Parecer do Conselho Consultivo da PGR |
Nº Convencional: | PGRP00000964 |
Parecer: | I000121997 |
Nº do Documento: | PIN25072002001200 |
Descritores: | ACORDO SOBRE O RECEBIMENTO DE PESSOAS NA FRONTEIRA ESTATAL CONVÉNIO SOBRE A COOPERAÇÃO NA LUTA CONTRA O TERRORISMO, O ILÍCITO TRÁFICO DE ENTORPECENTES E A DELINQUÊNCIA ORGANIZADA HUNGRIA PORTUGAL ESTADO CIRCULAÇÃO DE PESSOAS EMIGRAÇÃO ILEGALIDADE EXPULSÃO DE ESTRANGEIROS EXTRADIÇÃO READMISSÃO CIDADANIA NACIONALIDADE PRINCÍPIO DA EQUIPARAÇÃO DISCRIMINAÇÃO VISTO DE TRÂNSITO PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DIREITO DE ESTABELECIMENTO PROTECÇÃO DE DADOS TRANSFERÊNCIA TERRORISMO PRECURSORES TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS CRIMINALIDADE ALTAMENTE ORGANIZADA VIGILÂNCIA REPRESSÃO ILÍCITO PENAL AUXÍLIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL |
Conclusões: | 1. O projecto de convenção denominado «Acordo sobre o recebimento de pessoas na fronteira estatal entre o Governo da República da Hungria e o Governo da República Portuguesa», não se apresenta em geral desconforme com o ordenamento jurídico português nos planos constitucional e infraconstitucional; 2. O mesmo instrumento é, todavia, susceptível da ordem de considerações vertidas no ponto II do presente parecer; 3. O projecto de convenção denominado «Convénio entre o Governo da República da Hungria e o Governo da República Portuguesa sobre a cooperação na luta contra o terrorismo, o ilícito tráfico de entorpecentes e a delinquência organizada», não se apresenta igualmente em desconformidade com a ordem jurídica portuguesa ao nível constitucional e infraconstitucional; 4. O diploma aludido na conclusão anterior é, contudo, passível da ordem de considerações explanadas no ponto III do parecer. |
Texto Integral: | Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República, Excelência: I Na sequência do interesse manifestado pelo Governo da Hungria em celebrar duas convenções internacionais com Portugal, o Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Administração Interna solicitou parecer ao Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Justiça sobre os respectivos projectos, pedido, por sua vez, endereçado pelo chefe deste segundo Gabinete à Procuradoria-Geral da República (*). Os aludidos projectos, apresentados para exame por um Membro do Governo da Hungria, vêm titulados como segue: «Acordo sobre o recebimento de pessoas na fronteira estatal entre o Governo da República da Hungria e o Governo da República Portuguesa». «Convénio entre o Governo da República da Hungria e o Governo da República Portuguesa sobre a cooperação na luta contra o terrorismo, o ilícito tráfico de entorpecentes e a delinquência organizada». Pretendendo naturalmente aferir-se da conformidade destes projectos com o ordenamento português, cumpre emitir parecer. II 1. O primeiro instrumento – doravante designado abreviadamente «Projecto sobre o recebimento de pessoas na fronteira» - compõe-se de breve preâmbulo e 14 artigos, agrupados em 7 capítulos: «I. Readmissão dos cidadãos das Partes Contratantes» (artigos 1º e 2º); «II. Readmissão dos cidadãos dos terceiros Estados» (artigos 3º a 5º); «III. Trânsito e transferência dos expulsados» (artigos 6º a 8º); «IV. A cobertura das despesas» (artigo 9º); «V. Protecção dos dados» (artigo 10º); «VI. Execução do Acordo» (artigos 11º a 13º); «VII. Disposições finais» (artigo 14º, ommissis). E observe-se desde já que o respectivo texto carece de acertos e correcções linguísticas as mais elementares. 2. Os considerados vertidos na nota preambular elucidam de algum modo sobre as finalidades do convénio, importando por isso preliminarmente conhecê-los. Desde logo, as Partes contratantes manifestam a intenção de desenvolver uma cooperação recíproca, «visando a realização mais eficiente das disposições referentes ao movimento de passageiros, realizado com respeito dos direitos e garantias assegurados pelas leis vigentes e outras regulamentações jurídicas». Ou seja, mais precisamente, «a intenção de tratar a migração ilegal no espírito dos esforços europeus», «respeitando os acordos e convénios internacionais, especialmente as disposições do Convénio sobre a Defesa dos Direitos Humanos e das Liberdades Básicas, assinado em Roma no dia 4 de Novembro de 1950». Movidas, assim, nuclearmente, «pelo desejo de efectuar, no espírito da cooperação internacional, o recebimento na fronteira estatal das pessoas ilegalmente permanecidas», as Partes Contratantes aceitam, porém, o entendimento mútuo de que «o presente Acordo não pode servir de base para transferência em massa de pessoas» em tal situação de ilegalidade. Por fim, os normativos da convenção apresentam-se acordados entre os dois Estados na base do princípio da reciprocidade. À luz da intencionalidade assim definida se deve, pois, entender o articulado projectado. 