Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1615/21.9T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA MELO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO FUTURO
MONTANTES DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 562.º, 566.º, N.º 3, E 564.º, N.º 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I – Não tendo sido alegado e provado que a lesada era filiada no sindicato subscritor da Convenção Coletiva de Trabalho cuja aplicação é reclamada, nem que sua entidade patronal era filiada na associação patronal subscritora, não há, em regra, salvo nas exceções previstas na lei, lugar à aplicação do aí acordado (princípio da dupla filiação).

II – A teoria da diferença obriga à consideração como dano emergente do valor correspondente às refeições que eram prestadas pela entidade patronal, pois que se a lesada não tivesse sido atropelada, ficando impossibilitada de trabalhar, não teria que despender meios com a refeição ou refeições que tomava no local de trabalho, cujo custo era suportado pela entidade empregadora.

III – Mostra-se adequada a atribuição de uma indemnização para compensar o dano biológico, no montante de 55.000,00,  a uma lesada que à data do acidente tinha 35 anos de idade, ficou com um défice funcional de 16,192 pontos, não ficou com incapacidade para o trabalho, mas tem de fazer esforços suplementares,  ficou com uma lesão no joelho e apresenta marcha claudicante e dificuldades em permanecer de pé durante períodos prolongados e também na posição de sentada tem necessidade de adotar atitude antálgica escoliótica.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

Relatora: Helena Melo
1.ª Adjunta: Catarina Gonçalves
2.ª Adjunta: Maria João Areias

Processo 1615/21.9T8CTB.C1

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

 I. Relatório

AA  instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra A..., SA., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe uma indemnização no valor global de € 197.838,88, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento, bem como no pagamento da indemnização devida a título de danos futuros, em montante a fixar em incidente posterior.

Alega, em síntese, ter sido atropelada pela condutora do veículo de matrícula ..-..-DX quando se encontrava já a meio da faixa de rodagem e atravessava a estrada no local assinalado para a travessia de peões.

Assim, uma vez que o acidente foi provocado pela condutora do veículo de matrícula ..-..-DX, e tendo em conta que a responsabilidade civil emergente dos danos causados em consequência da circulação do mesmo tinha sido transferida para a seguradora Ré, concluiu que  esta é responsável pelo ressarcimento dos danos por si sofridos.

Desde a data em que ocorreu o acidente, nunca mais conseguiu trabalhar, encontrando-se ainda em situação de baixa médica. Em consequência, no mês em que ocorreu o acidente a Autora deixou de receber o montante de € 84,08 a título de salário e, desde o mês subsequente, deixou de receber o montante de € 22.625,00, “a título de retribuição, férias e subsídio de férias”.

E considerando que à data do acidente, contava apenas com 35 anos de idade, para além das quantias já mencionadas, requereu o pagamento de uma indemnização no valor de € 120.000,00, “a título de indemnização por défice permanente funcional”.

Por outro lado, acrescentou a Autora que a compensação que lhe é devida “pela violação do direito à integridade física e psíquica” deve ser fixada no montante de € 36.360,00, sendo-lhe devido ainda o pagamento de uma indemnização no valor de € 25.000,00 “pelos danos não patrimoniais decorrentes das dores, traumas, sofrimento, apreensão com o futuro, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, dano estético”.

Mais pediu que, por carecer de outros tratamentos, nomeadamente com medicamentos analgésicos, com a realização de fisioterapia, com a realização de uma cirurgia ao joelho e com eventuais tratamentos dentários, cujos custos não são conhecidos, o valor da indemnização correspondente fosse fixado em incidente posterior.

Por último, alegou também que suportou o pagamento de “despesas com consultas médicas, exames médicos e radiológicos, medicamentos, deslocações, no montante total de € 991,00”, o qual lhe deverá ser restituído pela seguradora Ré, sem prejuízo de se ter em consideração o pagamento da quantia de € 1.212,20 já efetuado pela Ré , no dia 3 de junho de 2019.

A R. contestou, impugnando parte dos factos descritos na petição inicial. Aceitou, não obstante,  indemnizar a Autora, mas não pelos danos e valores por ela peticionados, porquanto as  lesões e sequelas invocadas pela autora não se devem todas ao acidente em discussão nos autos, sendo, algumas, pré-existentes.

Nestes termos, conclui a seguradora Ré que “a presente ação deverá ser julgada de acordo com a prova que vier a ser produzida, com as demais consequências legais”.

A audiência prévia foi dispensada, tendo sido proferido despacho saneador, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Procedeu-se à realização da audiência final e a final foi proferida sentença com o seguinte teor no dispositivo:

“Deste modo, nos termos e com os fundamentos indicados, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 2.375,80 (dois mil, trezentos e setenta e cinco euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde o dia .../.../2021 até integral pagamento, bem como a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença até integral pagamento.

Mais decido condenar a Ré a pagar à Autora as quantias que por esta vierem a ser despendidas com a realização de tratamento cirúrgico ao joelho direito e com a aquisição de medicamentos para atenuar as dores que sente ao nível da coluna e do joelho direito e os efeitos do stresse pós-traumático de que padece, em montante a determinar em sede de incidente de liquidação, absolvendo a Ré do pedido de pagamento das restantes quantias peticionadas.

Custas a cargo da Autora e da Ré, na proporção do respetivo decaimento, que fixo em 58,36% e % 41,64, respetivamente (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário concedido à Autora. “

           

A A. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. O Tribunal a quo, salvo erro e o devido respeito cometeu erro de julgamento. Porquanto, fez errada interpretação e aplicação das normas de direito substantivo, quer errada apreciação da prova efetivamente produzida em julgamento.

2. Foi proferida sentença de que recorre da seguinte parte:

“Deste modo, nos termos e com os fundamentos indicados, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 2.375,80 (dois mil, trezentos e setenta e cinco euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde o dia .../.../2021 até integral pagamento, bem como a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença até integral pagamento.

(…)

absolvendo a Ré do pedido de pagamento das restantes quantias peticionadas.

Custas a cargo da Autora e da Ré, na proporção do respetivo decaimento, que fixo em 58,36% e % 41,64, respetivamente (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário concedido à Autora.”

3. O Tribunal a quo deu como provados, entre outros, os seguintes factos provados, com relevo para o presente recurso, constantes da “II. Fundamentação de facto”, nos pontos 51., 52., 56., 57., 61., 62., 63., 64., 65., 66., 67., 68., 69., 70., 71., 72., 73., 74., 76., 77., 78., 79.,

80., 81., 84., 85., 86., 90., 95. que se dão por reproduzidos.

4. A sentença padece de erro de julgamento no que concerne ao cálculo da indemnização e seus fundamentos.

5. Assim, deu o Tribunal a quo como provado o facto provado em 52., que se dá por reproduzido.

6. Tal facto resulta do alegado pela A. nos arts. 83., 84., 85., 86. da P.I.

7. Assim, foi dado como provado que ao salário base de € 530,00, auferido pela A., acrescia o subsídio de alimentação, pago em espécie.

8. Tal subsidio de alimentação, apesar de ser em espécie, tinha o valor de € 125,00.

9. Pois, de acordo com a Convenção Coletiva de Trabalho aplicável, e junta à P.I. como doc. 96, quando a alimentação é prestada em espécie, tem sempre um valor pecuniário de € 125,00. (art. 81º e 85º da CCT publicada BTE 27 de 20 de 22/07/2019).

10. Assim, ao montante de € 530,00, terá que ser adicionado o montante de € 125,00, o que perfaz uma retribuição mensal de € 655,00.

11. Sendo que, em caso de acidente de trabalho, no cálculo das respetivas prestações por incapacidade, é sempre tido em conta o montante equivalente ao subsidio de refeição quando pago em espécie.

12. Tudo de acordo com o artigo 48.º, 71.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, artigo 284.º do Código do Trabalho.

13. Sendo que, a indemnização por incapacidade temporária é calculada “com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente” (n.º 1 do artigo 71.º da LAT).

14. Para este efeito, entende-se por:

“retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com caráter de regularidade”

(n.º 3 do artigo 71.º da LAT);

“retribuição mensal todas as prestações recebidas com caráter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios” (n.º 2 do artigo 71.º da LAT).

