.

Z - Por outro lado, o caso De Fruytier forma, para já, a única linha divisória válida: atos que apresentem com a prestação de cuidados médicos "principal" um nexo tão ou menos estreito do que o que se verificava naquele caso, não podem ser considerados "operações estreitamente relacionados com serviços médicos ou sanitários."

AA - De tudo o que ficou dito, temos que o valor cobrado pela impugnante a título de inscrição termal não pode qualificar-se como "operações estreitamente relacionadas" com a prestação de serviços médicos ou sanitários.

AB - A pág. 57/87 da sentença aqui em apreço, por referência ao relatório da inspeção tributária e respetivos anexos, vem referido: o valor debitado pelo sujeito passivo (impugnante) a título de "inscrição termal" é pago apenas uma vez por ano; o seu pagamento não implica a realização dos tratamentos, pois que os utentes, ao pagarem tal inscrição têm apenas direito a comprar os tratamentos que pretendem e não o direito à realização dos mesmos.

AC - E, desta feita a pág. 58/87: "Ora, no caso em concreto, verifica-se que o pagamento pelos utentes da "inscrição termal", não corresponde ao pagamento de serviços médicos, pelo que não consubstancia uma prestação efetiva de assistência médica, nem de proteção, prevenção ou restabelecimento da saúde, não podendo, assim, beneficiar da isenção prevista, nem no nº 2, nem no nº 2, ambos do art. 9° do CIVA"

AD - Ainda, dos itens 85 a 98 da informação que está subjacente ao projeto de indeferimento da reclamação graciosa nº 2720201504001826 pode retirar-se: o decreto 15401, de 20 de abril de 1928 (legislação que regulava as estâncias termais), previa a figura da "taxa de inscrição" nos seguintes termos: só poderia ser efetuada depois do utente ser observado pelo diretor clínico ou por qualquer um dos médicos hidrologistas autorizados a exercer clínica na estância; era feita em face do boletim clínico devidamente preenchido pelo médico que fez a observação; implicava o pagamento duma taxa, sem a qual o utente não poderia iniciar os tratamentos termais. O decreto 15401, de 20 de abril de 1928, encontra-se revogado pelo Decreto-lei nº 142/2004, de 11 de junho, que já não contempla a taxa de inscrição, pelo que aquela figura não se encontra legalmente prevista.

AE - Acresce que "não deve considerar-se como invocação de matéria de facto as referências a peças que constem do processo, pois todas as ocorrências processuais são de conhecimento oficioso", vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6a edição, págs. 225, remetendo para os acórdãos do STA de 25/11/92, processo nº 14433, AP-DR de 9/10/95, pág. 306; e de 20/06/2001, processo nº 26033.

AF - O pagamento pelos utentes do valor variável, a título de "inscrição", não corresponde ao pagamento de serviços médicos realizados em meio hospitalar com internamento, ou realizados por médicos, odontologistas, parteiros, enfermeiros ou paramédicos, mas sim ao direito de usufruir serviços, nas palavras da impugnante, "é o meio de os utentes acederem, quer à consulta médica, quer aos tratamentos prescritos", pelo que não consubstancia uma prestação efetiva de assistência médica, nem de proteção, prevenção ou restabelecimento da saúde, não podendo, assim, beneficiar da isenção prevista, nem no nº 1, nem no nº 2, ambos do art. 9° do CIVA.

AG - O Tribunal concluiu em sentido contrário: pretende o Meritíssimo juiz a quo que, sendo aquele valor cobrado em razão da disponibilização dos tratamentos termais, já considerados como isentos, deve também aquele ser considerado isento uma vez que é exclusivamente cobrado após consulta médica e na decorrência da prescrição de tratamento termal por parte de médico habilitado - eis a única fundamentação para a conclusão.

AH - A sentença não despende o menor esforço argumentativo para demonstrar como subsume (implicitamente, embora) os atos em causa no conceito de "operações com elas estritamente conexas, efetuadas por estabelecimento hospitalares, clínicas, dispensários e similares."

AI - Nem se vê como pode o Tribunal chegar a esta conclusão, quando tal não resulta da lei, quando não aduz nenhum argumento interpretativo, e quando não cita literatura ou jurisprudência em apoio da sua interpretação.

AJ - Como antes dissemos, o conceito de "operações estreitamente conexas com a hospitalização e a assistência médica" não foi ainda definido pela jurisprudência. O dado mais seguro que temos para a sua aplicação a um caso concreto é a interpretação que o TJUE fez do conceito no caso De Fruytier. E contudo, o Tribunal europeu considerou, no caso do transporte do sangue para o laboratório, não se tratar de um ato conexo.

AK - Razão pela qual consideramos que a designada inscrição termal não pode ser considerada operação "estreitamente conexa com a prestação de serviços médicos e sanitários." E que o contrário não foi fundamentadamente demonstrado.

