Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2047/22.7T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: RECONVENÇÃO
MATÉRIA ALEGADA EM OPOSIÇÃO COM A CONSTANTE DA PETIÇÃO INICIAL
EFEITO COMINATÓRIO
Data do Acordão: 10/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 266.º, 2, A); 574.º, 2; 584.º E 587.º, 1, DO CPC
Sumário:
I - Mostrando-se o pedido reconvencional apenas sustentado em matéria da defesa e estando a mesma em oposição com a vertida na petição inicial, configurando-se como mera versão diversa do acontecido, julgamos ser correcto afirmar que não ocorre, por falta de réplica, efeito cominatório quantos aos factos que consubstanciam aquele mesmo pedido.

II - Daí que, por razões de economia processual, não se justifique que o autor/a ou autores se vejam na necessidade de impugnar a mesma matéria fáctica que já se encontra controvertida, na ação principal. E, neste caso, não se aplica a confissão tácita ou ficta, porque não se verificam os seus pressupostos, na medida em que os factos da reconvenção estão em oposição com os da petição inicial.

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra.

Proc.º n.º 2047/22.7T8LRA.C1

            1.- Relatório

1.1.- O A. – AA -, brasileiro, casado, portador do título de residência n. ... válido até 24/06/2024, NIF ..., com a profissão de empresário e residente na Praceta ...-3c, ..., Portugal, intentou a presente ação de condenação com processo comum, contra BB, brasileiro, casado, portador de cartão de cidadão n. ..., valido ate 01/09/2030, NIF n. ..., residente e domiciliado na Travessa ..., ..., ..., ..., ..., Portugal, pedindo a procedência da presente ação e, em consequência, ser o contrato rescindido, por culpa do requerido e este ser condenado as custas e despesas processuais.

Devendo o REQUERIDO ser condenado a entregar ao A. o veículo BMW ano 2020 no valor de 51.000€ livre de quaisquer ónus, cumprindo se assim o ónus assumido, conforme consta do contrato celebrado, no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado da decisão condenatória, ou, em alternativa, e para o caso de o REQUERENTE não cumprir com a entrega do referido veículo, deve o mesmo ser condenado a pagar ao Autor a quantia de 51.000€ acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

                                                                       ***

            1.2. – Citado contestou o R., invocando a incompetência territorial do tribunal, referindo ser competente o Juízo Central Cível de Braga, a ineptidão da Petição Inicial, a sua ilegitimidade, impugna a pretensão do A. e formula pedido reconvencional, terminando esta sua peça processual, nos seguintes termos:

            a) Ser julgada procedente a exceção de Incompetencia territorial;

b) Ser julgada totalmente procedente, por provada, a exceção de ineptidão da petição inicial e, na sequência, declarar-se a nulidade de todo o processo, absolvendo-se o Réu da instância;

c) Caso assim não se entenda, deve a exceção de ilegitimidade ser julgada procedente, absolvendo-se o Réu da instância;

d) Caso assim se não entenda, deve a ação ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se o Réu do pedido;

e) Outrossim e na sequência da reconvenção deduzida, ser julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional e, consequentemente, o Reconvindo condenado a pagar ao Reconvinte a quantia de € 18.250,00, acrescidos de juros de mora vincendos à taxa legal até integral pagamento, e no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), a titulo de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

                                                                ***

            1.3. – Foi proferido despacho do seguinte teor:

Antes de mais e nos termos dos artigos 3.º, n.º 3 e 6.º do Cpc e não obstante o disposto no artigo 3.º, n.º 4 do Cpc, a fim de evitar eventual deslocação inútil dos intervenientes a este Tribunal e para um melhor e mais célere andamento do processo - mesmo na eventualidade de se decidir pela realização de audiência prévia - entende-se que deve ser dada possibilidade de as partes exercerem o direito ao contraditório relativamente à matéria da excepção invocada, antes de encerrar a fase dos articulados.

Deste modo, notifique-se o autor a fim de se pronunciar no prazo de 10 dias sobre a matéria de excepção invocada pela ré naquele seu articulado, sob cominação dos efeitos previstos no artigo 587.º do Cpc”.