15. Como se verifica, no âmbito da LAT são consideradas todas as prestações recebidas pelo trabalhador com caráter de regularidade e que não se destinem a compensá-lo por custos aleatórios, ainda que, face à lei geral, tais prestações não integrem o conceito de retribuição.

16. Decorre, assim, das citadas disposições que, sendo o subsídio de refeição pago mensalmente ao trabalhador, num montante préfixado, o mesmo corresponderá a uma “prestação certa e regular” relacionada com a prestação efetiva de trabalho, integrando-se, deste modo, no conceito de retribuição atendível para efeitos de cálculo das pensões e indemnizações previstas na LAT.

17. Sendo que, quando o subsídio de refeição é prestado em espécie, deverá ter-se em conta o valor correspondente.

18. Por outro lado,

IV – A remuneração a ter em conta é a ilíquida e não a líquida.

V – O que importa é a esperança média de vida e não a idade da reforma.

(…)

VII – Ainda hoje no cálculo da indemnização da perda da capacidade de ganho há que ter em consideração, para além do mais, “a evolução provável na situação profissional do lesado, o aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível, a melhoria expectável das

condições de vida, a inflação provável ao longo do período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização.” Ac Trb. Rel. Porto, de 23-10-2014, Proc. 148/12.9TBVLP.P1, www.dgsi.pt.

19. Pois, “aquilo que o lesado perde realmente - a situação que existiria se não fosse o evento (art. 562 do CC) -, é o salário ilíquido e não o líquido.

(…)

Aliás, seria criar uma incongruência no seio do sistema jurídico, considerar para estes efeitos um salário líquido, quanto no regime dos acidentes de trabalho se considera expressamente o ilíquido.”

20. Pelo que o facto provado em 52., deverá ser alterado/ampliado, passando a ter a seguinte redação:

52. A Autora trabalhava nessa Churrasqueira desde o ano de 2006 e auferia um salário base de € 530,00, a que acrescia subsídio de alimentação pago em espécie, com o valor de € 125,00.

21. Assim, o montante a considerar, pelos 180 dias, nos quais a A esteve impossibilitada de exercer a sua actividade profissional, é no montante global de € 3.930,00 (€ 655,00 x 6 meses) e não de € 2.597,00.

22. Atendendo a que a A. despendeu a quantia total de € 991,00, por despesas por esta suportadas, com o acompanhamento médico e medicamentoso que lhe foi ministrado, assim, como com a realização das consultas e exames complementares a que se submeteu e com as deslocações que teve que efetuar para esse efeito.

23. Somando essas duas quantias (€ 3.930,00 + € 991,00), perfaz € 4.921,00.

24. Atendendo que a R. pagou à autora o montante de € 1.212,20, descontando tal quantia, de acordo com a sentença.

25. Daí resulta, que a indemnização por tais danos patrimoniais deverá ser fixada em € 3.708,80 e não em 2.375,80.

26. Em conformidade deverá ser alterada esta parte da sentença passando a mesma a:

Deste modo, nos termos e com os fundamentos indicados, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 3.708,80 (três

mil setecentos e oito Euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde o dia .../.../2021 até integral pagamento.

27. A sentença enferma igualmente de erro nesta parte “(…) condeno a Ré a pagar à Autora (…) bem como a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença até integral pagamento.”

28. O montante de € 80.000,00 é decomposto, segundo a sentença, por vários montantes, a saber:

i. € 25.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes das dores, traumas, sofrimento, apreensão com o futuro, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, dano estético.

ii. € 55.000,00, de acordo com os fundamentos da sentença: “Em face da própria natureza do dano (biológico) a que se tem vindo a aludir, impõe-se o recurso à equidade na fixação da indemnização devida à Autora. Tendo em conta os critérios já referidos, nomeadamente no que respeita à idade da Autora, às limitações sofridas no seu dia-a-dia e aos esforços suplementares que terá que despender no exercício da sua atividade profissional, afigura-se equilibrada e adequada a atribuição de uma indemnização no valor de € 55.000,00”

29. Ora, é em relação ao montante de € 55.000,00, de que se recorre, porquanto se entende que a R., atendendo aos factos dados como provados, deveria ter sido condenada em montante superior.

30. Assim, deu o Tribunal a quo como provados os factos em 52. (devendo aditar-se, nos termos sobreditos) “com o valor de € 125,00”, 57., 61., 62., 64., 65., 66., 67., 68., 73., 74., 75., 76., 77., 79., 80., 81., 84., 85., 86., 90., que se dão por reproduzidos.

31. Pelo que, entende-se que a indemnização fixada em € 55.000,00, é bastante inferior àquela a que a A. ter direito a receber, atendendo à factologia dada como provada e ao direito aplicável.

32. Assim, resulta provado que a A. padece de um Deficit Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 16,19 pontos, com repercussão na atividade laboral.

33. Sendo tal Défice, fundamento de pedido indemnizatório a esse título 34. Tendo a A. direito a um capital indemnizatório que se extinga no final da sua vida ativa e que seja suscetível de lhe proporcionar durante ela, as prestações periódicas, correspondentes à perda de salário ou limitação funcional.

35. A A. à data do acidente realizava uma intensa atividade laboral, auferindo o salário mensal ilíquido de € 655,00

36. Sucede que, o cálculo de lucros cessantes, como bem nota o Ac. STJ de 26/05/2003, CJS, T.II, pág. 130, é sempre difícil. O lucro cessante tem de ser determinado segundo critério de verosimilhança ou de probabilidade atendendo ao que aconteceria segundo o curso normal das coisas e recorrendo-se à equidade quando se não pode averiguar o seu valor exato (cfr. art. 566º nº 3 do Cód. Civil).

37. Daí, a jurisprudência tenha ensaiado vários critérios de cálculo dos lucros cessantes, assentes em bases técnicas.

38. De entre esses critérios, é aqui adotado o avançado pelo STJ, no Ac.4/2/93: CJ, S, I, pág. 128 e no Ac. de 5/5/94; CJ, S. II, 86, e predominante na jurisprudência portuguesa, onde se utilizou a seguinte fórmula de cálculo:

C = Px {(1/i) – [(( 1 + i)-n x i )]} x (1 + i)n

Sendo C o capital a depositar no primeiro ano, P a prestação a pagar anualmente e a taxa de juro média que a banca comercial está a pagar por depósitos de € 5.000.

39. Assim, considerando os 66 anos e 5 meses, como limite da vida ativa, sabendo que a idade da demandante, aquando do acidente  era de 35 anos, e a esperança media de vida da mulher portuguesa, nascida em 1983, é de 75,8 anos idade, pelo que será de 40,8 anos, o período a considerar, e tendo presente a taxa anual de juros, temos o valor de € 92.966,23 a título de Indemnização por Défice Permanente Funcional. (doc. 1)

40. Pois, no cálculo há que acrescentar a idade de esperança média de vida. (cfr. Estatísticas demográficas de 2020, do INE, elemento citado no Ac. STJ de 16/03/1999, in CJ – SI. 169 e Ac Trb. Rel. Porto, de 23-10-2014, Proc. 148/12.9TBVLP.P1, www.dgsi.pt, supra citado)

41. Pois, a vida física não desaparece no mesmo momento que cessa a vida ativa, nem com o atingir do termo desta, cessam todas as necessidades da lesada, ora A. (cfr. Ac. STJ de 28/09/95, in CJ – 8, III – 36, citado no estudo do Juiz Conselheiro Sousa Dinis “Dano Corporal em Acidente de Viação” in CJ, S, II, 11)

42. Por outro lado, o salário da A. não seria sempre fixo, mas sim, seria como é normal, objeto de crescente valorização e atualização.

