Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3303/19.7T9LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA LAMAS
Descritores: DESPACHO DE SANEAMENTO DO PROCESSO
CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA
LEGITIMIDADE PARA CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
Data do Acordão: 11/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AOS RECURSOS
Legislação Nacional: ARTIGO 256.º DO CÓDIGO PENAL
ARTIGOS 68.º, N.º 1, ALÍNEA A), E 311.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I – Aquando da prolação do despacho do artigo 311.º do C.P.P. o juiz não pode antecipar o julgamento dos factos avaliando a suficiência de indícios que sustentam os factos descritos na acusação.
II – O bem jurídico protegido pelo crime de falsificação de documento é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental.
III – O crime de falsificação de documento é um crime de perigo abstracto ou presumido, bastando ao seu preenchimento que, a nível abstracto, exista a possibilidade de lesão da confiança e segurança que a sociedade deposita nos documentos.
IV – Na esteira do AFJ n.º 1/2003, tem-se verificado um alargamento jurisprudencial do entendimento da legitimidade para a constituição de assistente, para além da natureza individual ou supra-individual do bem jurídico tutelado pela incriminação dos vários tipos de crime, reconhecendo-se que, em determinados tipos de crimes públicos que protegem bens eminentemente públicos o legislador pretendeu também tutelar bens jurídicos de natureza particular.
V – O vocábulo «especialmente», utilizado na alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do C.P.P., significa de forma «particular» e não «exclusivamente».
VI – O crime de falsificação de documento protege simultaneamente a segurança e credibilidade da prova documental e os particulares que se sentem ofendidos com a conduta do agente do crime, que esta atingiu ou colocou em perigo, devendo, por isso, ser considerados ofendidos enquanto titulares de interesses que a lei também quis especialmente proteger com a incriminação em causa e tendo, por conseguinte, legitimidade para se constituírem assistentes.
Decisão Texto Integral: *


Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

1.1. A decisão

… foi, por despacho de 24/3/2023, rejeitada a acusação formulada pelo Ministério Público contra a arguida , a quem imputava a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de 8 crimes de falsificação de documento p. e p. pelos artigos 255º, al. a) e 256º, nº 1, als. c), d) e e) do C.P., por considerar que os factos imputados não constituem crime e porque manifestamente infundada nos termos do artigo 311º, nº 2, al. a) e nº 3, al. d) do C.P.P..

Por despacho de 19/5/2023 foi indeferida a constituição como assistentes de «Sociedade …, S.A.» e de …, porque não figuram como ofendidos na acusação deduzida pelo Ministério Público e porque carecem de legitimidade para tanto.

1.2.Os recursos

1.2.1. Das conclusões do Ministério Público

Inconformado com a decisão de 24/3/2023, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

                                     

II – Por despacho proferido em 24 de Março de 2023 … foi decidido rejeitar a acusação deduzida por se considerar que os factos imputados não constituem crime e porque manifestamente infundada, nos termos do artigo 311.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. d), do Código de Processo Penal.

VI – Da acusação consta, desde logo, que a conduta da arguida teve implicações fiscais. É precisamente por esta via que se retira a qualidade de “documento” para efeitos do disposto no artigo 255.º, al. a), do Código Penal.

VII          -              O            mesmo se           diga       quanto à             relevância           legal - facto juridicamente relevante - dos documentos falsificados remetidos à sociedade revisora oficial de contas, atento o facto de exercerem uma função de natureza pública.

1.2.2 Das conclusões de … S.A.» e de …

Inconformados com a decisão de 19/5/2023, estes interpuseram recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

I. Os Recorrentes, na qualidade de queixosos, requereram a respectiva constituição de assistentes, …

III. Nos autos foi proferido despacho de acusação imputando á arguida a prática de oito crimes de falsificação de documento, …

IV. Nos termos do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2003, de 16.01.2003, a norma incriminadora do crime de falsificação tutela, cumulativa, imediata e especialmente dois interesses: o interesse geral e colectivo da segurança e confiança do tráfico probatório, valores de natureza ético-social e, pois, supra-individual, constituindo bens jurídicos cuja titularidade reside no Estado; e o interesse individual de quem venha a sofrer prejuízo, em consequência da falsificação e/ou do uso do documento falso.

