Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
676/19.5PBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA BRANCO
Descritores: MEDIDA DE SEGURANÇA
LIMITE MÁXIMO DA MEDIDA DE SEGURANÇA
PRÁTICA
POR INIMPUTÁVEL
DE FACTOS INTEGRADORES DE VÁRIOS ILÍCITOS TÍPICOS
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DAS CALDAS DA RAINHA - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 30.º, N.ºS 1 E 3, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
ARTIGOS 40.º, N.º 3, 77.º, 91.º, N.º 1, E 92.º, N.ºS 2 E 3, DO CÓDIGO PENAL
Sumário:
I – O limite máximo da medida de internamento é o limite superior da pena aplicável ao crime cometido.

II – Em caso de prática, por inimputável, de factos integradores de vários ilícitos típicos, o limite máximo da medida de segurança coincide com o limite máximo da pena correspondente ao crime mais grave.

III – O artigo 77.º do Código Penal não admite o cúmulo jurídico de penas abstractas.

Decisão Texto Integral:

Relatora: Cristina Pego Branco

1.º Adjunta: Alcina Costa

2.º Adjunto: Pedro Lima

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção – Criminal – do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. …

2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença na qual foi decidido, para além do mais (transcrição):
«- Julgo a acusação procedente por provada e, em consequência,
a) Absolvo o arguido da prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alíneas a) e c), ambos do Código penal, com referência ao disposto no artigo 132.º, n.º 2, al. l) e 386.º, n.º 1, do Código Penal.
b) Absolvo o arguido da prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal.
c) Ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, do Código Penal, declaro o arguido inimputável pela prática de factos subsumíveis ao ilícito de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alíneas a) e c), ambos do Código penal, com referência ao disposto no artigo 132.º, n.º 2, al. l) e 386.º, n.º 1, do Código Penal, assim o sujeitando a medida de segurança de internamento pelo prazo máximo de 2 (dois) anos.
d) Ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, do Código Penal, declaro o arguido inimputável pela prática de factos subsumíveis ao ilícito de ofensa à integridade física, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, do Código Penal, assim o sujeitando a medida de segurança de internamento pelo prazo máximo de 3 (três) anos.
e) O arguido fica, assim, sujeito a medida de segurança pelo período máximo de 5 (cinco) anos.
f) Suspendo, na sua execução, o internamento do arguido, pelo período máximo de 5 (cinco) anos, sujeitando tal suspensão a acompanhamento pela DGRSP com regime de prova e, condicionando a mesma à manutenção do tratamento ambulatório a que tem aderido voluntariamente.
g) Sem custas criminais, atenta a inimputabilidade. (…)»

3. Inconformado com esta decisão, interpôs o Ministério Público o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):

«A) Nos presentes autos, recorre-se apenas do limite máximo do internamento aplicado, por considerar que não respeita o disposto pelo artigo 92º nº3 do CP

C) O Tribunal a quo efectou um somatório das penas máximas abstratamente aplicáveis e aplicou ao arguido uma medida de segurança com o limite máximo de 9 anos

D) A letra da lei é clara no sentido de que o limite máximo da medida não pode exceder o limite máximo da pena. Já não esclarece o artigo qual deverá ser o limite máximo no caso de existirem vários tipos de crime, como sucede nos presentes autos.

E) A Jurisprudência, nomeadamente os acórdãos do STJ de 28.10.1995 e 02.02.2006 têm decidido que o Tribunal não pode não pode realizar uma operação de cúmulo jurídico, a qual se encontra reservada à aplicação de penas.

F) E que o limite máximo deverá ser igual à pena máxima abstratamente aplicável, correspondente ao crime mais grave.

G) Tal limite impõe-se porque uma medida de segurança não tem a mesma natureza de uma ena, que apenas termina quado atinge o seu limite temporal.

H) O internamento cessa quando o Tribunal de Execução das Penas verificar que findou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem. A revisão da situação do internado pode ser apreciada a todo o tempo se for invocada a existência de causa justificativa da cessação do internamento.

I) do regime de internamento a inimputável tem em vista, por um lado, a protecção da comunidade em geral, protegendo-a de indivíduo perigos, mas, por outro lado, a própria proteção do inimputável, tratando ao problema de saúde que o torna perigoso.