43. Assim, a quantia de € 92.966,23, deverá ser retificada, valorando ainda a crescente valorização do salário mínimo nacional e a inflação, e a valorização do salário da A., e num juízo de equidade, fixa-se nesta parte em € 95.000,00 (noventa e cinco mil Euros), o montante de indemnização correspondente nesta parte ao dano futuro. (doc. 1)

44. Caso porém, se entenda que o salario mensal a considerar não é de € 665,00, mas sim de € 530,00.

45. Daqui resulta que o valor, supracitado, deverá ser fixado em € 66.5121,16 (doc. 2)

46. Devendo tal montante ser retificado, valorando ainda a crescente valorização do salário mínimo nacional e a inflação, e a valorização do salário da A., e num juízo de equidade, fixa-se nesta parte em € 70.000,00 (setenta mil Euros), o montante de indemnização correspondente nesta parte ao dano futuro.

47. Assim, em vez do montante de € 55.000,00, deve ser fixada indemnização no valor de € 95.000,00, ou in minime em € 70.000,00

48. Daqui resultando que, nesta parte, a indemnização a arbitrar à A. deverá ser de € 130.000,00, ou in minime, de € 95.000,00, em vez de € 80.000,00.

49. Quanto aos danos futuros da A., o tribunal a quo proferiu a seguinte sentença:

“Mais decido condenar a Ré a pagar à Autora as quantias que por esta vierem a ser despendidas com a realização de tratamento cirúrgico ao joelho direito e com a aquisição de

medicamentos para atenuar as dores que sente ao nível da coluna e do joelho direito e os efeitos do stresse pós-traumático de que padece, em montante a determinar em sede de incidente de liquidação, absolvendo a Ré do pedido de pagamento das restantes quantias peticionadas.”

50. Não se conformando a A. na parte onde decidiu:

“absolvendo a Ré do pedido de pagamento das restantes quantias peticionadas.”

51. Ora, sucede que a A. deduziu o seguinte pedido nesta parte:

a) (…)

Bem como, deverá a R. ser condenada no pagamento dos danos futuros nos termos dos arts. 226º a 237º da P.I., cuja fixação se relega para execução de sentença.”

52. Dando-se como reproduzido o alegado nos arts. 226º a 270º da P.I. 53. Sendo que o Tribunal a quo deu como provado o seguinte facto:

78. Em consequência das lesões que sofreu por causa do acidente a que se reportam os presentes autos a Autora necessita da realização de tratamento cirúrgico ao nível do joelho direito e de tratamentos medicamentosos.

54. Ora, é publico e notório que alguém que seja operada ao joelho, terá que ser internado para realizar tal intervenção cirúrgica, bem como terá que ficar com o joelho imobilizado durante algum tempo.

55. Daí resultando:

a) um período de tempo de incapacidade total e temporária que impossibilitará a A. poder trabalhar.

b) despesas de deslocação para se deslocar ao local onde será operada.

56. Pelo que, a A. na sua P.I. alegou:

232º Tendo a A. que suportar as despesas com tais tratamentos e intervenções cirúrgicas, bem como outras despesas conexas com tais tratamentos e intervenções cirúrgicas, nomeadamente com deslocações: às consultas, a tratamentos, a futuras intervenções cirúrgicas, para a compra de medicamentos e dispositivos médicos.

233º Desconhecendo-se o custo de tais tratamentos e a sua duração.

234º Desconhecendo-se, ainda o custo de futuras intervenções cirúrgicas, e as despesas conexas, com internamento, deslocação e respetivos períodos de ITA e ITP, custo de tratamentos médicos, medicamentosos e de fisioterapia, bem como os incómodos e dores, daí resultantes.

57. Remetendo para tais artigos o pedido deduzido:

“Bem como, deverá a R. ser condenada no pagamento dos danos futuros nos termos dos arts. 226º a 237º da P.I., cuja fixação se relega para execução de sentença”

58. Assim, como facto publico e notório e consequente do facto provado em 78., devia o Tribunal a quo ter dado como provado os seguintes factos:

78. A- Resultando dessa intervenção despesas com deslocação da A. para o local onde seja realizada tal intervenção cirúrgica.

78. B- Resultando dessa intervenção cirúrgica período de incapacidade da A. para trabalhar.

59. Em todo o caso, como facto publico e notório que é nem carecia de alegação.

60. Assim, remetendo o pedido para os arts. 232., 233., 234. da P.I., deverá ser a decisão nesta parte ser parcialmente revogada, passando a constar da mesma:

“Mais decido condenar a Ré a pagar à Autora as quantias que por esta vierem a ser despendidas com a realização de tratamento cirúrgico ao joelho direito, bem como outras despesas conexas com tais tratamentos e intervenções cirúrgicas, nomeadamente com deslocações: às consultas, a tratamentos, a futuras intervenções cirúrgicas, indemnizações pelos respetivos períodos de ITA e ITP; e com a aquisição de medicamentos para atenuar as dores que sente ao nível da coluna e do joelho direito e os efeitos do stresse pós traumático

de que padece, em montante a determinar em sede de incidente de liquidação, absolvendo a Ré do pedido de pagamento das restantes quantias peticionadas.”

61. Em conformidade com a nova decisão deverão fixadas as custas em conformidade com o decaimento de cada uma das partes.

Termos em que e nos melhores de Direito e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso ser julgado procedente e em conformidade ser revogada a sentença de acordo com as conclusões.

A parte contrária contra-alegou, tendo pugnado pela improcedência do recurso.

II – Objeto do recurso

De acordo com as conclusões da apelação, as quais delimitam o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

. se deve ser aditado ao ponto 52 dos factos provados que o valor do subsídio de refeição mensal que a apelante auferia à data do acidente, era de 125,00 euros;

. se devem ser aditados dois novos pontos à matéria de facto provada com a seguinte redação:

. Resultando dessa intervenção despesas com a deslocação da A. para o local onde seja realizada tal intervenção cirúrgica; e,

.Resultando dessa intervenção cirúrgica período de incapacidade para trabalhar.

. se o subsídio de refeição deve ser considerado no cálculo dos danos patrimoniais sofridos pela apelante;

. se a indemnização pelo dano biológico deve ser aumentada de 55.000,00 euros, para 95.000,00 ou no mínimo para 70.000,00;

. se a apelada deve ser condenada a pagar à apelante as deslocações que esta vier a realizar para o tratamento cirúrgico ao joelho direito a que irá ser sujeita, assim como o período de incapacidade para o trabalho que vier a sofrer, em consequência do tratamento cirúrgico.

 III - Fundamentação

Na primeira instância foram julgados provados e não provados os seguintes factos:

Factos provados

1. No dia 26 de março de 2019, cerca das 19h10, BB conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-DX na ..., no sentido .../Rua de ... – Avenida ..., em direção à Rotunda ....

2. Nesse local a estrada é constituída por uma reta com boa visibilidade em toda a extensão da via, entroncando numa rotunda.

3. A velocidade máxima permitida nesse local é de 50 Km/hora.

4. No local indicado a estrada tem duas hemi-faixas de rodagem com uma largura total de 15,20 metros.

5. No mesmo local existe uma travessia para peões devidamente sinalizada e bem visível no pavimento.

6. A via em causa dispunha ainda de berma asfaltada em bom estado de conservação e manutenção.

7. O estado do tempo era bom e o piso estava seco.

8. Na ocasião indicada em 1. a Autora AA deslocava-se a pé no passeio do lado direito da via, considerando o sentido de marcha .../Rua de ... – Avenida ....

9. A certa altura a Autora iniciou a travessia da estrada, no local assinalado para a travessia de peões, em direção ao Edifício da Freguesia ..., certificando-se de que o fazia em condições de segurança.

10. No momento em que a Autora já se encontrava a meio da travessia, na passadeira para peões, BB embateu com o veículo de matrícula ..-..-DX no corpo da Autora, fazendo com que esta tombasse sobre o para-brisas e, de seguida, fosse projetada alguns metros, caindo no solo.

11. A condutora do veículo de matrícula ..-..-DX conduzia-o nas circunstâncias indicadas a uma velocidade que não lhe permitiu imobilizá-lo quando se apercebeu da presença da Autora.

12. A condutora do veículo de matrícula ..-..-DX conduzia distraída, não prestando a necessária atenção à estrada e à condução que efetuava, e não abrandou a marcha quando se aproximou da travessia para peões.