V. A sociedade …, como consequência directa e necessária do comportamento adoptado pela arguida e à mesma imputado em sede de acusação, viu o seu nome ser posto em causa perante sócios e terceiros de forma não fidedigna, o que prejudica a sua relação com os mesmos, tendo em conta toda a economia comercial envolvida.

VI. … viu o seu direito ao bom nome ser posto em causa, nos mesmos termos referidos para a sociedade, por ver a sua assinatura ser utilizada de forma fraudulenta e sem o seu consentimento, falsificação esta provada nos autos através de prova pericial efectuada, havendo, assim, uma apropriação indevida da sua identidade, lesando a sua personalidade jurídica, por ver o seu nome associado a documentos falsificados.

VII. Face ao que antecede, é manifesto que os recorrentes e queixosos são ofendidos nos autos.

1.2.3. Da resposta da arguida

Respondeu a arguida ao recurso interposto pelo Ministério Público, concluindo assim (transcrição) :

2. Porém dos factos descritos na douta acusação não se retira que, com a sua conduta, a arguida pretendeu causar prejuízo a quem quer que seja, muito menos ao Estado.

4. Não está alegado, nem em lado nenhum dos autos se encontra que os factos descritos permitem concluir que a arguida falsificou algum documento.

5. Não está alegado, nem em lado nenhum dos autos se encontra que os factos descritos permitem concluir que a arguida com a sua conduta, alcançou algum benefício ilegítimo,

6. Ou sequer qualquer benefício, bem pelo contrário.

7. A narração dos factos da acusação, omite por completo os elementos subjectivos dos tipos de crime, em concreto, imputados à arguida.

10.Por outro lado, a acusação é vaga, não concretiza quais os procedimentos irregulares que a arguida pretendia ocultar com a sua conduta.

11.Quanto ao dolo, refere a acusação que arguida, ou terceiro a seu mando, praticou os factos descritos, de forma não apurada, apondo a assinatura de terceiros e elaborando os documentos descritos, que sabia não corresponderem à verdade, e exibi-los a terceiros, como se de documentos verdadeiros se tratassem.

14.Dos factos elencados na acusação não é sequer possível concluir que os documentos elaborados pela arguida integram o conceito de documento previsto no artigo 255º, alínea a) do CP.

1.2.4. Da resposta do Ministério Público 

1.2.5. Da resposta da arguida

1.2.6. O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal da Relação teve vista do processo e deu o seu parecer …

II. OBJECTO DO RECURSO

Assim, examinadas as conclusões dos recursos, são as seguintes as questões a conhecer :

Recurso do Ministério Público :

- saber se a acusação formulada devia ser rejeitada.

Recurso de …, S.A. e …:

- legitimidade dos recorrentes em constituírem-se assistentes.

III. FUNDAMENTAÇÃO

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido na primeira instância (transcrição):

Em 24/3/2023 foi proferido o seguinte despacho:

«O Ministério Público deduziu acusação contra a arguida …, pelos factos constantes da acusação …, imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de oito crimes de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255º, alínea a) e 256º, nº 1, alíneas a), c), d) e e) do Código Penal.

Nos termos do disposto no artigo 255º, alínea a) do Código Penal, considera-se documento:

Nos termos do disposto no artigo 256º, nº 1 do Código Penal:

Só pode ser condenado pela prática de um ilícito o agente que preencha os seus elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime.


*


*

Apreciando cada conjunto de factos, constata-se que:

I

Da narração fática contida na acusação não constam as funções exercidas por …, pessoa cuja assinatura a arguida terá falsificado, desconhecendo-se a necessidade da referida assinatura para as ordens de pagamento emitidas.

Por outro lado, a acusação também não descreve quais os procedimentos irregulares que a arguida pretendia ocultar com a sua conduta.

Não se encontra descrito se as referidas ordens de pagamento eram ou não devidas.

Dos factos descritos não se retira que, com a sua conduta, a arguida pretendeu causar prejuízo ao Estado – antes se retira o contrário, uma vez que as ordens de pagamentos efetuadas determinaram o pagamento de impostos.

Não se encontra alegado na acusação que, com a sua conduta, a arguida pretendeu causar prejuízo a terceiro.

Tampouco os factos descritos permitem concluir que a arguida, com a sua conduta, alcançou benefício ilegítimo e, em caso afirmativo, qual em concreto.

A descrição fática contida na acusação, no que ao dolo específico do tipo respeita, limita-se a reproduzir a formulação genérica contida no ilícito – que, com a sua conduta, a arguida causou prejuízo ao Estado e obteve um benefício ilegítimo, sem que os factos que permitem alcançar tal conclusão se mostrem alegados.

