Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
349/21.9T8CNF-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
INADMISSIBILIDADE DE RESPOSTA ÀS CONTRA-ALEGAÇÕES
FORÇA VINCULATIVA DAS DECISÕES PROFERIDAS NO PROCEDIMENTO CAUTELAR E NOS AUTOS PRINCIPAIS
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA POR ILEGITIMIDADE
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA PARA AGUARDAR PELO TRÂNSITO DA DECISÃO PROFERIDA NOS AUTOS PRINCIPAIS
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CINFÃES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 24.º E SEG.S DA LEI 75/2017, DE 17/8
ARTIGOS 3.º, 3; 30.º; 272.º, 1; 278.º, 1, D); 279.º, 2; 364.º; 371.º, 3; 373.º, 1, C) E D) E 662.º, 2, C) E D), DO CPC
Sumário:
I - Sem prejuízo de uma audição específica imposta pela regra geral prevista no art.3, nº 3, do Código de Processo Civil (CPC), não é admissível uma resposta às contra-alegações dos recorridos.

II - Se as decisões no procedimento cautelar não vinculam as decisões no processo principal (art. 364, nº 4, do CPC), já o contrário ocorrerá (arts. 371, nº 3 e 373, nº 1, c), da mesma lei).

O art. 278, nº 1, d), do CPC determina, em caso de ilegitimidade, que o Tribunal se abstenha de conhecer do pedido, ou seja, não faz sentido conhecer do pedido relativamente a partes absolvidas da instância.

O art.373, nº 1, d), do CPC, para o caso, determina a extinção do procedimento cautelar.

Em caso de absolvição da instância, o cautelar caduca após o trânsito em julgado da decisão e decorridos que sejam trinta dias, prazo que o autor dispõe para propor nova ação nos termos do n.º 2 do artigo 279.º do CPC.

Se os Autores modificarem na ação o lado passivo, então também terão de modificar o lado passivo do cautelar, o que se fará necessariamente com novo procedimento.

Nos termos do art.272, nº 1, do CPC, existindo um acórdão da Relação a confirmar a decisão de absolvição da instância no processo principal, mostra-se existir motivo justificado para suspender a instância do procedimento cautelar até que transite em julgado aquela decisão.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Está em causa as seguintes decisões do Relator:

Primeira:

“Articulado de 27.6.2023, referência 45965942: “Sem prejuízo da audição específica infra ordenada (por força da regra geral prevista no art.3, nº 3, do Código de Processo Civil (CPC), não está prevista na lei uma resposta às contra-alegações dos recorridos.

“Assim, ordeno o desentranhamento do referido articulado.”

Segunda:

(…) “proferida decisão no processo principal, que absolveu os Réus da instância, pendente já de recurso nesta Relação, não faz sentido estarmos nós no cautelar a conferir a ilegitimidade e fará sentido sobrestar a providência cautelar, para evitar a referida potencial inutilização ou qualquer contradição de enquadramento.

“Não sendo, por ora, extinto o processo cautelar, não deixa de ser precipitado, mesmo que se entenda que a ilegitimidade não ocorre, proferir uma decisão de forma que contrarie aquela já em discussão nesta Relação ou uma decisão de mérito que esteja na eventualidade de se inutilizar.

“Conferido o processo principal, verificamos que nele já foi ordenada a marcação do julgamento, o que, previsivelmente, será feito no dia 12.9.2023.

“Assim, nos termos do art.272, nº 1, do CPC, suspendo a instância até que transite em julgado a decisão de (i)legitimidade proferida no processo principal.”


*

Os Recorrentes vieram requerer que, sobre a matéria de tais decisões, recaia um acórdão, a proferir pela Conferência depois de ouvida a parte contrária, o que se faz nos termos do disposto no n. º 3 do artigo 652. º do CPC.

Em síntese, reclamam:

Quanto à primeira decisão:

“Fazendo-se desaparecer, no entanto, do mundo e dos autos, a peça mandada desentranhar, assim como os documentos que a ilustravam, tal como decidido, não ficará

rasto daquilo que os Compartes-Recorrentes queriam dizer e significar, e dos argumentos, que reputam de válidos, de que usaram para rebater questões totalmente novas e não sujeitas a contraditório focadas pelos Recorrentes, prerrogativa que, no seu entender, lhes é conferida, inter alia, pelos artigos 3.º e 415.º do CPC e pelo princípio da prevenção das decisões surpresa.