13. A condutora do veículo de matrícula ..-..-DX sabia que devia conduzir com precaução, adequando a velocidade à localidade onde circulava, e que devia imprimir menor velocidade ao veículo ao aproximar-se de uma travessia para peões.

14. A condutora do veículo de matrícula ..-..-DX não previu, como podia e devia ter previsto, que, ao conduzir da forma descrita, poderia ofender o corpo e a saúde dos demais utentes da via.

15. Na data indicada em 1. o veículo de matrícula ..-..-DX pertencia a CC.

16. Na ocasião a que se alude em 1. BB conduzia o veículo de matrícula ..-..-DX por este lhe ter sido emprestado por CC.

17. Na ocasião a que se alude em 1. a responsabilidade civil emergente dos danos causados em consequência da circulação do veículo de matrícula ..-..-DX encontrava-se transferida para a Ré A..., SA, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...00.

18. No dia 3 de junho de 2019 a Ré A..., SA pagou à Autora, mediante transferência para a conta bancária por esta titulada, a quantia de € 1.212,20.

19. A Autora foi socorrida no local onde ocorreu o atropelamento e, posteriormente, transportada de ambulância ao Serviço de Urgência do Hospital ..., em ..., onde foi submetida a estudo clínico e radiológico.

20. A Autora teve alta medicada ainda no dia 26 de março de 2019, pelas 23h05.

21. A Autora pagou a quantia de € 38,76 pelo transporte de ambulância e a quantia de € 4,50, a título de taxa moderadora, pela consulta realizada no Hospital ....

22. Posteriormente a Autora foi seguida pelos serviços clínicos da seguradora Ré, os quais lhe concederam alta clínica.

23. A Autora foi submetida à realização dos seguintes exames complementares de diagnóstico:

 radiografia da coluna dorsal e lombar, realizada a 23 de abril de 2019, que mostra a existência de fratura de D12 e L1;

 TAC da coluna dorso-lombar, realizada a 14 de maio de 2019, que mostra haver fratura de D12, L1 e L2;

 RM do joelho direito que mostra haver lesão do ligamento cruzado anterior e lesões meniscais.

24. As fraturas e lesão indicadas em 23. foram provocadas em consequência do atropelamento a que se alude em 10..

25. A Autora foi submetida à realização de tratamento conservador das fraturas da coluna.

26. A Autora não fez qualquer tratamento à lesão ligamentar do joelho.

27. A Autora padece de quadro psiquiátrico de depressão e stresse pós-traumático em grau ligeiro.

28. Mediante carta da qual consta a indicação do dia 26 de março de 2019 como sendo a data do sinistro, recebida pela seguradora Ré, a Autora solicitou que os serviços clínicos da Ré a assistissem.

29. No dia 31 de maio de 2019 a seguradora Ré agendou uma consulta médica nos seus serviços clínicos, ... – Casa de Saúde ..., para o dia 7 de junho de 2019.

30. Os serviços clínicos da seguradora Ré atribuíram à Autora uma incapacidade temporária absoluta desde o dia .../.../2019 até ao dia 1 de julho de 2019, data em que lhe concederam alta clínica.

31. No dia 1 de julho de 2019 a Autora apresentou-se no seu local de trabalho.

32. Nesse dia, ao final da manhã, as dores que a Autora sentia ao nível do joelho direito e da coluna, na região lombar, impediram-na de realizar mais movimentos.

33. Por essa razão a Autora deslocou-se, de táxi, ao Serviço de Urgência ..., onde foi observada e medicada, tendo-lhe sido concedida baixa médica por três dias, com a recomendação de, passado esse período, regressar ao Centro de Saúde, a fim de ser reavaliada pelo seu médico de família.

34. No dia 4 de julho de 2019 a Autora foi observada pelo seu médico de família que renovou a situação de baixa médica em que a mesma se encontrava.

35. Em consequência do acidente a Autora sofreu fratura horizontal dos dentes 1.2 e 2.2, com consequente mobilidade ligeira e sensibilidade ao estímulo de frio e quente de ambos os dentes.

36. Por essa razão, no dia 12 de abril de 2019, a Autora deslocou-se às instalações da ..., B..., L.da, na ..., para a realização de consulta de urgência de medicina dentária.

37. Em consequência das lesões sofridas a nível dentário, a Autora deslocou-se às instalações da clínica mencionada em 36. nos dias 22 e 24 de abril de 2019, 2 e 16 de maio de 2019 e 28 de junho de 2019, onde foram realizadas:

 ortopantomografia para elaboração de diagnóstico e plano de tratamento;

 consultas de controlo clínico e radiológico;

 restauração estética extensa a compósito dos dentes 1.2 e 2.2.

38. A Autora despendeu a quantia de € 140,00 com a realização dos tratamentos mencionados em 37.

39. Nos dias 17 e 18 de abril de 2019 e 6 e 27 de maio de 2019, em consequência das lesões sofridas e das dores e falta de mobilidade sentidas, a Autora dirigiu-se à C..., na ..., onde foi observada pelo Ex.mo Senhor Dr. DD, o qual lhe prescreveu medicamentos e a realização de RX, RM e TAC.

40. A Autora despendeu a quantia de € 150,00 com a realização das consultas mencionadas em 39.

41. Nos dias 23 de abril de 2019 e 14 de maio de 2019 a Autora deslocou-se desde a sua residência, situada na ..., até à D..., Unipessoal, L.da, em ..., a fim de se submeter à realização dos exames mencionados em 39..

42. A Autora despendeu a quantia de € 326,00 com a realização dos exames mencionados em 39. e 41.

43. A Autora despendeu a quantia de € 172,50 com o pagamento do serviço de táxi que contratou para efetuar as deslocações mencionadas em 41..

44. A Autora despendeu a quantia de € 32,00 com o pagamento do serviço de táxi para se deslocar ao Centro de Saúde ... a fim de ser observada nos dias 1, 3, 8 e 18 de abril de 2019.

45. Em consequência das sequelas resultantes do acidente, a Autora deslocou-se à C..., L.da, na ..., a fim de se submeter à realização de tratamento psiquiátrico, tendo sido acompanhada, em consultas de psiquiatria, pela Ex.ma Senhora Dr.ª EE.

46. Pela Ex.ma Senhora Dr.ª EE foi-lhe diagnosticado um quadro agudo de stresse, com humor depressivo e alterações de sono, em consequência do acidente.

47. No dia 19 de outubro de 2020, pela Ex.ma Senhora Dr.ª EE foi atestado o seguinte, a propósito do estado clínico da Autora:

“Apresenta pensamentos recorrentes e sonhos repetitivos com o acidente, assim como «ter a perceção de ouvir os gritos das pessoas presentes», refere sensação de morte iminente e irritabilidade fácil.

Desde setembro de 2019 que notou agravamento de sintomas com dores musculares e cefaleias. Nota ainda dificuldade em conduzir – iniciou a setembro de 2019 mas associada a queixas dolorosas.

Considero que toda esta condição de doença interfere com a sua vida pessoal assim atividade laboral.

Conclusão:

A utente faz terapêutica medicamentosa com Mirtazapina 15 mg, venlafaxina 75 e rivotril 2 mg. Pondera-se um aumento gradual do antidepressivo. Atendendo ao quadro clínico, personalidade prévia, e psicopatologia atual sou de opinião que dadas as características da sua doença não voltou a ser o que era antes do acidente, apresentando sequelas físicas e psicológicas.

Considero prognóstico reservado, com boa adesão terapêutica e mecanismos de coping ajustados.”.

48. A Autora despendeu pelo menos € 46,24 com a aquisição dos medicamentos Tramadol, Paracetamol, Metamizol magnésio, Tiocolquicosido (Relmus), Metoclopramida (Primperan), Lactulose (Laevaloc), Venlafaxina, Clonazepan (Rivotril), Etoricaxib, Clonazepam, Rivotril que lhe foram prescritos a fim de conseguir suportar as dores que sente e a depressão em que vive desde a data do acidente.

