Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1185/18.5T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: PROVA POR PRESUNÇÕES JUDICIAIS
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
FALSIDADE DO DECLARADO EM ESCRITURA PÚBLICA
SIMULAÇÃO
CONTRATO DE PERMUTA OU TROCA
Data do Acordão: 10/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 480.º DO CÓDIGO COMERCIAL
ARTIGOS 640.º E 662.º, 1, DO CPC
ARTIGOS 240.º, 2; 241.º; 342.º, 1; 349.º; 351.º; 368.º; 393.º; 394.º, 1; 406.º, 2; 929.º-A, 1 E 939.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
1. - A invocação das «regras da experiência» remete-nos para a prova por presunções judiciais, por referência ao que é lógico, consentâneo com o normal acontecer e aderente ao comum sentido de adequação, probabilidade e razoabilidade.

2. - Não se adequa/conforma aos princípios da lógica, aos juízos correntes de probabilidade, ao normal acontecer e ao comum sentido de razoabilidade que a parte vendedora num contrato de compra e venda declare falsamente, em escritura pública, ter recebido integralmente o preço da venda, quando ainda se encontre uma parte deste por pagar – por esse preço declarado ser inferior ao preço real –, remetendo-se, assim, na falta de um escrito de salvaguarda, a uma posição de total dependência perante a contraparte (com interesse oposto/conflituante), por inexistir prova que mostre a falsidade do declarado, mormente quando, estando em causa montante pecuniário consideravelmente elevado, apenas se recorre a juízo, sem impedimento para tanto, quase duas décadas após o negócio.

3. - A demonstração da simulação – absoluta ou relativa – implica a verificação simultânea dos requisitos da intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, do acordo simulatório e do intuito de enganar terceiros, cabendo o ónus probatório da respetiva factualidade de suporte a quem invoca a simulação.

4. - O contrato de troca, permuta ou escambo, tendo por objeto a transferência recíproca da propriedade de coisas ou outros direitos entre as partes, é um contrato nominado, atípico, obrigacional, oneroso e sinalagmático, sendo-lhe aplicável o regime do contrato de compra e venda, tal como, do mesmo modo, o princípio da eficácia relativa dos contratos, de acordo com o qual, por regra, o contrato é inoperante em relação a terceiros.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório ([1])

AA, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa, com processo comum, contra

1.º - BB,

2.ª - CC,

3.º - DD,

4.ª - “A..., LIMITADA”,

todos também com os sinais dos autos,

pedindo:

a) O reconhecimento e declaração de que, na identificada escritura – intitulada de “compra e venda” – datada de 13/10/1998, os respetivos outorgantes não declararam a totalidade do preço estipulado como contrapartida da venda dos imóveis objeto do negócio (foi omitida intencionalmente a quantia de Esc. 4.000.000$00, recebida pela A. aquando da assinatura do contrato-promessa de 01/09/1998; e as 3 frações autónomas que os RR. se obrigaram também a entregar à A. como contrapartida dos prédios prometidos vender);

b) O reconhecimento e declaração de que aquela omissão da escritura teve lugar por acordo entre A. e RR., com o intuito de enganar terceiros, ocultando perante terceiros (Fazenda Nacional e Cartório Notarial) o preço total convencionado;

c) O reconhecimento e declaração de que a 4.ª R., bem como o 1.º R. e o falecido EE, se obrigaram solidariamente a dar em pagamento à A., como parte integrante do preço dos imóveis objeto da ajustada compra e venda, as três frações estabelecidas na cláusula terceira do contrato-promessa de 01/09/1998 (para além das verbas em dinheiro de Esc. 4.000.000$00, paga na data do contrato-promessa, e de Esc. 36.000.000$00, paga na data da escritura de compra e venda);

d) O reconhecimento e declaração de que os RR. faltaram culposamente ao cumprimento dessa sua obrigação de entrega em pagamento à A. das referidas três frações autónomas (do empreendimento previsto para o local, que os RR. não implementaram nem concretizaram);

e) A condenação dos RR. a pagar à A., solidariamente, a quantia de € 550.000,00, correspondente ao valor das frações em causa;

f) A condenação dos RR., solidariamente, a pagar à A. uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, que deve ser fixada no montante mínimo de € 150.000,00;

g) O reconhecimento de que os RR. estão obrigados a outorgar a escritura de permuta prevista na carta do 1.º R. datada de 25/09/1998, cedendo os RR. à A. o prédio rústico inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...9.º, com área e confrontações devidamente atualizadas após o destaque da parcela prometida vender (o atual art.º 230.º); e cedendo a A. aos RR. (ou a quem estes indicarem) o prédio urbano inscrito na matriz respetiva sob o art.º ...27.º (atualmente, art.º ...74.º);

h) Atenta a recusa dos RR. em outorgar a referida escritura, deve ser proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos faltosos (que decrete a permuta, nos termos referidos);

i) A condenação dos RR. a solidariamente reconhecer, aceitar e praticar tudo quanto consta das anteriores alíneas, acrescido de juros moratórios à taxa legal, sobre as quantias supra referidas em e) e f), desde a citação e até integral cumprimento;

j) A condenação dos RR. a pagar uma sanção pecuniária compulsória consistente em juros à taxa de 5% ao ano sobre o valor em dívida, sanção essa que acrescerá aos juros de mora, nos termos do disposto no art.º 829.º-A do CCiv..

Para tanto, alegou, em síntese:

- entre a A. (promitente vendedora) e o 1.º R. (promitente adquirente) foi celebrado contrato-promessa de compra e venda, datado de 01-09-1998, âmbito em que a A., enquanto dona de prédios ali identificados, declarou prometer vender os art.ºs urbanos ...27..., ...26... e ...94.º, bem como uma parcela de terreno a desanexar do prédio rústico inscrito sob o art.º ...9.º, ao 1.º R., que declarou prometer comprar-lhe, pelo preço de 40.000.000$00, e declarando que a A. recebeu já 4.000.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento, devendo a parte restante do preço ser paga até 30/09/1998;

- para além daquela quantia em dinheiro, e como contrapartida dos prédios prometidos vender, o promitente comprador entregaria à A. três frações autónomas, caso viesse a ser possível construir no espaço físico dos prédios prometidos vender e comprar um número superior a trinta e que, caso viesse apenas a ser possível construir nessa área entre os vinte e trinta fogos, o segundo outorgante apenas entregaria àquela dois apartamentos, e que, não sendo possível a construção de pelo menos vinte fogos, o contrato-promessa seria resolvido de comum acordo entre os outorgantes, deixando de produzir quaisquer efeitos, à exceção da obrigação que decorria para a primeira outorgante em restituir o preço de quarenta milhões de escudos, e, bem assim, que os apartamentos que a A. teria a receber do 1.º R. seriam da tipologia prevista na cláusula 4.ª do contrato-promessa;

- a A. obrigou-se a registar a seu favor e a expensas suas os prédios urbanos objeto da promessa, bem como a parcela de terreno que iria ser desanexada do prédio rústico;

- por documento particular, outorgado em 18/09/1998, a A. e o 1.º R. fizeram um aditamento ao contrato-promessa, no qual a A. declarou que se obrigava a outorgar a escritura de compra e venda dos imóveis referidos a favor do 1.º R., ou a quem este viesse a indicar, mantendo-se no mais o clausulado do contrato de 01/09/1998;

- por não se prever quando poderia ser feita a desanexação da parcela de terreno do art.º ...9.º, o 1.º R. e a A. outorgaram de imediato a escritura de compra e venda dos art.ºs 1.126.º e 494.º e da totalidade do prédio rústico inscrito sob o art.º ...9.º, não sendo incluído na escritura, de imediato, o outro artigo urbano prometido vender (1.127.º), e quando a parcela a desanexar do prédio rústico estivesse efetivamente desanexada, seria outorgada uma escritura de permuta pela qual o 1.º R. cederia à A. “o prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...9º, com área e confrontações devidamente actualizadas após o destaque da parcela prometida vender e, ainda, a contrapartida indicada na cláusula terceira daquele contrato-promessa – três fracções autónomas”;

- e a A. cederia ao 1.º R. “o prédio urbano inscrito sob o artigo ...27”, propondo este R. que o pagamento da quantia em falta, de Esc. 36.000.000$00, fosse efetuado na data da escritura, no dia 13/10/1998, acrescida de mais Esc. 474.640$00, procedendo-se, assim, à outorga da escritura, “em simultâneo com o pagamento da quantia em dívida”;

- acordou-se que a escritura deveria ser outorgada a favor da 4.ª R., concordando esta com as obrigações assumidas pelo 1.º R.;

- porém, os RR. não procederam à outorga da escritura de permuta, nem entregaram à A. as três frações autónomas estipuladas, encontrando-se legalizada a desanexação da parcela de terreno prevista no contrato-promessa de 01/09/1998, tendo sido viabilizada uma operação de loteamento para os prédios em causa;

- em conjunto com o 1.º R. e a 4.º R., acordaram declarar um preço na escritura de compra e venda de 13/10/1998 de 40.000.000$00, em dinheiro, mais os três apartamentos acima mencionados, para evitar maiores encargos fiscais e notariais, não tendo incluído no objeto da compra e venda a totalidade do art.º rústico ...9.º, quando o acordo apenas incidia sobre a parcela a destacar deste artigo, tendo ficado acordado entre todos a futura outorga de escritura de permuta quando a parcela a desanexar do prédio rústico estivesse destacada;

- a A. contava com três apartamentos para fazer face às despesas da sua velhice, tendo ficado abalada com o incumprimento dos RR., o que lhe causou angústias, incómodos, desgostos e inquietação.

Citados, os RR. apresentaram contestação, defendendo-se por impugnação e por exceção.

O 1.º R. (BB), para além de defesa por impugnação, invocou a ineptidão da petição inicial, excecionando a sua ilegitimidade e, bem assim, a colocação voluntária da A. numa situação de impossibilidade de satisfazer a prestação a que se tinha obrigado, por forma a concluir pela improcedência da ação.

Os demais RR. excecionaram a sua ilegitimidade na ação, por não se terem vinculado ao contrato-promessa referido, bem como o abuso do direito por parte da A., alegando que esta, intentando a ação quase no fim do prazo prescricional de 20 anos, nada tendo feito durante esse tempo para criar a convicção de que poderia exigir aos RR. responsabilidade emergente do aludido contrato-promessa, excedeu os limites impostos pela boa-fé.

Oferecendo ainda impugnação fáctica, esgrimiram não terem assumido as obrigações a que alude a A., pugnando pela improcedência da ação.

Foi proferido despacho saneador, julgando-se improcedentes as invocadas ineptidão da petição inicial e ilegitimidade passiva, e foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Requerida – e em parte deferida – a ampliação de pedidos e causa de pedir da demandante, foi determinado o seguinte aditamento: «Mais se reconhecendo e declarando que o prédio rústico a ceder pelos R.R. à Autora, mediante permuta, nos termos das anteriores alíneas i), j) e l) é o que constitui o actual artigo 230º da União das Freguesias ... e ..., com a seguinte identificação: Localização: ... / Confrontações: Norte, Ribeiro ...; Sul, Caminho Público; Nascente, Caminho Público; Poente, FF / Área total (ha): 1,258400 / Descrição: Prédio rústico composto por terra de cultivo, lameiro, pastagem e vinha.».

Ocorrido, na pendência da causa, o óbito da A., foram julgados habilitados em seu lugar GG e HH, ambos com os sinais dos autos.

Falecido também o 1.º R., foram julgados habilitados II, JJ, e KK, também com os sinais dos autos.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando totalmente improcedente a ação, com a consequente absolvição dos demandados de todos os pedidos.

É desta sentença absolutória que vem interposto recurso, pela parte demandante, com apresentação de alegação e as seguintes

Conclusões ([2]):

«I- O presente recurso versa simultaneamente matéria de facto e matéria de direito. Efectivamente,

II- Os recorrentes consideram que diversos pontos de facto foram incorrectamente julgados, na douta sentença recorrida;

III- E que esta enferma, ainda, de graves insuficiências na interpretação e aplicação das normas jurídicas invocadas, bem como a omissão de outras que deveriam ter sido aplicadas.

IV- Começando pela matéria de facto, os recorrentes entendem que devem ser alteradas as respostas constantes da parte B do cap. IV da douta sentença recorrida, alíneas a), b), c), e), f), g), h), i), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s) e t) – págs. 26, 27, 28 e 29 – matéria essa que o Mº Juiz “a quo” declarou não provada, mas que os recorrentes consideram dever ser dada como provada.