“O contraditório só se cumprirá plenamente quanto aos documentos juntos se às partes for facultado a possibilidade de se pronunciarem sobre o seu conteúdo.

“A regra invocada para a rejeição da peça processual não constitui um imperativo absoluto, mas merece ser concatenada com os princípios que regem o Processo Civil e com o aproveitamento de actos úteis praticados pelas partes (argumento a contrario relativamente ao disposto no artigo 130.º do CPC).

Quanto à segunda decisão:

As vicissitudes processuais da ação principal não interferem com o processo cautelar.

A urgência deste impõe o conhecimento dos seus pedidos.

No cautelar não foi colocada a questão da ilegitimidade.

Estão preenchidos os requisitos do procedimento cautelar.

O trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância é um facto eventual e poderá demorar muito tempo até que ocorra.


*

A parte contrária não se pronunciou.

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            As questões a decidir são as seguintes:

            A admissibilidade da resposta às contra-alegações dos Recorridos;

            O motivo justificado para a suspensão do procedimento cautelar.


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            Os factos a considerar são os que resultam do relatório antecedente e das considerações infra exaradas.

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Apreciando a primeira questão:

Não havendo uma resposta às contra-alegações dos Recorridos, o contraditório necessário, por exemplo sobre documentos juntos pela parte contrária, legitimará uma pronúncia.

À partida, sem que se analise, ponto por ponto, as contra-alegações juntas e seus documentos, não se poderá dizer que a resposta seja, toda ela, indevida.

Ainda não houve sequer análise da junção de documentos feita pelos Recorridos.

Assim, a antecipação de que falam os Recorrentes, relativa a eventuais atos possíveis, poderá ser aceitável e aproveitada.

Pelo exposto, decide-se revogar o ordenado desentranhamento da “resposta” às contra-alegações dos Recorridos, relegando-se para momento oportuno a análise e decisão da sua valia.

Reafirma-se: não há uma resposta às contra-alegações dos Recorridos.

O processo é um encadeamento formal de atos delimitados, com vista a uma adequada e organizada regularização da “papelada” a atender.

A antecipação de que falam os Recorrentes, relativa a eventuais atos possíveis, não é a forma adequada de respeitar o processo civil.

Devemos atentar no interesse de ter o processo limpo, sem repetições.

O contraditório necessário, para questões admissíveis e consideradas, fora dos atos previstos, deverá ser acautelado pelo Juiz pela via do art.3, nº 3, do CPC.

Na precedência lógica das questões (prévias, admissão do recurso, admissão de documentos, rejeição de questões que sejam novas ou fora do objeto dos autos), o Tribunal verificará a necessidade de contraditório.

Ainda não houve sequer pronúncia sobre a junção de documentos feita pelos Recorridos.

Já os documentos juntos com a “resposta” foram-no, como admitem os Recorrentes, para ilustrar e fundamentar a alegação contida nas peças processuais respetivas, não deixando os mesmos de estar nos autos principais.

Note-se que estamos perante 2 processos ligados (cautelar e principal), embora momentaneamente desapensados, mas sempre com a possibilidade de consulta eletrónica mútua.

Assim, fazendo-se desaparecer dos autos a peça mandada desentranhar, assim como os documentos repetidos, tal como decidido, não ficará prejudicada a posição dos Recorrentes, em contraditório que deverá ser, se necessário, acautelado.


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            Quanto à segunda questão:

Em 10.1.2023, foi proferida sentença na ação principal, de que este procedimento é cautelar e incidente que corre por apenso, absolvendo os Réus da instância, por se julgar verificada a sua ilegitimidade.

Esta decisão está pendente de recurso, com efeito meramente devolutivo.

Ela é anterior à decisão proferida no nosso procedimento cautelar, que é de 30.4.2023.