49. Nos dias 3, 8, 18 e 30 de abril de 2019, 9 e 24 de maio de 2019, 1, 4 e 12 de julho de 2019, 1 de agosto de 2019, 2 de setembro de 2019, 4 de outubro de 2019, 4 de novembro de 2019, 2 e 30 de dezembro de 2019, 28 de janeiro de 2020, 2 e 30 de março de 2020, 27 de abril de 2020, 28 de maio de 2020, 26 de junho de 2020, 27 de julho de 2020, 25 de agosto de 2020, 24 de setembro de 2020, 26 de outubro de 2020, 24 de novembro de 2020, 23 de dezembro de 2020, 22 de janeiro de 2021, 23 de fevereiro de 2021, 23 de março de 2021, 23 de abril de 2021, 24 de maio de 2021, 27 de julho de 2021, 20 de agosto de 2021, 21 de setembro de 2021 e 19 de outubro de 2021 a Autora deslocou-se ao Centro de Saúde ..., a fim de ser examinada, tendo-lhe sido emitidos, nessas datas, Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho.

50. A Autora despendeu a quantia de € 81,00, a título de taxas moderadoras, pelas consultas indicadas em 49..

51. Na data indicada em 1. a Autora era empregada de balcão na Churrasqueira denominada E....

52. A Autora trabalhava nessa Churrasqueira desde o ano de 2006 e auferia um salário base de € 530,00, a que acrescia subsídio de alimentação pago em espécie.

53. A Autora cumpria o seu horário de trabalho desde as 09h00 às 18h00, com um intervalo para almoço entre as 14h00 e as 15h00, exceto às sextas-feiras, dia em que trabalhava das 07h30 às 16h30, com um intervalo para almoço entre as 11h00 e as 12h00, tendo o referido horário sido objeto de uma alteração em data anterior à mencionada em 1..

54. A Autora gozava o seu dia de descanso semanal ao domingo e o dia de descanso complementar à quarta-feira.

55. A Autora participou o acidente à Segurança Social, a fim de receber subsídio de doença, o que lhe foi recusado.

56. No mês de março de 2019 a Autora recebeu apenas o valor de € 480,00 por ter estado em situação de baixa médica durante seis dias.

57. A Autora nasceu no dia .../.../1983.

58. Antes de ter sofrido o acidente a que se reportam os presentes autos a Autora não padecia de qualquer lesão ou limitação física.

59. No exercício da atividade indicada em 51. a Autora servia ao balcão e à mesa, preparava e temperava frangos, colocava-os e retirava-os da grelha, grelhava-os, cortava-os e procedia à limpeza do estabelecimento e dos equipamentos nele utilizados.

60. A Autora colocava cinco frangos em cada grelha.

61. Nos seus tempos livres a Autora procedia à limpeza do apartamento onde vivia, confecionava refeições, lavava a roupa e passava a ferro.

62. A Autora cultivava batatas, cenouras, couves, grão, feijão, cebolas, alface e tomate numa pequena horta dos seus pais.

63. Nos seus momentos de lazer a Autora fazia caminhadas e frequentava o ginásio da ....

64. Em consequência das lesões sofridas no acidente a que se reportam os presentes autos a Autora padece de dor permanente ao nível da região lombar e do joelho direito.

65. Em consequência das lesões sofridas no acidente a que se reportam os presentes autos a Autora tem dificuldade em permanecer de pé durante períodos prolongados e também na posição de sentada tem necessidade de adotar atitude antálgica escoliótica.

66. Ao nível do joelho direito a Autora padece de dor e sensação de insegurança/falência quando faz o apoio podálico.

67. Em consequência do acidente a que se reportam os presentes autos a Autora padece de:

 marcha claudicante;

 dor à palpação da região dorso-lombar e do joelho direito;

 perturbação de stresse pós-traumático.

68. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pela Autora é fixável no dia 29 de dezembro de 2019.

69. O défice funcional temporário total é fixável no período de 90 dias.

70. O défice funcional temporário parcial é fixável no período de 189 dias.

71. A repercussão temporária na atividade profissional total é fixável no período de 180 dias.

72. A repercussão temporária na atividade profissional parcial é fixável no período de 99 dias.

73. O denominado Quantum Doloris é fixável no grau 5, numa escala com sete graus de gravidade crescente.

74. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica da Autora é fixável em 16,192 pontos.

75. As sequelas apresentadas pela Autora, em termos de repercussão permanente na respetiva atividade profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

76. O dano estético permanente sofrido pela Autora é fixável no grau 2, numa escala com sete graus de gravidade crescente.

77. A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é fixável no grau 4, numa escala com sete graus de gravidade crescente.

78. Em consequência das lesões que sofreu por causa do acidente a que se reportam os presentes autos a Autora necessita da realização de tratamento cirúrgico ao nível do joelho direito e de tratamentos medicamentosos.

79. A Autora não consegue caminhar durante mais do que 15 ou 30 minutos sem ter que parar e sentar-se.

80. Para evitar as dores sentidas na perna direita, a Autora assume uma posição de defesa, esforçando mais a perna esquerda, o que lhe provoca também dores ao nível da anca, do lado esquerdo.

81. A Autora aplica uma pomada analgésica no joelho direito e na região lombar e toma, por via oral, medicamentos analgésicos, o que não acontecia antes do acidente.

82. A Autora encontra-se apreensiva com a sua autonomia pessoal e profissional.

83. A Autora concluiu o 6º ano de escolaridade e vive num meio rural.

84. Atualmente é a irmã da Autora que a ajuda a passar a roupa a ferro.

85. Atualmente a Autora não consegue transportar um saco de compras mais pesado, por se intensificarem as dores que sente ao nível do joelho direito e da região lombar.

86. A Autora tem dificuldades em adormecer, apresenta um sono agitado e acorda frequentemente durante a noite.

87. Desde a data em que ocorreu o acidente a Autora, quando caminha pelos passeios e passa por si algum veículo automóvel, sente medo, o que é agravado quando tem que atravessar numa passadeira.

88. Desde a data em que ocorreu o acidente a Autora vive angustiada, triste e revoltada.

89. Antes do acidente a Autora era uma pessoa divertida, bem-disposta e com grande alegria de viver.

90. A esperança média de vida em Portugal, para mulheres nascidas no ano de 1983, é de 75,8 anos.

91. Desde a data em que ocorreu o acidente a Autora isola-se, evita o convívio com os seus familiares e amigos, sentindo-se desanimada com a vida.

92. Antes do acidente a Autora gostava de usar sapatos de salto alto, o que deixou de poder fazer devido às dores que sente.

93. Antes do acidente a Autora gostava de dançar, o que deixou de poder fazer devido às dores que sente.

94. Antes do acidente a Autora gostava de fazer caminhadas e de ir ao ginásio, o que deixou de poder fazer devido às dores que sente.

95. Por não auferir qualquer rendimento desde o mês de março de 2019, a Autora teve que resolver o contrato de arrendamento relativo ao apartamento onde vivia com efeitos a partir do dia 31 de março de 2020.

96. A Autora mudou-se provisoriamente para uma casa pertencente a um familiar que lha cedeu a título de favor.

97. A Autora vive com o auxílio de familiares e pessoas amigas que lhe dão alimentos e roupas.

98. A Autora tem recebido também o apoio da Câmara Municipal ..., que lhe oferece alimentos.

*

Factos não provados

Após a realização da audiência final não ficaram demonstrados quaisquer outros factos relevantes para a decisão a proferir, não se tendo provado, designadamente:

1. A quantia indicada em 18. dos factos considerados provados foi paga a título de reembolso de parte das despesas já suportadas pela Autora.

2. A Autora ainda carece da realização de tratamentos dentários com vista à aplicação de coroa cerâmica/zircónio nos dois dentes afetados, os quais importam um custo de € 550,00 por dente, ou à colocação de implantes dentários com o custo de € 1.200,00 cada um.

3. Em consequência das sequelas de que padece a nível físico e psicológico, a Autora encontra-se incapaz de trabalhar.

4. Cada grelha com frangos pesava, pelo menos, 10 Kg.

5. Em consequência do acidente a que se reportam os presentes autos a Autora padece de limitação de movimentos ao nível da coluna e ao nível do joelho direito.