                                                           ***

1.4.- O A. apresentou réplica, onde respondeu às invocadas exceções de incompetência territorial do tribunal, de ineptidão e de ilegitimidade passiva.

                                                           ***

1.5. – Após foi proferido despacho, a julgar improcedente a exceção de incompetência territorial do tribunal e ainda o teor que se transcreve:

Antes de mais, há que realçar o seguinte aspecto processual.

A 30-6-2022, o réu contestou as pretensões do autor, bem como deduziu pedidos reconvencionais, tudo conforme consta alegado nos artigos 71.º e seguintes da referida peça processual.

Através de notificação datada de 1-7-2022, a Ilustre Mandatária do autor foi notificada da contestação/reconvenção; não se tendo, neste específico âmbito, manifestado quanto à reconvenção.

Face à interpretação conjugada do disposto nos artigos 584.º, n.º 1, 585.º, 587.º, 574.º, n.º 2 e atendendo ainda ao artigo 3.º, n.º 3, todos do Cpc, podem, querendo, as partes manifestar-se, no prazo de 10 dias.

Notifique”.

                                               ***

1.6. – Face ao teor do despacho aludido em 1.5., as partes apresentaram requerimento onde referem:

Quanto ao requerimento do A.

Este refere que mantém todas as suas alegações apresentadas a esse juízo e requer seja a RECONVENÇÃO julgada totalmente improcedente, referindo, designadamente que:

Quanto a reconvenção apresentada pelo REU/RECONVINTE tampouco esta deve prosperar, vejamos:

Aproveita o REU/RECONVINTE no artigo 71 da reconvenção apresentada os artigos 31 a 64 de sua CONTESTAÇÃO onde aduz que o contrato entabulado encontrava-se resolvido em novembro de 2021, cita outro contrato que sequer faz parte dessa demanda e informa ter efectuado queixa crime contra o AUTOR/RECONVINDO.

Ocorre que tais informações contidas nos artigos supra mencionados não tem o condão de ocasionar qualquer efeito no deslinde da causa em questão de forma que devem ser rechaçados de plano.

É sabido que os contratos firmados por livre expressão da vontade das partes não podem resolver se unilateralmente como quer fazer crer, sem nada que o comprove juntar aos autos, o RECONVINTE/REU (Conforme Art. 406 do Código Civil pátrio)”.

            Quanto ao requerimento do R.

Este afirma que o Autor foi notificado da Contestação/Reconvenção no dia 1 de julho de 2022, tendo para o efeito o prazo de 30 dias para apresentar Réplica nos termos do disposto nos artigos 584º e 585º do CPC, não o tendo feito, a falta de apresentação de Réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo Réu tem o efeito previsto para a falta de contestação, isto é, consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados. E que a resposta agora apresentada é intempestiva, e como tal tem que se considerar como não escrita, devendo ser desentranhada.

                                                           ***

1.7. – Após foi proferido despacho do seguinte teor:

“O réu deduz reconvenção nos artigos 71º e seguintes da contestação apresentada (peça processual autuada a 30-6-2022).

Através da aludida reconvenção, o reconvinte/réu pede a condenação do reconvindo/autor a restituir-lhe a quantia de € 18.250,00, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal até integral pagamento, e a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00 a titulo de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Notificado da referida peça processual, através de notificação datada de 1-7-2022, o autor não se manifestou quanto à aludida reconvenção.

Através do despacho proferido a 4-4-2023, foi possibilitado que as partes se manifestassem quanto ao acima exposto.

Assim, através de requerimento apresentado a 14-4-2023, o autor vem, em síntese, exercer o contraditório em relação às excepções suscitadas na contestação (atenda-se que a 18-11-2022 o autor já havia exercido o contraditório apenas quanto à alegada, pelo réu, incompetência deste Tribunal), bem como responder à respectiva reconvenção.

Por sua vez, o réu defende que o aludido requerimento do autor é intempestivo e, em consequência, deverá o Tribunal considerar confessada a factualidade alegada na reconvenção (cfr. R. de 18-4-2023).

Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor das peças processuais acima citadas.

Cumpre decidir.

