Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2614/23.1T8CBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA DECLARATÓRIA DA INSOLVÊNCIA
APRESENTAÇÃO DO DEVEDOR À INSOLVÊNCIA
REQUISITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º, 11.º, 20.º, 23.º, 30.º, N.º 3, 40.º E 42.º DO CIRE, 186.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:
I – Como decorre do disposto nos artigos 40.º e 42.º do CIRE, a impugnação da sentença declaratória da insolvência pode ser feita através de embargos e/ou de recurso. No caso da dedução de embargos, os mesmos baseiam-se na alegação de factos ou no requerimento de meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência; ao invés, os fundamentos do recurso têm por base o entendimento de que, face aos elementos apurados, a sentença não devia ter sido proferida; isto é, face a tais elementos, não devia ter sido declarada a insolvência.

II – No caso de apresentação do devedor à insolvência, equipara-se a situação de insolvência actual à que seja meramente eminente, devendo, em tal caso, ser de imediato, proferida a sentença de insolvência, excepto nos casos em que existam vícios supríveis, que o devem ser ou se a petição se apresentar em termos que tornam o pedido manifestamente improcedente, revelar a existência de excepções dilatórias insupríveis oficiosamente ou falta de documentos.

III – A apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento da sua situação de insolvência e determina a declaração judicial da mesma, mediante o proferimento da correspondente sentença.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 2614/23.1T8CBR

 

(Juízo de Comércio de Coimbra – Juiz 3)

Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

A..., Pessoa Coletiva de Utilidade Pública (doravante, PCUP), com sede na Rua ..., ..., ... ..., freguesia ..., concelho ... e a citar/notificar na ... Estrada Nacional ...11-1 ..., ... ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa coletiva ..., veio, ao abrigo do disposto nos arts. 18.º, 23.º e 28.º, do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, apresentar-se à insolvência, com vista à respetiva declaração.

A requerente fundamenta a sua apresentação à insolvência dizendo, em suma, que é uma PCUP que tem como escopo principal 1. O fomento e a prática de futebol federado, nas suas diferentes categorias e escalões. 2. A A... visa ainda a promoção do desenvolvimento desportivo e a formação educativa e sociocultural da população da região de ..., em geral, e dos seus associados, praticantes desportivos e comunidade A..., em especial, através da criação, nos termos dos presentes estatutos, de estruturas organizativas internas adequadas. 3. A... orienta a sua atividade desportiva educativa e cultural tendo em vista a promoção do nome da Universidade, da B... e da Cidade ..., com estrita observância da formação global e integrada do atleta como Homem e Cidadão, e que, em virtude do seu enquadramento jurídico específico não detém capital social, sendo a sócia única da C..., Lda. (doravante, C..., Lda.) (cfr. doc. 2 junto com a petição inicial), que se apresentou à insolvência no dia 27 de setembro de 2022, tendo sido declarada insolvente no dia 29 seguinte, no âmbito do processo n.º 4428/22.... que correu termos neste Juízo de Comércio de Coimbra – Juiz ....

No decurso do referido processo, foi apresentado um plano de insolvência, o qual foi aprovado por deliberação da assembleia de credores realizada em 1 de março de 2023, posteriormente objeto de homologação por douta sentença proferida a 31 de março, sendo que após o respetivo trânsito em julgado, foi o processo encerrado no pretérito dia 27 de abril de 2023.

A nível financeiro, as mais-valias da atividade da A... foram investidas na sobredita sociedade desportiva por si integralmente detida, o que obrigou à constituição de imparidades.

Os custos da sua estrutura e os fornecimentos e serviços externos (FSE’s) mantiveram-se elevados face à sua atividade, registando mesmo algumas rúbricas aumento de gastos e o concomitante aumento generalizado dos preços da eletricidade, água, combustíveis, portagens, e demais bens essenciais ao seu funcionamento.

Nos primeiros 6 meses do corrente exercício [2022-2023] a Requerente regista já prejuízos de (-11 874,99 €).

A situação de tesouraria da requerente é visível pela antecipação e subsequente gasto global de várias receitas do mandato 2022-2025, e até posteriores (2032 e 2042), sendo que só em rendas este valor é superior a 500.000,00 € (quinhentos mil euros).

No ano de 2022 registava capitais próprios negativos de -1.403.810,06 € (um milhão, quatrocentos e três mil, oitocentos e dez euros e seis cêntimos) (cfr. doc. 7 junto com a petição inicial).

Passou a registar situações de incumprimento com fornecedores, banca, empréstimo particular, ex-trabalhadores, Fisco e Segurança Social, com sucessivos acordos de pagamento e outros tantos incumprimentos (água e luz).

Foi efetuada penhora de parte das receitas oriundas dos 4 concertos dos ..., ocorridos em, respetivamente 17, 18, 20 e 21 de maio, por parte de um dos seus 5 (cinco) maiores credores, fruto de um empréstimo particular com juros exponenciais.

A Requerente tem tido resultados líquidos negativos nos últimos anos, sendo que os mesmos atingiram o valor negativo de 4.704.770,15 €, tal como espelhado na Certificação Legal de Contas da sociedade efetuada pela D..., SROC, Lda. em 9.1.2023, correspondente à época desportiva 2021/2022 (cfr. doc. 8 junto com a petição inicial).

Está a aumentar o valor mensal de rendas que a A... recebe, com vista a dar suporte à recuperação financeira que, indubitavelmente, terá de ser feita, receitas com o merchandising, bilhética e eventos com empresas que patrocinem a equipa principal e as equipas da formação, com vista à entrada de novos capitais.

Os últimos exercícios originaram já quebras na sua faturação, com a consequente diminuição da rentabilidade do seu negócio e com a inerente deterioração dos seus capitais próprios, que se cifram em 1.403.810,06 € negativos.

Atualmente o passivo global da Requerente ascende ao montante de 4.704.770,15 € (quatro milhões, setecentos e quatro mil, setecentos e setenta euros e quinze cêntimos) (cfr. doc. 8 junto com a petição inicial).

O seu ativo líquido é composto por:

1) Um autocarro marca ..., com a matrícula ..-..-ZF, no valor de 6.000,00 €;

2) Direito de superfície temporário, válido pelo prazo de 50 (cinquenta) anos a contar do dia 19 de maio de 2004, ou seja até 18 de maio de 2054, sobre o qual impendia a obrigação de construção de equipamentos desportivos e de apoio, o que a Requerente cumpriu, sobre o prédio urbano composto por um terreno destinado a campo desportivo, denominado “...”, sito na Estrada Nacional ...11, ..., União das freguesias ... (..., ..., ... e ...), concelho ..., inscrito na matriz predial urbana com o art.º ...01º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...04 (freguesia ... - ...).

A propriedade pertence ao Município ....

Prédio urbano composto por um pavilhão gimnodesportivo de cave, rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana com o art.º ...88.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...23.

Tal prédio encontra-se onerado com 16 (dezasseis) hipotecas legais/voluntárias e 5 (cinco) penhoras e o terreno adquirido pela Requerente destina-se exclusivamente à construção de um pavilhão gimnodesportivo, não podendo ser afetado a qualquer outra finalidade (cfr. Ap. ...1 de 1985/04/10), tendo ficado estipulado que as instalações a construir no terreno apenas pudessem servir os sócios do Clube e a comunidade em geral, e ainda que as benfeitorias efetuadas no dito terreno apenas podem servir os sócios do Clube da Requerente, o seu real valor de mercado em sede de uma hipotética liquidação a favor de terceiros é equivalente a zero.

A Requerente emprega 4 trabalhadores.

Detém receitas oriundas de patrocínios, e sobretudo cedências de espaços no Estádio ..., Pavilhão..., e espetáculos musicais, entre outros eventos.

A Requerente espera receber um encaixe financeiro por parte de patrocinadores, Câmara Municipal ... e da Federação Portuguesa de Futebol.

Identificou os seus cinco maiores credores e juntou os documentos a que se reporta o art. 24.º do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa.

Pelo Juízo de Comércio de Coimbra – Juiz ... foi proferida a seguinte decisão final:

“Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no art. 28.º do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa:

1. Declaro a insolvência da requerente, A..., Pessoa Coletiva de Utilidade Pública (doravante, PCUP), com sede na Rua ..., ..., ... ..., freguesia ..., concelho ... e a citar/notificar na ... Estrada Nacional ...11-1 ..., ... ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa coletiva ....

2. Consigno que a presente sentença é proferida no dia 12 de junho de 2023, pelas 15 horas 34 minutos.

3. Fixo a morada para efeitos de recebimento de notificações/citações na ... Estrada Nacional ...11-1 ..., ... ..., dos seguintes diretores:- AA/Cargo: Presidente da Direção;- BB/Cargo: Vice-Presidente;- CC/Cargo: Vice-Presidente;- DD/Cargo: Vice-Presidente;- EE/Cargo: Vice-Presidente;- FF/Cargo: Vice-Presidente;- GG/Cargo: Vice-Presidente.