3. Os dois artigos que integram o Capítulo I - «Readmissão dos cidadãos das Partes Contratantes” - são do seguinte teor: «Artigo 1º 2. A Parte Contratante requisitante readmite a pessoa em questão no seu território nas mesmas condições em caso se durante a verificação subsequente torna comprovado que esta pessoa, ao abandonar o território da Parte Contratante requisitante, não dispõe da cidadania da Parte Contratante requisitada.» «Artigo 2º 1. Se na base dos documentos determinados pelos ministros do interior presume a cidadania, neste caso a expulsão pode ser efectuada na base da declaração de admissão emitida imediatamente pela Parte Contratante requisitada. 2. Na dúvida, o funcionário consular competente da Parte Contratante requisitada em 4 dias, contados da solicitação da Parte contratante requisitante, atende a pessoa em questão. Esta audição será organizada pela Parte Contratante requisitante de acordo com a autoridade consular em questão. Se depois da audição se confirma que a pessoa em questão é cidadão da Parte Contratante requisitada, neste caso a Parte Contratante requisitada emite a declaração de admissão sem demora.» 3.1. Os artigos transcritos constituem expressão elucidativa do escopo de cooperação no domínio da emigração ilegal que os considerandos preambulares declaram presidir ao convénio. É, pois, necessário ter presente o preceito do artigo 33º, nº 2, da Constituição: «Artigo 33 (Expulsão, extradição e direito de asilo) 1. Não é admitida a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional. 2. A expulsão de quem tenha entrado ou permaneça regularmente no território nacional, de quem tenha obtido autorização de residência ou de quem tenha apresentado pedido de asilo não recusado só pode ser determinada por autoridade judicial, assegurando a lei formas expeditas de decisão. 3. (…) 4. (…) 5. (…) 6. (…) 7. (…) 8. (…)» Como se sabe, os estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal gozam, em princípio, dos mesmos direitos fundamentais, estando igualmente sujeitos aos deveres fundamentais dos cidadãos portugueses (artigo 15º, nº 1, da Constituição). O princípio constitucional, também plasmado no artigo 14º, nº 1, do Código Civil quanto aos direitos civis, é, pois, o da equiparação entre nacionais e estrangeiros, ou seja, o chamado «tratamento nacional dos estrangeiros», um tratamento «pelo menos tão favorável como o concedido ao cidadão do país, designadamente no que respeita a um certo número de direitos fundamentais» ([1]). Todavia, a Constituição prescreve excepções ao princípio da equiparação e admite que a lei lhe introduza outras limitações. Assim exceptua o nº 2 do artigo 15º do disposto no nº 1 «os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses». Adverte-se, no entanto, que a lei «não é livre no estabelecimento de outras exclusões de direitos aos estrangeiros», posto que, sendo «a equiparação a regra, todas as excepções têm de ser justificadas e limitadas», aliás mediante «lei formal» da Assembleia da República, ela mesma «heteronomamente vinculada aos princípios consagrados» no artigo 15º. 3.2. Observe-se em aparte que «a possibilidade de a lei estabelecer limitações ou discriminações contra estrangeiros sofre uma importante limitação no caso dos cidadãos dos restantes países da comunidade europeia, porquanto um dos princípios fundamentais da comunidade é justamente o do tratamento nacional em todos os domínios integrantes da liberdade de circulação de pessoas, incluindo a liberdade de residência, de trabalho e de estabelecimento» ([2]). Não é esse o caso dos cidadãos húngaros, uma vez que as negociações existentes ainda não conduziram à adesão da República da Hungria à União Europeia, aspecto, por conseguinte, de que se pode fundamentalmente abstrair na análise dos projectos de convenções sujeitos à nossa apreciação. 