V- Assim, devem ser eliminadas as respostas negativas constantes das alíneas da douta sentença indicadas na conclusão anterior; e em alternativa devem ser declarados provados os factos correspondentes, a saber:

a) provado que “a sociedade A..., Limitada concordou com a proposta formalizada por BB e referida em 5) dos factos provados – f. p.” – artigo 43º da p.i.;

b) provado que “no condicionalismo descrito no ponto anterior, a Autora aceitou a proposta referida em 6) dos f. p.” – artigo 44º da p.i.;

c) provado que “o sócio e gerente da referida sociedade, EE, assegurou e garantiu à Autora que a Ré A..., Limitada concordou com as obrigações assumidas em 5) – dos f. p.” – artigo 42º da p.i.;

d) provado que “em conversas subsequentes à carta do 1º Réu datada de 25-09-1998, quer o 1º R., quer também o então gerente e sócio principal da firma “A..., Limitada”, Sr. EE, disseram e asseguraram à Autora AA que não valia a pena mencionar na escritura a totalidade do preço estabelecido” – artigo 72º da p.i.;

e) provado que “entre Autora e EE foi acordado que valeria o negócio, tal como acordado no contrato-promessa de 01-09-1998, com as alterações propostas e aceites constantes da carta do 1º Réu datada de 25-9-1998” – artigo 73º da p.i.;

f) provado que “AA assinou a escritura de compra e venda, convicta de que seria cumprido o negócio nos termos estipulados no contrato-promessa referido em 1) e 2)” – artigo 75º da p.i.;

g) provado que “a Autora AA acreditou na veracidade dessas declarações do ora 1º R., bem como do então gerente e principal sócio de A..., Limitada, Sr. EE” – artigo 74º da p.i.;

h) provado que “o referido no ponto anterior foi confirmado e assumido, perante a ora Autora, pelo então principal sócio e gerente da ora 4ª Ré, Sr. EE” – artigo 81º da p.i.;

i) provado que “entre a data do contrato-promessa, de 01-09-1998, e a data da escritura de compra e venda, de 13-10-1998, não se verificaram circunstâncias deflacionistas do mercado, nem outras razões para alteração do preço dos terrenos” – artigos 82º e 84º da p.i.;

j) provado que “a divergência entre o preço acordado entre as partes e o preço que foi declarado na escritura de compra e venda de 13 de Outubro de 1998, verificou-se por sugestão e a pedido conjunto de BB e da 4ª Ré (então representada pelo seu gerente EE)” – artigo 85º da p.i.;

k) provado que “BB e a 4ª Ré, (então representada pelo seu gerente EE) disseram à A. que não valia a pena mencionar na escritura o preço total, porque isso acarretaria maiores encargos fiscais e notariais” – artigos 86º e 87º da p.i.;

l) provado que “BB e a 4ª Ré, então representada pelo seu gerente EE, quiseram indicar na escritura um preço inferior ao acordado para, desta forma, diminuir o valor de eventuais impostos que tivessem de ser pagos e também os custos da própria escritura, o que a Autora aceitou, com o intuito de enganar terceiros (a Fazenda Pública, e o Cartório Notarial” – artigos 88º, 89º, 90º e 91º da p.i.;

m) provado que “ficou entre todos (A., 1º R. e 4ª R.) estabelecida a ulterior outorga de uma escritura de permuta, quando a parcela a desanexar do prédio rústico correspondente ao artigo 89º estivesse efectivamente destacada” – artigo 98º da p.i.;

n) provado que “foi essa a fórmula proposta pelo 1º Réu, e aceite pela Autora, para ultrapassar as então previstas demoras na obtenção e registo do destaque da parcela de terreno efectivamente prometida vender” – artigo 100º da p.i.;

o) provado que “a Autora tem solicitado insistentemente à ora 4ª R., bem como aos demais Réus, a entrega das três fracções autónomas” – artigo 120º da p.i.;

p) provado que “os R.R., não permitiram que outros possíveis investidores pudessem assumir a sua posição e levar a cabo o empreendimento de loteamento” – artigo 120º da p.i.;

q) provado que “AA contava com esses 3 apartamentos (ou o valor monetário correspondente) para fazer face às despesas da sua velhice, tendo ficado profundamente abalada com o comportamento dos Réus, de se recusarem a entregar-lhe aqueles, o que lhe causou grande dor e frustração psicológica e profundo sofrimento, angústias, incómodos, desgostos, uma grave e persistente inquietação” – artigo 133º, 134º 138º, 140º da p.i.;

r) provado que “a 4ª Ré não requereu perante a Conservatória do Registo Predial competente o averbamento da desanexação da parcela correspondente ao actual artigo matricial ...27º da União de Freguesias ... e ... e uma nova descrição predial dessa parcela, apesar de múltiplas instâncias que lhe têm sido feitas pela Autora ao longo dos anos” – artigo 153 da p.i.;

VI- Ao longo da presente alegação foram indicados os concretos meios probatórios constantes do processo que justificam e impõem as alterações factuais constantes das anteriores conclusões IV e V.

VII- De todos esses factos (já provados, uns; e a declarar como tais, outros) resulta ter havido, no negócio jurídico em causa, uma manifesta divergência entre a declaração constante da escritura e a vontade real dos declarantes;

VIII- A qual se limita, no entanto, à declaração relativa ao preço do negócio, Efectivamente,

IX- As partes declararam na escritura o preço de Esc. 36.474.640$00, “já recebido”;

X- Quando, na realidade, convencionaram, como contrapartida da transmissão da propriedade dos imóveis em causa, os seguintes valores:

a) uma verba de Esc. 4.000.000$00, recebida pela Autora do 1º Réu no acto da assinatura do contrato-promessa de 01/09/1998;

b) uma verba de Esc. 36.000.000$00, recebida pela Autora da 4º Ré no acto da escritura de compra e venda de 13/10/1998;

c) mais os três apartamentos previstos na cláusula 3ª do mesmo contrato-promessa de compra e venda.

XI- Por conseguinte, o preço total da compra e venda foi de Esc. 40.000.000$00, em dinheiro; mais os três apartamentos acima mencionados (ou o valor correspondente).

XII- A referida divergência foi concretizada por acordo entre os outorgantes da escritura; e com o intuito de enganar terceiros.

XIII- Nos termos da lei, “o negócio simulado é nulo” (artigo 240º, nº 1 do Código Civil).

XIV- Mas, no caso em análise, a simulação diz respeito só ao preço do negócio;

XV- Afectando apenas essa parte da declaração – e não também as demais cláusulas da compra e venda em causa.

XVI- Tudo de acordo com o disposto no artigo 241º do Código Civil relativamente à simulação relativa.

XVII- E a simulação do preço é uma modalidade de simulação relativa

XVIII- Assim, o negócio vale com todas as cláusulas, constantes da escritura de compra e venda, mais a parte dissimulada (ou seja, com o preço real acordado).

XIX- Pelo que a compradora A..., Limitada, bem como os demais Réus (co-responsáveis pelo pagamento integral do preço convencionado) estão adstritos à obrigação da entrega à A. das três fracções autónomas que fazem parte desse preço real. Efectivamente,

XX- Nos termos da alínea c) do artigo 879º do Código Civil, um dos efeitos essenciais da compra e venda é precisamente esse de pagar o preço;

XXI- O qual, na parte ainda em dívida, é constituído pelas três fracções autónomas estabelecidas na cláusula 3ª do contrato-promessa.

XXII- Pois os R.R. não cumpriram, até hoje, com essa obrigação de entrega à A. (hoje, aos seus herdeiros, ora recorrentes) dessas três fracções autónomas.

XXIII- Remeteram-se a uma completa inacção e silêncio, que não podem deixar de ser interpretados como incumprimento definitivo daquela sua obrigação, nos termos expostos nos antecedentes números 87 a 91 da presente alegação (que aqui se dão por reproduzidos).

XXIV- Segundo o disposto no artigo 798º do Código Civil, “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.

XXV- Tal prejuízo, no caso concreto, é equivalente ao valor das três fracções autónomas em causa.

XXVI- Não se tendo apurado qual esse montante concreto, devem os Réus ser condenados solidariamente a pagar aos recorrentes o que vier a ser liquidado em execução de sentença (nº 2 do artigo 609º do CPC).

XXVII- Por outro lado, os Réus estão vinculados à obrigação de outorga da escritura de permuta prevista no ponto 5 da carta do 1º Réu para a A. de 25/09/1998 (de acordo com os artigos 92º a 102º da p.i.).

XXVIII- E constituídos ainda na obrigação de pagar à A. (hoje, aos seus herdeiros) uma indemnização em dinheiro, compensatória de todos os danos não patrimoniais sofridos em virtude do condicionalismo dos autos.

XXIX- A douta sentença recorrida violou, designadamente, os seguintes preceitos legais:

- artigo 607º, nº 4 do CPC (por inobservância, parcial, do dever de análise crítica das provas constantes dos autos, designadamente, quanto a extrair dos factos apurados as presunções impostas pelas regras da experiência);

- artigos 349º e 351º do Código Civil (por desconsideração do valor probatório das presunções judiciais);

- artigo 342º, nº 2 do Código Civil (inobservância dos critérios de repartição do ónus da prova – consoante anterior ponto 43. Da presente alegação);

- artigos 240º e 241º do Código Civil (conceito e efeitos da simulação relativa);

- artigos 236º e 238º do Código Civil (interpretação das declarações negociais – anterior ponto 83);

- artigo 879º, c) do Código Civil (quanto à obrigação de pagamento do preço da venda);

- artigo 801º, nº 1 do Código Civil (impossibilidade da prestação por causa imputável ao devedor, equivalente a incumprimento culposo – norma que não foi considerada na douta sentença recorrida);

- artigo 334º do Código Civil (anterior ponto 92 – não consideração da proibição do abuso de direito);

- artigos 227º, nº 1 e 762º, nº 2, ambos do Código Civil (por não se reconhecer na douta sentença que os R.R. violaram o dever de proceder com boa-fé no cumprimento do contrato);

- artigo 798º do Código Civil (responsabilidade do devedor).

Nestes termos, e pelo mais que Vossas Excelências doutamente suprirão, (artigos 5º, nº 3 e 672º do CPC), deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida – e, consequentemente:

a) Deve ser julgada provada e procedente a impugnação da matéria de facto constante do presente recurso, eliminando-se as respostas negativas da parte B do cap. IV da douta sentença recorrida, e declarando-se como provada a generalidade dos factos correspondentes;

b) Ou seja, declarando-se como provados os factos referidos na anterior conclusão V;

c) E, em consequência, deve reconhecer-se e declarar-se que os R.R. incorreram em incumprimento definitivo e culposo da sua obrigação de entrega à A. das três fracções que constituem parte do preço real acordado;

d) Respondendo pelo ressarcimento do prejuízo causado, que corresponde, no caso “sub-judice”, ao valor dessas três fracções prediais;

e) Devendo os R.R. ser condenados solidariamente a pagar aos ora recorrentes essa parte do preço real acordado (ou seja, o valor correspondente às três fracções autónomas devidas, a liquidar em execução de sentença);

f) E julgando-se provados e procedentes os mais pedidos constantes das diversas alíneas da parte final da p.i.;

g) Tudo, com as legais consequências.».

Não foi junta contra-alegação de recurso.


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O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados.

Observados os vistos e nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, cabe saber ([4]):

a) Se ocorre erro de julgamento em sede de decisão da matéria de facto, obrigando à alteração do decidido – sinalizados factos dados como não provados, a deverem ser julgados como provados (conclusões IV a VI);

b) Se, por força da alteração da decisão de facto, ou por razões de direito, devem considerar-se preenchidos os requisitos da invocada simulação (relativa) de preço, com as legais consequências no tocante ao peticionado na ação, mormente quanto ao incumprimento de obrigações decorrentes do contrato dissimulado, e obrigação indemnizatória por danos não patrimoniais.


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III – Fundamentação

A) Quadro fáctico da causa

1. - Na 1.ª instância foram julgados provados os seguintes factos:

«1) AA, primitiva Autora, na qualidade de Primeira Outorgante, e BB, primitivo 1.º Réu, na qualidade de Segundo Outorgante, outorgaram documento escrito intitulado «Contrato Promessa de Compra e Venda», datado de 01-09-1998, junto como documento n.º 1 da petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido, tendo, a rogo da AA por não saber assinar, sido assinado por sua filha GG, e tal assinatura reconhecida notarialmente na mesma data no Cartório Notarial da ..., e sido assinado também por BB, e tal assinatura igualmente reconhecida na mesma data e Cartório Notarial.