4. Nomeio, por indicação da devedora, administrador da insolvência o Sr. Dr. HH, com domicílio profissional na ..., escritório ..., E.N. ...42-...-... ....

5. Determino que a administração da massa insolvente continue a ser assegurada pela devedora, sem prejuízo do dever de fiscalização do administrador da insolvência e das restrições a que se reporta o art. 226.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

6. Determina-se que a insolvente, sem prejuízo dos necessários à continuação da atividade por parte da mesma, entregue, imediatamente, ao administrador da insolvência os documentos referidos no n.º 1 do art. 24.º do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa.

7. Determina-se, tendo em conta o requerido pela insolvente, por ora, apenas a apreensão dos montantes penhorados nos processos executivos em curso contra a insolvente, designadamente os já aludidos pela insolvente na petição inicial, e que se suspendem com a declaração de insolvência.

8. Consigna-se que os autos não dispõem de elementos que justifiquem, nesta fase, a abertura do incidente de qualificação da insolvência.

9. Fixa-se em 30 (trinta) dias o prazo para a reclamação de créditos.

10. Advertem-se os credores que devem comunicar prontamente ao administrador da insolvência as garantias reais de que beneficiem.

11. Advertem-se os devedores da insolvente de que as prestações a que estejam obrigados deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não à própria insolvente.

12. Relega-se para a assembleia de credores a decisão sobre a constituição da comissão de credores.

13. Designa-se para a realização da Assembleia de Apreciação do Relatório a que alude o art. 156.º do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa o próximo dia 02 de agosto de 2023, pelas 10:00 horas.

*

Custas pela massa insolvente (art. 304.º do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa).

*

Valor da ação: 30.000,01, sendo o mesmo oportunamente corrigido para o que vier a ser atribuído ao ativo no inventário a que alude o art. 153.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (art. 301.º do referido diploma).

Notifique-se pessoalmente os identificados representantes da devedora, conforme art. 37.º, n.º 1, e a requerente, o Ministério Público e o Instituto da Segurança Social nos termos do art. 37.º, n.º 2, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa.

*

Cite-se pessoalmente os cinco maiores credores conhecidos, nos termos do art. 37.º, n.º 3, do referido diploma.

*

Cite-se o Estado, os institutos públicos sem a natureza de empresas públicas e as instituições de segurança social por carta registada, conforme art. 37.º, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sendo os restantes credores citados editalmente, com observância do disposto no art. 37.º, n.º 7, do mesmo diploma.

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Comunique-se a presente decisão ao Fundo de Garantia Salarial, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1.º, n.º 2, al. a), do Dec. Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.

*

Cite-se pessoalmente o chefe dos serviços periféricos locais da área do domicílio fiscal da insolvente, nos termos e para os efeitos do art. 181.º, n.º 1, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro).

*

Avoque-se os processos em que a insolvente seja executada ou responsável que se encontrem pendentes no Serviço de Finanças do concelho da respetiva residência, a fim de serem apensos ao presente processo, indicando a data da sentença que declarou a insolvência, conforme disposto no art. 181.º, n.º 2, do referido diploma.

*

Publique-se e registe-se a sentença, nos termos do art. 38.º do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa.

*

Notifique o Ilustre Administrador Judicial nomeado para vir aos autos, no prazo de 5 dias, confirmar a aceitação do cargo, e, para efeitos de ulterior processamento de remuneração, indicar o seu n.º de contribuinte e regime de tributação a que está sujeito.

..., 2023.06.12”

 II e JJ, credores nos autos supra identificados em que é Insolvente A..., não se conformando com a mesma, dela interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

a) A decisão proferida pelo Tribunal a quo é ilegal e injusta, na medida em que incorre em erro de julgamento da matéria de facto, face à prova produzida, bem como, faz uma incorreta interpretação e aplicação do direito.

A - Da Ineptidão da Petição Inicial

b) De acordo com o artigo 342.º do Código Civil, “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

c) Entende a jurisprudência que, a causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer (legalmente idóneo para o condicionar ou produzir);

d) Ora, no caso em apreço, a sentença recorrida deu como provados factos que não se vislumbra, em momento algum na Petição Inicial, que a Recorrida tenha sequer invocado ou feito prova dos mesmos, cingindo-se somente e apenas a meras indicações e conclusões, sem mais.

e) A Recorrida é quem tem o ónus de invocar factos que sustentam a sua pretensão, o que não aconteceu.

f) Veja-se o art. 31º da Petição Inicial, onde, para a defesa da situação de insolvência, a Recorrida desconsidera totalmente o valor do ativo, para lhe permitir concluir (o que não corresponde à verdade) que o património imobiliário por si detido nenhum valor tem!!!

g) A Recorrida argumenta e conclui que “Vale isto por dizer que, não obstante o seu valor patrimonial tributário (V.P.T.) ser bastante elevado (1.606.365,11 €), o valor resultante da sua avaliação não lhe corresponde minimamente, uma vez que, reitera-se, a Requerente apenas é detentora de um direito de superfície que lhe foi cedido a título temporário, o qual será, entretanto, extinto, e consequentemente, se tornará inexistente. “…., o seu real valor de mercado em sede de uma hipotética liquidação a favor de terceiros é, na verdade, equivalente a zero.”

h) Sendo esta conclusão de valor zero ao seu ativo que sustenta a conclusão de que o seu passivo é superior ao ativo.

i) Fá-lo mediante uma conclusão argumentativa, que não se pode considerar factos para efeitos do ónus que sobre si impende, e que é ela própria contrária e em oposição aos documentos por si juntos.

j) Pelo que, a sentença declaratória de insolvência da ora Recorrida deverá ser declarada nula, por ineptidão da petição inicial.

B – Da impugnação da decisão de facto,

A) O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento ao dar como provados os pontos 7º, 8º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º e 18º dos factos provados.

k) De acordo com o artigo 607.º, n.º 4 do CPC, ao dispôr “a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”,

l) E, neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 30-03-2023, no âmbito do processo 175/21.5T8VNF-B.G1, relatora Maria Eugénio Pedro, disponivel in www.dgsi.pt, defender que “A falta de apreciação crítica da prova constitui uma deficiência da fundamentação da decisão da matéria de facto que cabe na previsão da al. d) do nº2 do art. 662 º e não na previsão da al. b) do art. 615º do CPCivil.

m) Acrescenta o mesmo aresto que “O dever de fundamentação da decisão da matéria de facto, imposto pelo nº4 do art. 607º do CPCivil, não se mostra cumprido com a simples remissão para o teor dos documentos juntos aos autos e o resumo dos depoimentos das testemunhas e das declarações das partes, sem qualquer apreciação crítica, nomeadamente, a explicitação relativamente a cada um dos factos ou matérias em discussão, de quais os meios de prova que foram determinantes, por que se conferiu credibilidade a uns depoimentos e não a outros, e qual a relevância dos documentos apresentados”.

n) Ora, no caso em apreço, a sentença proferida pelo Tribunal a quo não contém uma análise critica das provas produzidas, em particular dos documentos oferecidos pela Recorrida.

o) Os factos em questão não podem ser considerados como provados por falta de alegação e demonstração da sua existência.

p) Do lado do passivo não pode considerar verificado o passivo de 4.704.770,15 € (quatro milhões, setecentos e quatro mil, setecentos e setenta euros e quinze cêntimos), por constituição de uma imparidade que não deveria ser constituída, na medida em que tal valor decorre de um acordo entre a Insolvente e a sociedade C..., Lda, num âmbito de um plano de insolvência, que transformou esse valor em prestação suplementar.

q) Por outro lado, o ativo da insolvente tem o valor de 6.643.607,11€, sem considerar outros ativos que não foram valorados, como sejam o direito de exploração do Estádio ....

r) A definição do valor a atribuir ao ativo da Recorrida, efetuada por ela própria, melhor explanado supra, não passam de meras conclusões, não factualmente suportadas ou demonstradas, já que a Insolvente opera um raciocínio não suportado em qualquer elemento factual ou documental para o efeito.

s) O valor a atribuir ao ativo patrimonial imobiliário a considerar nunca seria inferior ao Valor Patrimonial Tributário definido pela Autoridade Tributária, sendo que este valor é sobejamente conhecido inferior ao valor real.

t) Perante o valor do ativo de 6.643.607,11€, nunca a sociedade poderá ter capitais próprios negativos.

u) Por tudo, Mal andou o Tribunal a quo a considerar provados dos factos 7.º, 8.º, 10.º a 18.º da sentença, os quais não se podem considerar factos mas antes meras conclusões, mais uma vez, não suportadas em qualquer elemento probatório.

v) Ao invés deveria considerar não provado que:

“7.º Os custos da sua estrutura e os fornecimentos e serviços externos (FSE’s) mantiveram-se elevados face à sua atividade, registando mesmo algumas rúbricas aumento de gastos e o concomitante aumento generalizado dos preços da eletricidade, água, combustíveis, portagens, e demais bens essenciais ao seu funcionamento.;

14.º A Requerente tem tido resultados líquidos negativos nos últimos anos, sendo que os mesmos atingiram o valor negativo de 4.704.770,15€, tal como espelhado na Certificação Legal de Contas da sociedade efetuada pela D..., SROC, Lda. em 9.1.2023, correspondente à época desportiva 2021/2022 (cfr. doc. 8 junto com a petição inicial).