J) Nestes termos entendemos que o internamento penas deveria cessar quando terminasse a perigosidade que deu origem ao mesmo.

K) Porém, o legislador fixou, como regra, um prazo máximo de internamento, findo o qual o internado tem de ser posto em liberdade tenha ou não cessado o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem.

L) In casu, operando uma correta aplicação do artigo 92º nº3do CP, a pena mais grave abstratamente aplicável, corresponde ao crime de Ofensas à Integridade Físicao ou seja de 3 anos.

Desta forma se fazendo JUSTIÇA.»

4. O recurso foi admitido, por despacho de 24-05-2023 …

5. Não foi apresentada resposta ao recurso.

6. Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer …


*

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

In casu, a única questão suscitada prende-se com o limite máximo da medida de segurança de internamento aplicada, que o recorrente considera não respeitar os critérios legais.


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2. Da decisão recorrida

Previamente à apreciação da questão suscitada, vejamos qual a fundamentação de facto que consta da sentença recorrida.
«A) Factos provados
Com relevância para a decisão da causa, da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 22-11-2019, pelas 09h50, no interior das instalações da Segurança Social sita na Rua ..., em ..., o arguido dirigiu-se ao ofendido … e de imediato, com vários movimentos de trás para a frente, e com os punhos fechados, atingiu-o por diversas vezes na sua face e cabeça,
2. Motivo pelo qual o ofendido desequilibrou-se, caindo no solo, provocando-lhe dores nas citadas áreas do corpo, e ainda nas suas mão e perna direitas.
3. Como consequência direta e necessária de tal conduta, o arguido sofreu uma escoriação na face posterior da mão direita e uma equimose arroxeada nas faces anteriores do punho e eminência tenar da mão direita, que lhe ditou um período de 5 dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho.
4. Após, o arguido dirigiu-se à ofendida …, …, e, com um dos dedos indicadores esticados, apontou-o na sua direção, e proferiu-lhe a seguinte expressão, em tom elevado e com foros de seriedade: “E a ti também já te avisei!”, provocando medo e inquietação na ofendida, que temeu pela sua integridade física e vida.
5. Efetuado exame às faculdades mentais do arguido concluiu-se que sofre de Psicose Esquizofrénica, prévia a 22-11-2019, e que “… relativamente aos factos em apreço no presente processo, há fortes evidências de que o denunciado se encontrava em fase de descompensação da anomalia psíquica grave de que era portador desde date anterior, uma vez que havia abandonado o tratamento prescrito que havia sido alterado de formulação injetável de longa duração para formulação oral. Apesar de não termos tido acesso aos registos clínicos do internamento que terá tido lugar pouco tempo depois dos factos, tudo leva a crer que o comportamento do denunciado terá sido influenciado pela sintomatologia decorrente da anomalia psíquica de que padece. Com efeito, há relato que apresentava ideias delirantes de temática persecutória, nomeadamente de que haviam colocado câmaras no domicílio para o vigiar, admitindo-se que o comportamento desorganizado e agressivo para com os funcionários possa ter sido moldado por tais crenças infundadas,”
6. Motivo pelo qual foi considerado que “se encontram preenchidos os pressupostos médico-legais de INIMPUTABILIDADE”.
7. Quanto à perigosidade do arguido, concluiu-se que “o risco de repetição de factos ilícitos semelhantes – leia-se perigosidade – é elevado”.
8. O arguido, ao agir da forma supra descrita, fê-lo de forma voluntária, mas não deliberada e conscientemente, pois, face à ao seu quadro clínico, sintomas psicóticos caracterizados por ideias delirantes persecutórias, não tinha, à data dos factos, consciência que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
9. À data de 20.03.2023, o arguido tinha averbadas ao seu Certificado de Registo Criminal a sujeição a medidas de segurança pela prática de factos qualificados pela lei penal como um crime de ofensa à integridade física e um crime de homicídio da forma tentada, praticados em 1.03.2010, os quais foram objeto de decisão no processo n.º 4/10...., que correu termos pelo extinto 3.º juízo do Tribunal Judicial ... e pela prática de factos qualificados pela lei penal como um crime de dano qualificado, praticados em 17.02.2010, os quais foram objeto de decisão no processo n.º 633/10...., que correu termos pelo extinto 2.º juízo do Tribunal Judicial ....