2) Do documento descrito em 1), consta o seguinte:

«OUTORGANTES

Primeira: AA, viúva, natural da freguesia ..., concelho ..., residente na Quinta ..., na ..., contribuinte fiscal n.º ....

Segundo: BB, casado, natural de ..., residente na Quinta ..., ..., em ..., contribuinte fiscal n.º ....

No primeiro dia do mês de Setembro de mil novecentos e noventa e nove, entre a primeira e segundo outorgantes é celebrado o presente contrato promessa de compra e venda que se regerá pelas cláusulas seguintes:

PRIMEIRA: A primeira outorgante é dona e legitima possuidora dos seguintes prédios:-

a) urbano, sito às ..., inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...27 da freguesia ..., concelho ... e descrito na Conservatória do Registo Predial das ditas freguesia e concelho sob o n.º ...93.

b) Misto, sito às ..., inscrito na matriz urbana sob o art.º ...26 e ...94 e inscrito na matriz rústica sob o art. ...9 da freguesia ..., concelho ... e descrito na Conservatória do Registo Predial das ditas freguesia e concelho sob o n.º ...02.

SEGUNDA: 1. Pelo preço de 40.000.000$00 (quarenta milhões de escudos), a primeira outorgante promete vender ao segundo outorgante ou a quem este venha a indicar e, este promete comprar àquela, os prédios urbanos acima referidos e com inscrição na respectiva matriz sob os art.ºs ...26... e ...84... e ...27º, bem como uma parcela de terreno a desanexar do prédio rústico inscrito sob o art.º ...9 cujos limites se confinam a norte com caminho servidão, a sul com Ribeira ..., de nascente com Caminho Público e de poente com LL, identificada a tracejado de tinta e cujos limites estão marcados por linha contínua de tinta, na planta topográfica que se junta ao presente contrato e dele faz parte integrante, tendo a primeira outorgante já recebido a quantia de 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos) a título de sinal e princípio de pagamento e de que dá a respectiva quitação.

2. O restante preço de 36.000.000$00 (trinta e seis milhões de escudos) será pago até ao dia trinta de Setembro de mil novecentos e noventa e oito, devendo a primeira outorgante avisar o segundo outorgante com dez dias de antecedência da data da entrega efectiva do preço.-

TERCEIRA: 1. Como contrapartida dos prédios aqui prometidos vender pela primeira outorgante, o segundo outorgante ou alguém por este mandatado, entregará três fracções autónomas, caso venha a ser possível construir no espaço físico dos prédios prometidos vender e comprar um número superior a trinta fogos.

2. Caso venha apenas a ser possível construir nessa área, entre os vinte e os trinta fogos, o segundo outorgante ou alguém por este mandatado, apenas entregará à primeira outorgante dois apartamentos

3. Não sendo possível a construção de pelo menos vinte fogos, o presente contrato promessa é resolvido de comum acordo entre os outorgantes, deixando de produzir quaisquer efeitos à excepção da obrigação que decorre para a primeira outorgante em restituir o preço de quarenta milhões de escudos, sendo que vencem juros, que se convencionam à taxa de 4% ao ano, calculados desde as datas em que se pagaram o sinal e o preço, respectivamente, de quatro milhões de escudos e trinta e seis milhões de escudos e até efectiva restituição, bem como do convencionado na clausula OITAVA.------

QUARTA: 1. Para efeitos do disposto na cláusula anterior, e atenta a tipologia pelos quais venham os apartamentos a ser construídos, terá a primeira outorgante direito à tipologia de apartamentos conforme a tabela que se segue:

Apartamentos construídos                         3 apartamentos                                             2 apartamentos

(n.º1 cláusula TERCEIRA)                             (n.º2 cláusula TERCEIRA)

Tudo T 4 ou mais de T 4                              Três T 4

Mais de 50% T 4                                             Dois T 4 mais um T 3

Mais de 50% T 3                                             Dois T 3 mais um T 4

Tudo T 3                                                             Três T 3

Mais de 50% T 3                                             Dois T 3 e um T 2

Mais de 50% T 2                                             Dois T e 2 um T 3

Apenas T 2                                                        Quatro T 2

2. As designações anteriormente referidas equivalem ao número seguinte de assoalhadas independentemente da sua área:

T 4, cinco assoalhadas; T 3, quatro assoalhadas; T 2, três assoalhadas. -----

QUINTA: A competente escritura de compra e venda será celebrada em um dos Cartórios Notariais de ... ou no Cartório Notarial da ..., obrigando-se a primeira outorgante a registar a seu favor e a expensas suas, na competente Conservatória do Registo Predial os prédios urbanos aqui prometidos vender e comprar, bem como a parcela de terreno que irá ser desanexada do prédio rústico, processo esse, de desanexação que ficará a cargo e a expensas da primeira outorgante.

SEXTA: 1. A marcação da escritura de compra e venda ficará a cargo da primeira outorgante que com a antecedência de quinze dias comunicará ao segundo outorgante, o Cartório, data e hora da realização da mesma.

2. A escritura será outorgada até ao dia trinta de Dezembro de mil novecentos e noventa e oito.

SÉTIMA: Em caso de incumprimento do presente contrato ao outorgante não faltoso assiste o direito de promover a sua execução especifica (art.º 830º do Cód. Civil)

OITAVA: Para dirimir qualquer conflito emergente da interpretação e aplicação deste contrato será competente o foro da Comarca ....

SÉTIMA: Todas as comunicações entre os outorgantes devem ser efectuadas por carta registada para as moradas indicadas neste contrato, salvo se outras, também por escrito, forem, entretanto, comunicadas.

Por ser verdade e corresponder à livre e real vontade dos outorgantes vai o presente ser legalmente e assinado pelo segundo outorgante e levando a impressão digital feita a óleo, pela primeira outorgante, por não saber assinar, ficando o original selado na posse do segundo outorgante, do qual se extrairá fotocópia e será entregue à primeira outorgante.»

3) Por documento particular, junto como documento n.º 2 da petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido, outorgado por AA, primitiva Autora, e BB, primitivo Réu, no dia 18-09-1998, declararam fazer um aditamento ao contrato-promessa datado de 01-09-1998, referido em 1) e 2), tendo, a rogo da AA por não saber assinar, sido assinado por sua filha GG, e tal assinatura reconhecida notarialmente na mesma data no Cartório Notarial da ..., e sido assinado também por BB, e tal assinatura igualmente reconhecida na mesma data e Cartório Notarial.

4) Consta do documento referido em 3) o seguinte:

«Aos dezoito dias do mês de Setembro de mil novecentos e noventa e oito, é feito o presente aditamento ao contrato promessa celebrado entre a aqui primeira e segundo outorgantes no dia um de Setembro do corrente ano e o que fazem da forma seguinte:

PRIMEIRA: A primeira outorgante obriga-se a outorgar a escritura de compra e venda dos imóveis referidos na cláusula SEGUNDA nº 1 do contrato promessa celebrado no dia um de Setembro do corrente ano ao segundo outorgante ou a quem este venha a indicar no Cartório Notarial da ... e que será outorgada no dia seis de Outubro do corrente ano, à excepção da parcela de terreno a desanexar do prédio rústico referido na cláusula e número acabada de referir.

SEGUNDA: O preço referido na cláusula SEGUNDA n.º 2, será pago pelo segundo outorgante à primeira outorgante no dia seis de Outubro de mil novecentos e noventa e oito.

TERCEIRA: O segundo outorgante ou qualquer terceiro que o represente, pode entrar imediatamente na posse dos prédios prometidos vender e comprar e melhor identificados na cláusula SEGUNDA n.º 1 do contrato. promessa celebrado no dia um de Setembro do corrente ano, permitindo o segundo outorgante que sejam levantadas as coisas que se encontram nos referidos prédios.

QUARTA: Mantém-se em tudo o mais o clausulado no contrato promessa firmado entre a primeira e segundo outorgantes no já referido contrato promessa celebrado no dia um de Setembro do corrente ano.

Por ser verdade e corresponder à livre e real vontade dos outorgantes, vai o presente ser selado e assinado pelo segundo outorgante levando à impressão digital da primeira outorgante por não saber assinar, extraindo-se fotocópia autenticada do presente.»

5) No dia 25-09-1998, BB entregou a AA uma carta subscrita e assinada por aquele, junta como documento n.º 3 da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e que esta recebeu, com o seguinte teor:

«EXM.ª SENHORA:

Os meus melhores cumprimentos.

Pela presente, e na sequência do contrato promessa de compra e venda outorgado com V. Ex., aos 1 do corrente mês de Setembro, e, ainda, o respectivo aditamento, bem como à conversa mantida hoje, venho, por fim, solicitar-lhe o seguinte.

1 - Nos termos do ponto I da cláusula primeira daquele contrato promessa, prometeu V. Ex. vender-me os prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ..., sob os artigos ...27 e ...26 e ...94, e, ainda, uma parcela de terreno a desanexar do prédio rústico inscrito sob o art. ...9 daquela mesma Freguesia, parcela delimitada e identificada a tracejado na planta topográfica que faz parte integrante do mesmo contrato.

2- De harmonia com a informação prestada, não conseguimos prever quando é que tal parcela estará desanexada.

3 - Assim, venho expôr à consideração de V. Ex. outorgar-se escritura de compra e venda dos artigos urbanos supra referidos 1.126 e 494 e, ainda, da totalidade do prédio rústico, também acima referido, inscrito na matriz predial respectiva sob o artº ...9.

4- Como decerto reparará, apesar de entre nós se manter tudo o que por nós foi acordado no contrato promessa, proponho que, na escritura de compra e venda, não conste o prédio urbano prometido vender por V. Ex. inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia ... sob o artº. ...27.

5- Assim, e apesar de tal facto não constar da escritura a celebrar, caso de V. Ex. concorde, logo que tal parcela estivesse desanexada, seria outorgada uma escritura de permuta, pela qual eu lhe cederia o prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o art. ...9, com área e confrontações devidamente actualizadas após o destaque da parcela prometida vender, e, ainda, a contrapartida indicada na cláusula terceira daquele contrato promessa – três fracções autónomas - cedendo-me V. Ex. o prédio urbano inscrito sob o artº. ...27.

6- Aproveito, ainda, para informar V. Ex. de que, por motivos a que, naturalmente, é alheia, estou a deparar-me com algumas dificuldades no sentido de poder vir a cumprir o estipulado no ponto 2 da cláusula segunda daquele contrato, ou seja, efectuar o pagamento da quantia em falta - Esc. 36.000.000$00 trinta e seis milhões de escudos - até 30 do corrente mês de Setembro.

7 - Assim, venho, também propor-lhe prorrogar-se o prazo da entrega daquela quantia de Esc. 36.000.000$00 para a data da escritura, a realizar no próximo dia 13 de Outubro, sendo certo que é também minha intenção efectuar-lhe o pagamento da quantia a que faz referência na conversa mantida nesta data - Esc. 474.640$00.

8- Se V. Ex. concordar com estas minhas propostas, nada obsta à outorga da escritura em simultâneo com o pagamento da quantia em dívida, isto é, aos 13 de Outubro próximo.

9 - Sendo que, e nos termos da clausula segunda, a escritura será outorgada a favor da sociedade comercial denominada "A..., Limitada", com sede em ....

10- Esta sociedade tem já conhecimento integral do teor do contrato promessa de compra e venda outorgado aos 1 de corrente entre o signatário e V. Ex., concordando com todas as obrigações por mim assumidas naquele contrato.

Penso que V. Ex. não, irá deixar de concordar com esta minha proposta.

No entanto, fico a aguardar que informe o que entender conveniente.

Sem outro que seja assunto, subscrevo-me

Atenciosamente».

6) BB propôs à Autora a outorga imediata da escritura de compra e venda dos artigos urbanos ...26... e ...94.º e da totalidade do prédio rústico inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...9.º, não sendo incluído na escritura, de imediato, o artigo urbano ...27.º (artigos 33.º e ...4.º)

7) Por escritura pública realizada no dia 13-10-1998, no Cartório Notarial da ..., perante o Sr. Notário ..., junta como documento n.º 5 da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido, intitulada «Compra e Venda», outorgada por MM, na qualidade de liquidatário judicial da massa falida da sociedade comercial por quotas com a firma «B..., Limitada», e AA, o primeiro declarou vender à segunda, pelo preço de 36.474.640$00, já recebidos da segunda, o «prédio misto, composto de quinta de com castanheiros, terra de cultivo e casa com a área de vinte e três mil oitocentos e dez metros quadrados; edifício de rés-do-chão, primeiro e segundo andares com a superfície coberta de cento e oitenta e dois metros quadrados-um agregado de casas composto de: Primeira, edifício de rés-do-chão; Segunda, edifício de rés-do-chão e primeiro andar; Terceira, edifício de rés-do-chão e primeiro andar:; Quarta, edifício de uma dependência; Quinta, edifício de uma dependência, área coberta mil e trinta metros quadrados, e logradouro com a área de dois mil e trezentos metros quadrados, sito nas ... freguesia ... deste concelho, inscrito na respectiva matriz sob o artigo oitenta e nove, rústico e mil cento e vinte e seis e quatrocentos e noventa e quatro, urbanos, com o valor tributável global de quatro milhões novecentos e trinta e seis mil trezentos e vinte e oito escudos, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número zero, zero trezentos e quarenta da freguesia ... e registado a favor da dita sociedade pela inscrição ...», o que a segunda declarou aceitar.