II

Não concretiza a acusação quais os funcionários responsáveis pela inscrição do valor de pagamentos de IRC na conta de ativos, e qual o conhecimento e vontade de prática dos factos pelos mesmos.

Não descreve a acusação qual o valor dos pagamentos de IRC anteriores a 2018 que foram levados à conta de ativos, ao invés da conta de gastos, no relatório de contas de 2018 da empresa.

Desconhece-se o uso dado ao referido relatório de contas, ou sequer a  certificação ou aprovação das mesmas – de modo a que se possa concluir que o referido documento integra o conceito de documento previsto no artigo 255º, alínea a) do Código Penal.

De igual modo, não descreve a acusação, em concreto, qual o prejuízo que, com a sua conduta, a arguida pretendeu causar ao Estado (ou a terceiro) ou o benefício ilegítimo que pretendeu alcançar (não concretizado).

III

Não descreve a acusação qual o documento contabilístico que a arguida elaborou e qual o uso dado a tal documento – de modo a permitir concluir que se insere no tráfico jurídico. Documentos internos da empresa, por si só, não são aptos a prejudicar o Estado.

Assim, e mais uma vez, não constam da acusação factos que permitam concluir que, com a sua conduta, a arguida pretendeu prejudicar o Estado (ou terceiro) ou que pretendeu alcançar um benefício ilegítimo (não concretizado).

IV

Não descreve a acusação o documento bancário elaborado pela arguida ou a utilização do mesmo junto do Estado.

Refere a acusação que o referido documento foi remetido ao revisor oficial de contas, desconhecendo-se se o mesmo foi utilizado fora do circuito interno da empresa.

Dos factos descritos não é possível retirar que, com a sua conduta, a arguida pretendeu causar prejuízo ao Estado (ou a terceiro) ou que pretendeu alcançar benefício ilegítimo (não concretizado).

V

Refere a acusação que a arguida remeteu ao revisor oficial de contas documento comprovativo de uma transferência bancária falso, por não corresponder a uma operação bancária realizada, desconhecendo-se se o mesmo foi utilizado fora do circuito interno da empresa.

Dos factos descritos não é possível retirar que, com a sua conduta, a arguida pretendeu causar prejuízo ao Estado (ou a terceiro) ou que pretendeu alcançar benefício ilegítimo (não concretizado).

Do Dolo Específico do Ilícito Imputado:

…, no que respeita ao dolo específico do crime de falsificação de documento imputado à arguida …, limita-se a acusação a transcrever o citado no respetivo preceito legal, sem que concretize factos de onde seja possível retirar que, com a sua conduta, a arguida pretendeu prejudicar o Estado (antes se descrevendo, em I, uma conduta que beneficiou o Estado) ou qual o benefício ilegítimo que pretendeu alcançar.

Não refere a acusação que, com a sua conduta, a arguida pretendeu prejudicar terceiros (nomeadamente, a empresa …).

Do acervo fático constante da acusação não é ainda possível concluir que os documentos elaborados pela arguida integram o conceito de documento previsto no artigo 255º, alínea a) do CPP.

Ademais, imputa-se à arguida a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de oito crimes de falsificação de documento, alegando-se, para o efeito, em todas as situações, que ‘a arguida ou alguém a seu mando’ elaborou documentos não correspondentes com a realidade.

Tal alegação não se compatibiliza com a autoria material imputada à arguida nos autos.

Do exposto resulta que se considera que a narrativa fáctica constante da acusação deduzida não é, por si só, suscetível de integrar a prática, pela arguida, dos oito crimes de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255º, alínea a) e 256º, nº 1, alíneas a), c), d) e e) do Código Penal, imputados, e de resto nem qualquer outro tipo de ilícito.

O mesmo é dizer que os factos imputados não constituem crime.

Assim, por considerar que os factos imputados não constituem crime e porque manifestamente infundada, e nos termos do artigo 311º, nº 2, alínea a) e nº 3, alínea d) do CPP, NÃO SE RECEBE a acusação deduzida pelo Ministério Público contra a arguida ….».

E em 19/5/2023 foi proferido o seguinte despacho :

«…

Requer a sociedade ‘…’, e … seja admitida nos autos a sua constituição como assistentes.