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B) Factos não provados
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C) Motivação da matéria de facto
O tribunal alicerçou a sua convicção positiva e negativa da forma acima descrita, com base na análise conjunta de toda a prova produzida nos autos e em julgamento.
O arguido confirmou a prática dos factos.
Todavia, atenta a sua situação de inimputabilidade, não pode considerar-se tal admissão como uma confissão integral e sem reservas dos factos constantes do despacho de acusação.
Foram, assim, inquiridas as testemunhas …
No que se refere à condição de saúde mental do arguido, o Tribunal teve em consideração o teor do relatório de exame pericial de fls. 180 e ss., quanto aos seus antecedentes criminais, o teor objetivo do Certificado de Registo Criminal de fls. 235 e ss. e quanto às suas condições pessoais, o teor do relatório social para determinação da sanção de fls. 230 e ss..»

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3. Da análise dos fundamentos do recurso

Como é sabido, e resulta do disposto nos arts. 368.º e 369.º, ex vi art. 424.º, n.º 2, todos do CPP, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem o objecto do recurso pela seguinte ordem:

Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.

Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto e, dentro destas, pela impugnação alargada, se tiver sido suscitada e, depois dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.

Por fim, das questões relativas à matéria de direito.

Será, pois, de acordo com estas regras de precedência lógica que serão apreciadas as questões suscitadas.


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Como acima referimos, a discordância do recorrente prende-se apenas com a decisão do Tribunal recorrido de fixar em 5 (cinco) anos o limite máximo da medida de segurança de internamento aplicada.

Alega, em síntese, que esse limite não poderá exceder o máximo da moldura penal prevista para o crime mais grave cometido, neste caso o de 3 (três) anos de prisão, correspondente ao crime de ofensa à integridade física simples, contrariando a decisão recorrida os critérios legais, concretamente o disposto no art. 92.º, n.º 2, do CP[1], e o entendimento jurisprudencial maioritário.

Depois de concluir pela absolvição do arguido por força da sua condição de inimputável, pese embora tenha praticado factos subsumíveis aos crimes de ameaça agravada e ofensa à integridade física simples, e pela necessidade, em face da perigosidade daquele, de aplicação de uma medida de segurança, expendeu o Tribunal recorrido, na parte que ora importa (transcrição):
«Aqui chegados importa analisar o disposto no art.º 91.º, do Código Penal.

Dos elementos dos autos, especialmente do teor do relatório pericial já abundantemente referenciado, é manifesta a necessidade de sujeição do arguido se submeter a tratamento e continuar a aderir ao tratamento que tem vindo a efetuar.
O relatório pericial em referência é omisso quanto à necessidade de internamento efetivo do arguido contudo, ressalta do seu teor que, devidamente tratado e acompanhado, o arguido consegue controlar a sua perigosidade, fatores sublinhados pelo exame do processo de internamento compulsivo a que o mesmo foi sujeito e já acima referenciado.
O normativo acima referenciado, atenta a pena abstratamente aplicável ao facto típico e ilícito praticado pelo arguido, não estipula um limite mínimo de duração do internamento.
Todavia, o art.º 92.º, n.º 2, do Código Penal estipula um limite máximo para esta duração, correspondente ao limite máximo da pena aplicável ao crime em causa.
Observado o disposto no art.º 155.º, do Código Penal, constata-se que tal limite máximo se situa em 2 (dois) anos de prisão e, no que se refere ao art.º 143.º, n.º 1, o mesmo situa-se em 3 (três) anos de prisão.
Aqui chegados, impõe-se considerar o seguinte:
… tratando-se a operação de cúmulo jurídico uma operação que visa a aplicação de uma pena única e que os respetivos pressupostos e modos de cálculo se encontram compreendidos no art.º 77.º, do Código Penal, tal operação pressupõe uma pena concreta mínima e máxima e a pena única tem de se encontrar algures entre estes limites, observados os requisitos que a lei estabelece.
As medidas de segurança, não tendo uma medida única, mas apenas um limite máximo não podem, naturalmente, ser objeto de operações de cúmulo jurídico, por se tratar de medidas sem um quantum específico.