A réplica é admissível para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção; sendo que a mesma é apresentada no prazo de trinta dias, a contar daquele em que for ou se considerar notificada da apresentação da contestação (artigos 584º, nº 1 e 585º do Cpc).

Face ao acima exposto e atendendo ao que dispõem os artigos 584º, nº 1 e 585.o do Cpc, é manifesto que o autor não se manifestou tempestivamente em relação à reconvenção deduzida.

Em consequência, considero admitidos por acordo os factos alegados na reconvenção apresentada (artigos 71º e seguintes da contestação), com e para os efeitos expressos no artigo 574º, nº 2, por remissão do artigo 587º, nº 1 do Cpc.

Uma vez transitado em julgado o presente despacho, conclua.

Notifique”.

                                                           ***

            1.8. - Inconformado com tal decisão dela recorreu o A., terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“19- Por todo exposto conclui-se que não pode o RECORRENTE ser penalizado com os efeitos do disposto no artigo 584 e 587 do CPC eis que exerceu a todo tempo o seu dever de cooperação para a descoberta da verdade e o bom andamento processual sendo certo que não existe razão para apresentação de impugnação a factos já controversos na peça exordial da ação principal.

20- Conclui-se ainda que houve omissão por parte do Douto Julgador quanto ao requerido em articulados supervenientes sendo a decisão dessa matéria fundamental para o pleno exercício do contraditório.

Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso afim de que a decisão recorrida seja revogada com as legais consequências com o que se fará

JUSTIÇA!”

                                                        ***

1.9. - Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., não houve resposta.

                                                           ***

1.10. - Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

Alegações de recurso de 9-5-2023.

Notificada do despacho proferido a 9-5-2023, recorre do mesmo o autor AA.

Uma vez que ao recorrente assiste legitimidade e que o referido despacho é recorrível, admito o referido recurso.

O recurso interposto é de apelação, sobe de imediato, em separado e com efeito devolutivo (artigos 644.º, n.º 1, alínea b), 645.º, n.º 2, 647.º, n.º 1, do Cpc).

Dn. No apenso recursivo integre certidão que integre as seguintes peças processuais: articulados, despacho proferido a 10-11-2022, requerimentos de 18-11-2022, despacho proferido a 4-4-2023, requerimentos de 14-4-2023 e de 18-4-2023, despacho proferido a 9-5-2023 e ora objecto de recurso, bem como cópia do presente despacho.

Uma vez encetado o acima expresso, suba ao Tribunal da Relação de Coimbra o aludido apenso, para Superior Decisão.

Notifique”.

                                                           ***

1.11. - Com dispensa de vistos cumpre decidir.

                                                           ***

                                               2. Fundamentação

Os factos com interesse para a decisão, são os constantes do relatório supra, bem com os seguintes:

 Factos com interesse referidos na P.I.

1º - O A., em 26 de março de 2021 firmou contrato de parceria com o REQUERIDO, visando regular a relação entre ambos com o objetivo de investir, desenvolver e comercializar uma plataforma digital posteriormente denominada PRADON. cuja cópia se junta para todos os efeitos legais. (Doc. nº 1)

2º -Ficou acordado entres as partes que o valor total do capital investido seria de 260.000 € (duzentos e sessenta mil Euros) cabendo ao REQUERIDO o pagamento do seguinte valor:

a)- O valor de 71.000 € (setenta e um mil Euros) sendo 20.000€ pagos no acto da assinatura do contrato de parceria e os outros 51.000€ seriam pagos com a entrega de um veículo da marca BMW modelo ... ..., do ano de 2020, MATRICULA ..-..-CM, cuja quitação se daria apenas após o pagamento total pelo REQUERIDO do financiamento que recaia sobre o veiculo, sendo a posse desde a contratação transmitida.

b)- O A. confirmou o deposito no valor de 189 mil Euros, que conforme recibo foram pagos em moeda brasileira no dia 18 de março a empresa R... LDA, responsável pela implementação da plataforma PRADON. (DOC. 02)

3º- Em outubro de 2021, o REQUERIDO, que era amigo do A. como pode ser retirado das mensagens trocadas pelo Whats App onde o REQUERIDO se refere ao A. como “mano”, foi a residência do A. e retirou o veículo que fora dado em pagamento.DOC. 03.