Nos termos do disposto no artigo 68º do CPP, e para o que aqui importa, podem constituir-se assistentes no processo penal, entre outros, os ofendidos e as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento.

Por decisão proferida nos autos a 24.03.2023, de refª 103321635, rejeitou-se a acusação deduzida pelo Ministério Público …

Nos termos da mencionada acusação, … a conduta imputada à arguida nos autos, alterando documentos da sociedade … e abusando da assinatura de …, visou prejudicar o Estado Português, obtendo a arguida um benefício equivalente ao prejuízo que pretendeu causar.

Na acusação deduzida nos autos, nos moldes em que se mostra configurada e que, por isso, levaram à sua rejeição, a sociedade … e … não figuram como ofendidos das condutas praticadas pela arguida.

Da acusação deduzida resulta que a arguida pretendeu, com todas as condutas imputadas, causar prejuízo ao Estado Português, e não à sociedade … e a …

Assim sendo, porque não figuram como ofendidos …, e porque carecem de legitimidade para tanto, não se admite a sociedade …, SA, e … a intervir como assistentes nos autos.

Notifique.».

 

IV. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

4.1.  Recurso do Ministério Público :

O Ministério Público insurge-se contra o despacho que, ao abrigo do artigo 311º, nº 2, al. a) e nº 3, al. d) do C.P.P., não recebeu a acusação …

Vejamos o que dispõe o artigo 311º do C.P.P., na parte aqui aplicável :

«1. Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.

2. Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:

a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada;

(…)

3. … a acusação considera-se manifestamente infundada :

(…)

d) Se os factos não constituírem crime».

A razão de ser desta rejeição da acusação é a seguinte : se os factos narrados numa acusação não constituírem crime, há que impedir o prosseguimento do processo para a fase da realização da audiência de julgamento, por se verificar uma questão que obsta ao conhecimento do mérito e de que pode conhecer-se imediatamente, evitando-se, assim, a prática de actos inúteis. 

Nessa situação, quando os factos descritos na acusação não integram o respectivo ilícito, a sua discussão redundaria numa inutilidade, pois está votada ao insucesso.

Segundo António Gama, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, 2022, tomo IV, p. 55, a rejeição da acusação em apreço funda-se em ponderosas razões substantivas e tem efeito preclusivo, pois há lugar à apreciação antecipada pelo juiz de julgamento do mérito da acção do ponto de vista jurídico-penal e, confirmando-se a atipicidade penal dos factos ali narrados, salda-se pela extinção do procedimento criminal com arquivamento definitivo dos autos por falta da viabilidade substantiva da acusação.

Para melhor se compreender o alcance desta possibilidade, de rejeição da acusação manifestamente infundada por os factos não constituírem crime, há que chamar à colação o princípio do acusatório.

A estrutura acusatória do nosso direito processual penal resulta, desde logo, da Constituição da República Portuguesa que, no seu artigo 32º, nº 5 estipula : «O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório».

Expressão legal deste princípio encontramo-la nos artigos 358º e 359º do C.P.P., relevando aqui o segundo, quando estipula que o tribunal não pode tomar em consideração os factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação ou na pronúncia.

Depois, a omissão na acusação da descrição de algum elemento típico do ilícito imputado, concretamente, do elemento subjectivo do tipo, não pode ser integrada em julgamento com recurso ao mecanismo do artigo 358º, nº 1.

É o que resulta claramente do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015, de 20/11/2014, D.R., 1.ª série, nº 18, de 27/1/2015, onde foi decidido que «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358º do Código de Processo Penal.».

Uma das consequências da estrutura acusatória do processo criminal consiste na «vinculação temática», isto é, os factos descritos na acusação definem o objecto do processo que, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal e o âmbito do caso julgado (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, Coimbra, 1981, p. 144).

Daí que, atenta a assinalada função da acusação, esta tenha de conter, por si só, todos os elementos essenciais constitutivos do crime imputado.

Acresce que a estrutura acusatória do processo implica também uma perfeita distinção entre as funções de acusação e de julgamento, no sentido de existir uma diferença de identidade entre acusador e julgador, e no sentido de o julgador estar vinculado ao «tema» do processo que lhe é trazido pelo acusador.

Por força disto, ao juiz não cabe instruir o Ministério Público ou o assistente sobre o modo de formular a acusação. Assim, perante uma acusação deficiente, cabe-lhe proferir o despacho previsto no artigo 311º do C.P.P. e, se o entender, rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada, não havendo lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento da acusação.