Ora, o art.º 92.º, n-º 2, do Código Penal, rege sobre a duração máxima do internamento pelo facto praticado a que corresponde um crime, estabelecendo que a medida de segurança não pode ultrapassar o limite máximo da pena aplicável ao crime correspondente, o que tem todo o sentido, já que não poderia o arguido inimputável ser sujeito a uma sanção de cariz penal superior àquela que o imputável é, em termos abstratos.

… entendo que não pode desconsiderar-se a prática de vários factos e, nesta conformidade, optar por sancionar apenas o mais grave (até porque, mutatis mutandis, tal não sucede em relação aos imputáveis), assim considerando que o limite máximo da medida de segurança de internamento deverá corresponder à soma das penas máximas aplicáveis a cada um dos crimes em exame, no caso concreto, 5 anos.»

Adiantamos, desde já, que não acompanhamos o entendimento da decisão recorrida relativamente à questão colocada à apreciação deste Tribunal.

Como se explica com clareza no acórdão do STJ de 16-10-2013, proferido no Proc. n.º 300/10.1GAMFR.L1.S1 – 3.ª[2]:

«Nos termos do art. 91º, nº 1, do CP, são pressupostos da aplicação de uma medida de segurança: a prática de um ou mais factos penalmente relevantes (factos “ilícitos, típicos”), a declaração de inimputabilidade do agente e um juízo afirmativo sobre a sua perigosidade criminal.

Embora, na sua génese, as medidas de segurança tenham correspondido a um objetivo preventivo-especial de defesa da sociedade, o sentido da sua aplicação evoluiu, em função das exigências garantísticas do Estado de Direito democrático, proscrevendo a Constituição as medidas de segurança sem duração definida (nº 1 do art. 30º), embora admitindo a sua prorrogação sucessiva, mas sempre mediante decisão judicial (nº 3 do mesmo artigo).

Com a reforma penal de 1995, o nº 3 do art. 40º do CP passou a determinar que “a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”, o que aproxima o critério da determinação das medidas de segurança do das penas, sendo que o nº 1 do mesmo artigo não distingue entre as finalidades das penas e as das medidas de segurança.

Sobre a duração da medida de segurança, e no que respeita ao limite máximo, há que atentar no nº 2 do art. 92º do CP (resultante da reforma penal de 1995), que determina que “o internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo inimputável”, afloramento do mesmo princípio de aproximação entre a aplicação das penas e das medidas de segurança, embora o nº 3 do mesmo artigo venha salvaguardar as situações de maior perigosidade, estabelecendo que “se o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime punível com pena superior a 8 anos e o perigo de novos factos da mesma espécie for de tal modo grave que desaconselhe a libertação, o internamento pode ser prorrogado por períodos sucessivos de 2 anos até se verificar a situação prevista no nº 1 [quando cessar o estado de perigosidade]”.

O limite máximo da medida de internamento é, pois, o limite superior da pena aplicável ao crime cometido.

Contudo, a lei não prevê expressamente a hipótese de concurso de crimes. Em tal situação, qual é o limite da medida de segurança?

Tal limite terá de coincidir com o da pena correspondente ao crime mais grave, nos termos do citado nº 2 do art. 92º do CP, a não ser que se verifique a situação descrita no nº3 do mesmo artigo.

Na verdade, a lei não prevê outro limite para além do estabelecido nesse preceito. Por outro lado, o art. 77º do CP não admite o cúmulo jurídico de penas abstratas. Por fim, a acumulação material dos limites máximos das molduras penais redundaria numa medida completamente desproporcionada, violando-se assim o disposto no nº 3 do art. 40º do CP.

A única solução que se mostra compatível com o sistema é, pois, a aplicação do nº 2 do art. 92º: o limite máximo da medida de internamento, em caso de concurso de crimes, é o da pena correspondente ao crime mais grave.[1][3]»

Ressalvando-se as referências à disposição do n.º 3 do art. 92.º do CP, que, como acima já referimos, foi entretanto revogada pelo art. 54.º, al. e), da Lei n.º 35/2023, de 21-07, subscrevemos tal entendimento, que cremos ser uniforme na jurisprudência.