15.º Está a aumentar c o valor mensal de rendas que a A... recebe, com vista a dar suporte à recuperação financeira que, indubitavelmente, terá de ser feita, receitas com o merchandising, bilhética e eventos com empresas que patrocinem a equipa principal e as equipas da formação, com vista à entrada de novos capitais.

16.º Os últimos exercícios originaram já quebras na sua faturação, com a consequente diminuição da rentabilidade do seu negócio e com a inerente deterioração dos seus capitais próprios, que se cifram em 1.403.810,06 € negativos.

17.º Atualmente o passivo global da Requerente ascende ao montante de 4.704.770,15 € (quatro milhões, setecentos e quatro mil, setecentos e setenta euros e quinze cêntimos) (cfr. doc. 8 junto com a petição inicial).”

w) O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento ao não incluir nos factos provados, os quais devem ser aditados:

“O ativo da Insolvente tem o valor de €6.643.607,11;”

O Ativo da Insolvente é superior ao seu passivo.”

Da impugnação de Direito

x) Não poderia a D. Sentença recorrida declarar a insolvência da ora recorrida por falta de fundamento legal para o efeito, tendo feito, salvo o devido respeito, a D. sentença recorrida uma incorreta interpretação do direito.

y) A D. sentença recorrida considera, na sua motivação de direito, que “No caso dos autos, a requerente apresentou-se à insolvência, reconhecendo, dessa forma, a sua situação de insolvência, sendo que dos elementos agregados pela requerente resulta que a mesma se encontra impossibilitada de cumprir obrigações vencidas, sendo o seu passivo superior ao ativo (artº 20º, als. a), b) e h), do CIRE). Também não se constatando a existência de vícios que cumpra sanar nos termos do art. 27.º, n.º 1, al. b), do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, deve ser declarada, de imediato, a respetiva insolvência.”

z) Quanto à questão da relação entre o Ativo e o Passivo da Recorrida, já foi amplamente exposto, e considera-se demonstrado, que o ativo é superior ao passivo, quer em função do valor do património imobiliário (sem considerar outros ativos que não foram mensurados pelo D. Tribunal A quo, como seja o direito à exploração do Estádio ...) é superior ao valor do passivo, mesmo considerando a imparidade constituída sobre a C..., Lda.

aa) A definição do valor a atribuir ao ativo da Recorrida, efetuada por ela própria, melhor explanado supra, não passam de meras conclusões, não factualmente suportadas ou demonstradas, já que a Insolvente opera um raciocínio não suportado em qualquer elemento factual ou documental para o efeito.

bb) O valor a atribuir ao ativo patrimonial imobiliário a considerar nunca seria inferior ao Valor Patrimonial Tributário definido pela Autoridade Tributária, sendo que este valor é sobejamente conhecido inferior ao valor real,

cc) Da matéria de facto constante da D. Sentença recorrida nada consta quanto ao incumprimento das obrigações vencidas por parte da Insolvente, ou sequer que tenha havido o generalizado incumprimento das suas obrigações por parte da Insolvente.

dd) Nem tendo sido considerada na D. sentença recorrida o seu incumprimento generalizado, sendo que igualmente não foram alegados factos bastantes para o efeito por parte da Recorrida

ee) Ora, pela análise da D. sentença recorrida não ficou provado que a Recorrida se encontra impossibilitada de cumprir com as suas obrigações, nem consta da sentença, no que à matéria de facto diz respeito, qualquer elemento respeitante a este incumprimento,

ff) Razão pela qual não poderia ter sito ajuizado que se verifica o incumprimento generalizado das obrigações por parte da ora Recorrida.

gg) Razão pela qual foi efetuada uma incorreta aplicação do direito por parte da D. Sentença Recorrida.

hh) A situação económico-financeira dos recorrentes não pode ser enquadrada no artigo 3º do CIRE.

ii) Não se verificam os requisitos necessários para a existência de uma situação de insolvência.

jj) Factos e requisitos estes que são uma condição de recurso à acção e que asseguram seriedade, verosimilhança e viabilidade ao pedido de insolvência.

kk) O processo de insolvência visa a protecção dos credores da devedora, o que não é conseguido quando a sociedade não se encontra em situação de insolvência,

ll) Para a efetiva proteção dos credores, é necessário a aferição da real situação da devedora.

mm) Pelo que, resulta de forma clara que não se encontra verificada a situação de insolvência ali prevista (art. 3.º n.º 2 do CIRE), razão pela qual não deveria ter sido proferida a sentença de insolvência.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVE SER O PRESENTE RECURSO DE JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E, CONSEQUENTEMENTE SER A SENTENÇA REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE ORDENE O ARQUIVAMENTO DOS AUTOS E QUE JULGUE NÃO VERIFICADOS OS REQUISITOS DA INSOLVÊNCIA.

A Requerente/Apelada A... apresentou as suas contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

2. Do objecto do recurso

Interessa saber e decidir o seguinte:

1.Da nulidade da sentença/falta de fundamentação;

Alegam os Apelantes:

“De acordo com o artigo 607.º, n.º 4 do CPC, ao dispor “a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (…) Ora, no caso em apreço, a sentença proferida pelo Tribunal a quo não contém uma análise critica das provas produzidas, em particular dos documentos oferecidos pela Recorrida (…) Os factos em questão não podem ser considerados como provados por falta de alegação e demonstração da sua existência”.

Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem - “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Mais, deve, mesmo oficiosamente, “anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta” e “ determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

Ora, a apresentação à insolvência por parte do devedor, implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência, que é declarada até ao 3.º dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial ou, existindo vícios corrigíveis, ao do respectivo suprimento – artigo 28.º do CIRE. O requerente confessa a sua situação de insolvência, entendendo-se nestes casos, que a sentença que declara a insolvência, carece de ser fundamentada de facto limitando-se, em regra, a remeter para o requerimento de apresentação à insolvência.

O que se passa é que os Apelantes, nas suas alegações, vêm discordar da decisão proferida, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas já não quanto à estrutura lógica da sentença, que se mostra acertada.

Como tal, estamos perante invocação de erro de julgamento e não em face de nulidade da decisão – a invocada falta de fundamentação da decisão da matéria de facto (falta de fundamentação) não constitui vício da sentença susceptível de gerar nulidade à luz do art.º 615º.

O raciocínio lógico seguido na fundamentação está em sintonia com a decisão a final proferida pelo Juízo de Comércio de Coimbra – Juiz ....

Avançando.

2. Da Ineptidão da Petição Inicial;

Alegam os Apelantes que “no caso em apreço, a sentença recorrida deu como provados factos que não se vislumbra, em momento algum na Petição Inicial, que a Recorrida tenha sequer invocado ou feito prova dos mesmos, cingindo-se somente e apenas a meras indicações e conclusões, sem mais”.

(…) Veja-se o art. 31º da Petição Inicial, onde, para a defesa da situação de insolvência, a Recorrida desconsidera totalmente o valor do ativo, para lhe permitir concluir (o que não corresponde à verdade) que o património imobiliário por si detido nenhum valor tem!!!

g) A Recorrida argumenta e conclui que “Vale isto por dizer que, não obstante o seu valor patrimonial tributário (V.P.T.) ser bastante elevado (1.606.365,11 €), o valor resultante da sua avaliação não lhe corresponde minimamente, uma vez que, reitera-se, a Requerente apenas é detentora de um direito de superfície que lhe foi cedido a título temporário, o qual será, entretanto, extinto, e consequentemente, se tornará inexistente. “…., o seu real valor de mercado em sede de uma hipotética liquidação a favor de terceiros é, na verdade, equivalente a zero.”

h) Sendo esta conclusão de valor zero ao seu ativo que sustenta a conclusão de que o seu passivo é superior ao ativo.

i)Fá-lo mediante uma conclusão argumentativa, que não se pode considerar factos para efeitos do ónus que sobre si impende, e que é ela própria contrária e em oposição aos documentos por si juntos.

j) Pelo que, a sentença declaratória de insolvência da ora Recorrida deverá ser declarada nula, por ineptidão da petição inicial”.

Conhecendo.

Sabendo-se, tal como resulta do disposto nos arts. 3º, nº 1 e 581º, nºs 3 e 4,  que o objeto da ação reside na pretensão que o autor/requerente pretende  ver tutelada e que a identificação do direito que se pretende fazer valer em juízo consubstancia-se  não só através  do seu próprio conteúdo e objeto -  o pedido - como por meio  do acto ou facto jurídico  que se considere  que lhe deu origem  -  causa de pedir -, bem se compreende  que o art.º 552.º, nº 1, al. d),  faça recair sobre o autor/requerente o dever  de  “ expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção”/ a causa de pedir num processo de insolvência é constituída pela facticidade essencial ou nuclear que integra a previsão do art. 3.º, do CIRE (que contém a noção base de insolvência), ou pelos factos essenciais que integram um dos factos índices de insolvência (previstos numa das alíneas do n.º 1, do art. 20.º, do CIRE.