3.3. Não se esqueça, em todo o caso, haver sido nomeadamente assinado em Bruxelas, a 16 de Dezembro de 1991, um acordo de Associação das Comunidades Europeias e Estados Membros com a Hungria ([3]), mediante o qual, inter alia, determinados direitos relativos às referidas liberdades de circulação de pessoas foram em certas condições reconhecidos aos aludidos cidadãos e reciprocamente aos cidadãos das contrapartes. Adiante-se, contudo, que não transparecem motivos de conflito em abstracto entre o presente Projecto e os dispositivos do Acordo Europeu. Recortem-se apenas do texto deste instrumento, referencialmente, os tópicos seguintes. Sendo um dos objectivos da Associação desde logo enunciados no artigo 1º o de «contribuir para estabelecer entre as partes – além do estabelecimento progressivo de «uma zona de comércio livre», também salientado – as outras liberdades económicas em que a Comunidade se baseia», assume neste conspecto algum interesse o Título IV (artigos 37º a 58º), justamente subordinado à epígrafe «Circulação dos trabalhadores, direito de estabelecimento, prestação de serviços». Nos termos do artigo 37º, nº 1, integrado no Capítulo I («Circulação dos trabalhadores»; artigos 37º a 43º), em princípio «o tratamento concedido aos trabalhadores de nacionalidade húngara, legalmente empregados no território de um Estado-membro, não pode ser objecto de qualquer discriminação baseada na nacionalidade, no que respeita a condições de trabalho, remunerações ou despedimentos, em relação aos cidadãos nacionais», tendo o cônjuge e os filhos desses trabalhadores em regra «acesso ao mercado de trabalho desse Estado-membro, durante o período de validade da autorização de trabalho». Conforme o nº 2 do mesmo artigo, o mesmo tratamento será concedido pela Hungria «aos trabalhadores nacionais de qualquer dos Estados-membros que estejam legalmente empregados no seu território, bem como aos respectivos cônjuges e filhos» aí legalmente residentes. «Tendo em conta a situação do mercado de trabalho nos Estados- -membros, sob reserva das respectivas legislações e do respeito das regras em vigor nos referidos Estados-membros em matéria de mobilidade dos trabalhadores» – acrescenta o artigo 41º, nº 1 – «serão preservadas e, na medida do possível, melhoradas as actuais facilidades de acesso ao emprego concedidas aos trabalhadores húngaros pelos Estados-membros, no âmbito de acordos bilaterais», devendo os outros Estados-membros considerar «favoravelmente a possibilidade de concluírem acordos similares». Também, «durante a segunda fase referida no artigo 6º ([4]), ou mais cedo se assim for decidido, o conselho de associação ([5]) examinará outras formas de facilitar a circulação de trabalhadores, tendo em conta além do mais a situação económica e social da Hungria e a situação de emprego na Comunidade», formulando «recomendações para esse efeito» (artigo 42º). O Capítulo II regula, por seu turno, o «direito de estabelecimento» (artigos 44º a 54º, sob esta mesma epígrafe). Os princípios básicos encontram-se formulados no artigo 44º. Anote-se, por exemplo, que durante o período de transição já aludido, a Hungria concederá «gradualmente, e o mais tardar no termo da primeira fase», «ao estabelecimento de sociedades e de nacionais da Comunidade um tratamento não menos favorável do que o concedido aos seus próprios nacionais e sociedades» [nº 1, alínea i)]. Por seu lado, também os Estados membros «concederão ao estabelecimento de sociedades e de nacionais da Hungria», logo a partir da data da entrada em vigor do Acordo, «um tratamento não menos favorável do que o concedido às suas próprias sociedades e nacionais» (nº 3). O mesmo vale em relação às sociedades e aos nacionais de ambas as Partes já estabelecidos nos respectivos territórios à data do início de vigência do Acordo [nº 1, alínea ii), e nº 3]. Mas, o tratamento nacional mencionado «será unicamente aplicável às filiais, agências e nacionais que exerçam uma actividade independente a partir do início da segunda fase» (nº 4). Por «nacional», para efeitos do Acordo, entende-se uma pessoa singular nacional de qualquer das Partes (artigo 48º, nº 3); e por «estabelecimento», no que se refere a nacionais, compreende-se «o direito de aceder a actividades económicas não assalariadas e de as exercer, bem como de criar e dirigir empresas, em especial sociedades que efectivamente controlem», excluindo-se «a procura e o exercício de actividades assalariadas no mercado de trabalho», «o direito de acesso ao mercado de trabalho de uma outra parte», e os «trabalhadores que não desempenhem exclusivamente actividades não assalariadas» [nº 5, alíneas a), i)]. Sem prejuízo destas prescrições, precisa neste quadro o artigo 45º, nº 1, «cada parte pode regular