AL - Suscitando-se sérias dúvidas quanto à questão aqui em apreço, impõe-se o reenvio prejudicial para o TJUE, determinando-se a suspensão da instância recursiva até que ali seja proferida decisão.

Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença recorrida, com as legais consequências.

I.3. A recorrida produziu contra-alegações com alegações que rematou com conclusões das quais extraiu que “deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida”.

I. 4. O magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer com a seguinte conclusão:

“A sentença recorrida, no segmento sindicado, merece censura.

Deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se a sentença recorrida, no segmento sindicado, ou no caso de se entender que a questão controvertida suscita sérias dúvidas ordenar-se o reenvio prejudicial ao T.J.U.E., suspendendo-se a instância”.

II. Objeto do recurso.

Sendo o recurso referido à parte que foi desfavorável à A.T. na sentença recorrida, o seu objeto consiste em saber se os valores cobrados a título de “inscrição termal” não gozam de isenção de IVA, por não serem “operações estreitamente relacionadas com prestações de serviços médicos e sanitários”, nos termos do artigo 9.º n.º 2 do Código do IVA e do artigo 132.º, 1, b) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Diretiva de IVA).

Importa apreciar, no caso de suscitar dúvidas a aplicação desta última norma, se a enunciada questão deve ser submetida à apreciação do T.J.U.E., a título de reenvio prejudicial, bem como se os autos são de suspender.

III. Fundamentação.

III. 1. De facto.

Da matéria de facto fixada na sentença recorrida resulta, nomeadamente, que foram debitados, pela impugnante, aos utentes do dito balneário das termas de ………, consideradas unidade de cuidados de saúde primários não inserida no Serviço Nacional de Saúde, e sem capacidade de internamento, valores, a título de “inscrição termal”, que ascenderam em 2010, 2011 e 2012, respetivamente, aos totais de € 87 003,00 € 72 654,00 e € 55 627,50, conforme consta de relatório de inspeção tributária em que se fundam as liquidações de IVA que sobre foram emitidas oficiosamente pela A.T. sobre tais valores à taxa de 23%, e com juros compensatórios.

Ainda segundo o que consta do referido relatório, no item III.3.4:

“(…) Quando o utente se dirige ao balcão de acolhimento e informa a funcionária do serviço que pretende, esta tem dois procedimentos distintos:

1. Se o cliente pretender um serviço de “termalismo clássico”, é obrigatoriamente encaminhado para uma consulta médica prévia, efetuada por um dos médicos hidrologistas que consultam nas instalações das termas, para prescrição dos tratamentos a realizar.

Neste momento, o utente paga a consulta, e uma verba denominada “inscrição termal” (no site da firma lê-se “inscrição nas águas termais”), válida por todo esse ano e os tratamentos prescritos (que pode realizar logo ou posteriormente, já que a prescrição é válida até 31 de Dezembro do ano da prescrição), os quais são isentados pelo sujeito passivo, para efeitos de IVA, invocando na fatura o nº 2 do artigo 9.º do CIVA.

. Os pagamentos são pagos antes do seu início.

. No site oficial da firma lê-se: “Tenha atenção, todas as inscrições são individuais, uma para cada pessoa, e destinam-se a marcar a consulta médica. Os tratamentos que irá fazer, serão depois prescritos pelo nosso médico termal.”

(…)

2. Se o cliente pretender um serviço de “spa termal” a consulta médica é facultativa para tratamentos até 3 dias (…).

. O Utente não paga nenhum valor a título de “inscrição termal”, quer haja ou não consulta médica.

Segundo ainda o item III.3.6.2 do mesmo relatório:

“(…) os utentes para serem encaminhados para os tratamentos considerados “termalismo clássico”, são obrigados, para além de irem a uma consulta médica, a efetuar inscrição.

Aquando da inscrição, o utente paga um valor, que nos exercícios de 2011 e 2012 foi de 30,00, 33,00 e 36,00, designado pelo sujeito passivo como “inscrição termal”, sem o que, não poderão os utentes iniciar os tratamentos hidrológicos (…)”.

E mais adiante no ponto III. 6.2.2 do mesmo relatório:

1. Verificou-se a existência de um item que é debitado ao cliente denominado na “fatura/recibo termas” ou “adiantamento termas”, a título de “inscrição termal”.

2. Conforme já se disse, a firma disse-nos por escrito, em 18/06/2014, o seguinte (anexo 20):

“Inscrição termal” comporta o serviço de abertura e atualização anual da ficha individual de cada utente das termas e que, entre outros elementos, comportará a ficha clínica (tendo em atenção que as Termas de ……… impedem a utilização de tratamentos termais para quem não tenha passado previamente por uma consulta médica), será enquadrada no n.º 2 do artigo 9º no seguimento da leitura do ofício-circulado 92220 de 97.09.11 da DSIVA. A sua validade é de uma época balnear, isto é, válido até ao último dia, do ano, em que as termas estão em funcionamento”.