6. Em consequência das lesões sofridas por causa do acidente a Autora ainda carece de tratamentos de fisioterapia.

7. Desde a data do acidente a Autora perdeu qualquer interesse sexual.

8. A Autora começou a notar défices cognitivos, de concentração e memória recente, bem como dificuldades em tomar decisões.

9. Desde a data em que ocorreu o acidente a Autora padece de falta de concentração e esquecimento, vivendo sempre impaciente, com dificuldade em controlar um sentimento de ansiedade e permanentemente nervosa.

10. A Autora sofre um agravamento das dores quando há mudanças de tempo.

11. A Autora beneficia de uma isenção para a aquisição de medicamentos para a depressão.

12. A quantia indicada em 18. dos factos considerados provados foi paga a título de perdas salariais no período de ITA entre os dias 26 de março de 2019 e 31 de maio de 2019, tendo sido calculada com base no salário declarado de € 471,70.

13. Durante o período de incapacidade a Autora recebeu subsídio de desemprego pago pela Segurança Social.

Do aditamento de novos factos ao ponto 52 dos factos provados

Pretende a apelante que ao facto provado 52 seja aditado que o valor do subsídio de alimentação é de 125,00 mensais, o que alegou nos artigos 84º e 85º da petição inicial.

A apelante defende ser aplicável ao caso a Convenção Coletiva de Trabalho celebrada entre a Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Restauração e Turismo (SITESE), publicada no BTE nº 27 de 22.07.2019, a qual na cláusula 85/a) estabelece que, quando o subsídio de alimentação for prestado em espécie, como acontece no caso em apreço, no caso de refeições completas tem o valor de 125,00.

A apelada insurge-se por, no seu entender, não estar provado que a apelante estivesse sujeita a essa Convenção Coletiva.

E tem razão. Para que seja aplicada uma determinada convenção coletiva de trabalho, é preciso que seja alegado e provado que o trabalhador  é sócio do sindicato subscritor e a sua entidade patronal, associada da associação patronal igualmente subscritora (artº 496º do CT – princípio da dupla filiação), o que a apelante, desde logo não alegou. Não estando demonstrada a filiação, apenas poderia ser aplicado a CCT se tivesse sido publicada uma portaria de extensão (artº 516º do CT).

Improcede, assim a requerida alteração.

            Do aditamento de nova factualidade decorrente da prova dos factos constantes do ponto 78

            Pretende a apelante que sejam aditados aos factos provados dois novos pontos com a seguinte redação e numeração:

            .78-A – Resultando dessa intervenção despesas com a deslocação da A. para o local onde seja realizada tal intervenção cirúrgica.

            .78-B – Resultando dessa intervenção cirúrgica período de incapacidade para trabalhar.

            Invoca a apelante que alegou estes factos nos artigos 232º a 234º da sua petição inicial e que tendo sido dado como provado no ponto 78 da sentença que “Em consequência das lesões que sofreu por causa do acidente a que se reportam os presentes autos a Autora necessita da realização de tratamento cirúrgico ao nível do joelho direito e de tratamentos medicamentosos”, é notório que alguém que seja operado ao joelho terá de ser internado para realizar a intervenção cirúrgica, bem como terá de ficar com o joelho imobilizado durante algum tempo, pelo que o tribunal deveria ter dado como provados os referidos factos por serem públicos e notórios.

            A apelada entende que deve ser rejeitada a impugnação porque a apelante não indicou os meios de prova.

            Apreciando:

            O artº 640º, nº 1, alínea b) do CPC impõe ao apelante que impugna a matéria de facto o ónus de indicar os meios probatórios em que se fundamenta.

            No caso do apelante pretender a ampliação da matéria de facto e não propriamente impugnar a matéria de facto dada como provada e não provada, deverá igualmente indicar os meios de prova em que se alicerça e alegar a razão pela qual se mostra necessária o aditamento de novos factos.

            No caso a apelante não indicou os meios probatórios em que se alicerçou porque entendeu que os factos que pretende ver aditados são públicos e notórios.

O artº 412º do CPC estabelece  que os factos notórios não carecem de prova e alegação, sendo facto notório aquele que é do conhecimento geral.

Facto notório é aquele que é do “conhecimento e da experiência comum, de acordo com os padrões médios da coletividade de um determinado tempo e lugar. A exigência do conhecimento geral atua em vários âmbitos: o facto notório tem de constar como certo ou falso para a generalidade das pessoas de cultura média, entre os quais se encontra o juiz; na esfera cogniscitiva, no sentido de que tal conhecimento deve integrar a cultura média, não integrando apenas um saber especializado; na esfera especial, no sentido de que tal facto deve ser conhecido no território a que respeita” (cfr. defendem Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, vol 1º, Almedina, 2019-Reimpressão, pág. 485).

            Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos (cfr. se defende no Ac. desta Relação de 22.06.2010, proc. 1003/08.3TBVIS.C1).

            Sendo a intervenção cirúrgica prevista ao joelho direito da apelante, o qual tem um papel importante na locomoção,  admite-se a consideração como facto notório, que tal intervenção provoque à apelante incapacidade temporária  para o trabalho, especialmente se esse trabalho  for desenvolvido de pé, como acontecia com as funções que a apelante desempenhava até ao acidente.

            Não se nos figura que as despesas de deslocação para o local da intervenção constitua um facto notório. Tudo dependerá do local onde for realizada a intervenção e da sua distância para a residência da apelante, o que se desconhece,  e do meio de transporte a que a apelante recorra. E ainda que se situe distante da sua residência, se a apelante recorrer ao transporte por um familiar que a acompanhe no dia da intervenção, poderá não ter despesas de deslocação.

           

            Consequentemente, adita-se à matéria de facto apenas um novo ponto com o nº 78 A e com a seguinte redação:

.78- A – Resultando dessa intervenção cirúrgica um período de incapacidade para trabalhar.

            A matéria de facto a considerar é pois a dada como provada pelo tribunal a quo e o novo ponto que se aditou.

. Da consideração do subsídio de refeição para efeitos de indemnização por danos patrimoniais

Não obstante não terem sido aditados novos factos ao ponto 52 dos factos provados, há que  apreciar se na indemnização por danos patrimoniais destinada a indemnizar a quantia que a lesada deixou de auferir mensalmente, como contrapartida do seu trabalho, deveria ter sido incluído o subsídio de alimentação da apelante, pago em espécie.

Na sentença recorrida entendeu-se que tal subsídio não deveria ser considerado.

A apelante entende que deveria ser considerado, uma vez que constitui retribuição, por se tratar de uma prestação certa e regular, fundamentando-se no artº 71º, nºs 2 e 3 da Lei 98/2009, de 4 de setembro (Lei que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, doravante designada LAT).

Pugna ainda a apelante pela consideração do ordenado ilíquido que auferia e não apenas 70% do mesmo, como se entendeu na sentença recorrida, acrescido do subsídio de refeição, no valor mensal de 125,00 euros, requerendo que lhe seja atribuída a quantia de 3.930,00 [(530,00 + 125,00) x 6 meses], em vez da quantia fixada na sentença recorrida.

O Código do Trabalho considera retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho, compreendendo a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie (artº 258º, nº 1 e 2). Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador (artº 258º, nº 3 do CT).

O subsídio de refeição só se considera retribuição na parte que excede os respetivos montantes normais (artº 260, nº 1, alínea a) e nº 2 do CT), não se tendo apurado factos que permitam concluir pelo seu caráter de retribuição.

Quer isto dizer que existe uma regra geral (art. 258º/1 e 2 CT), auxiliada por uma presunção (art. 258º/3  do CT), existe uma exceção (art. 260/1, 1ª parte do CT) e existe uma contra-exceção (art. 260/1, 2ª parte do CT).

No entanto, há que ter em consideração que na indemnização a atribuir ao lesado, deve ser reconstituída a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artº 562º do CC).

Não há que aplicar as regras previstas na Lei 98/2009, de 04 de setembro (Lei  que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais), desde logo porque não há factos para caraterizar o  acidente sofrido pela apelante como acidente de trabalho. De acordo com o artº 8º, nº 1da Lei 98/2009 ”é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”, entendendo-se como local de trabalho, todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador (artº 8º, nº 2, alínea a) da Lei 98/2009). Desde logo, o acidente não teve lugar nas instalações da churrasqueira, mas sim na estrada e não foi alegado nem provado, que a apelante se estivesse a dirigir para o seu local de trabalho.