Nos termos do artigo 23.º do CIRE:

“1- A apresentação à insolvência ou o pedido de declaração desta faz-se por meio de petição escrita, na qual são expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida e se conclui pela formulação do correspondente pedido.

2 - Na petição, o requerente:

a) Sendo o próprio devedor, indica se a situação de insolvência é actual ou apenas iminente, e, quando seja pessoa singular, se pretende a exoneração do passivo restante, nos termos das disposições do capítulo I do título XII;

b) Identifica os administradores, de direito e de facto, do devedor e os seus cinco maiores credores, com exclusão do próprio requerente;

c) Sendo o devedor casado, identifica o respectivo cônjuge e indica o regime de bens do casamento;

d) Junta certidão do registo civil, do registo comercial ou de outro registo público a que o devedor esteja eventualmente sujeito.

3 - Não sendo possível ao requerente fazer as indicações e junções referidas no número anterior, solicita que sejam prestadas pelo próprio devedor”.

Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 186.º, diz-se inepta a petição:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”.

Por isso, se a causa de pedir/pedido não faltar de todo, existirá apenas deficiência, sendo certo que em matéria de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode, também, ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes – artigo 11 do CIRE.

E tal, mostra-se em consonância com o subsequente programa-norma e a concretização-norma, porquanto o interesse público da insolvência, da sua qualificação e dos seus embargos conduzem a que o tribunal não fique restringido ao que foi alegado pelas partes.

Ora, lendo o requerimento apresentado pela Apelada, percebemos o que pretende, explana os elementos factuais necessários e suficientes para o tornar inteligível, quer na sua causa, quer no seu pedido - expõe os factos que integram os pressupostos da declaração requerida e conclui pela formulação do correspondente pedido -, não existindo, por isso, a alegada ineptidão.

 Mais, fica sanada a nulidade em questão se o réu na sua contestação impugna a factualidade alegada pelo autor demonstrando ter compreendido o sentido e alcance da causa de pedir - art.º 193º, n.º 3 -, o que, in casu sucedeu, quer nos seus embargos que constam do apenso A do processo, quer nesta instância de recurso.

Improcede, pois, a alegada nulidade.

3.Da impugnação da matéria de facto.

Os Apelantes entendem que a 1.ª instância não acertou na fixação da sua matéria de facto, ao dar como provados os pontos 7º, 8º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º e 18º dos factos provados.

Dizem:

“o) Os factos em questão não podem ser considerados como provados por falta de alegação e demonstração da sua existência.

p) Do lado do passivo não pode considerar verificado o passivo de 4.704.770,15 € (quatro milhões, setecentos e quatro mil, setecentos e setenta euros e quinze cêntimos), por constituição de uma imparidade que não deveria ser constituída, na medida em que tal valor decorre de um acordo entre a Insolvente e a sociedade C..., Lda, num âmbito de um plano de insolvência, que transformou esse valor em prestação suplementar.

q) Por outro lado, o ativo da insolvente tem o valor de 6.643.607,11€, sem considerar outros ativos que não foram valorados, como sejam o direito de exploração do Estádio ....

r) A definição do valor a atribuir ao ativo da Recorrida, efetuada por ela própria, melhor explanado supra, não passam de meras conclusões, não factualmente suportadas ou demonstradas, já que a Insolvente opera um raciocínio não suportado em qualquer elemento factual ou documental para o efeito.

s) O valor a atribuir ao ativo patrimonial imobiliário a considerar nunca seria inferior ao Valor Patrimonial Tributário definido pela Autoridade Tributária, sendo que este valor é sobejamente conhecido inferior ao valor real.

t) Perante o valor do ativo de 6.643.607,11€, nunca a sociedade poderá ter capitais próprios negativos.

u) Por tudo, mal andou o Tribunal a quo a considerar provados dos factos 7.º, 8.º, 10.º a 18.º da sentença, os quais não se podem considerar factos mas antes meras conclusões, mais uma vez, não suportadas em qualquer elemento probatório.

v) Ao invés deveria considerar não provado que:

“7.º Os custos da sua estrutura e os fornecimentos e serviços externos (FSE’s) mantiveram-se elevados face à sua atividade, registando mesmo algumas rúbricas aumento de gastos e o concomitante aumento generalizado dos preços da eletricidade, água, combustíveis, portagens, e demais bens essenciais ao seu funcionamento.;

14.º A Requerente tem tido resultados líquidos negativos nos últimos anos, sendo que os mesmos atingiram o valor negativo de 4.704.770,15€, tal como espelhado na Certificação Legal de Contas da sociedade efetuada pela D..., SROC, Lda. em 9.1.2023, correspondente à época desportiva 2021/2022 (cfr. doc. 8 junto com a petição inicial).

15.º Está a aumentar c o valor mensal de rendas que a A... recebe, com vista a dar suporte à recuperação financeira que, indubitavelmente, terá de ser feita, receitas com o merchandising, bilhética e eventos com empresas que patrocinem a equipa principal e as equipas da formação, com vista à entrada de novos capitais.

16.º Os últimos exercícios originaram já quebras na sua faturação, com a consequente diminuição da rentabilidade do seu negócio e com a inerente deterioração dos seus capitais próprios, que se cifram em 1.403.810,06 € negativos.

17.º Atualmente o passivo global da Requerente ascende ao montante de 4.704.770,15 € (quatro milhões, setecentos e quatro mil, setecentos e setenta euros e quinze cêntimos) (cfr. doc. 8 junto com a petição inicial).”

w) O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento ao não incluir nos factos provados, os quais devem ser aditados: “O ativo da Insolvente tem o valor de €6.643.607,11;” O Ativo da Insolvente é superior ao seu passivo.”

A 1.ª instância fixou, assim, a sua matéria de facto:

Atendendo ao teor dos documentos juntos e ao disposto no artigo 28.º do CIRE, consideram-se provados os seguintes factos:

1.º A Requerente é uma PCUP que tem como escopo principal 1. O fomento e a prática de futebol federado, nas suas diferentes categorias e escalões. 2. A A... visa ainda a promoção do desenvolvimento desportivo e a formação educativa e sociocultural da população da região de Coimbra, em geral, e dos seus associados, praticantes desportivos e comunidade A..., em especial, através da criação, nos termos dos presentes estatutos, de estruturas organizativas internas adequadas. 3. A... orienta a sua atividade desportiva educativa e cultural tendo em vista a promoção do nome da Universidade, da B... e da Cidade ..., com estrita observância da formação global e integrada do atleta como Homem e Cidadão (cfr. certidão permanente junta na petição inicial como doc. 1).

2.º Foi constituída em 26 de fevereiro de 1992, obrigando-se pela assinatura de, pelo menos, três membros da Direção, um dos quais obrigatoriamente o Presidente da mesma (cfr. certidão permanente junta na petição inicial como doc. 1).

3.º Em virtude do seu enquadramento jurídico específico não detém capital social, sendo a sócia única da C..., Lda. (doravante, C..., Lda.) (cfr. doc. 2 junto com a petição inicial), que se apresentou à insolvência no dia 27 de setembro de 2022, tendo sido declarada insolvente no dia 29 seguinte, no âmbito do processo n.º 4428/22.... que correu termos neste Juízo de Comércio de Coimbra – Juiz ... (cfr. doc. ... junto com a petição inicial).

4.º No decurso do referido processo, foi apresentado um plano de insolvência, o qual foi aprovado por deliberação da assembleia de credores realizada em 1 de março de 2023, posteriormente objeto de homologação por douta sentença proferida a 31 de março (cfr. doc’s 4 e 5 juntos com a petição inicial).

5.º Após o respetivo trânsito em julgado, foi o processo encerrado no pretérito dia 27 de abril de 2023, conforme decisão de encerramento junta com a petição inicial como doc. 6.

6.º A nível financeiro, as mais-valias da atividade da A... foram investidas na sobredita sociedade desportiva por si integralmente detida, o que obrigou à constituição de imparidades.

7.ºOs custos da sua estrutura e os fornecimentos e serviços externos (FSE’s) mantiveram-se elevados face à sua atividade, registando mesmo algumas rúbricas aumento de gastos e o concomitante aumento generalizado dos preços da eletricidade, água, combustíveis, portagens, e demais bens essenciais ao seu funcionamento.

8.º Nos primeiros 6 meses do corrente exercício [2022-2023] a Requerente regista já prejuízos de (-11 874,99 €) (cfr. doc. 7 junto com a petição inicial).

9.º A nova direção da Requerente foi eleita em 4 de junho de 2022.

10.º A situação de tesouraria da requerente é visível pela antecipação e subsequente gasto global de várias receitas do mandato 2022-2025, e até posteriores (2032 e 2042), sendo

que só em rendas este valor é superior a 500.000,00 € (quinhentos mil euros).