8) O preço declarado de 36.474.640$00 em 7) foi recebido pelo liquidatário da massa falida de «B..., Limitada» (artigo 65.º)

9) No dia 13-10-1998, no Cartório Notarial da ..., perante o Sr. Notário ..., AA, na qualidade de primeira outorgante, e EE, na qualidade de segundo outorgante e de sócio e gerente da sociedade comercial por quotas com a firma «A..., Limitada», 4.ª Ré, e em representação da mesma, outorgaram escritura intitulada de «Compra e Venda», que aqui se dá por integralmente reproduzido, e da qual consta o seguinte:

«No dia treze de Outubro de mil novecentos e noventa e oito, no Cartório Notarial da ..., perante mim, NN, Notário do dito Cartório, compareceram como outorgantes:

PRIMEIRO: AA, viúva, natural da freguesia ... do concelho ... e residente nesta cidade, contribuinte número ....

SEGUNDO: EE, casado, natural da freguesia e concelho ... e residente em ..., que intervém na qualidade de sócio e gerente da sociedade comercial por quotas com a firma: “A..., Limitada” na Estrada ..., cidade ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... sob o número novecentos e sessenta e seis, com o cartão de identificação de pessoa colectiva número ... e o capital social quatrocentos mil escudos e em representação da mesma.

Verifiquei a identidade da primeira outorgante por conhecimento pessoal e identidade do segundo verifiquei-a por exibição do bilhete de identidade número ... de 26 de Janeiro de 1987, passado pelo Centro de Identificação Civil e Criminal e a qualidade e suficiência de poderes para este acto com que intervém verifiquei-os pela certidão que adiante, se arquiva.

PELA PRIMEIRA OUTORGANTE FOI DITO:

Que pelo preço de trinta e seis milhões quatrocentos e setenta e quatro mil seiscentos e quarenta escudos que já recebeu da sociedade representada pelo segundo outorgante àquela vende o seguinte:

Prédio misto, composto de quinta com castanheiros, terra de cultivo e casa com a área de vinte e três mil oitocentos e dez metros quadrados; edifício de rés-do-chão, primeiro e segundo andares com a superfície coberta de cento e oitenta e dois metros quadrados-um agregado de casas composto de: Primeira, edifício de rés-do-chão; Segunda, edifício de rés-do-chão e primeiro andar; Terceira, edifício de rés-do-chão e primeiro andar: Quarta, edifício de una dependência; Quinta, edifício de uma dependência, área coberta mil e trinta metros quadrados, e logradouro com a área de dois mil e trezentos metros quadrados, sito nas ... freguesia ... deste concelho, inscrito na respectiva matriz sob o artigo oitenta e, nove, rústico cento e vinte e seis e quatrocentos e noventa e quatro, urbanos, valor tributável global de quatro milhões novecentos e trinta e seis mil trezentos e vinte e oito escudos, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número zero, zero trezentos e quarenta da freguesia ...: não leva inscrição a favor da vendedora por ter adquirido o referido prédio por escritura lavrada hoje neste livro a folhas cento e quarenta e duas.

PELO SEGUNDO OUTORGANTE, FOI DITO:

Que para a sociedade sua representada, aceita esta venda nos termos exarados.

Este acto encontra-se isento de sisa, nos termos do número três do artigo onze do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações.

ARQUIVO:

a) - certidão passada pela referida Conservatória do Registo Comercial, comprovativa do capital social e elementos referentes à matricula da referida sociedade.

b) - Certidão passada pela Primeira Repartição de Finanças deste concelho, pela qual verifiquei os elementos matriciais referidos e comprova ainda que os prédios urbanos foram construídos anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei número trinta e oito mil trezentos e oitenta e dois de sete de Agosto de mil novecentos e cinquenta e um, pelo que a vendedora está dispensada da apresentação da licença de habitabilidade referente aos ditos prédios.

c)- Certidão passada pela Repartição de Finanças ..., comprovativa de a referida sociedade se encontrar colectada naquela Repartição de Finanças pela actividade de compra e venda de prédios para revenda e adquiridos para esse fim, tendo exercido a sua actividade no ano anterior.

EXIBIDA:

Certidão emitida pela dita Conservatória do Registo Predial em sete deste mês, pela qual verifiquei os elementos registrais referidos.

Foi feita aos outorgantes, em voz alta e na presença simultânea deles, a leitura desta escritura e a explicação do seu conteúdo e a mesma não vai assinada pela primeira outorgante por ter declarado não o saber fazer e adverti o segundo outorgante das consequências de a sua representada não poder registar o direito adquirido, pelo que o não poderá onerar ou alienar, sem que previamente o registe a seu favor na respectiva Conservatória».

10) A Autora e a 4.ª Ré não incluíram na escritura de compra e venda outorgada no dia 13-10-1998 o artigo urbano ...27.º (artigo 95.º)

11) O artigo urbano ...94.º corresponde actualmente ao artigo ...49.º, urbano, da União das Freguesias ... e ... (artigo 143.º)

12) O artigo urbano ...26.º corresponde actualmente ao artigo ...70.º, urbano, daquela União de Freguesias (artigo 144.º)

13) O artigo urbano ...27.º corresponde actualmente ao artigo ...74.º, urbano da mesma União de Freguesias (artigo 145.º)

14) O prédio urbano composto por agregado de casas, com a área de 3030 m2, sito nas ..., inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias ... e ..., concelho ..., sob o artigo ...49, com origem no extinto artigo 494, constando como titular do direito ao rendimento A..., S.A.

15) O prédio urbano composto por casa em pedra e cimento de três pavimentos, destinado à indústria, com a área de 182 m2, sito nas ..., encontra-se inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias ... e ..., concelho ..., sob o artigo ...70, com origem no extinto artigo 1126, constando como titular do direito ao rendimento A..., S.A.

16) O prédio urbano composto por casa em pedra e cimento de dois pavimentos, com a área de 104 m2, sito nas ..., encontra-se inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias ... e ..., concelho ..., sob o artigo ...74, proveniente do extinto artigo 1127, constando como titular do direito ao rendimento GG.

17) O prédio rústico composto de terra de cultivo e vinho, com a área de 1,06 hectares, sito nas ..., confrontando de Norte e Nascente com caminho público, de Sul com Ribeira ... e de Poente com LL, encontra-se inscrito na matriz predial rústica da União das Freguesias ... e ..., concelho ..., sob o artigo ...27, com origem no extinto artigo 124, constando como titular do direito ao rendimento A..., S.A.

18) O prédio rústico composto de terra de cultivo, lameiro, pastagem e vinha, com a área de 1,2584 hectares, sito nas ..., confrontando de Nascente e Sul com caminho público, de Norte com Ribeira ... e de Poente com Herdeiros C..., encontra-se inscrito na matriz predial rústica da União das Freguesias ... e ..., concelho ..., sob o artigo ...30, com origem no extinto artigo 125, constando como titular do direito ao rendimento A..., S.A.

19) O prédio misto, sito nas ..., ..., com a área total de 27322 m2, composto por Quinta com castanheiros, terra de cultivo e casa (23810 m2), edifício de rés-do-chão, primeiro e segundo andares (182 m2), um agregado de casas composto de 1.º edifício de rés-do-chão, 2.º edifício de rés-do-chão e primeiro andar, 3.º edifício de rés-do-chão e primeiro andar, 4.º edifício de ma dependência, 5.º edifício de uma dependência (área coberta 1030 m2) e logradouro (2300 m2), confrontando de Norte com Ribeira ..., de Sul com Ribeira ..., de Nascente com Caminho Público e de Poente com LL, correspondente aos prédios inscritos na matriz predial rústica da União das Freguesias ... e ..., concelho ..., sob os n.ºs 124, 125 e matriz predial urbana da União das Freguesias ... e ..., concelho ..., sob os n.ºs 1126 e 494, descrito actualmente na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob a descrição ...26 a favor da Ré A..., Limitada, pela AP. ...1 de 1998/12/11 por aquisição (compra) a AA.

20) Na Certidão da Conservatória do Registo Predial referente ao prédio misto referido em 19), encontra-se descrito o seguinte na rubrica «Composição e Confrontações»:

«Desanexada, por expropriação, parcela de terreno com a área de 512 m2 – prédio ...09 – ....

Desanexada, por expropriação, parcela de terreno com a área de 68 m2 – prédio n.º ...09 – ....

Área do prédio desatualizada após as desanexações».

21) O artigo rústico ...9.º foi dividido, dando origem aos artigos matriciais rústicos ...24... e ...25.º da freguesia ..., actualmente, artigos 227.º e ...30.º da União de Freguesias ... e ... (artigo 146.º)

22) Por despacho datado de 10-08-2005, proferido pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal ..., deferiu-se a aprovação da informação prévia requerida por ..., ..., despoletado pelo Requerimento n.º ...5, e que decorreu na ... e Habitação da Câmara Municipal ..., nos termos do parecer proposto pelo Sr. Arquitecto OO.

23) Do parecer subscrito pelo Sr. Arquitecto OO, na qualidade de Gestor do Processo, datado de 02-08-2005, atinente ao Processo n.º ...94, despoletado pelo Requerimento n.º ...5 de GG, de Informação Prévia (Edificação/Urbanização), consta o seguinte:

«Refere-se o presente processo ao pedido de Informação Prévia referente a uma operação de loteamento a efectuar nas antigas instalações da D... (junto à Calçada ...) em terreno localizado em zona classificada como "Espaço Urbano" de nível 1 inserido no núcleo consolidado da Cidade ..., sendo igualmente abrangido pela área do Plano de Urbanização ..., elaborado no âmbito do Programa POLIS.

Para a área para a qual a requerente apresenta o presente pedido encontra-se prevista, para além da recuperação das instalações fabris desactivadas, a construção de um conjunto de edifícios destinados a habitação colectiva.

Estes edifícios desenvolvem-se de harmonia com os edifícios existentes da D... criando um conjunto que se complementa com a previsão de espaços verdes e de equipamentos de utilização colectiva.

A proposta agora apresentada possui as seguintes características:

1 - Cumpre as implantações previstas para os edifícios destinados a habitação colectiva a construir junto das instalações da D...;

2 - Cumpre o uso previsto para os edifícios;

3 - Cumpre as cérceas previstas para cada conjunto definido em sede do Plano de Urbanização de acordo com os seguintes parâmetros:

3.1- LOTE A - Correspondente ao lote identificado como Lote n.º 1 no PU da Ribeira ....

Para este lote é prevista cércea de 5 pisos acima da cota de soleira e 1 piso abaixo da cota de soleira;

3.2 - LOTE B - Correspondente ao lote identificado como Lote n.º 3 no PU da Ribeira ....

Para este lote é prevista cércea de 4 pisos acima da cota de soleira e 1 piso abaixo da cota de soleira;

3.3 - LOTE C - Correspondente ao lote identificado como Lote n.º 2 no PU DA Ribeira .... Para este lote é prevista cércea de 2 pisos acima da cota de soleira e 4 pisos abaixo da cota de soleira;

3.4- Áreas de construção: São cumpridas as áreas de construção previstas no PU da Ribeira ...;

3.5- Áreas de implantação: São cumpridas as áreas de implantação previstas no PU da Ribeira ...;

3.6 - Índice máximo de ocupação, coeficiente volumétrico, Índice de construção bruto e densidade –

São cumpridos os valores previstos no PU da Ribeira ...;

3.7- CEDÊNCIAS - "Espaço Verde de Utilização Colectiva" - É cumprida a área prevista no PU da Ribeira ...

3.8 – CEDÊNCIAS - Equipamento de Utilização Colectiva" - É cumprida a área prevista no PU da Ribeira ...;

3.9 - Estacionamento - É cumprido o valor previsto no PU da Ribeira ...;

3.10 - Número de fogos - É cumprido o valor previsto no PU da Ribeira ....