Salientamos que o A. efetuou o pagamento do Imposto Único de circulação que recaia sobre o referido veículo conforme faz prova as mensagens trocadas.

4º- No entanto no mesmo mês, passados apenas alguns dias o REQUERIDO contactou o A. informando que pretendia dissolver a parceria e reaver o investimento. Fora então solicitado que enviasse por escrito a solicitação, o que o fez e juntamos. (Doc. 04).

5º-Do termo de desistência, no entanto, para surpresa do A. era referido uma “devolução do veículo” alem de solicitar a devolução dos demais valores.

6º- Ocorre que o A. não pode ser penalizado pela ausência de linearidade nas vontades do REQUERIDO que firmou contracto onde expressamente era previsto a impossibilidade da devolução de valores.

7º- Ademais o A. não só efetuou o pagamento a empresa responsável pelo projeto como as suas expensas efetuou viagens ao Brasil e outras ações com o fim de conduzir ao sucesso a empreitada.

8º- Estas reuniões foram amplamente divulgadas na media eletrónica conforme copias que juntamos (Doc. 05)

9º- O A. viu se então em uma difícil situação eis que contava com a venda do veículo que lhe fora dado em pagamento para arcar com despesas do projeto e no entanto furtou se o REQUERIDO ao cumprimento do pactuado.

10º- Diante disso enviou uma notificação ao REQUERIDO para que devolvesse o veículo ou pagasse o valor conforme pactuado (DOC 6.

O REQUERIDO, no entanto quedou se inerte.

11º- Após diversos contactos telefónicos entre advogados do REQUERIDO e a patrona do A. a situação manteve-se e nenhum acordo fora possível.

12º- Desta forma não restou alternativa senão a via judicial para a garantia de seu direito.

13º Assim pretende seja condenado o REQUERIDO ao pagamento no valor de 51.000€, nos termos supra referidos.

14º- A este montante devem acrescer os juros que se vierem a vencer desde a citação até efetivo e integral pagamento.

15º- Requer ainda a e a rescisão contratual nos termos do art.7º, n. 2 do contrato celebrado.

Factos com interesse referidos na reconvenção.

71. Por mera economia processual dão-se como reproduzidos os factos constantes nos artigos 31 a 64 desta peça. (onde impugna a versão do A.), sublinhado é nosso

72. Como supra se referiu, em 26 de março de 2021 o Reconvinte/Réu e o Reconvindo/Autor, celebraram um contrato denominado “contrato de parceria”.

73. O reconvinte procedeu à transferência da quantia de € 18.250,00 para a conta bancária do Reconvindo, conforme acordado.

74. Dado que o Reconvindo/Autor incumpriu o contrato, nos termos do artigo 2.º, n.ºs 3 e 6, ou seja, decorrido o prazo aí estipulado, o Reconvindo não apresentou a plataforma, nem qualquer trabalho demonstrativo da criação da mesma, ou sequer o seu nome, bem como não investiu a quantia de € 189.000,00, o Reconvinte/Réu resolveu o contrato.

75. Nos contratos de natureza bilateral, perante o incumprimento do devedor, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e se já tiver realizado a prestação, exigir a restituição dela por inteiro (artigo 801.º do Código Civil).

76. Ora, no caso concreto, dado que o Reconvinte/Réu já tinha realizado a sua prestação – a entrega ao Reconvindo/Autor da quantia de € 18.250,00 – aquando da celebração do contrato denominado “contrato de parceria”, tem o direito a exigir a restituição dela ao Reconvindo.

77. O que o reconvinte/Réu pretende é a reposição do seu património no estado em que se encontraria, se o contrato não tivesse sido celebrado.

78. Para além disso, tem também o reconvinte o direito a exigir do reconvindo uma indemnização pelos prejuízos que este lhe causou com a falta de cumprimento.

79. Assim, o reconvinte teve prejuízos a titulo de danos patrimoniais, nomeadamente com o presente litígio (teve de recorrer a um Advogado; teve que se deslocar várias vezes ao seu escritório e ao tribunal, perdeu dias de trabalho, entre outros), que se cifram numa quantia nunca inferior a € 3.000,00.