Na verdade, para além do acórdão do STJ de 28-10-1998 proferido no Proc. n.º 98P894, mencionado no citado aresto[4], no mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos do mesmo Tribunal de 02-02-2006, Proc. n.º 2429/05 - 5.ª[5], de 12-01-2017, Proc. n.º 408/15.7JABRG.G1.S1 - 5.ª[6], e de 07-02-2018, Proc. n.º 248/14.0GBCNT.C1.S1 - 3.ª[7]; bem como a decisão proferida pelo então Senhor Presidente desta 5.ª Secção de 21-02-2018 no âmbito de conflito de competência no Proc. n.º 618/14.4PBVIS-B.C1[8], e os acórdãos da Relação de Guimarães de 11-07-2017, Proc. n.º 422/16.5PAVNF, e da Relação de Évora de 28-02-2023, Proc. n.º 24/20.1GFEVR.E1[9].

Salvo o devido respeito, a decisão recorrida não apresenta qualquer argumento que, na nossa perspectiva, seja susceptível de pôr em crise a fundamentação das citadas decisões, afigurando-se-nos, ademais, que a solução nela propugnada, de fixar o limite máximo da medida de segurança de internamento em ponto que corresponde à soma das penas máximas fixadas nas molduras abstractas aplicáveis a cada um dos crimes em análise (ou seja, operando uma acumulação material dos limites máximos das molduras penais), redunda numa medida absolutamente desproporcionada e violadora, por isso, do disposto no n.º 3 do art. 40.º do CP.

Sendo tal acumulação material inadmissível, nesta parte a sentença recorrida não pode subsistir, havendo que proceder à redução da medida de segurança de internamento aplicada para o limite máximo da pena do mais grave dos factos cometidos.

No caso, tendo o arguido cometido factos ilícitos típicos que correspondem aos crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, als. a) e c), com referência aos arts. 132.º, n.º 2, al. l), e 386.º, n.º 1, todos do CP (punível, em abstracto, com pena de prisão até 2 anos), e de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do mesmo diploma (punível, em abstracto, com pena de prisão até 3 anos), o limite máximo da medida de internamento é de 3 (três) anos.

Procede, assim, o recurso interposto.

E, consequentemente, em face do disposto no art. 98.º, n.º 6, al. a) do CP, que determina ser correspondentemente aplicável à suspensão da execução do internamento o disposto no art. 92.º do mesmo diploma, o limite máximo do período de suspensão da execução da medida de segurança – que o Tribunal recorrido fixou em 5 (cinco) anos – terá de ser, também ele, reduzido para 3 (três) anos.


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III. Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra em, concedendo provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público,

a) revogar a sentença recorrida na parte em que fixou em 5 (cinco) anos o limite máximo da medida de segurança de internamento aplicada ao arguido, fixando-se em 3 (três) anos tal limite, bem como o período máximo da decretada suspensão da execução do internamento;

b) manter, no mais, o decidido.

Sem tributação.

Notifique.


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(Certifica-se, para os efeitos do disposto no art. 94.º, n.º 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária, sendo ainda revisto pela segunda e pelo terceiro signatário, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20-09)