Todos os parâmetros urbanísticos enunciados cumprem o estipulado no Regulamento do Plano Director Municipal.

A proposta apresentada cumpre os parâmetros urbanísticos previstos para o local, devendo, no entanto, na fase de projecto de loteamento, ser esclarecidas as seguintes questões:

4 - Deverão se esclarecidos os reais limites do terreno uma vez que não se afigura claro se a totalidade da área da propriedade abrange os edifícios fabris desactivados;

5 - Na área destinada a "Equipamento de Utilização Colectiva" deverá ser prevista a implantação de um Campo de Jogos polivalente e de um Parque infantil;

7- Deverá ser dada especial atenção à linguagem arquitectónica devendo ser apresentado Estudo de Alçados bem como simulação em três dimensões da totalidade do empreendimento incluindo proposta de imagem para os edifícios fabris.

Conclusão

O presente empreendimento constitui-se como um factor de valorização do Vale da Ribeira ... o âmbito da filosofia do Plano de Urbanização elaborado no Programa Polis, o qual permite a reabilitação do património edificado e a previsão de novas zonas urbanas com elevados padrões de qualidade.

Neste contexto e nas condições do presente parecer propõe-se a aprovação da presente informação prévia.»

24) Para os terrenos até 30 metros da Calçada ... aplica-se o índice de construção de 1,6 e para os outros terrenos aplica-se o índice de construção de 0,66, tendo o prédio referido em 20) uma área de construção máxima aproximada de 9.926 m2, e sendo viável a construção de um número não concretamente apurado de fogos, mas superior a trinta.

25) Até à presente data, os Réus não procederam à outorga da escritura de permuta prevista no n.º 5 da carta do 1.º Réu datada de 25-09-1998 nem procederam à entrega à Autora das três fracções autónomas referidas na cláusula 3.ª do acordo de 01-09-1998 referido em 1) e 2) e no n.º 5 da carta do 1.º Réu de 25-09-1998 referida em 5). (artigos 50.º, 51.º e 52.º)

26) Os Réus não procederam à implantação do loteamento referido em 23), nem apresentaram projectos às autoridades competentes. (artigos 117.º, 118.º, 119.º)

27) EE faleceu no dia .../.../2013. (artigo 159.º)

28) No dia 21-06-2013, CC outorgou no Cartório Notarial ..., na Avenida ..., em ..., uma escritura de habilitação em que fez consignar serem únicos herdeiros do seu falecido marido ela própria, como cônjuge sobrevivo, e o filho DD. (artigo 160.º)

29) No dia 21-06-2013, e no mesmo Cartório Notarial, CC e DD outorgaram uma escritura intitulada «partilha por óbito, unificação de quotas e nomeação de gerente» em que, como únicos herdeiros do falecido EE, procederam a uma partilha de bens da respectiva herança, nos termos constantes dessa escritura, junta como documento n.º 15 da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo ainda declarado dividir as quotas no capital social da sociedade comercial «A... Limitada», descritas nas verbas nove e dez, em duas novas quotas, tendo declarado que cada uma das novas quotas se adjudicavam a CC e a DD.

30) Consta da escritura referida em 29) o seguinte:

«Que, em resultado das divisões de quota e partilha a que aqui procederam, o respectivo capital social, no valor nominal de cinco mil euros, está agora representado por quatro quotas: duas, no valor nominal de mil oitocentos e setenta e cinco euros cada, pertencentes uma a cada um dos sócios. primeira e segundo outorgantes; e outras duas, no valor nominal de seiscentos e vinte e cinco curos cada, igualmente pertencentes uma a cada um dos sócios.

Que. uma vez que às quotas não correspondem direitos e obrigações de natureza diversa, cada um deles sócios, primeira e segundo outorgantes. unificam as duas quotas de que são titulares. numa única quota, no valor nominal de dois mil e quinhentos euros, passando assim o capital social a estar representado apenas por duas quotas de igual valor nominal de dois mil e quinhentos curos, pertencentes uma a cada um dos sócios, CC e DD.

- Que nomeiam gerente o sócio, DD.

Assim o outorgaram.» (artigo 162.º)

Contestação dos 2.º, 3.º e 4.º RR.:

31) A presente acção deu entrada em tribunal no dia 28-06-2018. (artigo 10.º)

32) A A... Limitada não pediu qualquer informação à Câmara Municipal acerca de eventual construção habitacional no local. (artigo 66.º)».

2. - E foi julgado como não provado:

«Da petição inicial:

a) A sociedade «A..., Limitada» concordou com a proposta formalizada por BB e referida em 5) (artigo 43.º)

b) No condicionalismo descrito em a), a Autora aceitou a proposta referida em 6) (artigo 44.º)

c) O sócio e gerente da referida sociedade, Sr. EE, assegurou e garantiu à Autora que a Ré A..., Lda. concordou com as obrigações assumidas em 5). (artigo 42.º)

d) Dois T4 referidos na tabela em 2) têm um valor de mercado de € 200.000,00 e um T3 referidos na tabela em 2) tem um valor de mercado de € 150.000,00 (artigo 71.º da petição inicial)

e) Em conversas subsequentes à carta do 1.º Réu datada de 25-09-1998, quer o 1.º R., quer também o então gerente e sócio principal da firma “A..., Limitada”, Sr. EE, disseram e asseguraram à Autora AA que não valia a pena mencionar na escritura a totalidade do preço estabelecido. (artigo 72.º)

f) Entre Autora e EE foi acordado que valeria o negócio, tal como acordado no contrato-promessa de 01-09-1998, com as alterações propostas e aceites constantes da carta do 1.º Réu datada de 25-09-1998. (artigo 73.º)

g) AA assinou a escritura de compra e venda, convicta de que seria cumprido o negócio nos termos estipulados no contrato-promessa referido em 1) e 2). (artigo 75.º)

h) A Autora AA acreditou na veracidade dessas declarações do ora 1.º R., bem como do então gerente e principal sócio de A..., Limitada, Sr. EE. (artigo 74.º)

i) O que foi expressamente confirmado e assumido, perante a ora Autora, pelo então principal sócio e gerente da ora 4.ª Ré, Sr. EE. (artigo 81.º)

j) Entre a data do contrato-promessa, de 01-09-1998, e a data da escritura de compra e venda, de 13-10-1998, não se verificaram circunstâncias deflacionistas do mercado, e a tendência era no sentido da subida significativa do preço dos terrenos. (artigo 84.º)

k) A divergência entre o preço acordado entre as partes e o preço que foi declarado na escritura de compra e venda de 13 de Outubro de 1998, verificou-se por sugestão e a pedido conjunto de BB e da 4.ª Ré (então representada pelo seu gerente EE) (artigo 85.º)

l) BB e a 4.ª Ré (então representada pelo seu gerente EE) disseram à A. que não valia a pena mencionar na escritura o preço total, porque isso acarretaria maiores encargos fiscais e notariais (artigos 86.º e 87.º)

m) BB e a 4.ª Ré, então representada pelo seu gerente EE, quiseram indicar na escritura um preço inferior ao acordado para, dessa forma, diminuir o valor de eventuais impostos que tivessem de ser pagos e também os custos da própria escritura, o que a Autora aceitou, com o intuito de enganar terceiros (a Fazenda Pública, e o Cartório Notarial) (artigos 88.º, 89.º, 90.º, 91.º)

n) Tendo ficado entre todos (A., 1.º R. e 4.ª R.) estabelecida a ulterior outorga de uma escritura de permuta, quando a parcela a desanexar do prédio rústico correspondente ao artigo 89.º estivesse efectivamente destacada, (artigo 98.º)

o) Foi essa a fórmula proposta pelo 1.º Réu, e aceite pela Autora, para ultrapassar as então previstas demoras na obtenção e registo do destaque da parcela de terreno efectivamente prometida vender. (artigo 100.º)

p) A Autora tem solicitado insistentemente à ora 4.ª Ré, bem como aos demais Réus, a entrega das três fracções autónomas. (artigos 114.º e 115.º)

q) Os RR. não permitiram que outros possíveis investidores pudessem assumir a sua posição e levar a cabo o empreendimento de loteamento (artigo 120.º)

r) A partir de certa altura, a Autora começou a ficar muito preocupada, pois não via que a 4ª Ré desenvolvesse quaisquer diligências concretas no sentido da implementação do empreendimento projectado para o local e de lhe serem entregues os três apartamentos. (artigos 126.º e 127º)

s) AA contava desesperadamente com esses 3 apartamentos (ou o valor monetário correspondente) para fazer face às despesas crescentes da sua velhice, tendo ficado profundamente abalada com o comportamento dos Réus, de se recusarem a entregar-lhe aqueles, o que tem causado à Autora grande dor e frustração psicológica e profundo sofrimento, angústias, incómodos, desgostos, uma grave e persistente inquietação (artigos 133.º, 134.º, 138.º, 140.º)

t) A 4.ª Ré recusou-se a requerer perante a Conservatória do Registo Predial competente o averbamento de desanexação da parcela correspondente ao actual artigo matricial ...27.º da União de Freguesias ... e ... e uma nova descrição predial dessa parcela, apesar de múltiplas instâncias que lhe têm sido feitas pela Autora ao longo destes anos. (artigo 153.º)

Da contestação do 1.º Réu:

u) O preço médio de um apartamento T4 no aludido local não ultrapassou nunca os 100.000,00 € e um T3 nunca teve um valor superior a 75.000,00 €, ambos no estado de novo e com acabamentos de qualidade superior. (artigo 64.º)

Da contestação dos 2.º, 3.º e 4.º RR.

v) Naquele local, em fins do século passado e início deste século, um T3 não teria um valor superior a 35.000,00€ e um T4 a 40.000,00€ e, actualmente, um T3 não vale mais que 90.000,00€ e um T4 110.000,00€. (Artigo 78.º)».

 

B) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto

Importa começar por apreciar a deduzida impugnação da decisão de facto, tratando-se dos factos dados como não provados sob as al.ªs a), b), c), e), f), g), h), i), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s) e t), a deverem, na ótica da parte recorrente, ser julgados como provados (conforme conclusões IV e segs. da respetiva peça recursiva).

Desde logo, deve notar-se que a parte impugnante remete, quanto a meios probatórios de suporte, para a sua antecedente alegação/motivação (cfr., especialmente, a conclusão VI), assim invocando, no corpo da alegação:

1. - Prova documental:

«3. Ora, da leitura crítica dos documentos dos autos (sobretudo os documentos juntos pela A. AA com a p.i., e os documentos juntos pelos ora recorrentes com o seu requerimento de 09/11/2021) deve concluir-se que vários pontos da matéria de facto controvertida têm de ser decididos em termos diferentes dos que foram acolhidos na douta sentença recorrida (…)» (cfr. fls. 357 v.º do processo físico); e, de forma discriminada,

«a) Doc. 1 da p.i. (contrato-promessa de 1/9/1998);

b) Doc. 2 da p.i. (aditamento a esse contrato-promessa, datado de 18/9/1998);

c) Doc. 3 da p.i. (carta de 25/9/1998, subscrita pelo 1º R. BB, e dirigida à A. AA):

d) Doc. 4 da p.i. (escritura de compra e venda de 13/10/1998);

e) Doc. 6 da p.i. (cheque);

f) Docs. juntos pelos ora recorrentes com o seu requerimento de 09/11/2021 (que provam todas as circunstâncias da compra dos imóveis na falência de C..., Sucessora, Ldª. pela A. AA; custos totais dessa aquisição; diligências da mesma A., através de sua filha e ora recorrente GG, para obtenção de informação prévia camarária sobre o loteamento do local; diligências da ora recorrente junto da 4ª Ré e 1º R. – carta de 6/12/2002; etc.. Aliás, nesse requerimento de 09/11/2021 indicam-se os concretos pontos de facto provados com o[s] documentos então apresentados)» (cfr. fls. 369 do processo físico);

2. - Prova por presunções judiciais:

«g) Presunções judiciais, nos termos dos artigos 349º e 351º do Código Civil, que podem e devem extrair-se dos referidos documentos e de todos os factos dados já como provados na douta sentença recorrida (presunções essas de acordo com as regras da experiência, conforme a argumentação acima desenvolvida, e o mais que Vossas Excelências doutamente suprirão).» (cfr. fls. 369 v.º do processo físico).

É, em síntese, com este fundamento probatório que se pretende a alteração da decisão de facto, centrada em factos «não provados», a deverem ser transpostos para o quadro dos «provados» ([5]).