No sentido de que o Juiz não pode devolver o processo ao Ministério Público para reformular a acusação, ou convidá-lo a fazê-lo, ver, entre outros, os Acórdãos do S.T.J. de 27/4/2006 (processo 06P1403, relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira); da Relação do Porto de 27/6/2012 (processo 581/10.0gdsts.P1, relatado por Pedro Vaz Pato); da Relação de Évora de 7/4/2015 (processo 159/12.4idstb.E1, relatado por Martinho Cardoso); da Relação de Coimbra de 13/9/2017 (processo 146/16.3pccbr.C1, relatado por Brízida Martins); da Relação de Lisboa de 17/2/2022 (processo 148/19.8gdlrs.L1-9, relatado por Maria José Cortes Caçador); e da Relação de Guimarães de 7/11/2022 (processo 1796/20.9t9gmr.G1, relatado por Florbela Silva). Veja-se ainda Vinício Ribeiro, in Código de Processo Penal notas e comentários, 3ª edição, Quid Iuris , p. 698.

Exactamente por causa e com base no princípio do acusatório, tem-se entendido que a rejeição da acusação de que temos vindo a tratar só pode/deve ocorrer quando for inequívoco e incontroverso que os factos nela descritos não constituem crime, não sendo permitido ao juiz de julgamento proceder a um pré-juízo sobre o mérito da acusação .

Nas palavras do Acórdão da Relação de Coimbra de 10/7/2018, processo 282/16.6gaacb.C1, relatado por Isabel Valongo, in www.dgsi.pt, «O art. 311º nº 3 CPP prevê apenas os casos extremos pois a rejeição liminar só se justifica em casos limite insusceptíveis de correcção sem prejudicar o direito de defesa fundamental, que a falta dos elementos referidos naquelas alíneas acarretaria. Trata-se de um tipo de nulidade sui generis, extrema, insuperável ou insanável, ainda que susceptível de correcção pelo Ministério Público, a ponto de permitir ao juiz de julgamento a intromissão na acusação, de forma a evitar um julgamento sem objecto fáctico e probatório [al. b) e segunda parte da al. c) - provas], sem acusado [al. a)], sem incriminação [al c)], ou sem objecto legal [al. d)].».

Ou seja, o juiz, aquando da prolação do despacho do artigo 311ºdo C.P.P., não pode avaliar a suficiência de indícios que sustentam os factos descritos na acusação, não pode apreciar o mérito da causa, não pode antecipar o julgamento dos factos.

Ora, adianta-se já, foi isto que foi feito no despacho recorrido, sendo que o  fundamento de rejeição, por manifestamente infundada, só pode ser aferido diante do texto da acusação; é da sua interpretação que se concluirá, designadamente, se falta ou não a narração de factos que integram os elementos típicos objetivos e subjetivos de um determinado ilícito criminal.

Os crimes imputados à arguida pelo Ministério Público, de falsificação ou contrafacção de documento, estão previstos nos artigos 255º, al. a) e 256º, nº 1, als. a), c), d) e e) do C.P., que dispõem, respectivamente :

O bem jurídico protegido com a incriminação é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico  probatório quanto à prova documental.

São elementos constitutivos do crime de falsificação ou contrafação de documento:

Os elementos objectivos descritos nas várias alíneas do nº 1 do artigo 256º do C.P, a saber, no que aqui interessa, que o agente, a) fabrique ou elabore documento falso, c) abuse da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento, d) faça constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, e) use documento falsificado ou contrafeito; e no tipo subjetivo, - o dolo genérico (conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade); e - o dolo específico (intenção de causar prejuízo a terceiro, de obter para si ou outra para pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime).

A circunstância de a acusação, como aponta o despacho recorrido, não mencionar as funções exercidas por …, não descrever os procedimentos irregulares que a arguida pretendia ocultar com a sua conduta, nem mencionar se as ordens de pagamento eram ou não devidas, não afasta o preenchimento do elemento objectivo atrás mencionado.

O mesmo se diga da omissão, na acusação, de quais os funcionários responsáveis pela inscrição do valor de pagamentos de IRC na conta de ativos, qual o valor destes e qual o uso dado ao relatório de contas.

Também é indiferente para o preenchimento do elemento objectivo do tipo, … que o Ministério Público não tenha descrito o documento contabilístico e o documento bancário em causa : a prova produzir-se-á (ou não) na audiência de discussão e julgamento.