o estabelecimento e a actividade das sociedades e nacionais no seu território, desde que tal regulamentação não implique discriminação das sociedades e nacionais da outra parte relativamente às suas próprias sociedades e nacionais». E o artigo 46º estatui, no sentido de «facilitar aos nacionais da Comunidade e aos nacionais húngaros o acesso e o exercício de actividades profissionais», que o conselho de associação examine «as medidas necessárias com vista ao reconhecimento mútuo das qualificações», adoptando para o efeito «todas as medidas necessárias». Por fim, o artigo 53º ressalva, na aplicabilidade das disposições do Capítulo II, as «limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública», bem como as «actividades que, no território de cada parte, estejam ligadas, ainda que a título ocasional, ao exercício da autoridade pública». Uma breve alusão à liberdade de prestação de serviços, a que respeita o Capítulo III («Prestação de serviços entre a Comunidade e a Hungria»; artigos 55º a 57º), importa ainda deixar consignada. Nos termos do artigo 55º as Partes comprometem-se «a adoptar as medidas necessárias a fim de permitir progressivamente a prestação de serviços pelas sociedades ou nacionais da Comunidade ou da Hungria estabelecidos numa parte que não a do destinatário dos serviços» (nº 1) e a autorizar paralelamente, em certas condições, «a circulação temporária de pessoas singulares que prestem um serviço ou sejam empregadas por um prestador de serviços» (nº 2). Mas isto sob reserva do disposto no nº 1 do artigo 58º – artigo único do último Capítulo IV («Disposições gerais»), deste Título IV – ou seja, da «aplicação, pelas partes, das respectivas legislações e regulamentações respeitantes à entrada e à residência, ao trabalho, às condições de trabalho, ao estabelecimento de pessoas singulares e à prestação de serviços, desde que tal aplicação não anule ou comprometa as vantagens que qualquer das partes retira de uma disposição específica do acordo». Integrado no derradeiro Título IX («Disposições institucionais, gerais e finais»), o artigo 113º consagra, por sua vez, o princípio do tratamento nacional no recurso aos meios de tutela jurisdicional, preceituando: «No âmbito do presente acordo, cada uma das partes compromete-se a garantir que as pessoas singulares e colectivas da outra parte tenham acesso, sem discriminação relativamente aos seus próprios nacionais, aos tribunais e instâncias administrativas competentes da Comunidade e da Hungria a fim de defenderem os seus direitos individuais e de propriedade, incluindo os direitos à propriedade intelectual, industrial e comercial.» 3.4. Encerrado o breve excurso que antecede pelo Acordo de Associação entre a Hungria e a Comunidade, impressivamente flui dos normativos analisados que a generalidade das situações hipotizadas já estaria abrangida na tutela emergente do princípio constitucional da equiparação consoante o bosquejo há pouco delineado em face do artigo 33º da lei fundamental. Interessa, como quer que seja, prosseguir ainda na densificação deste princípio para anotar o seguinte. Considerada a equiparação no seu conteúdo essencial e nas restrições que, segundo o nosso direito, é possível introduzir-lhe, uma «diferença radical» entre cidadãos portugueses e estrangeiros avulta precisamente no domínio da expulsão do território nacional a qual aludem os nºs 1 e 2 do artigo 33º. Os cidadãos portugueses não podem ser expulsos do território nacional (nº 1 do antigo 33º), nem impedidos de se deslocarem e fixarem em qualquer das suas partes e de aí regressarem [artigo 44º ([6])]. «Combinados com o direito à cidadania – pondera a doutrina constitucional à luz dos nºs 1 e 4 do artigo 26º ([7]) –, estes direitos conferem aos cidadãos um direito à residência em território nacional garantido em termos absolutos.» Pelo contrário, os estrangeiros não só não têm um direito «a entrarem e fixarem-se em Portugal, como não gozam de um direito absoluto de permanecerem em território nacional, podendo ser extraditados e, verificadas certas condições, expulsos». Os direitos dos estrangeiros neste conspecto são, portanto, apenas «o direito de asilo e o direito de não serem arbitrariamente extraditados ou expulsos». A extradição e a expulsão são, todavia, «figuras jurídicas pré- -constitucionais» distintas. A extradição traduz-se na «transferência de um indivíduo que se encontra no território de um Estado para as autoridades de outro Estado, a solicitação