Termos em que, se bem se vê, não convoca a parte recorrente qualquer prova pessoal/gravada, em âmbito que se prende, essencialmente, com factualidade referente à matéria da invocada simulação (de preço da venda).

Vejamos, então, a justificação da convicção, tal como formulada pelo Tribunal recorrido, para depois a analisar no confronto com aquelas provas em que se suporta a impugnação recursiva, tendo em conta que foram observados os ónus legais a cargo da parte impugnante, tal como formulados no art.º 640.º do NCPCiv., mas sem olvidar, desde logo, que a Relação (só) deve alterar a decisão da matéria de facto se os factos tidos como assentes ou a prova produzida – ou um documento superveniente (no caso, inexistente) – impuserem decisão diversa (art.º 662.º, n.º 1, do mesmo Cód.).

Começou por fundamentar assim o Tribunal a quo:

«Atente-se que, no presente processo, estando em causa negócios jurídicos e a pretensa simulação ou encobrimento de acordos não declarados nas escrituras públicas juntas aos autos, seria crucial ouvir e confrontar os próprios intervenientes dos acordos e negociações. Sucede que tal não foi possível, visto que os intervenientes principais AA, BB, e EE, faleceram, os dois primeiros na pendência da acção e o último já falecido à data da propositura da acção. Estes eram definitivamente os que poderiam auxiliar o Tribunal a decifrar a verdade material subjacente ao pedaço de vida declarado nas escrituras públicas, em conjugação com a prova documental junta aos autos.

(…)

Vejamos agora quanto aos factos não provados. Em grande parte, estes prendem-se com a tese da Autora (entretanto falecida e tendo sido habilitados os seus filhos) de que existiu um pacto simulatório, um acordo para declarar um negócio na escritura do contrato definitivo de compra e venda (e 13-10-1998) celebrado com a Ré A..., distinto do negócio que efectivamente as partes celebraram, e com intuito de obter benefícios fiscais.

Cumpre analisar a demais prova produzida.

O Réu DD, presente em audiência final, prestou depoimento de parte. Este Réu, filho de EE (que outorgou o contrato definitivo de compra e venda com a Autora), e que trabalhou para a 4.ª Ré até 2002, não interveio directamente nas negociações dos contratos/acordos descritos de 1) a 8), pese embora tenha declarado tomar conhecimento de que a 4.ª Ré, sociedade A... adquiriu os terrenos em apreço, tendo qualificado tais acordos como «um mau negócio», revelando desconhecer pormenores sobre o concretamente acordado entre Autora, BB e EE, sendo certo que admitiu ter-se reunido com GG (filha da primitiva Autora) quanto aos terrenos em causa. Não se ignora que o teor das declarações de parte deve ser sempre atendido e valorado cum grano salis. Aliás, não se pode negligenciar que não são, pela sua própria natureza, declarações desinteressadas, uma vez que quem as emite tem um manifesto interesse na causa. (…)».

Depois, analisando os diversos depoimentos testemunhais prestados, prosseguiu:

«(…) há que ver se estes concatenados com a documentação junta aos autos podem pôr em causa o teor do declarado nas escrituras pública. E há que ver igualmente se, de toda a prova produzida, resulta que a 4.ª Ré se tenha vinculado à produção das obrigações constantes da carta dirigida por BB à Autora.

O Tribunal não ignora a existência dos seguintes documentos: contrato-promessa de compra e venda datado de 01-09-1998 (doc. 1 da p.i.); - aditamento de 18-09-1998 (doc. 2 da p.i.); - carta do 1º R. para a A., datada de 25-09-1998 (doc. 3 da p.i.); - cheque entregue no acto da escritura (doc. 6 da p.i.). Mas destes elementos não decorre a existência de qualquer simulação ou acordo simulatório. Nem da leitura destes documentos resulta que o preço real da venda feita a “A..., Limitada” foi superior ao declarado na escritura.

É certo que no acto da escritura de 13-10-1998, a 4.ª Ré pagou à Autora a quantia de Esc. 36.000.000$00, mediante cheque. E que, com o contrato-promessa de compra e venda de 01-09-1998, a Autora recebeu do ora 1.º Réu a quantia de Esc. 4.000.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento, consoante declaração de quitação constante do referido documento;

E que, ainda, nos termos do mesmo contrato-promessa e da carta do 1º R. de 18/9/1998, a compra e venda em causa envolvia ainda a obrigação futura de o 1.º Réu vir a dar à Autora três fracções autónomas referidas na cláusula 3.ª do contrato-promessa (como contrapartida dos prédios prometidos vender), o que não significa propriamente um acréscimo ao valor global do negócio, significa antes que uma contraprestação do Réu, para além de pagar o preço, será o de vir a dar 3 apartamentos, caso estes fossem possíveis construir.

Tais documentos, lidos em conjunto, por si só, não comprovam qualquer verificação de divergência entre a declaração negocial e a vontade real dos declarantes, e de um acordo simulatório.

Na verdade, mal se entenderá qual, afinal, a divergência propugnada pela Autora quando, na carta do 1.º R. para a Autora datada de 25-09-1998 (doc. 3 da p.i.), o próprio 1.º Réu nunca se refere a qualquer outro valor além dos 36 mil contos, com excepção de 474 contos «a que se faz referência na conversa mantida nesta data». A referência a um pagamento de quantia a que se fez referência na «conversa mantida nesta data» reporta-se a um valor significativamente baixo (474 contos), não sendo minimamente crível que este valor seja parte de um acordo simulatório, podendo ser atribuído a qualquer outra razão que não se apurou (sendo certo que é um valor residual). Por outro lado, de nenhuma documentação junta aos autos resulta que o preço declarado tenha divergido do preço real – apenas há prova de que efectivamente a 4.ª Ré entregou à Autora 36 mil contos a 13-10-1998, e que o 1.º Réu, à data da outorga do contrato promessa de compra e venda entregou à Autora o preço de 4 mil contos, ou seja, a Autora acabou por obter um ganho (real) de 4 mil contos no que respeita aos prédios prometidos vender (e posteriomente vendidos), pelo que não se pode também enveredar de que a Autora não agiu como um normal homo aeconomicus, isto é, que não visou o lucro.

Pois bem, o R. BB comunicou à Autora de que a parcela do artigo 89.º, por ora, não ia ficar a constar a venda dessa parcela na escritura e que, posteriormente à sua desanexação, se cumpriria o acordo original. Na referida carta nada se diz quanto a simulações de preços. Em casos de negócios ilícitos, não é previsível que as partes subscrevam uma contradeclaração porque tal equivaleria à confissão do acto ilícito. Mas nos autos, como se referiu nada faz presumir que a Autora tenha recebido mais dinheiro do que o declarado, e os benefícios fiscais que os RR. alegadamente usufruiriam e retirariam também não são convincentes, porque não tinha de ser integrado no preço de venda a declarar à AT a obrigação de vir a dar uns apartamentos no futuro, caso houvesse condições de construí-los. Esta é uma obrigação futura eventual. É uma contraprestação eventual que surge de uma cláusula acessória. É como referir que o valor global do negócio muda por eventualmente uma das partes vir a pagar uma cláusula penal. Por outro lado, não resulta que o contrato tenha ficado profundamente desequilibrado sem circunstância alguma que o justifique, não se entrevendo qualquer estultícia da Autora – a mesma comprou por 36 mil contos um conjunto de prédios, e apesar de os ter vendido pelo mesmo preço, lucrou 4 mil contos, se se tiver em conta o preço recebido como sinal no que respeita ao contrato promessa celebrado com BB (sendo certo que o desinteresse de BB na concretização do negócio prometido pode ter sido por a sociedade A..., Lda., ter coberto a sua parte do investimento). Assim, não há qualquer dúvida para este Tribunal de que o preço de venda descrito na escritura de 13-10-1998 foi o preço realmente recebido e subjacente. Como acima se deixou expresso, também da prova produzida não resultou qualquer intenção de enganar ou prejudicar a Fazenda Nacional (ou o Cartório Notarial, sendo certo que «intenção de enganar/prejudicar o Cartório» é estranhamente duvidoso o que quer que signifique), não se entrevendo que tenha sido pago um valor real superior ao declarado que tenha constituído uma fuga ao fisco.

(…)

Constando da escritura pública de um contrato uma determinada disposição, não é admissível prova testemunhal ou por presunção judicial destinada a provar o acordo das partes em sentido diverso do ali consignado – artigos 393.º, n.º 1, 394.º, n.º 1, e 351.º do Código Civil. (…)

Os simuladores podem fazer a prova da simulação por qualquer outro meio de prova, v.g. documental ou por confissão, com excepção da testemunhal ou por presunções, mesmo que o negócio tenha sido celebrado por documento autêntico. A prova escrita para este efeito não tem de satisfazer os requisitos do documento particular, podendo atender-se a outros escritos (artigo 368.º do Código Civil).

(…)

O documento n.º 3 junto com a petição inicial (e cuja veracidade o Réu BB aceitou vd. artigo 12.º da respectiva contestação) é precisamente um documento assinado por BB, reconhecido por este em sede de articulado. Mas dele não resulta qualquer traço de simulação de preço. Também o facto de referir que a sociedade A..., Lda., tem conhecimento integral do contrato promessa, «concordando com todas as obrigações» assumidas por BB naquele contrato, não significa, por si só, que a sociedade A..., Lda., tenha assumido as obrigações in totum de BB (do contrato promessa de compra e venda). Ainda que se possa considerar tal documento como princípio de prova (…), valendo como excepção à inadmissibilidade da prova testemunhal prevista nos artigos 393.º, n.ºs 1 e 2, e 394.º, n.º 1, do Código Civil, o Tribunal entende que não se fez qualquer prova complementar de que tenha havido divergências entre o declarado e o realmente contratado com intenção de prejudicar terceiros, nem prova complementar de que a sociedade A..., S.A., tenha contratado com a Autora nos mesmos termos descritos na carta escrita por BB (que nunca foi gerente nem sequer sócio desta sociedade, vd. certidão do registo comercial de 31-10-2022).

(…)

Sucede que, ainda que possa dizer-se que existe princípio de prova da simulação (de preço e de cláusulas do contrato) pela reunião de dois elementos (recebimento de 4 mil escudos com o contrato promessa e carta de BB), não existiu qualquer prova testemunhal directa sobre o conteúdo da carta de BB (doc. 3) e sobre a circunstância de EE se ter obrigado a eventualmente vir a entregar três fracções autónomas, e que corroborasse o aí exposto. A prova testemunhal sobre os acordos/negociações foi inane. E não se pode escamotear que os principais intervenientes faleceram, o que pode explicar essa ineficácia a corroborar qualquer princípio de prova da simulação. Também os depoimentos indirectos foram traçados na base da dúvida.

Por outro lado, tal falta de prova de acordo simulatório está lado a lado com a falta de prova de que a sociedade Ré A..., SA., se vinculou perante a Autora nos mesmos termos que o R. BB se obrigou no contrato promessa de compra e venda. Em primeiro lugar, à Autora foi lida a escritura pública de compra e venda e nada manifestou quanto à (putativa) não inclusão da cláusula por via da qual teria direito a receber apartamentos. Esta ausência de manifestação muito estranha o Tribunal, pois uma parte minimamente preocupada não aceitaria declarar publicamente um contrato em moldes distintos daqueles acordados, ou pediria uma contradeclaração expressa de que a contraparte manteria aquela obrigação. É que, mesmo adoptando a versão da Autora como boa, a não inclusão da cláusula de cedência de apartamentos nem sequer é explicável à luz da carta de BB (na qual nada se refere sobre a cedência de futuros apartamentos).

Mais, da carta de BB não resulta que a sociedade tenha assumido as obrigações do R. BB – mas sim que concorda com as obrigações assumidas por este – o que literalmente não é a mesma coisa (na interpretação mais literal, o R. BB refere que a sociedade Ré aceita que aquele tenha celebrado um contrato promessa com a Autora, o que é inerte). Por outro lado, da consulta da certidão do registo comercial atinente à sociedade Ré (vd. documento junto em audiência a 31-10-2022, referência n.º 35142751) resulta que apenas EE era gerente da sociedade (e o único que poderia vincular a sociedade), e não se fez qualquer prova de que este se tenha obrigado perante AA nos precisos termos do contrato-promessa de compra e venda assinado por BB – os depoimentos acima expostos foram indirectos e basearam-se em percepções externas do conteúdo negocial.