De igual modo, a circunstância de a acusação não afirmar se o documento bancário e o comprovativo de transferência bancária foram utilizados fora do circuito interno da empresa, também não afecta o preenchimento dos mencionados elementos objectivos do crime de falsificação, tanto mais que ali se refere que tais documentos foram usados pela arguida, que os terá enviado à sociedade P..., S.A..

Aqui chegados, importa avançar para a análise da peça acusatória no que ao elemento subjectivo do tipo diz respeito.

Como se expôs anteriormente, o crime de falsificação, quanto ao elemento subjectivo do tipo, pressupõe a existência do dolo genérico, isto é, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade, e o dolo específico, ou seja, a intenção de causar prejuízo a terceiro, de obter para si ou outra para pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime).

Consta expressamente da acusação formulada pelo Ministério Público que «Agiu a arguida de forma livre e consciente, com o propósito concretizado de elaborar os documentos e abusar da assinatura de outrem, por si ou por terceiro a seu mando, e utilizá-los, o que fez, bem sabendo que os mesmos eram falsos e que, deste modo, prejudicava o Estado Português, ao colocar em causa a segurança, credibilidade e fé pública do tráfico jurídico probatório de que gozam os documentos supra melhor descritos, assim, obtendo benefício que sabia ilegítimo, o que quis e representou.

A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.» - sublinhados meus.

Em suma, a acusação descreve cabalmente, quer o dolo genérico, quer o dolo específico.

Mais, a efectiva criação de prejuízo ou obtenção de benefício não é elemento típico. Como esclarece Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 5ª edição atualizada, UCE, Lisboa 2022, p. 1034-1035, «Não é exigível que se verifique o prejuízo efectivo de outra pessoa ou do Estado, nem o benefício ilegítimo do agente ou de terceira pessoa e nem mesmo o cometimento de outro crime. Portanto, o crime de falsificação de documento é um crime de resultado cortado, que se situa a «meio caminho entre os crimes contra bens jurídicos colectivos e os crimes patrimoniais»».

 Por outro lado, só em sede de julgamento será possível aferir se o elemento típico da intenção existia por parte da arguida, se a mesma era possível, lógica ou previsível, o que poderá eventualmente conduzir a que a acusação venha a ser julgada improcedente, mas após o julgamento, o que é um efeito jurídico distinto da rejeição.

Na súmula expressa no Acórdão desta Relação de 25/3/2010, processo 127/09.3sagrd.C1, relatado por Mouraz Lopes, in www.dgsi.pt, «Sublinhe-se que este juízo tem que assentar numa constatação objectivamente inequívoca e incontroversa da inexistência de factos que sustentam a imputação efectuada. Não se trata, nem se pode tratar de um juízo sustentado numa opinião divergente, por muito válida que seja. Só assim, numa interpretação tão restritiva se assegura o princípio do acusatório, na vertente referenciada.».

            Em conclusão, o despacho em crise, não procedeu a uma correta interpretação das normas legais aplicáveis, tendo em conta o teor da acusação proferida nos autos, pelo que se determina que o mesmo seja revogado e substituído por outro que receba a acusação, procedendo o recurso do Ministério Público.

4.2.  Recurso de …, S.A. e de …:

Os recorrentes insurgem-se contra o despacho de 19/5/2023 que, por falta de legitimidade, não os admitiu a intervir como assistentes nos autos, intitulando-se queixosos e argumentando terem sofrido prejuízos com a falsificação levada a cabo pela arguida.

A constituição de assistente tem de ser sempre vista no contexto da factualidade e crimes imputados no caso concreto.

Com relevância nesta matéria dispõe o CPP no artigo 68º :

Nas palavras do Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas, dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora 2009, p. 180, «Em sede de processo penal é importante fazer a distinção entre as figuras processuais de assistente, ofendido, vítima, lesado e parte civil. Ofendido é o titular do interesse especialmente protegido pelo tipo legal de crime – conceito que é imprescindível para efeito de se poder constituir assistente – mas vítima do ilícito penal e lesado pelo mesmo ilícito pode ser outra pessoa, que não só o ofendido, que directa, necessária e adequadamente tenha visto prejudicado um seu interesse protegido por lei por causa do comportamento do arguido.».