deste, por aí se encontrar arguido ou condenado pela prática de um crime, sendo entregue às autoridades desse Estado.» A expulsão, por seu turno, é uma «ordem de saída que um Estado toma autonomamente em relação a estrangeiros que se encontrem no seu território». Não depende de «qualquer pedido de outro Estado nem se traduz na entrega às autoridades de terceiro Estado, implicando simples obrigação de saída do território nacional para país à escolha do expulso». Trata-se, por conseguinte, de «acto unilateral do Estado pelo qual se ordena a saída de estrangeiros que se encontrem no país, por nele terem entrado», ou «permanecerem irregularmente ou por outros motivos relevantes», tais como a prática de actos contra a segurança nacional, a ordem pública ou os bons costumes». Sendo certo «que a expulsão não pode ser arbitrária – observam também os constitucionalistas que estamos a acompanhar -, ela não está todavia sempre dependente de decisão judicial», como sucede com a extradição, «podendo ser determinada por via administrativa sempre que o visado não se encontre regularmente no território nacional». Por último, «a expulsão é uma medida individual», o que aponta no sentido da interdição de «expulsões colectivas de estrangeiros». 3.5. As apontadas notas caracterizadoras encontram expressão no Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto, diploma que, consubstanciando nuclearmente o regime legal vigente com respeito à entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional ([8]), estabelece no Capítulo IX – «Expulsão do território nacional»; artigos 19º a 126º - a disciplina infraconstitucional do instituto. Em primeiro lugar, os fundamentos da expulsão vêm enunciados nas alíneas a) a e) do artigo 99º: «Artigo 99º Fundamentos de expulsão 1. Sem prejuízo das disposições constantes de tratado ou convenção internacional de que Portugal seja parte, serão expulsos do território português os cidadãos estrangeiros: a) Que penetrem ou permaneçam irregularmente no território português; b) Que atentem contra a segurança nacional, a ordem pública ou os bons costumes; c) Cuja presença ou actividades no País constituam ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais; d) Que interfiram de forma abusiva no exercício de direitos de participação política reservados aos cidadãos nacionais; e) Que tenham praticado actos que, se fossem conhecidos pelas autoridades portuguesas, teriam obstado à sua entrada no País. 2- (...) 3- (...)» Havendo fundamento de expulsão, pode esta ser decidida «por autoridade judicial ou autoridade administrativa competente» (artigo 102º). A primeira hipótese, regulada na Secção II - «Expulsão determinada por autoridade judicial»; artigos 111º a 118º - do Capítulo IX, tem lugar quando a expulsão «revista a natureza de pena acessória» ([9]), ou quando o estrangeiro objecto da decisão «tenha entrado ou permaneça regularmente no território nacional», «seja titular de autorização de residência válida», ou «tenha apresentado pedido de asilo aceite ou ainda pendente» (artigo 111º). O tribunal competente e os trâmites do processo de expulsão estão regulados nos artigos 112º e segs., cabendo recurso da decisão para a Relação, com efeito devolutivo (artigo 118º). À expulsão administrativa é dedicada a Secção III - «Expulsão determinada por autoridade administrativa»; artigos 119º a 123º - do mesmo Capítulo. Trata-se nesta outra hipótese das situações em que o estrangeiro «entre ou permaneça ilegalmente em território nacional» (artigo 119º, nº 1). O processo de expulsão é instituído pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (artigos 119º e segs.) e decidido pelo seu Director (artigo 121º), cabendo recurso da decisão deste para o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, com efeito meramente devolutivo (artigo 123º). A execução das decisões de expulsão, quer administrativas, quer judiciais, compete sempre ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (artigo 104º). Por outro lado, a natureza individual da medida, implicando a inadmissibilidade das expulsões colectivas resulta inequívoca de vários preceitos do Capítulo IX, na medida em que se referem sempre a cidadãos estrangeiros singularmente considerados (cfr. v.g., os artigos 99º, nº 2, 100º, nº 1, 101º, 105º, 106º, 107, 109º, 111º, 112º, nº 2, 113º, nº 2, 114º, 115º, 116º, 119º, 120º, 122º, nº 1, 124º, 125º e 126º). Finalmente, a expulsão não está em necessária dependência do pedido de determinado Estado, nem implica a entrega do expulso às respectivas autoridades. Bem diversamente, verifica-se que ela «não pode ser efectuada para qualquer país onde o estrangeiro possa ser perseguido pelos motivos que, nos termos da lei, justificam a concessão do direito de asilo» e, valendo-se o expulsando desta garantia, será meramente «encaminhado para outro país que o aceite» [artigos 105º, 116º, nº 1, alínea d)]. 