Assim, não se podendo qualificar o acidente sofrido pela apelante como acidente de trabalho, a remuneração a considerar para efeitos do cálculo do dano emergente é a quantia de 530,00 e não apenas 70% dessa importância, como se entendeu na sentença recorrida, pelo que a apelante tem a haver a título de indemnização pelo período de tempo em que esteve totalmente incapacitada para o trabalho, a quantia de 530,00 x 6 meses e não apenas 70% deste valor.

E se a  apelante estivesse a trabalhar não teria que despender qualquer importância com o seu almoço, em regra 11 meses do ano, pelo que se afigura que deverá ser atribuído à alimentação da apelante em espécie, um valor económico, ainda que a prestação de almoço em espécie não constitua retribuição.

Não se tendo apurado factos que permitam a aplicação do disposto na convenção coletiva de trabalho invocada pela apelante, desde logo porque não se provou que a apelante fosse filiada no sindicato subscritor da convenção,  há que relegar para o que se liquidar em incidente de liquidação, não sendo caso para recorrer à equidade. É que a equidade a que o artº 566º, nº 3 do CC manda atender, no que diz respeito  à quantificação dos danos de natureza patrimonial, desempenha uma função puramente complementar e acessória em relação à aplicação  da teoria da diferença, consagrada no nº 2 deste mesmo artigo.

Deve assim ser  relegado para o incidente ulterior, a quantificação deste valor.

Já relativamente ao valor devido a título de retribuição base não há que relegar  para execução de sentença, sendo devida a importância de 3.180,00 (530,00 x 6 meses)[1], mais  991,00, menos1.212.20 já recebidos, no total de 2.958,80, em vez dos 2.375,80 atribuídos na sentença recorrida, acrescida da quantia que se vier a apurar em ulterior liquidação, correspondente às refeições que seriam prestadas em espécie,  durante o mesmo período de 180 dias, com o limite de 750,00 euros.

Da indemnização pelo dano biológico

 A sentença recorrida fixou a este título a quantia de 55.000,00 euros.

A apelante entende que este valor é insuficiente, considerando a factualidade apurada nos factos dados como provados nos pontos 52 com a alteração pela qual pugna e nos pontos 57, 61, 62, 64 a 68, 73 a 77, 79 a 81, 84 a 86 e 90, pelo que a indemnização deve ser fixada no montante de 95.000,00 ou, no mínimo em 70.000,00.

A apelante alicerçou-se na fórmula de cálculo referida nos Acs. do STJ de 04.02.1993, publicado na CJ; S, I, pág.128 e 05.05.1994, CJ, S, II, 86 onde se utilizou a seguinte fórmula de cálculo: C = Px { (1/i) – [(1+i) – n x i)]}x(1+1)n, sendo  C o capital a depositar no primeiro ano e P a prestação a pagar anualmente à taxa de juro média que a banca comercial está a pagar por depósitos de 5.000,00.

A apelante considerou que a esperança média de vida da mulher portuguesa é de 75,8 anos de idade, pelo que considerando a idade que a apelante tinha à data do acidente de 35 anos, a sua esperança de vida é de 40,8 anos.

A apelada, por sua vez, defende que deve manter-se a indemnização fixada, sendo que a apelante não perdeu rendimentos, necessitando somente de realizar esforços acrescidos para desempenhar as tarefas que até então desempenhava, o que se traduz, essencialmente, num sofrimento psico-somático.

Vejamos:

O dano biológico  vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais. É um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, capaz de afetar o seu dia em diferentes vertentes, designadamente nas  vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais e recreativas.

Determina perda das faculdades físicas e/ou intelectuais em termos de futuro, perda essa eventualmente agravável em função da idade do lesado. E poderá exigir do lesado, esforços acrescidos, conduzindo-o a uma posição de inferioridade no mercado de trabalho.

Tem-se discutido se este dano biológico é patrimonial ou não patrimonial, havendo entendimentos, no sentido de que o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral; tanto pode ter consequências patrimoniais como não patrimoniais, dependendo “da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Tem a natureza de perda ‘in natura’ que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar” (cfr. se defende no Ac. do STJ de 96/18.9T8PVZ.P1.S1, de 21.04.2022, de onde se retirou o extrato entre aspas).

Independentemente do seu enquadramento como dano patrimonial ou como dano não patrimonial, certo é que é sempre ressarcível, como dano autónomo. E é indemnizável, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de rendimentos. Uma pessoa com incapacidade está sempre numa situação mais desfavorável que uma pessoa sem incapacidade.

Desde 1979 que a jurisprudência acolheu a solução de que a indemnização a pagar ao lesado deve, relativamente aos danos futuros “representar um capital que se extinga no fim da sua vida ativa e seja suscetível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho”(conforme se defende no Ac. do STJ de 9.1.79, BMJ 283º, p. 260).

Posteriormente, em 1981, deflagrou um novo critério que não afastou  a corrente que defendia o recurso às tabelas financeiras, e que chamou a atenção para que a indemnização fosse calculada tendo em atenção o tempo provável da vida ativa da vítima, de modo a que o capital produtor do rendimento cobrisse  a diferença entre a situação anterior até ao final da vida ativa (nomeadamente,  Ac. do STJ de 8/5/86, BMJ 357º, p. 396.

Na década de 1990 surge a fórmula matemática a que a apelante recorreu, considerada algo complexa (designadamente Ac. do STJ de 04.02.1993, CJ, STJ, I, Pág.128).

O Conselheiro Sousa Dinis, num estudo publicado na CJ/STJ – vol I, de 2001(o artigo denomina-se “Dano corporal em acidentes de viação – cálculo da indemnização em situações de morte, incapacidade total e incapacidade parcial”) apresenta uma fórmula matemática simples destinada a  auxiliar no cálculo da indemnização, salientando que os cálculos matemáticos constituem meros auxiliares do julgador a corrigir de acordo com a factualidade do caso concreto e o recurso à equidade. Em seu entender pode facilmente encontrar-se o capital necessário que dê ao lesado ou os seus herdeiros o rendimento perdido, calculado a uma determinada taxa de juro, “…através de uma regra de três simples, não “afinando” o resultado obtido pelo recurso às tabelas financeiras (nem sempre acessíveis nem de consulta fácil) mas fazendo intervir no fim a equidade” (estudo citado, p. 9).

De acordo com este entendimento há que determinar qual o capital necessário para, à taxa de juro que se indicar, se obter o rendimento perdido. À quantia assim obtida há que proceder a uma redução, para evitar uma situação de enriquecimento sem causa, uma vez que o lesado, ou os seus herdeiros em caso de morte, vão receber de uma só vez o que receberiam parcelarmente. O desconto dependerá do nível de vida do país e até da sensibilidade do juiz, defendendo a redução de ¼. Se a idade da vítima for baixa a quantia encontrada poderá ser aumentada  e quanto mais alta for a idade, mais a verba a atribuir será fixada num nível inferior. Em caso de incapacidade, ficciona-se uma situação de incapacidade total que constitui o ponto de partida e depois fixa-se a quantia considerada adequada.

No Ac. do STJ de 4.12.07 (relatado por Mário Cruz, proferido no proc. nº 07A3836) podemos encontrar outro meio de cálculo da indemnização por danos futuros e que pretende estabelecer limites mínimos, através de uma fórmula acessível à generalidade dos aplicadores do direito.      

Outros entendimentos têm sido defendidos para o cálculo da indemnização por incapacidade. No Ac. do TRG, de 16.04.2009, defendeu-se “…a ponderação dos casos análogos tratados pela jurisprudência, satisfazendo assim um desiderato de justiça que aos tribunais cumpre assegurar”, proferido no proc. nº 197/2002) e assegurando a igualdade dos cidadãos.