Também Cavaleiro de Ferreira (in Curso de Processo Penal, I, Edição dos Serviços Sociais da Universidade de Lisboa, 1970, p. 137), Germano Marques da Silva (in Curso de Processo Penal, tomo I, 3ª edição, Editorial Verbo, Lisboa, 1996, p. 313) e Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, L Coimbra, 1984, p. 505), entendem que a legitimidade para a constituição de assistente cabe ao «titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime», isto é, à «pessoa que, segundo o critério que se retira do tipo legal preenchido pela conduta criminosa, detém a titularidade do interesse jurídico-penal por aquela violado ou posto em perigo», não se integrando «no conceito de ofendido» os titulares de interesses cuja protecção é puramente mediata ou indirecta, ou vítimas de ataques que põem em causa uma generalidade de interesses e não os próprios e específicos daquele que requer a constituição como assistente».

A definição de ofendido é idêntica à constante do artigo 113º, nº 1 do C.P..

Assim, analisando o que dispõem as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 68º do C.P.P. – dado que as restantes alíneas são, manifestamente, inaplicáveis ao caso em apreço ! -, temos que o assistente é o ofendido, considerando-se como tal o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, ou a pessoa de cuja queixa ou acusação particular depende o procedimento.

Os crimes em análise nos presentes autos são crimes de falsificação previstos no artigo 256º, nº 1 do C.P., crimes de natureza pública, razão pela qual é inaplicável a mencionada alínea b).

Como se afirmou já atrás, o bem jurídico do crime de falsificação de documento é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que se respeita à prova documental -  cfr. Helena Moniz, in O crime de falsificação de documentos, 1999, p. 41 e ss e o Acórdão desta Relação de 23/11/2010, processo 269/09.5tyacbr.C1, relatado por Alberto Mira, inwww.dgsi.pt.

O crime de falsificação de documento é um crime de perigo abstracto ou presumido: para que o tipo legal esteja preenchido não é necessário que em concreto se verifique aquele perigo; basta que se conclua, a nível abstracto, que a falsificação do documento é passível de lesão do bem jurídico-criminal protegido, basta que exista uma probabilidade de lesão da confiança e segurança que toda a sociedade deposita nos documentos e portanto no tráfico jurídico  - cfr. Helena Moniz, in op. cit, p. 32-33.

Os recorrentes invocam a favor da sua tese o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2003 de 16/1/2003, publicado no Diário da República 1ª série A de 27/2/2023 : «No procedimento criminal pelo crime de falsificação de documento, previsto e punido pela alínea a) do nº 1 do artigo 256º do Código Penal, a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente tem legitimidade para se constituir assistente».

A este respeito, o despacho recorrido afirma que, nos termos da acusação deduzida no processo, o ofendido foi o Estado, não figurando os recorrentes como ofendidos das condutas praticadas pela arguida .

Efectivamente, não tem aqui aplicação directa aquele Acórdão para fixação de Jurisprudência, na medida em que a pessoa cujo prejuízo terá sido visado pela arguida, de acordo com o despacho de acusação, foi o Estado, e não os recorrentes.

De qualquer modo, na esteira desse Acórdão, tem-se verificado um alargamento jurisprudencial do entendimento da legitimidade para a constituição de assistente, para além da natureza individual ou supra-individual do bem jurídico tutelado pela incriminação dos vários tipos de crime, reconhecendo-se que, em determinados tipos de crime público que protegem bens eminentemente públicos (v.g., desobediência, denúncia caluniosa, falso testemunho, abuso de poder, falsificação de documentos), o legislador pretendeu também tutelar bens jurídicos de natureza particular: cf. neste sentido, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 25/2/2009, processo 2755/06.pbbrg.L1, 3ª secção, relatado por Rui Gonçalves e de 22/10/2008, processo 8292/08., 3ª secção, relatado por Nuno Garcia, sumariados in www. pgdlisboa.pt.

O crime de falsificação de documento encontra-se inserido no Capítulo II do Título IV «Dos Crimes contra a vida em sociedade».

Assim, o interesse directa e imediatamente protegido com a incriminação é um interesse público.

Porém, isso não significa que não possa também visar a protecção de interesses particulares, a imediata protecção de interesses encabeçados em pessoas concretas. É que o vocábulo «especialmente» utilizado na alínea a) do nº 1 do artigo 68º do C.P.P., significa de forma «particular», e não «exclusivamente».