11.º No ano de 2022 registava capitais próprios negativos de -1.403.810,06 € (um milhão, quatrocentos e três mil, oitocentos e dez euros e seis cêntimos) (cfr. doc. 7 junto com a petição inicial).

12.º Passou a registar situações de incumprimento com fornecedores, banca, empréstimo particular, ex-trabalhadores, Fisco e Segurança Social, com sucessivos acordos de pagamento e outros tantos incumprimentos (água e luz).

13.º Foi efetuada penhora de parte das receitas oriundas dos 4 concertos dos ..., ocorridos em, respetivamente 17, 18, 20 e 21 de maio, por parte de um dos seus 5 (cinco) maiores credores, fruto de um empréstimo particular com juros exponenciais.

14.º A Requerente tem tido resultados líquidos negativos nos últimos anos, sendo que os mesmos atingiram o valor negativo de 4.704.770,15€, tal como espelhado na Certificação Legal de Contas da sociedade efetuada pela D..., SROC, Lda. em 9.1.2023, correspondente à época desportiva 2021/2022 (cfr. doc. 8 junto com a petição inicial).

15.º Está a aumentar c o valor mensal de rendas que a A... recebe, com vista a dar suporte à recuperação financeira que, indubitavelmente, terá de ser feita, receitas com o merchandising, bilhética e eventos com empresas que patrocinem a equipa principal e as equipas da formação, com vista à entrada de novos capitais.

16.º Os últimos exercícios originaram já quebras na sua faturação, com a consequente diminuição da rentabilidade do seu negócio e com a inerente deterioração dos seus capitais próprios, que se cifram em 1.403.810,06 € negativos.

17.º Atualmente o passivo global da Requerente ascende ao montante de 4.704.770,15 € (quatro milhões, setecentos e quatro mil, setecentos e setenta euros e quinze cêntimos) (cfr. doc. 8 junto com a petição inicial).

18.º O seu ativo líquido é composto por:

1) Um autocarro marca ..., com a matrícula ..-..-ZF, no valor de 6.000,00 €;

2) Direito de superfície temporário, válido pelo prazo de 50 (cinquenta) anos a contar do dia 19 de maio de 2004, ou seja até 18 de maio de 2054, sobre o qual impendia a obrigação de construção de equipamentos desportivos e de apoio, o que a Requerente cumpriu, sobre o prédio urbano composto por um terreno destinado a campo desportivo, denominado “...”, sito na Estrada Nacional ...11, ..., União das freguesias ... (..., ..., Almedina e ...), concelho ..., inscrito na matriz predial urbana com o art.º ...01º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...04 (freguesia ... - ...) (cfr. doc’s 9 e 10 juntos com a petição inicial).

A propriedade pertence ao Município ....

3) Prédio urbano composto por um pavilhão gimnodesportivo de cave, rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana com o art.º ...88.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...23 (cfr. doc’s 11 e 12 juntos com a petição inicial).

Tal prédio encontra-se onerado com 16 (dezasseis) hipotecas legais/voluntárias e 5 (cinco) penhoras e o terreno adquirido pela Requerente destina-se exclusivamente à construção de um pavilhão gimnodesportivo, não podendo ser afetado a qualquer outra finalidade (cfr. Ap. ...1 de 1985/04/10), tendo ficado estipulado que as instalações a construir no terreno apenas pudessem servir os sócios do Clube e a comunidade em geral, e ainda que as benfeitorias efetuadas no dito terreno apenas podem servir os sócios do Clube da Requerente, o seu real valor de mercado em sede de uma hipotética liquidação a favor de terceiros é, na verdade, equivalente a zero.

19.º Os atuais Diretores, com morada para efeitos de recebimento de notificações/citações na ... Estrada Nacional ...11-1 ..., ... ..., são:- AA/Cargo: Presidente da Direção;- BB/Cargo: Vice-Presidente;- CC/Cargo: VicePresidente;- DD/Cargo: Vice-Presidente;- EE/Cargo: Vice-Presidente;- FF/Cargo: VicePresidente;- GG/Cargo: Vice-Presidente.

20.º A Requerente emprega 4 trabalhadores.

21.º Detém receitas, não concretamente apuradas, oriundas de patrocínios, e sobretudo cedências de espaços no Estádio ..., Pavilhão..., e espetáculos musicais, entre outros eventos.

22.º A Requerente espera receber um encaixe financeiro, não concretamente apurado, por parte de patrocinadores, Câmara Municipal ... e da Federação Portuguesa de Futebol.

23.º Identifica como cinco maiores credores:

- Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) – Serviço de Finanças ..., com sede na Rua ... à ... - Edifício ..., ... ..., no valor de 1.164.316,44€;

- II e mulher, JJ, respetivamente, residentes na Rua ..., ... ..., no valor de 705.435,12 €;

- Banco 1..., CRL, NIPC ..., com sede na Rua ... ..., no valor de 638.275,26 €;

- E..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua ... ..., no valor de 308.991,01 €;

- F..., E.M., NIPC ..., com sede na Rua ... ..., no valor de 290.874,54 €.

Ora, como decorre do disposto nos artigos 40.º e 42.º do CIRE, a impugnação da sentença declaratória da insolvência pode ser feita através de embargos e/ou de recurso.

No caso da dedução de embargos - cf. n.º 2 do citado artigo 40.º -, os mesmos baseiam-se na alegação de factos ou no requerimento de meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência.

Ao invés, - cf. referido artigo 42.º, n.º 1 -, os fundamentos do recurso têm por base o entendimento de que, face aos elementos apurados, a sentença não devia ter sido proferida; isto é, face a tais elementos, não devia ter sido declarada a insolvência.

Daí que, como refere Rui Pinto, in Recursos no processo de insolvência e no P.E.R., V Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2019, a pág. 303: “enquanto o recurso é um meio de impugnação de uma decisão, com fundamento em ilegalidade ou erro de facto, os embargos são meio de reabertura do contraditório. Em ambos se pede a revogação da decisão, mas apenas o recurso é um meio de defesa da decisão ilegal.

Ora, justamente, os embargos à declaração de insolvência têm por objecto a alegação de factos ou o requerimento de meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência. Diversamente, no recurso o sujeito entende que “face aos elementos apurados, (…) a sentença não devia ter sido proferida” ou a providência deferida. (…) Por isso, a competência é dada, respetivamente, ao tribunal da decisão ou ao tribunal superior”.

Também Catarina Serra, in Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, a pág. 134 e Alexandre Soveral Martins, in Um Curso de Direito da Insolvência, Almedina, 2015, a pág. 103, realçam a diferença de fundamentos para a dedução de embargos e de recurso à sentença declaratória de insolvência: os embargos destinam-se à alegação de factos novos ou para requerer novos meios de prova, ao passo que o recurso se destina à discussão de razões de direito, com referência aos elementos já apurados e considerados na sentença.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3.ª Edição, a pág. 279 “os embargos serão necessariamente fundados em razões de facto - novos factos alegados ou novas provas requeridas (…). Em contrapartida, o recurso deve basear-se em razões de direito - inadequação da decisão à factualidade apurada por má aplicação da lei …”.

Acrescentando a pág. 283 que a petição de embargos desencadeia a reapreciação da declaração de insolvência, que será feita pelo tribunal que a proferiu, baseada sempre “em razões de facto que afetem a sua regularidade ou real fundamentação”.

No caso vertente, os Apelantes, tendo lançado mão da interposição de recurso como meio de impugnação da sentença recorrida, aduzem, igualmente, fundamentos referentes à factualidade dada como provada que, nos termos expostos, teriam/terão de ser usados em sede de embargos, a apreciar pelo Tribunal da 1.ª instância.

Como resulta do anteriormente exposto, esta inadequação do meio processual usado pelos Apelantes quanto à impugnação da matéria de facto, não se mostra apta a ter os pretendidos efeitos, uma vez que, reitera-se, no âmbito do recurso a incidir sobre a sentença declatória da insolvência, apenas se podem considerar os elementos nela já apurados, o que sem necessidade de outras considerações, implica a não apreciação da referida impugnação quanto aos factos e respectiva valoração - a petição de embargos desencadeia a reapreciação da declaração de insolvência, que será feita pelo tribunal que a proferiu, baseada sempre em razões de facto que afetem a sua regularidade ou real fundamentação.

Assim, fica rejeitada a impugnação quanto à matéria de facto, indeferindo-se, por isso, a junção do documento - Plano de Insolvência da C..., LDA – requerida pelos Apelantes.

Avançando.

4.Os factos apurados nestes autos permitem declarar a insolvência da requerente?