3. O pagamento obrigatório deste valor apenas tem como contrapartida a possibilidade de aceder aos tratamentos hidrológicos, podendo ou não vir a realizá-los.

4. O valor debitado pelo sujeito passivo a título de “inscrição termal”:

a. É pago apenas uma vez num ano;

b. O pagamento deste item não implica a realização dos tratamentos.

c. Os utentes ao pagarem a “inscrição” têm apenas direito a comprar os tratamentos que pretendem e não o direito à realização dos mesmos.

Relativamente aos ditos serviços de “termalismo clássico”, que englobam vários tratamentos, de otorrinolaringologia/vias respiratórias e reumatologia, foi ainda considerado na sentença recorrida a evidência de uma função terapêutica, a qual não se colhe no que respeita a outro tipo de serviços denominados de “bem-estar termal” ou de “spa termal”, prestados também nas referidas termas.

III. 2. De direito.

Nos termos do artigo 9.º, n.º 2 do Código do I.V.A., está isenta de I.V.A., nomeadamente:

- “a prestação de serviços médicos e sanitários e as operações com ele estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

O previsto nessa disposição corresponde à transposição efetuada do artigo 132.º, 1, b), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Diretiva de IVA), em que se prevê também serem isentos de I.V.A., “a hospitalização e a assistência médica e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas”.

Da referida norma do C.I.V.A. resultam abrangidas por isenção de I.V.A. as operações que se encontrem em conexão estreita com “a prestação de serviços médicos e sanitários” quando efetuadas em “hospitais” e estabelecimentos similares.

Importando apreciar se se verifica a estreita conexão da “inscrição termal” com a assistência médica (e prestação de serviços sanitários, na letra da lei do CIVA), não resulta claro, à luz dos critérios já definidos pelo T.J.U.E., que, no caso dos referidos valores cobrados a título de “inscrição termal”, os mesmos sejam de considerar em estreita conexão com aquela.

Consideramos que alguns elementos podem conduzir a tal, como seja o facto de englobar o serviço de abertura de ficha individual de cada utente, incluindo a ficha clínica e que a mesma dá direito à compra de tratamentos, os quais são de “termalismo clássico”, cujo carácter de prestação de serviços e de actividade isenta não é posto em causa que se verifique.

No entanto, suscitam-se dúvidas sobre se é possível englobar os ditos valores pagos a título da referida “inscrição termal” no quadro de fornecimento de serviços de de assistência médica a que se refere o art. 132.º n.º 1, b), da Diretiva de IVA.

Acresce que de consulta efetuada em «www.curia.europa.eu/juris/» não consta que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (T.J.U.E.) se tenha já pronunciado quanto à incidência de IVA sobre valores pagos pela referida “inscrição termal”, nem a tal se refere nomeadamente, o referido acórdão “de Fruytier”.

Finalmente, ponderando o que deriva dos princípios do primado do direito comunitário e da interpretação conforme, de que o reenvio prejudicial é um instrumento essencial, de molde a assegurar a pretendida uniformidade de interpretação e de aplicação do Direito da União em todos os seus Estados-Membros, bem como a coesão do sistema de proteção jurisdicional da União e o princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos particulares, tem-se como útil e necessário solicitar ao T.J.U.E. que se pronuncie sobre a seguinte questão prejudicial, nos termos dos artigos 267.º do T.F.U.E., sobre a interpretação do art. 132.º, n.º 1, b), da Diretiva IVA:

- os pagamentos efectuados como contrapartida do serviço de abertura de ficha individual de cada utente, incluindo a ficha clínica que dá direito à compra de tratamentos de “termalismo clássico”, podem-se subsumir-se ao conceito de «operações estreitamente relacionadas» a que se refere o artigo 132.º, n.º 1, b), da Diretiva IVA e assim serem considerados isentos de IVA?

Nos termos dos artigos 269.º e 272.º do C.P.C., resulta, em consequência, a suspensão dos autos.

IV. Decisão:

Os Juízes Conselheiros da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia questão prejudicial acima enunciada e, em consequência, suspender os autos.

Diligências necessárias, a cumprir pela Secretaria do S.T.A., incluindo a instrução com observância das recomendações do T.J.U.E. (2019/C 380/01, relativas à sua apresentação/envio e que se mostram publicadas no J.O.U.E. de 08.11.2019).

Não são devidas custas.

Lisboa, 1 de julho de 2020. - Paulo Antunes (relator) – Paula Cadilhe Ribeiro - Francisco Rothes.