80. Sofreu ainda o Reconvinte danos não patrimoniais, uma vez que foram frustradas as suas espectativas em receber os lucros do investimento que fez; sentiu-se enganado, angustiado, perturbado e envergonhado com toda a situação; além disso, investiu grande parte das poupanças de uma vida neste “negócio” ruinoso, passando assim por sérias dificuldades económicas (privando-se a ele e ao seu agregado familiar de certos gastos necessários para ter uma vida condigna).

81. Pelo que deve o reconvinte ser resssarcido pelo reconvindo desses danos não patrimoniais, num valor nunca inferior a € 2.000,00.

82. Pretende o Reconvinte, por via desta reconvenção, que o Reconvindo seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 18.250,00 (dezoito mil duzentos e cinquenta euros), acrescidos de juros de mora vincendos à taxa legal até integral pagamento, bem como do valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), a titulo de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

                                                       ***

3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que a questão a decidir consiste em saber: - Se o despacho recorrido deve ser revogado, por violação dos art.ºs 584 e 587 do CPC, não havendo lugar a confissão dos factos referidos no pedido reconvencional.

Apreciando

            O recorrente para defender o seu ponto de vista refere, na motivação, que sendo os factos alegados na RECONVENÇÃO impugnatórios, não há o que se falar em obrigatoriedade de replicar, se a petição, com os seus factos já importa a negação dos factos da exceção, citando para defesa do seu ponto de vista o Ac. proferido no proc. n.º 57/18.8T8ALJ.G1, do Tribunal da Relação de Guimarães.

Diga-se, desde já, que advogamos o despacho recorrido, no que concerne ao entendimento de que, ao que o A., aqui recorrente chama de réplica, aludida, no ponto 1.6., é extemporâneo.

Contudo, a questão, que se coloca, e, levantada pelo recorrente, é saber se podiam ser dados como confessados os factos referidos na reconvenção, como se entendeu no despacho recorrido, já que, segundo o recorrente tal não seria possível, na medida em que tais factos já estavam impugnados na sua peça processual, Petição Inicial.

Que dizer?

O art.º 584º do CPC elenca as funções da réplica, dizendo ser admissível se, na contestação, o réu tiver deduzido pedido reconvencional, ou tiver trazido factos constitutivos para o processo, seja como fundamento do pedido reconvencional, seja como factos constitutivos opostos por ele ao pedido de simples apreciação negativa deduzido pelo autor.

A réplica desempenha, em face da reconvenção que haja sido deduzida, o mesmo papel que a contestação do réu em face da petição inicial.

De acordo com o que dispõe o art.º 587º, n.º1, a falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no art.º 574º que, por seu turno, no que agora releva, estatui no seu nº 2 que se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto.

Acontece, todavia, que a reconvenção pode basear-se em facto jurídico que serve de fundamento à defesa - art. 266.º, n.º 2, al. a).

Cremos, portanto, que, mostrando-se o pedido reconvencional apenas sustentado em matéria da defesa e estando a mesma em oposição com a vertida na petição inicial, configurando-se como mera versão diversa do acontecido, julgamos ser correcto afirmar que não ocorre, por falta de réplica, efeito cominatório quantos aos factos que consubstanciam aquele mesmo pedido.
            Nas palavras do aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 14.01.2021, aliás, citado nos autos pelo recorrente e proferido no proc. º 57/18.8T8ALJ.G1, relatado por Espinheira Baltar, onde se refere
«Os factos são os mesmos com finalidades diferentes. No primeiro caso como meio de defesa e no segundo como causa de pedir. E, se enquanto meio de defesa estiverem em oposição com o alegado na petição inicial, como causa de pedir não deixam de estar em oposição com a ação principal. Daí que, por razões de economia processual, não se justifique que o autor/a ou autores se vejam na necessidade de impugnar a mesma matéria fáctica que já se encontra controvertida, na ação principal. Não se aplica ao caso a confissão tácita ou ficta, porque não se verificam os seus pressupostos, na medida em que os factos da reconvenção estão em oposição com os da petição inicial. Assim julgamos que não se concretizou a violação do disposto no artigo 584 e 587 do CPC».