Neste particular, dizem os Apelantes:

“x) Não poderia a D. Sentença recorrida declarar a insolvência da ora Recorrida por falta de fundamento legal para o efeito, tendo feito, salvo o devido respeito, a D. sentença recorrida uma incorreta interpretação do direito.

y) A D. sentença recorrida considera, na sua motivação de direito, que “No caso dos autos, a requerente apresentou-se à insolvência, reconhecendo, dessa forma, a sua situação de insolvência, sendo que dos elementos agregados pela requerente resulta que a mesma se encontra impossibilitada de cumprir obrigações vencidas, sendo o seu passivo superior ao ativo (artº 20º, als. a), b) e h), do CIRE). Também não se constatando a existência de vícios que cumpra sanar nos termos do art. 27.º, n.º 1, al. b), do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, deve ser declarada, de imediato, a respetiva insolvência.”

z) Quanto à questão da relação entre o Ativo e o Passivo da Recorrida, já foi amplamente exposto, e considera-se demonstrado, que o ativo é superior ao passivo, quer em função do valor do património imobiliário (sem considerar outros ativos que não foram mensurados pelo D. Tribunal A quo, como seja o direito à exploração do Estádio ...) é superior ao valor do passivo, mesmo considerando a imparidade constituída sobre a C..., Lda.

aa) A definição do valor a atribuir ao ativo da Recorrida, efetuada por ela própria, melhor explanado supra, não passam de meras conclusões, não factualmente suportadas ou demonstradas, já que a Insolvente opera um raciocínio não suportado em qualquer elemento factual ou documental para o efeito.

bb) O valor a atribuir ao ativo patrimonial imobiliário a considerar nunca seria inferior ao Valor Patrimonial Tributário definido pela Autoridade Tributária, sendo que este valor é sobejamente conhecido inferior ao valor real,

cc) Da matéria de facto constante da D. Sentença recorrida nada consta quanto ao incumprimento das obrigações vencidas por parte da Insolvente, ou sequer que tenha havido o generalizado incumprimento das suas obrigações por parte da Insolvente.

dd) Nem tendo sido considerada na D. sentença recorrida o seu incumprimento generalizado, sendo que igualmente não foram alegados factos bastantes para o efeito por parte da Recorrida

ee) Ora, pela análise da D. sentença recorrida não ficou provado que a Recorrida se encontra impossibilitada de cumprir com as suas obrigações, nem consta da sentença, no que à matéria de facto diz respeito, qualquer elemento respeitante a este incumprimento,

ff) Razão pela qual não poderia ter sito ajuizado que se verifica o incumprimento generalizado das obrigações por parte da ora Recorrida.

gg) Razão pela qual foi efetuada uma incorreta aplicação do direito por parte da D. Sentença Recorrida.

hh) A situação económico-financeira dos recorrentes não pode ser enquadrada no artigo 3º do CIRE.

ii) Não se verificam os requisitos necessários para a existência de uma situação de insolvência.

jj) Factos e requisitos estes que são uma condição de recurso à acção e que asseguram seriedade, verosimilhança e viabilidade ao pedido de insolvência.

kk) O processo de insolvência visa a protecção dos credores da devedora, o que não é conseguido quando a sociedade não se encontra em situação de insolvência,

ll) Para a efetiva proteção dos credores, é necessário a aferição da real situação da devedora.

mm) Pelo que, resulta de forma clara que não se encontra verificada a situação de insolvência ali prevista (art. 3.º n.º 2 do CIRE), razão pela qual não deveria ter sido proferida a sentença de insolvência”.

Avaliando.

Preceitua a norma do artigo 3.º - situação de insolvência - do CIRE que:

1 - É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.

2 - As pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis.

3 - Cessa o disposto no número anterior quando o activo seja superior ao passivo, avaliados em conformidade com as seguintes regras:

a) Consideram-se no activo e no passivo os elementos identificáveis, mesmo que não constantes do balanço, pelo seu justo valor;

b) Quando o devedor seja titular de uma empresa, a valorização baseia-se numa perspectiva de continuidade ou de liquidação, consoante o que se afigure mais provável, mas em qualquer caso com exclusão da rubrica de trespasse;

c) Não se incluem no passivo dívidas que apenas hajam de ser pagas à custa de fundos distribuíveis ou do activo restante depois de satisfeitos ou acautelados os direitos dos demais credores do devedor.

4 - Equipara-se à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência”.

Como sabemos, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.

A declaração de insolvência de uma pessoa/entidade depende da verificação de um pressuposto inarredável: a sua insolvência. A lei define essa situação de insolvência como sendo aquela em que “o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas” – artigo 3.º, n.º 1, do CIRE. Tratando-se de pessoas colectivas, a situação de insolvência ocorre igualmente quando “o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis” – artigo 3.º, n.º 2, do CIRE. Acrescentando-se, no seu n.º 4 que: “Equipara-se à situação de insolvência atual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência”.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE, Anotado, 3.ª Edição, pág. 86 “O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.

Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante.”.

De acordo com o artigo 20.º, n.º 1, al. b), do CIRE, um dos factos que legitima a declaração de insolvência é a:

“Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.”.

É comummente aceite que os factos descritos nas alíneas do n.º 1 do preceito em referência, são factos-índice ou presuntivos da insolvência, reveladores, atenta a experiência da vida e critérios de normalidade, da insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações.

Por outro lado, como resulta do artigo 30.º, n.º 3, do CIRE, é lícito ao devedor opor-se à declaração de insolvência, quer com fundamento na inexistência do facto que fundamenta o pedido e/ou na inexistência da situação de insolvência.

Podendo, ainda, concluir-se, deste preceito, que, demonstrada a existência de um dos factos-índice cabe ao devedor demonstrar que, ainda assim, se mantém a sua solvência – cf. autores e ob. cit., a pág. 206.

Ou, como refere Cassiano dos Santos, in Direito Comercial, Vol. I, pág. 223, “(…) o quadro do CIRE é, nesta parte, absolutamente coerente e razoável. O requerente tem que alegar a situação de insolvência e que alegar e provar um dos factos significantes do n.º 1 do art. 20.º. Logrado isto, é razoável por a cargo do devedor/requerido a prova de que, apesar da verdade daquele facto, contra o que seria provável, não está afinal em situação de insolvência”.

Como vimos, refere-se na citada alínea b) constituir um de tais factos-índice, a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer a generalidade das suas obrigações.

Mas, como é que se prova a situação de insolvência, quando o devedor é o próprio requerente/apresentante?

Ora, no caso de apresentação do devedor à insolvência, equipara-se a situação de insolvência actual à que seja meramente eminente, devendo, em tal caso, ser de imediato, proferida a sentença de insolvência, excepto nos casos em que existam vícios supríveis, que o devem ser ou se a petição se apresentar em termos que tornam o pedido manifestamente improcedente, revelar a existência de excepções dilatórias insupríveis oficiosamente ou falta de documentos.

A apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento da sua situação de insolvência, embora não o dispense de demonstrar os pressupostos de factos a que aludem as diversas alíneas do art.º 20º, nº 1 do CIRE - o reconhecimento da situação de insolvência por apresentação do devedor constitui confissão.

A apresentação à insolvência, implicando para ele o reconhecimento da sua situação, determina a declaração judicial da mesma, mediante o proferimento da correspondente sentença. Não há, pois, nesta eventualidade, nenhum contraditório, designadamente pelo lado dos credores, que só são chamados ao processo após a insolvência ter sido declarada.

Só assim não será se, para lá da ocorrência de excepções dilatórias insupríveis, que aqui não importa especialmente considerar, o pedido for manifestamente improcedente, ou seja, quando, em face da própria matéria alegada ou da documentação apresentada, resulte, com clareza, a inexistência do pressuposto da declaração judicial de insolvência – no caso a situação de insolvência iminente –, por aí haver lugar a indeferimento liminar segundo o que decorre do estatuído no art.º 27.º, n.º 1, al. a) do CIRE.

Dando a palavra à Apelada/ Requerente:

“É, pois, evidente que os Recorrentes nada alegaram com relevo suficiente para contrariar a douta sentença que decretou a insolvência da Embargada, nem ao nível patrimonial nem ao nível das contas do seu exercício, perfeitamente auditadas e aprovadas.

Era aos Recorrentes que cabia a prova da solvência da Recorrida, o que não logram efetuar.

Rectius: o único argumento aparentemente válido ventilado pelos Recorrentes para afastar os fundamentos da declaração de insolvência é a existência de imóveis pertencentes à Insolvente cujo valor, no seu entender, é suficiente para liquidar as suas dívidas, todavia sem qualquer dose de razão, pelo tudo quanto se deixa supra alegado.

A existência de um ativo superior ao passivo, o que não se verifica no caso vertente, tendo aqui por referência só as obrigações vencidas, não é suficiente para, por si, ilustrar uma situação de viabilidade económica, já que é necessário que a mesma seja também capaz de demonstrar uma capacidade de gerar rendimentos aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento, o que os imóveis em questão não são capazes.