3.6. Aquela relação entre dois Estados no tocante à pessoa de certo estrangeiro a afastar do território de um deles já se verifica, como vamos ver, no instituto da «readmissão», cujas afinidades e diferenças relativamente à figura da expulsão ressaltam do respectivo regime vertido no Capítulo X - «Readmissão»; artigos 127º a 133º - do Decreto–Lei nº 244/98. O artigo 127º esboça uma noção de readmissão (nº1) e suas modalidades (nº 2), dispondo: Artigo 127º 1 - Nos termos de acordos ou convenções internacionais, os estrangeiros que se encontrem irregularmente no território de um Estado, vindo directamente de outro Estado, poderão ser por este readmitidos, mediante pedido formulado pelo Estado em cujo território se encontram. Conceito de readmissão 2 - A readmissão diz-se activa quando Portugal é o Estado requerente e passiva quando Portugal é o Estado requerido.» A competência relativamente aos pedidos de readmissão activa e passiva pertence ao director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, nos termos do artigo 128º: «Artigo 128º Competência 2 – As competências previstas no número anterior podem ser delegadas, com a faculdade de subdelegação.» O procedimento, por seu turno, aplicável em ordem à consecução da readmissão activa vem definido nos artigos 129º, 130º e 131º, que convém reproduzir: «Artigo 129º 1 - Sempre que um cidadão estrangeiro em situação irregular em território nacional deva ser readmitido por outro Estado, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras formulará o respectivo pedido, observando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 113º([10]). Readmissão activa 2 - Se o pedido apresentado por Portugal for aceite, a entidade competente determinará o reenvio do cidadão estrangeiro para o Estado requerido. 3 – Caso o pedido seja recusado, será instaurado processo de expulsão. 4 – É competente para determinar o reenvio do cidadão estrangeiro para o Estado requerido o autor do pedido de readmissão. «Artigo 130º Durante a instrução do processo de readmissão será assegurada a audição do estrangeiro a reenviar para o Estado requerido, valendo a mesma, para todos os efeitos, como audiência do interessado. Audição do interessado «Artigo 131º 1 – Da decisão que determine o reenvio do cidadão estrangeiro para o Estado requerido cabe recurso para o Ministro da Administração Interna, a interpor no prazo de 30 dias. Recurso 2 – O recurso tem efeito meramente devolutivo.» O artigo 133º precisa, ademais, que ao «cidadão estrangeiro reenviado para outro Estado ao abrigo de um acordo ou convenção internacional é vedada a entrada no País pelo período de três anos». Quanto à readmissão passiva rege o artigo 132º: «Artigo 132º Readmissão passiva 3.7. O artigo 1º do Projecto em apreciação relaciona-se estreitamente com as previsões aludidas. Com efeito, se um cidadão húngaro se encontrar irregularmente em território português vindo directamente da Hungria ([12]) pode, segundo a previsão do artigo 127º, nº 1, do Decreto–Lei nº 244/98 ser readmitido por este Estado no seu território – o mesmo se podendo dizer, mutatis mutandis, de um cidadão português na hipótese inversa –, tal como justamente estabelece o artigo 1º do Projecto. No entanto, o âmbito pessoal de aplicação do nº 1 deste normativo é mais restrito, na medida em que o artigo 127º, nº 1, abstrai, em princípio, da nacionalidade do readmitido enquanto o preceito convencional projectado se limita aos nacionais dos Estados partes no futuro convénio. Trata-se, aliás, de restrição em sintonia com a natureza bilateral do tratado esboçado – sem embargo de o Capítulo II (artigos 3º a 5º) versar também a readmissão de cidadãos de Estados terceiros nos termos que em breve analisarão. Por isso se compreende, por um lado, a disposição cautelar do nº 2, ao vincular o Estado requerente (requisitante) à subsequente «readmissão» do indivíduo, caso se apure que este não possuía afinal a nacionalidade do Estado requerido. E, por outro lado, o artigo 2º, que visa igualmente o acertamento do requisito da nacionalidade, adjectivando, inclusive, a