*
Coimbra, 11-10-2023





[1] Apesar de o recorrente se referir nas suas conclusões A) e L) ao art. 92.º, n.º 3, do CP (disposição agora revogada pelo art. 54.º, al. e), da Lei n.º 35/2023, de 21-07), é manifesto que tal menção se deverá a manifesto lapso de escrita, sendo certo que na motivação vem invocada a violação do art. 92.º, n.º 2, do CP.
[2] In www.dgsi.pt.
[3] [1] Neste sentido, o acórdão deste Supremo de 28.10.1998, Boletim do Ministério da Justiça, nº 480, pp. 99 ss.; e Paulo Albuquerque, Comentário do CP, 2ª ed., pp. 332-333.
[4] Também disponível in www.dgsi.pt, no qual se lê: «Como se referiu já o prazo máximo do internamento corresponde ao limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime cometido pelo inimputável, referindo-se pois a pena abstracta.
Apesar de haver um concurso de crimes cometidos pelo inimputável não pode o período máximo de internamento ser determinado de acordo com a punição do concurso, em primeiro lugar porque o Código Penal no seu artigo 77 só prevê o cúmulo de penas parcelares concretas e que sejam ou de prisão e ou de multa, e por outro não pode socorrer-se da analogia para o efectivar - n. 3 do artigo 1 do Código Penal.
O internamento de inimputável perigoso tem em vista por um lado livrar a comunidade da presença dum cidadão que em perigo põe a mesma por não se comportar de acordo com os valores éticos, morais e sociais da mesma, mas por outro e o mais relevante fazer cessar no internado o estado de perigosidade criminal que deu origem ao internamento, fazendo regressar ao convívio da comunidade um cidadão apto a respeitar os direitos dela.
Sendo o internamento um tratamento a que o internado vai ser submetido aquele só deveria terminar quando a perigosidade criminal que lhe deu origem tivesse cessado, mas o legislador fixou, como regra, um prazo máximo de internamento, findo o qual o internado tem de ser posto em liberdade tenha ou não cessado o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, e isto em obediência ao princípio constitucional consignado no artigo 32 da Constituição da República Portuguesa.
Qual o prazo máximo do internamento?
Segundo o n. 2 do artigo 92 do Código Penal corresponde ao limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime cometido pelo inimputável. Ora o Arguido cometeu oito crimes de furto, uns simples e outros qualificados e, por isso, entende-se que o internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao crime mais grave do tipo cometido pelo inimputável, ou seja, o prazo de oito anos.»
[5] In www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de acórdãos), em cujo sumário se lê, na parte que ora importa: …
[6] In www.dgsi.pt, segundo o qual: «Dando expressão ao princípio da proporcionalidade, na medida em que o critério da determinação da duração máxima da medida de segurança assenta na gravidade do facto praticado, o artigo 92.º, n.º 2, do CP estabelece a regra de que «o internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime cometido pelo inimputável».
No caso do cometimento de mais do que um facto típico ilícito pelo mesmo agente inimputável, como se deu no caso em apreço, o tribunal aplica uma só medida de segurança de internamento cujo limite máximo corresponde ao limite máximo da pena do mais grave dos factos cometidos[6]. [[6] Neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/03/1998 (processo 98P894), Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal, Parte Geral e Especial, com notas e comentários, 2014, Almedina, comentário 2 ao artigo 92.º, p. 419, Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., anotação 10 ao mesmo artigo, p. 430.]
A exigência de as medidas de segurança deverem ter um limite máximo de duração implica que, aqueles a quem é aplicada uma medida de segurança de internamento serão um dia libertados, mesmo que se mantenha o estado de perigosidade criminal que justificou a aplicação desta reacção criminal[7]. [[7] Cfr. Maria João Antunes, ob. e loc. cit., pp. 56-57.]
[7] Ibidem, de cujo sumário, na parte que ora importa, consta: «IV - No caso de concurso de ilícitos típicos não tem aplicação o disposto no art. 77.º, do CP. V - O art. 77.º, do CP não admite o cúmulo jurídico de penas abstractas. VI - Em consonância com o n.º 2 do art. 92.º do CP, o limite máximo da medida de internamento, em caso de concurso de ilícitos típicos, é o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime mais grave praticado pelo inimputável. VII – Pela própria natureza da medida de segurança, está afastada qualquer coisa como uma determinação judicial do quantum da medida de segurança.»
[8] Ibidem, no qual se lê: «No caso de cometimento de mais do que um facto ilícito pelo mesmo agente inimputável, deve ser aplicada apenas uma medida de segurança de internamento, cujo limite máximo corresponde ao limite superior da pena prevista para o crime mais grave.
Prevendo o artigo 77.º do CP tão só o cúmulo jurídico de penas parcelares concretas, de prisão ou de multa, e na impossibilidade de recurso à analogia (cfr. n.º 3 do artigo 1.º daquele diploma legal), a única resposta compatível com o sistema há-de decorrer, precisamente, do já citado artigo 92.º, n.º 2, ainda do mesmo compêndio legislativo, concretizada deste modo: o limite máximo da medida de internamento, verificando-se concurso de factos típicos e ilícitos, é o correspondente à pena do crime mais grave [cfr., v.g., Acs. do STJ de 28-10-1998 (proc. n.º 894/98 – 3.ª Secção), 16-10-2013 (proc. n.º 300/10.1GAMFR.L1.S) e 12-01-2017 (proc. n.º 408/15.7JABRG.G1.S1), publicados, o primeiro, apenas o sumário, no Boletim Interno do STJ, e os outros dois, in www.dgsi.pt].
[9] Ambos ibidem.