Neste conspeto, importa fazer um breve incurso na situação patrimonial da Recorrida e das especiais circunstâncias do seu ativo, por contraponto ao seu passivo reclamado de 6.701 048,96 €:

1) Um autocarro marca ..., com a matrícula ..-..-ZF, no valor de 6.000,00 €;

2) Direito de superfície sobre o prédio urbano composto por um terreno destinado a campo desportivo, denominado “...”, sito na Estrada Nacional ...11, ..., União das freguesias ... (..., ..., ... e ...), concelho ..., inscrito na matriz predial urbana com o art.º ...01º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...04 (freguesia ... - ...);

Importa referir que a Recorrida não é detentora de um direito de propriedade pleno sobre este imóvel, cuja propriedade pertence ao Município ..., tratando-se apenas da detenção de um mero direito de superfície temporário, válido pelo prazo de 50 (cinquenta) anos a contar do dia 19 de maio de 2004, ou seja até 18 de maio de 2054, sobre o qual impendia a obrigação de construção de equipamentos desportivos e de apoio, o que a Requerente cumpriu na íntegra.

Como tal, tratando-se de um direito constituído por um determinado período, o mesmo será, decorrido tal prazo, extinto, nos termos do disposto no art.º 1536º/1, al. c) do Código Civil.

Vale isto por dizer que, não obstante o seu valor patrimonial tributário (V.P.T.) ser bastante elevado (1.606.365,11 €), o valor resultante da sua avaliação não lhe corresponde minimamente, uma vez que, reitera-se, a Requerente apenas é detentora de um direito de superfície que lhe foi cedido a título temporário, o qual será, entretanto, extinto, e consequentemente, se tornará inexistente;

3) Prédio urbano composto por um pavilhão gimnodesportivo de cave, rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana com o art.º ...88.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...23;

Já no que concerne este prédio, importa ter em atenção que, para além do mesmo se encontrar onerado com 16 (dezasseis) hipotecas legais/voluntárias e 5 (cinco) penhoras, a verdade é que, conforme se pode constatar da Ap. ...1 de 1985/04/10, o terreno adquirido pela Requerente destina-se exclusivamente à construção de um pavilhão gimnodesportivo, não podendo ser afetado a qualquer outra finalidade. Por outro lado, ficou estipulado que as instalações a construir no terreno apenas pudessem servir os sócios do Clube e a comunidade em geral.

Por tal facto, tendo sido clausulado que as benfeitorias efetuadas no dito terreno apenas podem servir os sócios do Clube da Requerente, o seu real valor de mercado em sede de uma hipotética liquidação a favor de terceiros é, na verdade, equivalente a zero. E nem se diga que a insolvente obliterou factos essenciais à boa decisão da causa, designadamente os proventos das rendas provenientes do contrato de exploração do Estádio ..., entretanto denunciado pelo Município ..., para renegociação das suas condições futuras – vide doc. 2.

Tais valores estão espelhados no Plano de Insolvência aprovado e homologado no âmbito do processo da C..., Lda., sendo que a transformação de um crédito em prestações suplementares é algo legal e legítimo, não passível de mera censura de ocasião.

In casu percute-se ad nauseam: não se mostram provados, nem sequer foram alegados os factos necessários para infirmar os fundamentos de facto e de direito subjacentes à proficiente sentença declaratória da insolvência em questão" (…)

“No processo de insolvência para apurar da possibilidade ou impossibilidade de solvência do devedor apenas devem ser consideradas as obrigações vencidas, e estas estão mais do que demonstradas nos autos de insolvência, bastando para tanto atentar no número de execuções pendentes e contas da insolvente.

Aliás, basta atentar na lista provisória de créditos entretanto junta aos autos pelo Senhor Administrador Judicial, elaborada nos termos do art.º 129.º do CIRE, que aponta para um passivo de 6.701 048,96 € - vide doc. 1.

Não obstante, a caracterização da situação de insolvência é-nos dada pelo art.º 3.º/1 do CIRE, que preceitua: “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, acrescentando o n.º 4 do mesmo preceito que se equipara à situação de insolvência atual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência (sublinhado nosso).

Verificada essa impossibilidade de o devedor assumir o cumprimento das suas obrigações vencidas, como se acredita ter sido minuciosamente explicada no petitório inicial, todos os credores são chamados a reclamar os seus créditos e todo o património do devedor responde pelas respetivas dívidas, sendo o processo de insolvência uma execução colectiva ou universal, como se retira da interpretação integrada dos artigos 1.º, 47.º, n.ºs 1 a 3, 128.º, nºs 1 e 3 e 149.º, nºs 1 e 2, do CIRE, sem olvidar a possibilidade de vir a ser apresentado Plano de Insolvência, com toda a legitimidade que assiste à embargada. Como refere João Labareda, o CIRE na evolução do regime da falência no direito português, in Coletânea de Estudos sobre a insolvência, p. 67, «a letra deste preceito releva, só por si, que não está aqui em causa uma relação quantitativa entre o activo e o passivo do devedor, mas uma situação financeira que o impede de pagar, pontualmente, os seus débitos».

A situação patrimonial deficitária, com passivo manifestamente superior ao ativo só é critério legal acessório da situação de insolvência em relação às pessoas coletivas e patrimónios autónomos, como decorre do art.º 3º/2 do CIRE.

Complementarmente, a lei equipara ainda a situação de insolvência iminente à situação de insolvência atual como fundamento de apresentação à insolvência, como ressalta da leitura do art.º 3.º/4 do CIRE, que se encaixa totalmente na presente situação.

Coligindo os contributos da doutrina para a interpretação da noção legal de insolvência vertida no art.º 3º/1 do CIRE, no Ac. da Relação de Guimarães de 30-06.2022, proferido no proc. nº 2582/21.4T8VNF-A.G1( Relatora Alexandra Viana Lopes) enunciam-se assim os pressupostos a considerar na sua aplicação:

“Por um lado, as obrigações do devedor em relação às quais deve ser apurada a sua possibilidade ou impossibilidade de solvência são, restritamente, apenas aquelas que já se encontrem vencidas. Assim, não é suficiente para permitir a declaração de insolvência a existência ampla de obrigações exigíveis ao devedor mas que ainda não se encontram vencidas- (Mª do Rosário Epifânio, in Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 2020, 7ª ed. p.27.).

Por outro lado, a impossibilidade de satisfação das obrigações vencidas não tem que abranger a sua totalidade mas é suficiente que se refira à sua generalidade, nem depende do seu valor, sem prejuízo da discussão da relevância ou irrelevância de atendimento de valores insignificantes para o decretamento da insolvência, matéria em que existe uma discordância doutrinária.

Maria do Rosário Epifânio, in op. Cit. p. 27, refere «a doutrina tem entendido desde logo que a impossibilidade de cumprimento relevante para efeitos de insolvência não tem que dizer respeito a todas as obrigações do devedor. Pode até tratar-se de uma só ou de poucas dívidas, exigindo-se apenas que a (s) dívida (s) pelo seu montante e pelo seu significado no âmbito do passivo do devedor seja (m) reveladora(s) da impossibilidade de cumprimento da generalidade das suas obrigações.

Catarina Serra, por seu turno, in op. Cit. p. 58, defende que «para a insolvência não releva nem o número nem o valor pecuniário das obrigações vencidas. (…) tanto está insolvente quem está impossibilitado de cumprir uma ou mais obrigações de montante elevado (o montante em causa é demasiado elevado para que o devedor possa cumprir) como quem está impossibilitado de cumprir uma ou mais obrigações de pequeno montante ou de montante insignificante (o montante é insignificante e ainda assim ele não consegue cumprir).

Já Alexandre de Soveral Martins, in op, cit. p. 62 refere: «a impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas não significa que se tenha de fazer a prova imediata de que o devedor está impossibilitado de cumprir todas e cada uma dessas obrigações. Basta a prova imediata que o devedor não consegue cumprir as obrigações vencidas que, por sua vez, permitam ao julgador presumir que o devedor também não tem possibilidade de cumprir as restantes. (…).

Por outro lado, a possibilidade ou impossibilidade de solvência das obrigações não tem um significado jurídico no âmbito da extinção das obrigações (arts.790º segs do C. Civil) mas tem um significado financeiro e afere-se, em particular, pela liquidez do ativo do devedor e pelas condições deste de acesso ao crédito para a satisfação das suas obrigações (de forma imediata ou em prazo julgado razoável), digam-se inexistentes.

Maria do Rosário Epifânio, in op. cit. p. 28, notas 41 e 42, refere «pode até acontecer que o passivo seja superior ao ativo, mas não exista uma situação de insolvência, porque há facilidade de recurso ao crédito para satisfazer as dívidas excedentárias. E, por outro lado, pode acontecer que o ativo seja superior ao passivo vencido, mas o devedor se encontre em situação de insolvência por falta de liquidez do seu ativo (é dificilmente convertido em dinheiro).», anotando, em referência a Menezes Leitão, que «foi adotado o critério de fluxo de caixa, de acordo com o qual “o devedor é insolvente logo que se torna incapaz, por ausência de liquidez suficiente, de pagar as suas dívidas no momento em que elas se vencem”», em referência, v.g., a Coutinho de Abreu, «que ativo líquido significa, por ex., dinheiro em caixa, depósitos bancários vencidos, produtos e títulos de crédito fácil e oportunamente convertíveis em dinheiro».