Conforme se deixou expresso no mencionado Acórdão para fixação de Jurisprudência, «esta análise do tipo legal interessado deve ter presente que a circunstância de ser aí protegido um interesse de ordem pública não afasta, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador, assim se afirmando a legitimidade material do ofendido para se constituir assistente».

Mais, o Supremo Tribunal de Justiça, em 17/11/2010 fixou, no Acórdão nº 10/2010, publicado no Diário da República, 1ª série, nº 242, de 16/12/2010 fixou Jurisprudência quanto ao crime de desobediência qualificada, no sentido de que o requerente da providência cautelar violada tem legitimidade para se constituir assistente, afirmando : «as incriminações podem eventualmente proteger vários interesses, todos eles se revelando suficientemente dignos da tutela da lei, ainda que algum dele se mostre mais «cintilante».(…) Assim, a identificação do bem jurídico de um crime depende essencialmente da análise rigorosa dos seus elementos típicos, e não da sua inserção sistemática ou do seu «nome», elementos que deverão também ser considerados, mas não são decisivos.

Mesmo os crimes contra o Estado ou contra a sociedade podem «esconder» algum ou alguns interesses particulares suficientemente valiosos para a lei lhe reconhecer protecção directa. A defesa do interesse público ou social constitui naturalmente o objectivo primeiro deste tipo de crimes. Mas, a par dele, outros valores, de natureza privada, podem coexistir, amparando -se na tutela pública, mas com suficiente autonomia para se afirmarem como interessados específica e autonomamente, não apenas reflexamente, na punição da conduta típica. A própria oposição público/privado se apresenta por vezes incapaz de caracterizar com precisão a natureza de interesses complexos que recebem a tutela penal.

Em síntese: sempre que for identificado um interesse determinado, corporizado num concreto portador, que não se confunda com o interesse (típico do lesado) no simples ressarcimento do dano sofrido, nem com o interesse geral na mera vigência das normas penais (as chamadas «expectativas comunitárias»), estaremos perante um bem jurídico protegido. Assim, só depois da análise concreta, caso a caso, da tipicidade da incriminação se pode chegar à identificação do ou dos bens jurídicos protegidos e consequentemente dos seus titulares.».

 No caso em apreço, os recorrentes invocam que o comportamento adoptado pela arguida lhes causou prejuízos, tendo inclusivamente deduzido pedido de indemnização civil contra aquela.

É certo que inexiste uma absoluta coincidência entre as noções de lesado e de ofendido – a distinção entre ambas as figuras é claramente perfilhada pelo artigo 74º, nº 1 do C.P.P. ao definir lesado como «a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente».

Porém, a tutela do artigo 256º do C.P. não se esgota na segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que se respeita à prova documental em geral, protege igualmente o direito de cada pessoa, singular ou colectiva, de não ver a sua assinatura abusada por outrem (caso do recorrente …), de não ver inseridos em documentos factos juridicamente relevantes a ela respeitantes (caso da recorrente …, S.A), etc.

Até porque o prejuízo e o benefício visados com o crime de falsificação, não têm necessariamente de ser de índole económica, podendo ser de ordem moral.

Ou seja, temos por seguro que o crime previsto e punido pelo artigo 256º do C.P. protege simultaneamente a segurança e credibilidade da prova documental no tráfico jurídico e os particulares que se sentem ofendidos com a conduta do agente do crime, que esta atingiu ou colocou em perigo, dado o seu interesse em agir, como sucede com os recorrentes. 

Deste modo, os recorrentes devem ser considerados ofendidos, enquanto titulares de interesses que a lei também quis especialmente proteger com a incriminação em causa nestes autos, tendo, por conseguinte, legitimidade para se constituírem assistentes.

V. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:

- Julga-se procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, revoga-se a decisão que rejeitou a acusação, a qual deverá ser substituída por outra que proceda ao demais saneamento do processo e, sendo o caso, profira igualmente o despacho a que alude o artigo 311º-A, do C.P.P..

Sem custas.

- Julga-se procedente o recurso interposto por …, S.A. e de … e, consequentemente, revoga-se o despacho que não os admitiu a intervir nos autos como assistentes, o qual deverá ser substituído por outro que reconheça legitimidade aos recorrentes para se constituírem assistentes no processo.

Sem custas.

Guimarães, 8 de Novembro de 2023


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(Helena Lamas - relatora)



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(Capitolina Fernandes Rosa)



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(Cândida Martinho)