Entretanto, nesta Relação, por acórdão de 12.9.2023 foi confirmada a decisão de absolvição dos Réus da instância, por se considerar, em síntese:

“Se a relação material controvertida configurada na petição inicial se identifica com a ocorrência de reuniões em que participaram compartes que deliberaram nos termos exarados em atas com a veste formal de atas de Assembleias de Compartes, pretensamente viciadas - num contexto de disputa eleitoral interna entre membros de uma mesma comunidade local, segmentada em duas fações -, tratando-se, assim, de deliberações do próprio universo de compartes reunidos em Assembleia, é desta, e não dos compartes autonomamente considerados, o interesse em contradizer.

“A legitimidade passiva para a ação pertence ao universo dos compartes, representado em juízo pelo Conselho Diretivo, por estarem em crise deliberações da Assembleia (cf. art.ºs 30º do CPC e 24º e seguintes da Lei n.º 75/2017, de 17.8).”

Vejamos:

O artigo 364 do Código de Processo Civil consagra a instrumentalidade e a dependência do procedimento cautelar relativamente à ação principal, surgindo aquele para servir o fim desta ação.

O procedimento cautelar é emitido no pressuposto de vir a ser favorável ao autor a decisão a proferir no processo principal.

Se as decisões no cautelar não vinculam as decisões no principal (art. 364, nº 4), já o contrário ocorrerá (arts. 371, nº 3 e 373, nº 1, c)).

Em regra (art. 364, nº 2), deverá ser o juiz da ação o competente para tramitar e julgar o cautelar; no caso, só não foi assim, por incidências específicas deste, aquelas que impuseram que fosse o mesmo juiz a responder aos termos do art.662, nº 2, alíneas c) e d) do CPC.

O art. 278, nº 1, d), do CPC determina, em caso de ilegitimidade, que o Tribunal se abstenha de conhecer do pedido, ou seja, não faz sentido conhecer do pedido relativamente a partes absolvidas.

O art.373, nº 1, d), do CPC, para o caso, determina a extinção do procedimento.

É certo que, apesar da “dupla conforme”, a decisão de absolvição da instância ainda não transitou em julgado.

E, em caso de absolvição da instância, o cautelar caduca após o trânsito em julgado da decisão e decorridos que sejam trinta dias, prazo que o autor dispõe para propor nova ação nos termos do n.º 2 do artigo 279.º do CPC.

Se os Autores modificarem na ação o lado passivo, então também terão de modificar o lado passivo do cautelar, o que se fará necessariamente com novo procedimento.

Neste contexto, se em 10.1.2023 já tinha ocorrido a absolvição da instância, o Tribunal recorrido, em 30.4.2023, deveria ter-se abstido de decidir sobre o pedido. (Ou tirava as mesmas ilações da ilegitimidade ou esperava pela confirmação ou não da ilegitimidade.)

Decidindo, descurou a decisão dada no processo principal e praticou ato que poderá, caso seja confirmada a ilegitimidade, ser inutilizado.

Por outras palavras, o Tribunal proferiu uma decisão (inútil) relativamente a partes absolvidas.

Esta eventualidade deverá ser acautelada agora nesta Relação.

Ainda que estivessem presentes os requisitos substanciais do procedimento, não deixava de ocorrer o obstáculo deste ter sido intentado contra as pessoas erradas.

E, sendo erro, quanto mais tempo nele os Recorrentes insistirem, mais tempo decorrerá contra a urgência almejada.

Assim, proferida decisão no processo principal, de que este é incidente, que absolveu os Réus da instância, e confirmada nesta Relação tal decisão, não faz sentido estarmos nós no cautelar a (re)conferir a ilegitimidade e fará sentido sobrestar a providência cautelar, para evitar a referida potencial inutilização ou qualquer contradição de enquadramento.

Não sendo, por ora, extinto o processo cautelar, não deixa de ser precipitado proferir uma decisão de mérito que esteja na eventualidade de se inutilizar.

Pelo exposto, decide-se:

Confirmar o desentranhamento da “resposta” às contra-alegações dos Recorridos.

Nos termos do art.272, nº 1, do CPC, por motivo justificado, suspender a instância até que transite em julgado a decisão de ilegitimidade proferida no processo principal.

Custas pelos Reclamantes.

2023-10-25


(Fernando Monteiro)

(Carlos Moreira)

(Moreira do Carmo)