resolução expedita de dúvidas a respeito da sua verificação. Não se afigura, pelo exposto, que os artigos 1º e 2º do Projecto conflituem como quer que seja com o ordenamento português, e, mesmo, com o Acordo de Associação entre a Hungria e a União Europeia há pouco examinado. Justificar-se-á tão-somente – sem falar das indispensáveis correcções linguísticas a que introdutoriamente se aludiu – salvaguardar, porventura, as competências conferidas pelo Decreto-Lei nº 244/98 aos órgãos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, organismo dotado de especial vocação institucional na temática em apreço ([13]), e assegurar as garantias de contraditório e de recurso há instantes afloradas. 4. O Capítulo II - «Readmissão dos cidadãos dos terceiros Estados» - compreende os artigos 3º, 4º e 5º, que se transcrevem: «Artigo 3º A solicitação duma das Partes Contratantes a outra Parte Contratante readmite no seu território o cidadão dum terceiro estado que não corresponde às condições necessárias para entrar ou permanecer no território da Parte Contratante requisitante, em caso se a Parte Contratante requisitante comprova que: a) a pessoa em questão dispõe da permissão de permanência vigente outorgada pela Parte Contratante requisitada, enquanto permanece ilegalmente no território da Parte Contratante requisitante; ou, que b) a pessoa em questão entrou no seu território ilegalmente via aérea, chegando directamente do território da Parte Contratante requisitada; ou, que c) a pessoa em questão atravessou a fronteira estatal do território da Parte Contratante requisitada antes que tivesse entrado ilegalmente no território da Parte Contratante requisitante, desde que na base do acordo da Parte Contratante requisitada concluído com terceiro estado, este terceiro estado tem a obrigação de readmiti-lo. «Artigo 4º. A obrigação da readmissão referida no Artigo 3 não existe em relação às pessoas que a) são cidadãos do terceiro estado que tem fronteira comum com a Parte Contratante requisitante; b) são cidadãos do terceiro estado que depois de abandonar o território da Parte Contratante requisitada, ou seja depois de entrar no território da Parte Contratante requisitante, receberam visto ou permissão de permanência desta Parte Contratante ou do outro estado da União Europeia; c) são cidadãos do terceiro estado que permanecem mais de quatro meses no território da Parte Contratante requisitante; d) são cidadãos do terceiro estado, cujo estado legal de refugiado foi reconhecido pela Parte Contratante requisitante na base do Convénio de Genebra de 28 de Julho de 1951 sobre o estado legal dos refugiados, modificado pelo Protocolo de Nova Yorque de 31 de Janeiro de 1967; e) são cidadãos do terceiro estado contra os que a Parte Contratante requisitada tomara providências de expulso ou banimento em direcção do seu país de origem ou qualquer terceiro estado. «Artigo 5º A Parte Contratante requisitante – no caso se a Parte Contratante requisitada em 30 dias contados da readmissão assim solicite – readmite no seu território as pessoas em relação às quais, no curso da verificação efectuada pela Parte requisitada depois da sua readmissão, se comprova que no momento de abandonar o território da Parte Contratante requisitante, não corresponderam às condições assentadas nos Artigos 3 ou 4.» 4.1. Apesar do seu carácter bilateral, a Convenção sub iudicio estende a medida de readmissão no território de um dos Estados partes aos próprios nacionais de Estados terceiros que venham a encontrar-se ilegalmente no território do outro Estado. Com efeito, a mobilidade das pessoas transfronteiras, à revelia inclusive dos Estados nacionais e suas autoridades, implicando com os programas e ordenamentos migratórios de outros Estados, é realidade que o Projecto não pretendeu ignorar. Mas, em princípio, a readmissão de cidadãos de terceiros Estados não deveria porventura revestir amplitude irrestrita. E daí que o artigo 3º lhe defina determinados pressupostos, subjectivados no estrangeiro de que se trata, exprimindo, também aqui, uma ligação pessoal com o território do Estado requerido. Enquanto nos casos previstos nos artigos 1º e 2º essa conexão se definia pelo factor nacionalidade, nas situações hipotizáveis no âmbito do Capítulo II apela-se aos factores de conexão com o Estado requerido enunciados nas três alíneas do artigo 3º: a titularidade de «permissão de permanência» nesse Estado [alínea a)]; entrada ilegal directa por via aérea desde o território