Novamente, alude-se a Catarina Serra, op. cit., p. 58, assinalando que a insolvência decorrente da impossibilidade de cumprir não coincide necessariamente com uma situação patrimonial negativa, explica «Como efeito, pode muito bem verificar-se a primeira sem se verificar a segunda: não obstante ser titular de um património sólido e abundante, o devedor vê-se impossibilitado de cumprir por lhe faltar liquidez. E pode verificar-se a segunda sem se verificar a primeira: não obstante não ter património suficiente para cumprir as suas obrigações, o devedor mantém a capacidade de cumprir por via do crédito que lhe é disponibilizado.

Em igual sentido, leia-se Alexandre de Soveral Martins, in op. cit. p. 62 refere «Do que se trata, isso sim, é de não ter meios para cumprir as obrigações vencidas. Meios que o devedor não tem porque nem sequer consegue obtê-los junto de terceiros.

E o próprio Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de 24.01.2006, proferido no âmbito do processo nº 05A3958, (Relator Fernando Magalhães) disponível in www.dgsi.pt, decidiu a este propósito:

- É considerada em situação de insolvência a empresa que se encontre impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações, em virtude de o seu activo disponível ser insuficiente para satisfazer o seu passivo exigível (art.º 3º CPEREF). - O que verdadeiramente caracteriza a insolvência é a insuficiência do activo líquido face ao passivo exigível. - O devedor pode ser titular de bens livres e disponíveis de valor superior ao activo, e mesmo assim, estar insolvente por esse activo não ser líquido e o devedor não conseguir com ele cumprir pontualmente as suas obrigações.».

Escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26/01/2010, processo n.º 97/09.8TYVNG.P1, o seguinte: “O estado de insolvência traduz-se, portanto, numa impotência económica – a impotência para fazer face às obrigações assumidas. (…) Essa impotência constitui, evidentemente, uma realidade diversa da simples superioridade do passivo relativamente ao activo. O devedor pode estar impossibilitado de pagar aos seus credores e, no entanto, ter um activo superior ao passivo. E o inverso também é verdadeiro: o devedor pode, em dado momento, ter um activo inferior ao passivo, mas dispor de crédito, i.e., da possibilidade de mobilizar, por recurso a terceiros, disponibilidades monetárias que lhe permitam os compromissos para com os seus credores, à medida que se vão tornado exigíveis.

Deficit patrimonial ou insuficiência do ativo e impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas não são, portanto, situações absolutamente coincidentes. É claro que a insuficiência do activo para satisfação do passivo exterioriza, tipicamente, a insolvabilidade do devedor uma vez que a persistência desse deficit patrimonial o impossibilitará, mais tarde ou mais cedo, de satisfazer ou solver, com pontualidade, os seus compromissos. Apesar disso, a insuficiência do activo e a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, são critérios diferentes e autónomos de caracterização de uma mesma situação: o estado de insolvência do devedor.”

A este propósito, e também com interesse para a boa decisão do presente recurso, se transcrevem os ensinamentos vertidos no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01/06/2020, processo n.º 375/19.8T8GRD-C.C1, disponível em www.dgsi.pt: «O devedor é insolvente logo que se torna incapaz, por ausência de liquidez suficiente, de pagar as suas dívidas no momento em que estas se vencem; incapacidade que não tem que ser nem abranger todas as obrigações assumidas pelo devedor e vencidas, uma vez que o que releva para a insolvência é “a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos”.

De realçar, ainda, o que é referido por Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol. I, pp. 70/71: “O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos”.

Desta feita, é de relevar para a declaração de insolvência as próprias circunstâncias do incumprimento, e - diremos nós - as circunstâncias do incumprimento são também de relevar para se decidir a impugnação da declaração de insolvência.

Outrossim, a avaliação de uma situação de insolvência deve igualmente ser balizada de acordo com o recorte normativo presente no art.º 20.º do CIRE.

E assim impõe-se perguntar se os factos arrimados nas alegações recursivas revelam (i) um quadro de suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas (ii) de falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações ou representa (iii) um incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas abrangidas pela esfera de proteção da alínea g) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE (iv) ou se se verifica outra situação que se inscreva no conceito em discussão.

E a resposta não poderia deixar de ser positiva, tal como a sentença o fez e bem, dada a impossibilidade de a insolvente solver as suas obrigações vencidas ou recorrer a crédito, por virtude das inúmeras hipotecas e penhoras que oneram o seu património, desde logo as dos Recorrentes.

Os factos enunciados na norma do art.º 20.º/1 do CIRE são indícios ou sintomas da situação de falência (verdadeiros factos-índice), sendo através deles que, normalmente a situação de insolvência se manifesta ou se exterioriza. Por isso, a verificação de qualquer deles permite presumir a situação de insolvência do devedor.

Na mesma linha, Carvalho Fernandes e João Labareda sublinham que aquilo que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Nesta linha de raciocínio «pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência actual».

Na visão de Menezes Leitão a insolvência corresponde à impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações, e não à mera insuficiência patrimonial, correspondente a uma situação líquida negativa, uma vez que o recurso ao crédito pode permitir ao devedor suprir a carência de liquidez para cumprir as suas obrigações.

Nesta ordem de ideias, à verificação do estado de insolvência está subjacente o conceito de solvabilidade, podendo acontecer que: o passivo é superior ao ativo, mas não se verificar a situação de insolvência por existir facilidade de recurso ao crédito para satisfazer as dívidas excedentárias, o que não acontece na situação em apreço.

Assim, o que releva para a insolvência é a insusceptibilidade de o devedor satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento evidenciam a impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos., razão pela qual a presente sentença não é suscetível de ser alterada, aliás, todas as razões de facto e de direito nela estão devidamente plasmadas.

Reitera-se que, a lei equipara ainda a situação de insolvência iminente à situação de insolvência atual como fundamento de apresentação à insolvência, tal como flui de meridiana clareza da simples leitura do art.º 3.º/4 do CIRE.

A iminência da insolvência caracteriza-se, pois, pela ocorrência de circunstâncias que, não tendo ainda conduzido ao incumprimento em condições de poder considerar-se situação de insolvência já atual, com toda a probabilidade a vão determinar a curto prazo, exatamente pela insuficiência do ativo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível.

Neste contexto, está consolidada a ideia que não interessa que o devedor ainda possa cumprir num momento futuro qualquer e eventualmente num contexto de remodelação da dívida, verificando-se a entrada em situação de insolvência a partir do momento em que comprovadamente não pode cumprir as obrigações vencidas, nem poderá fazê-lo num futuro próximo. Deste modo, se os meros atrasos no pagamento não justificam a declaração de insolvência, também não se exige que a impossibilidade seja duradoura, só obstando à declaração de insolvência a falta transitória de liquidez recuperável a curto prazo.

Com efeito, da análise circunstanciada do processo verifica-se que, face aos factos apurados no processo principal e não infirmados nesta sede, a situação inscreve-se na área de influência do conceito previsto no art.º 3.º do CIRE e que está demonstrada a existência de uma situação de insolvência do devedor nos termos e para os efeitos consignados no art.º 20º/1 do mesmo normativo legal.

Assim, como decorre do quadro traçado, os factos provados na sentença terão que ser lidos e interpretados a partir de uma determinada lógica que permita a final concluir se no dia em que a devedora se apresentou à insolvência se se encontrava ou não em situação de insolvência.

E a resposta é francamente simples: infelizmente estava e está!

Tal lógica pressupõe que se tenha em conta a configuração concreta das dívidas da devedora e do seu ativo, mas também os meios que lhe assistem para fazer face àquelas, para assim se obter a justiça do caso.

Em apertado resumo: verifica-se a situação de insolvência da Recorrida, pois a mesma encontrava-se à data em que se apresentou à insolvência impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, impossibilitada de converter o seu património em liquidez (cfr. art.º 3º/1 do CIRE), pelo que falece a argumentação dos Recorrentes, impondo-se, destarte, a manutenção da sentença embargada in totum.

É igualmente mister referir que inexiste qualquer prova documental, ou qualquer prova de outra natureza, donde de retire que “A Insolvente tem cumprido a generalidade das suas obrigações.”, muito pelo contrário; desde logo ficou impossibilitada de movimentar a sua conta bancária com a penhora dos Recorrentes!

Em boa verdade, o que foi alegado pelos Recorrentes esgota-se em meras considerações e opiniões pessoais quanto à situação e intenção da Insolvente, que em nada os nobilitam, já que concederam um empréstimo à insolvente com uma taxa moratória usurária de, pasme-se! 10%, apesar de deterem uma garantia real, contrariando o disposto nos art.ºs 1126.º do Código Civil e 226.º do Código Penal.

Assim, com todo o respeito pelas razões invocadas pelos Apelantes, mantemos o decidido na 1.ª instância.

Resta concluir:

(…).

3. Decisão

Assim, na improcedência da instância recursiva, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Comércio de Coimbra – Juiz ....

Custas pelos Apelantes.

Coimbra, 24 de Outubro de 2023

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Maria João Areias – 1.ª adjunta)

(Paulo Correia - 2.º adjunto)