Adoptando o entendimento de que não ocorre efeito cominatório, por falta de impugnação, quando os factos já se encontram negados na petição inicial, cfr. Lebre de Freitas, CPC Anotado, 3ª ed., vol.2º, pag.611.

No mesmo sentido Ac. da Rel. de Guimarães, de 20 de outubro de 2022, proc.º n.º 257/21.3T8VPL.G1, relatado por Raquel Rego.

            Aliás, como se sabe, a reconvenção é uma ação enxertada noutra, com relativa autonomia, uma vez que tem de ter uma relação de conexão coma ação principal, em princípio abarca factos diferentes da ação principal para fundamentar o ou os pedidos formulados.

Se forem reproduzidos factos alegados na contestação, como integrantes da causa de pedir, estes não poderão ser considerados novos, porque fazem parte da ação e da reconvenção, em que a parte na contestação é ré ou réu e na reconvenção autora ou autor. Assim, os factos são os mesmos com finalidades diferentes. No primeiro caso como meio de defesa e no segundo como causa de pedir. E, se enquanto meio de defesa estiverem em oposição com o alegado na petição inicial, como causa de pedir não deixam de estar em oposição com a ação principal. Daí que, por razões de economia processual, não se justifique que o autor/a ou autores se vejam na necessidade de impugnar a mesma matéria fáctica que já se encontra controvertida, na ação principal. E, neste caso, não se aplica a confissão tácita ou ficta, porque não se verificam os seus pressupostos, na medida em que os factos da reconvenção estão em oposição com os da petição inicial, pelo que, nesta medida, segundo nós, não se concretiza a violação do disposto no artigo 584 e 587 do CPC. (conferir – Lebre Freitas, CPC. Anotado, Vol. 2º, 3ª edição pag. 610 1 611, anotações 2 e 3; Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol I, Almedina, pag. 669, e Ac. da Rel. de Guimarães, citado pelo recorrente, de 14.01.2021, proc. º 57/18.8T8ALJ.G1, relatado por Espinheira Baltar e Ac. do mesmo Tribunal, supra citado, de 20 de outubro de 2022, proc.º n.º 257/21.3T8VPL.G1, relatado por Raquel Rego.

            Advogando nós, estes ensinamentos, que traduzem como que uma defesa antecipada. Cabe verificar se no caso concreto a R. no seu pedido reconvencional invoca factos novos, por um lado e por outro se o referido na P.I. está em oposição com o alegado pelo R., na sua peça processual contestação onde formula pedido reconvencional.

            Operando à leitura da P.I., e ao teor do pedido reconvencional, temos para nós, não haver factos novos, pois quer num quer noutro o que está em causa é o cumprimento ou não do contrato, tanto assim, que o R., no pedido reconvencional remete para os artigos 31 a 64 da impugnação, onde relata, segundo ele a forma como os factos ocorreram em oposição com o referido pelo A., na P.I. Por outro lado, operando à leitura da P.I. e da contestação mormente na defesa por impugnação e pelo pedido reconvencional, os factos alegados, não são mais que a oposição dos alegados na P.I., tirando com em deles a respetiva consequência jurídica.
            Assim, pelo exposto, temos para nós, assistir razão ao recorrente quando refere, ter o despacho recorrido, violado o preceituado nos art.ºs 584 e 587 do CPC, por entender que os factos referidos no pedido reconvencional foram admitidos por acordo.

            Face ao exposto, decide-se, por acórdão, face às razões expostas que tais factos não foram admitidos por acordo.

                                                           ***

                                                          4. Decisão

Face ao exposto, decide-se, por acórdão, julgar o recurso procedente, e, por consequência revogar o despacho recorrido, e substitui-lo, por acórdão, e decidir, que os factos referidos no pedido reconvencional não foram admitidos por acordo.

Custas a final a cargo de quem deu causa à ação/reconvenção, ou não havendo vencimento a cargo de quem tirou proveito da ação/reconvenção (cfr. art.º 527, n.ºs 1 e 2 do C.P.C.

            Coimbra, 10/10/2023

            Pires Robalo (relator)

            Silvia Pires (adjunta)

            Teresa Albuquerque (adjunta)