Existem outros elementos que adensam as dúvidas: da escritura pública de compra e venda não resulta qualquer expressão que faça pressentir que a mesma foi celebrada como execução de um contrato-promessa anterior celebrado entre as partes, o que é o mais comum suceder. E outras hipóteses podem alvitrar-se para adensar a neblina em torno da versão da Autora: ainda que a Autora e a 4.ª Ré fossem celebrar o contrato de compra e venda definitivo em execução da promessa de venda de 01-09-1998, a ausência da cláusula de entrega de três apartamentos poderia, afinal, significar que houve uma revogação tácita dessa cláusula.

Em bom rigor, os indícios de que EE (na qualidade de gerente da A..., SA) possa ter em algum momento prometido ceder fracções à Autora diluem-se na vagueza da restante prova. Não se sabe quando nem em que termos tal possa ter acontecido.

Não ficou corporizado em qualquer documento que a sociedade A..., SA, assumia a posição contratual de BB do CPCV ou que se obrigava nos mesmos termos. As perturbações resultantes da instrução são imensas para que possa dar tal como certo: se a sociedade se tivesse vinculado nos precisos termos de BB, como pode GG, filha da Autora AA, (e que parece que se comportava o mais das vezes como representante desta), referir-se em 2002 a uma troca do pavilhão (entenda-se artigo 1127.º) pela quinta (leia-se, parcela do artigo 89.º correspondente hoje ao artigo 227.º) mais três fracções (apartamentos), quando tal obrigação de entrega de fracções, de acordo com o contrato promessa de compra e venda celebrado com BB, estava sujeita à eventualidade de se conseguir construir um número determinado de fogos, que só veio a ficar definida em 2005? Ou seja, na carta de 6 de Dezembro de 2002, enviada por GG à sociedade Ré, junta a fls. 227, GG estatui peremptoriamente que a troca implica cedência de três apartamentos. Mas tal não corresponde inteiramente ao teor da cláusula terceira, § 2, do contrato-promessa (vd. fls. 24), uma vez que aí BB e AA estabeleceram que o primeiro só seria obrigado a entregar três fracções autónomas caso fosse possível construir mais de 30 fogos, e obrigar-se-ia a entregar apenas dois apartamentos caso só fosse possível construir entre 20 e 30 fogos. Ora, apenas e só em 2005 (três anos depois daquela carta) a Câmara Municipal ... foi peremptória a definir que fogos habitacionais seriam possíveis construir no sítio das ... (do que se apurou nos autos), logo três anos antes desse facto a Autora GG, solicitadora de profissão, não poderia definir com toda a certeza que a sociedade A..., SA., estava obrigada à entrega de três prédios (isto sempre no pressuposto de que a sociedade se vinculou nos mesmos termos de BB no contrato promessa de compra e venda). Até poderiam ser só dois prédios. Tal suscita também dúvidas se não vigorou entre AA e A..., SA., outro tipo de acordo, porventura semelhante ao teor do contrato promessa junto aos autos, mas com ainda assim diferente. No limite, uma vez que, na carta datada de 06-12-2002, GG fala em nome próprio sem se referir à sua mãe, surgem também dúvidas se o acordo não foi, ao invés, estabelecido directamente com GG e não com a Autora primitiva AA. Tais dúvidas certamente poderiam ter sido dirimidas com a inquirição de BB, EE ou AA, o que não sucedeu em virtude do falecimento dos mesmos.

Em suma, não se provando que a sociedade Ré se vinculou perante a Autora, na compra e venda outorgada a 13-10-1998, nos exactos termos referidos no contrato promessa de compra e venda celebrado entre Autora e BB (mais o aditamento da carta de BB), naturalmente também soçobra a tese de que as partes quiseram declarar negócio divergente na escritura pública de compra e venda em relação ao negócio efectivamente celebrado.

Assim, pelas razões expostas, vão não provados os factos atinentes à circunstância de a sociedade Ré ter acordado nos mesmos termos do Réu BB, perante a Autora (a), b), c), f), g), h), i)), bem como os factos atinentes ao acordo simulatório e à divergência entre declaração/negócio celebrado (factos k), l), m), n), o)). Quanto ao facto o), precise-se que não se fez prova de que a proposta da não inclusão do artigo 89.º na escritura de compra e venda se tenha devido à eventual demora da desanexação de uma parcela do mesmo artigo.

(…)

No que respeita aos factos j), p), q) e t), inexistiu qualquer prova no sentido da sua verificação.

Finalmente, no que respeita aos factos não provados r) e s), o único depoimento que incidiu neles, PP, referiu-se de forma muito breve, genérica e vaga a tal material fáctico, de forma que não permitiu a que se viesse a consolidar uma convicção segura sobre a sua verificação.» (destaques aditados).

Esgrime, perante esta argumentação, a parte apelante que, quando estão em causa «acordos simulados ou encobertos», a prova deve ser procurada nos «documentos», vistos à luz das «regras da experiência».

Assim, considerando como inequívoco que a promitente vendedora, AA, prometeu vender por Esc. 40.000.00$00 (correspondentes a 4.000.000$00 + 36.000.000$00), assevera que foi esse o valor global pecuniário efetivamente recebido, na ótica do próprio Julgador, a título de preço do contrato prometido. Por isso, considera incompreensível que o mesmo Tribunal tenha vindo a entender que o preço da venda descrito na respetiva escritura foi o preço realmente recebido e subjacente.

Por outro lado, assevera ainda a parte recorrente que acrescia, no quadro do preço, a contrapartida em espécie, como clausulado no contrato-promessa, «três frações autónomas», que foram omitidas na escritura de venda.

Perante tal omissão no contrato prometido, com vista a procurar demonstrar que se trata de omissão simulada (simulação de preço), por essa contrapartida estar prevista na promessa, convoca a parte a «carta de BB (…) para AA datada de 25/9/1998».

Alude à indicação nessa carta, pelo promitente comprador, da entidade terceira (uma sociedade, a 4.ª R.) a favor da qual a escritura (contrato de compra e venda) seria outorgada, sociedade essa que já era conhecedora do teor do contrato-promessa, «concordando com todas as obrigações por mim assumidas naquele contrato».

Todavia, nesta parte não pode deixar de chamar-se a atenção para a perplexidade a que já aludia o Tribunal recorrido: se o efetivo comprador (a sociedade) não era o promitente adquirente (BB), razão pela qual não se vinculou no contrato-promessa – nem poderia, do mesmo modo, vincular-se numa carta da autoria de outrem, sem que se mostre que esse outrem (o mesmo BB) representava tal sociedade –, como compreender que, no contrato de compra e venda, tal como formalizado, apenas se aluda, quanto ao preço, ao valor de Esc. 36.000.000$00, sem mais ([6])?

É que, se o preço acordado incluía – continuava a contemplar – as «três frações autónomas», na senda de determinada interpretação do contrato-promessa, não obstante ser outrem/terceiro a consumar a compra e venda, então não se compreende que nada fosse dito a respeito na escritura de compra e venda, sem o que não ficavam acautelados, minimamente, os direitos da vendedora, que se limitou a declarar, formalmente, no negócio de alienação que «já recebeu» (integralmente) o preço da venda.

Com efeito, uma coisa é uma parte celebrante/outorgante declarar vender por determinado preço, quando o preço real é superior, mas já se mostra recebido (integralmente), caso em que a parte que assim declara já fez seu o preço acordado (fosse ele qual fosse), nada mais tendo, por isso, a receber, encontrando-se satisfeita, âmbito em que nada terá a recear, designadamente para efeitos de prova futura, posto, como dito, já ter recebido o preço na sua integralidade, nada mais tendo a reclamar da contraparte.

Outra coisa, bem diferente, é a mesma parte vendedora declarar, falsamente, na escritura de venda, que o preço já se mostra integralmente recebido, quando assim não é, por faltar cumprir uma parte desse preço (em dinheiro ou em espécie).

Neste último caso, havendo uma parte do preço por satisfazer, mas declarando a parte vendedora, formalmente, na escritura do contrato de venda, que já tudo recebeu, como irá depois provar que ainda tem direito à parte restante do preço ou a outra contraprestação do comprador? E com que interesse (de outrem) vai declarar que se mostra satisfeita (na totalidade) quando assim não é? Que motivos justificarão uma tal assunção de risco, posto se declarar formalmente que se recebeu aquilo que ainda está por receber? E porquê esperar até 2018 – quase duas décadas (a ação foi intentada em junho de 2018) – para reclamar aquela pretendida parte do preço/contraprestação (em espécie, uma «obrigação futura eventual», a que alude a sentença), abrindo caminho para uma discussão probatória num tempo em que os protagonistas/outorgantes nos negócios ocorridos (o contrato-promessa e o contrato prometido, incluindo, pois, o sócio e gerente da R. sociedade, EE) já faleceram e, por isso, nada podem esclarecer a respeito?

Num tal caso, a haver a pretendida simulação, não deixaria a parte vendedora de exigir, para sua salvaguarda futura, como seria por demais elementar, em termos de prudência e cuidado, «uma contradeclaração expressa» da parte adquirente – como enfatizado na decisão recorrida, de molde a evidenciar que «a contraparte manteria aquela obrigação» –, mostrando-se (embora em documento oculto) que o declarado na escritura de venda era falso, contradeclaração essa para usar no futuro, se tal viesse a tornar-se necessário.

Doutro modo, incorreria a parte vendedora em incompreensível dependência/sujeição perante a contraparte, num enorme risco assumido que não se vê razão para admitir/aceitar (por totalmente irrazoável), postura que seria claramente ao arrepio do que é comum acontecer em casos semelhantes ([7]), em face de tão elevados valores económicos em jogo, não podendo, então, dizer-se que esse é o sentido apontado pelas «regras da experiência» ([8]), a que aludem os ora Recorrentes.

Ao invés, salvo o respeito devido, a conclusão a extrair é a de que ninguém minimamente diligente, cuidadoso e experiente assumiria para si um tal risco, nem aguardaria, perante tão elevados valores económico-financeiros (veja-se a magnitude do peticionado na ação), por aproximadamente duas décadas para deduzir a ação, lançando o tempo da prova (em juízo) para mais de vinte anos depois, com os protagonistas/outorgantes nos negócios havidos já falecidos e um desfecho recursivo derradeiro necessariamente longínquo e incerto.

Tudo, pois, ao arrepio do normal e avisado/diligente proceder, âmbito em que não podem, com todo o respeito devido, vir em socorro dos Recorrentes as convocadas «regras da experiência» ([9]).

Em suma, tem de concluir-se, com o Tribunal recorrido, mas sem quebra do respeito devido pelos Apelantes, que, não se provando que a sociedade Ré se vinculou perante a Autora, na compra e venda outorgada a 13-10-1998, nos exatos termos referidos no contrato promessa de compra e venda celebrado entre Autora e BB (mais o aditamento da carta de BB), também soçobra a tese de que as partes quiseram declarar negócio divergente na escritura pública de compra e venda em relação ao negócio efetivamente celebrado.

Donde, pois, que seja de manter, a esta luz, a decisão da matéria de facto – cuja fundamentação da convicção é adequada e expressiva, para além de conforme aos dados legais e às exigências da livre apreciação da prova, sem esquecer as regras da lógica e da experiência comum –, no âmbito objeto de impugnação recursiva, a qual tem, assim, de improceder nesta sua vertente.

Quanto, por fim, aos argumentos referentes ao preço pago por AA na aquisição imobiliária e decorrente aspeto desvantajoso de uma venda nos moldes que foram perspetivados pelo Tribunal a quo, diga-se que os Recorrentes não impugnaram a factualidade constante dos pontos 7 e 8 dos factos provados, que, por isso, se tornou definitiva, dela resultando que aquela AA adquiriu «pelo preço de 36.474.640$00», termos em que, também neste particular, permanece de pé a argumentação exposta por aquele Tribunal, não podendo, então, dizer-se que «algo foi escondido, na parte respeitante ao preço declarado na escritura» ([10]).

Improcedendo, portanto, as conclusões dos Recorrentes em contrário, é de manter a decisão da matéria de facto, quanto ao impugnado factualismo julgado como não provado, posto as convocadas provas de caráter documental e presunções judiciais não imporem decisão diversa.


***

C) O Direito

1. - Da (não) verificação dos requisitos da simulação relativa

É por demais sabido quais os requisitos da simulação absoluta, impondo-se “a verificação simultânea de três requisitos: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório e o intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar)”, sendo também incontroverso que o “ónus da prova dos factos integradores de tais requisitos (os elementos que constituem o instituto jurídico da simulação), porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação” ([11]).