Mais recentemente tem-se vindo a entender que não há apenas que considerar o período de vida ativa do lesado, mas sim à esperança média da vida humana, atendendo que as suas  necessidades  básicas não se esgotam no dia em que deixa de trabalhar, por motivo da sua passagem à situação de reforma (cfr. se defende no Ac. do STJ de 14/09/2010,  proferido no proc. nº 267/06, entendimento com o qual se concorda e que também foi seguido na sentença recorrida).

O único critério legal para a fixação da indemnização do dano biológico (dano futuro) é a equidade (cfr. art. 566.º/3 do C. Civil)[2], critério também seguido na sentença recorrida, pelo que se entende que não há que recorrer a fórmulas matemáticas, como a proposta pela apelante. Tal não significa que não se possam considerar como auxiliares,  como instrumento de trabalho, fórmulas matemáticas, mormente no caso de se ter apurado a concreta perda de rendimentos, o que não é o caso, mas mediante o entendimento de que  os valores resultantes de tal aplicação são meramente indicativos, devendo ser corrigidos depois de acordo com a equidade, aplicando-se o disposto no nº 3 do artº 566º do CC.

Nos casos em que não ocorre perda de rendimentos, o recurso à equidade constitui a  melhor opção.

Na situação presente, a apelante por causa das ofensas corporais que lhe foram infligidas, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 16,192 resultante da afetação da coluna lombar e do joelho direito. As sequelas apresentadas pela Autora, em termos de repercussão permanente na respetiva atividade profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

Na sentença recorrida foi  fixada uma indemnização no montante de 55.000,00, fundamentando-se, designadamente,  nos Acs do STJ de 17.01.2023, proc. 5986/18 e de 24.02.2022, processo 1082/19 e do TRP de 13.09.2022, proc. 1370/21, casos  em que estavam em apreciação a situação de lesados com incapacidades semelhantes.

Assim:

.No Ac. do STJ de 17.01.2023, foi atribuída uma indemnização no montante de 50.000,00 a uma lesada que tinha 23 anos na data do acidente e ficou com uma IPG de 14,8 pontos, sem rebate profissional, mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional;

.No Ac. do STJ, de 24.04.2022,  proferido na revista 1082/19.7T8SNT.L1.S1, atribuiu-se a um homem de trinta e quatro anos de idade que ficou com um défice funcional de integridade físico-psíquica de nove pontos e com o rendimento anual, ao tempo do acidente no valor de € 7.798,00 e resultando da factualidade dada como provada que, com elevada probabilidade, as lesões por ele sofridas teriam significativa repercussão negativa sobre o desempenho da profissão de serralheiro cujo exercício exige um elevado nível de força e de destreza físicas ao nível dos membros superiores (atingidos pelas lesões), uma indemnização a título de dano biológico de 50.000,00 euros;

. E no Ac. do TRP de 13.09.2022,  fixou-se em 50.000,00 a indemnização a um lesado que tinha 55 anos à data da consolidação das lesões e que auferia, à data do evento lesivo, o vencimento mensal de 2.470,00€, ficando afetado por um défice funcional de 13 pontos, compatível com o exercício da atividade profissional.

Também noutros acórdãos em situações com semelhanças com a dos autos, se entendeu:

. No Ac. do STJ de 31.01.2023, proc. 795/20.5T8LRA.C1.S1, decidiu-se que “não extravasa os limites impostos pela equidade a fixação de uma indemnização no valor de 45.000,00 euros para reparação de danos patrimoniais futuros de um homem de quarenta e oito anos de idade, pintor de construção civil, pessoa, robusta, forte e ágil que, como sequela definitiva das lesões sofridas passou a ser portador de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 17 pontos, deixando de poder realizar algumas das tarefas habituais que a sua função exige, subir e descer andaimes, tem grandes dificuldades em carregar pesos acima de 5 Kg e não consegue estar de pé durante longos períodos, com marcha claudicante e dor crónica no tornozelo esquerdo, ainda que tais sequelas sejam compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares significativos”; e,

.No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de outubro de 2021 proferido na revista 2601/19.4T8BRG.G1.S1, em cujo sumário se pode ler que “respeita os imperativos de equidade uma indemnização por danos morais no montante de € 45 000,00, de acordo com a jurisprudência e seu sentido evolutivo, que atendeu à circunstância de o autor, de 44 anos de idade, pessoa saudável, que por força do acidente esteve dois anos de baixa médica dos quais 22 dias em internamento hospitalar contínuo, sofreu dores quantificáveis no grau 5, que ao nível do pé/tornozelo direito se manterão para o resto da vida, um dano estético quantificado no grau 3, e ficou com um défice funcional permanente de 15 pontos, não mais deixando de claudicar”.

Assim,  partindo destes casos decididos pela jurisprudência, e tendo presente a situação particular dos autos, porque se visa a justiça do caso concreto, mostra-se adequada a indemnização fixada pela 1ª instância.

           

Do dano futuro

               Preceitua o artº 564 n. 2 do Código Civil que "Na fixação da indemnização pode o tribunal atender nos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior".

Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado.

“Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis.

O dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência.

No caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível (desconsidera-se o juízo do timorato).

De harmonia com o disposto naquele preceito, o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente; o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado.

Quanto aos danos previsíveis, podemos subdividi-los entre os certos e os eventuais.

Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível.

Dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético.

Este carácter eventual pode conhecer vários graus, como se fossem diferentes tonalidades da mesma cor.

Desde um grau de menor eventualidade, de menor incerteza, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mediato mais ou menos longínquo, até um grau em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer nem futuro mediato, em que mais não há que um receio.

Naquele grau de menor incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável.

Naquele grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja que um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente (isto é, só indemnizável na hipótese da sua efetiva ocorrência)[3]”(extrato retirado do Ac. do TRG de 07.05.2020, proferido no proc. 8404/15.8T8GMR.G1)[4].

Face ao aditamento introduzido à matéria de facto provada e tendo em conta que estamos perante um dano futuro previsível, consequentemente indemnizável, há que alterar em conformidade a decisão, condenando-se a apelante a pagar à A. a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença, destinada a compensar a incapacidade da apelante para o trabalho, em resultado da intervenção cirúrgica ao joelho direito a que vier a ser submetida.

Sumário:

(…).

IV – Decisão

            Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e consequentemente, revogam parcialmente a decisão recorrida, e consequentemente, condenam a apelada a pagar à apelante a quantia de 2. 2.958,80, em vez de 2.375,80, acrescida de juros, à taxa legal, desde 4 de novembro de 2021 até integral pagamento, acrescida da quantia correspondente à alimentação que a entidade patronal da apelante lhe proporcionaria durante o período de180 dias em que esteve incapacitada totalmente para o trabalho, a apurar em incidente de liquidação, com o limite de 750, 00 euros, acrescida de juros à taxa legal, desde a data da liquidação e até integral pagamento   e a pagar à Autora a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença, destinada a compensar a incapacidade da apelante para o trabalho, em resultado da intervenção cirúrgica ao joelho direito a que vier a ser submetida, confirmando-se no demais a sentença recorrida.

Custas na primeira instância, a cargo da Autora e da Ré, na proporção do respetivo decaimento, que fixo provisoriamente em 58,07% e 41,93%, respetivamente (cfr. artigo 527º, n.º 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário concedido à Autora, fazendo-se o rateio definitivo na liquidação.

Custas da apelação igualmente por ambas as partes, fixando-se em 96,70 pela apelante e 3,30% pelo apelado, fazendo-se o ateio definitivo na liquidação, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à A..

Notifique.

Coimbra, 24 de outubro de 2023



[1] No recurso, no  cálculo do danos patrimoniais a apelante deixou de peticionar os proporcionais de subsídio de férias e de Natal, razão pela qual não se incluiu os mesmos.
[2] Cfr. se defende no Ac. do STJ de 17.01.2023, proc. 5986/18.
[3] O que se escreve não exclui a hipótese de o dano de maior incerteza, o receio, em um outro momento temporal, se converter em dano certo e, portanto, antecipadamente indemnizável. Avaliação é sempre feita com referência a um dado momento temporal e só é válida para esse momento.
[4] No qual interviemos como adjunta.