Na simulação relativa ocorre a especificidade, por sua vez, de, sob o negócio simulado, existir um outro negócio, o dissimulado, que as partes quiseram (de forma encapotada) realizar, âmbito em que, sendo o negócio simulado nulo, é aplicável ao negócio dissimulado o regime que lhe caberia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado. Todavia, sendo o negócio dissimulado de natureza formal, só será válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.

No caso, os Recorrentes não vieram pedir a declaração de invalidade contratual, por simulação – embora esteja pressuposta/implícita a pretensão de nulidade do negócio que se invoca como simulado, na parte afetada (art.ºs 241.º e 240.º, n.º 2, do CCiv.) –, com as legais consequências, mas sim que, reconhecendo-se a existência da simulação de preço, se declare a verdadeira/real amplitude deste, para daí se extrair a consequência de que uma parte do preço está ainda por prestar, a ilustrar incumprimento nesse âmbito, com o dever de pagamento do que se encontra em falta.

Na fundamentação jurídica da sentença foi entendido que «(…) não se provaram quaisquer requisitos da simulação: nem o pacto simulatório entre o declarante e o declaratário, nem a divergência intencional entre o sentido da declaração e os efeitos do negócio jurídico (simuladamente) celebrado, nem o intuito de enganar terceiros, pelo que improcedem os pedidos a), b) e c).».

Dissente a parte Apelante, a qual, em matéria de direito, se fundou no sucesso da sua impugnação da decisão de facto, para, logrando demonstrar erro de julgamento do Tribunal a quo nesse âmbito, mostrar que outra deveria ter sido, do mesmo modo, a solução jurídica da causa, pois que sem demonstração da simulação a ação forçosamente teria, no essencial, de improceder (naufragariam os pedidos, já julgados improcedentes pela 1.ª instância).

Ora, como constatado, a empreendida impugnação da decisão de facto não logrou proceder, mantendo-se como não provados os factos do quadro factual com que os Recorrentes/impugnantes não se conformavam em vista da sentença em crise.

Tais factos eram integrantes da matéria que constituía o núcleo da alegada simulação.

Assim, resta concluir – como na sentença, cuja fundamentação de direito não foi rebatida no recurso – que não lograram os Apelantes provar, como lhes competia – por ser seu o ónus probatório e se tratar de factualidade essencial à procedência dos pedidos (cfr. art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.) –, os diversos requisitos cumulativos da alegada venda simulada (quanto ao preço), tal como antes enunciados, mormente quanto ao que não foi recebido pela parte vendedora, os três aludidos apartamentos, o que realmente importava para a parte demandante, incluindo o invocado intuito subjacente de enganar terceiros.

Tal é quanto basta – ante o quadro fáctico julgado provado e o não provado dos autos – para se dever concluir pela não verificação dos requisitos da invocada simulação relativa, determinando a subsistência nesta parte da decisão em crise (quanto aos diversos pedidos correspondentes).

Em suma, não logrando os Recorrentes afastar o juízo de não provado quanto aos factos que preencheriam os requisitos da invocada simulação, nem podendo colocar em causa a fundamentação jurídica substantiva da sentença (fundada no quadro factual apurado, o único a atender para a decisão de direito), âmbito em que inexiste qualquer invocada violação de lei, improcede esta vertente da apelação, com a consequente manutenção da sentença, sem necessidade de quaisquer outras considerações.

2. - Do (in)cumprimento do contrato dissimulado

Na sentença foi julgado, em conformidade com o anteriormente referido, não estar demonstrado qualquer incumprimento contratual, mormente de algum dever atinente ao pagamento do preço do contrato de compra e venda.

Na verdade, não se provando factos demonstrativos de que ocorresse simulação de preço, com uma parcela deste ainda por prestar, prejudicada fica, obviamente, a pretensão de condenação no pagamento da parcela que era invocada como em falta (os ditos três apartamentos ou o respetivo valor em dinheiro, ainda que a determinar no futuro).

Termos em que, improcedendo as conclusões dos Apelantes em contrário, terá de manter-se a sentença absolutória neste particular.

3. - Da indemnização por danos não patrimoniais

Ainda aqui – agora em sede reparatória –, ante o que vem provado e não provado, tem de concordar-se com o Tribunal recorrido, quando indica que não se apura qualquer ilícito contratual, nem sequer danos não patrimoniais que houvessem sido causados à A. pelos RR. [cfr. al.ªs r) e s) dos factos não provados], o que logo obriga, sem necessidade de outras considerações, à conclusão no sentido de não estarem demonstrados os pressupostos da pretendida responsabilidade contratual, que fosse fundante de um dever de indemnizar pelo dano não patrimonial.

4. - Do contrato de permuta, execução específica e sanção pecuniária compulsória

O Tribunal a quo fundamenta assim, quanto a esta problemática:

«O contrato de permuta, troca ou escambo traduz-se na atribuição recíproca entre os contraentes de coisas presumivelmente de idêntico valor, adquirindo e perdendo cada um deles a propriedade sobre elas, mas se a atribuição da coisa à outra parte é para pagar um preço, já não estamos perante a permuta ou troca.

Dos factos provados não resulta que tenha sido celebrado qualquer contrato de permuta entre as partes, pelo que não se pode, por isso, concluir que os Réus estão obrigados a outorgar a escritura de permuta prevista na carta do 1º R. datada de 25/9/1998, por via do qual a Autora pretende a cedência pelos RR. do prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...9, com área e confrontações devidamente actualizadas após o destaque da parcela prometida vender (ou seja, o actual artigo 230º; e a cedência da Autora aos R.R. (ou a quem estes indicarem) do prédio urbano inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...27º (actualmente, ...), improcedendo os pedidos i), j) e l). Improcede igualmente o pedido na parte em que foi ampliado (e deferido por despacho datado de 14-02-2020).

No que respeita ao pedido de condenação dos RR. numa sanção pecuniária compulsória, atendendo à improcedência dos anteriores pedidos, inexiste preenchimento da previsão do disposto no artigo 829.º-A, n.º 1, do Código Civil, pelo que igualmente improcede o pedido n).

(…)

Vão assim julgados improcedentes todos os pedidos formulados pelos Autores.».

Invoca a parte recorrente que a permuta foi acordada (entre A. e 1.º R.), tendo sido posteriormente aceite/assumida pela 4.ª R./sociedade, a qual, porém, a não implementou, sendo quem o podia fazer, decorrendo da sua omissão uma «intenção manifesta de espoliação» e um «locupletamento» ilegítimo à custa da A., por a parcela em causa (a receber) possuir um valor muito superior ao do art.º urbano ...27.º, que a parte demandante tem de dar em troca.

Ora, não se prova, todavia, que tivesse ficado entre todos (A., 1.º R. e 4.ª R.) estabelecida a ulterior outorga de uma escritura de permuta, quando a parcela a desanexar do prédio rústico correspondente ao art.º ...9.º estivesse efetivamente destacada, nem que houvesse sido essa a fórmula proposta pelo 1.º R., e aceite pela A., para ultrapassar as então previstas demoras na obtenção e registo do destaque da parcela de terreno prometida vender [cfr. al.ªs n) e o) dos factos não provados].

Como refere Luís de Menezes Leitão, o contrato de troca ou permuta ([12]) «tem por objecto a transferência recíproca da propriedade de coisas ou outros direitos entre os contraentes», acrescentando este Autor que, «apesar de consistir no mais antigo contrato que surgiu», deixou de ser regulado no Código Civil, «por se considerar que corresponde a um estádio primitivo da economia» (troca de géneros/coisas), que o uso do dinheiro tornou dispensável ([13]).

Este contrato, nominado e atípico, obrigacional, oneroso e sinalagmático, ainda é referido, todavia, no art.º 480.º do CCom., sendo-lhe aplicável, no essencial, quanto à permuta civil – mas também quanto à mercantil –, o regime do contrato de compra e venda, de acordo com o disposto no art.º 939.º do CCiv., por se tratar de «um negócio de alienação a título oneroso» ([14]).

De ter em conta ainda o princípio da eficácia relativa dos contratos (cfr. art.º 406.º, n.º 2, do CCiv.), de acordo com o qual, por regra, o contrato é inoperante em relação a terceiros ([15]).

Ora, vista a aludida factualidade não provada, tal logo obriga, sem necessidade de outras considerações, à conclusão no sentido de não estar demonstrada, in casu, a invocada vinculação, designadamente da 4.ª R. – aquela que, na ótica dos Recorrentes, teria, somente ela, a legitimidade para requerer as diligências tendentes ao averbamento (registral) da desanexação da parcela em causa, mas, recusando-se a fazê-lo, inviabiliza a concretização da permuta –, num alegado contrato de permuta ou troca.

Como o ónus da prova cabia à parte demandante (mencionado art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.), a ação teria de improceder também nesta parte, como improcedeu.

Prejudicada/inviabilizada fica a procedência, por seu lado, das pretensões da parte demandante quanto a execução específica e sanção pecuniária compulsória.

Nada, por isso, a censurar à decisão do Tribunal a quo, não se verificando as imputadas violações de lei e havendo de improceder a interposta apelação.

(…)

                                                 ***

V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência da apelação, em manter a sentença impugnada.

Custas da apelação pelos Recorrentes (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 10/10/2023

         

Vítor Amaral (relator)

Fernando Monteiro

Carlos Moreira



([1]) Segue-se, no essencial, por economia de meios, o teor do relatório da sentença recorrida.
([2]) Cujo teor se deixa transcrito.
([3]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([4]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão de outras, sendo que se seguirá uma ordem lógico-sistemática de apreciação das matérias recursivas.
([5]) Se dúvidas houvessem, deixa a parte esclarecido, no seu recurso, que:
«7. Mas já não se acompanha o itinerário lógico do Mº Juiz “a quo” quando justifica o não reconhecimento de parte significativa da factualidade controvertida (factos não provados) com o argumento de que, “estando em causa negócios jurídicos e a pretensa simulação ou encobrimento de acordos não declarados nas escrituras públicas, seria curial ouvir e confrontar os próprios intervenientes dos acordos e negociações” (…).
8. É precisamente no apuramento da matéria factual concernente a actos e contratos simulados que mais pertinente se mostra o recurso ao contributo probatório das presunções – dado ser “muito rara e difícil a prova directa da simulação processual” (…).
9. Nestes acordos simulados ou encobertos, mostra-se geralmente muito difícil (senão, mesmo impossível) o recurso à prova testemunhal, pois as partes não costumam rodear-se de terceiras pessoas, que possam mais tarde esclarecer o que efectivamente se passou.
10. A prova terá de assentar, essencialmente, nos documentos que corporizam as declarações negociais propriamente ditas, bem como os seus respectivos preliminares, e desenvolvimentos futuros; conjugados com as ilações que dos mesmos possam extrair-se por dedução ou inferência, segundo as regras da experiência.».
([6]) À exceção de «474.640$00», posto constar escriturado o valor de «preço de trinta e seis milhões quatrocentos e setenta e quatro mil seiscentos e quarenta escudos» [ponto 9) dos factos dados como provados].
([7]) Com ou sem simulação de preço, não se compreende que algum vendedor declare na escritura de venda que já recebeu integralmente o preço, se apenas recebeu uma parte dele, ficando a outra para mais tarde.
([8]) Por referência ao que é lógico, consentâneo com o normal acontecer e aderente ao comum sentido de adequação, probabilidade e razoabilidade.
([9]) As convocadas presunções judiciais – ou presunções simples ou de experiência – são as que «assentam no simples raciocínio de quem julga», inspirando-se «nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana», sabido, embora, que as presunções – em que se supõe a prova dum facto conhecido (base da presunção), para dele se inferir um facto desconhecido – «são meios de prova por sua natureza falíveis, precários, cuja força persuasiva pode, por isso mesmo, ser afastada por simples contraprova» – assim, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, ps. 312 e seg..
([10]) O valor de Esc. «474.640$00» também não encontra guarida na previsão estrita do contrato-promessa, que ao mesmo se não refere (expressamente).
([11]) Vide, por todos, o Ac. desta Relação (e Secção) de 15/11/2016, Proc. 394/11.2TBNZR.C1 (Rel. Fonte Ramos), disponível em www.dgsi.pt, em que foi Adjunto o aqui Relator.
([12]) Também designado por escambo.
([13]) Cfr. Direito das Obrigações, vol. III, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, p. 165.
([14]) Cfr. Menezes Leitão, op. cit., ps. 165 e seg., bem como Pires de Lima e Antunes Varela – quanto ao regime aplicável –, em Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1986, ps. 255 e seg..
([15]) Vide, inter alia, Ac. TRC de 12-03-2013, Proc. 2458/11.3TBVIS.C1 (Rel. Francisco Caetano), em www.dgsi.pt.