do mesmo Estado [alínea b)]; atravessamento da fronteira estatal do Estado requerido antes da entrada ilegal no Estado requerente, desde que, mercê de acordo entre aquele e terceiro Estado, este último esteja vinculado à readmissão [alínea c)]. Admite-se que o estatuto vertido na nossa lei comporte uma dimensão da readmissão extensiva a nacionais de Estados terceiros relativamente aos acordos ou convenções internacionais respectivos. Os factores de conexão descritos suscitam, no entanto, uma prevenção geral. Tratando-se de definir o grau de proximidade ou afinidade entre o nacional de terceiro Estado e o Estado requerido capaz de justificar a readmissão daquele no território deste, os critérios dessa valoração relevam fundamentalmente de opções políticas. Sem prejuízo desta reserva, observar-se-ia ainda, em sede de especialidade, o seguinte. Quanto ao primeiro dos indicados factores a expressão «permissão de permanência» é equívoca, carecendo, por conseguinte, de esclarecimento na óptica da conceitualização do complexo de instrumentos de acesso e estada em território nacional previstos no Decreto-Lei nº 244/98. Assim, bastará a detenção do visto de entrada (artigo 13º), nalguma ou algumas, e quais, das modalidades admitidas nos artigos 27º e segs. – mesmo de curta duração, ou de estada temporária -, ou do título de viagem para refugiados (artigo 62º)? Ou exigir-se-á sempre a titularidade de uma autorização de residência (artigos 80º e segs.)? Tanto mais que o subsequente artigo 4º, alínea b), equaciona a alternativa «visto ou permissão de permanência»? No tocante, por seu turno, aos coeficientes das alíneas b) e c), em mútuo confronto, dir-se-iam despiciendas ou menos claras as diferenças específicas que podem justificar a sua autonomização recíproca. É certo que a alínea c) subordina a admissibilidade da readmissão à existência de acordo entre o Estado requerido e um terceiro Estado – sem que, porém, se explicite tratar-se do Estado nacional da pessoa em causa ou de Estado diferente -, mediante o qual fica este, por sua vez, obrigado a readmitir essa pessoa. Mas não se divisam à primeira vista razões suficientemente justificativas da omissão de idêntica cláusula na alínea b). Pode inclusivamente suceder que um similar acordo exista entre o terceiro Estado e o Estado requerente e nessa hipótese dificilmente se explicará, em abstracto, a obrigação de readmissão pelo Estado requerido, com fundamento no mero cruzamento da fronteira deste antes da entrada ilegal no Estado requerente. 4.2. Verificados os factores de conexão com o território do Estado requerido enunciados no artigo 3º, a obrigação de readmissão cessa nas diversas situações recortadas hipoteticamente nas alíneas a) a e) do artigo 4º. O operador comum reconduz-se porventura à ideia segundo a qual em todos esses casos a situação multinacional gerada pela deslocação transfronteiras é afinal resolvida pela conexão mais estreita (the most relevant conection) do indivíduo com o território do Estado requerido. E o Conselho Consultivo não se encontra estatutariamente em posição de discutir os critérios plasmados no artigo 4º ou de eleger outros que exprimam uma conexão mais significativa com um ou outro dos Estados partes, posto que tudo releva de razões político-legislativas alheias à sua vocação. Anote-se apenas, de passagem, a necessidade de alguma clarificação do segmento da alínea b) «visto ou permissão de permanência», tal como se referiu a propósito da alínea a) do artigo 3º. 4.3. O derradeiro artigo 5º do Capítulo II é norma paralela, em contexto próprio, do nº 2 do artigo 1º, carecendo, porém, de algum acerto na remissão final «não corresponderam às condições assentadas nos Artigos 3º ou 4º», de modo a dar-se tradução correcta à intencionalidade cautelar de readmissão pelo Estado requerente na falta de comprovação dos requisitos estipulados no artigo 3º, ou verificando-se qualquer das hipóteses delineadas no artigo 4º. 5. Prosseguindo no exame do articulado do «Projecto sobre o recebimento de pessoas na fronteira», é o momento de nos debruçarmos sobre o Capítulo III - «Trânsito e transferência dos expulsados» -, constituído pelos artigos 6º, 7º e 8º, que provêem como segue: «Artigo 6º (1) A solicitação duma das Partes Contratantes a outra Parte Contratante permite o trânsito ou a transferência através do seu território dos cidadãos do terceiro estado que foram expulsados pela Parte Contratante requisitante. A transferência pode ser efectuada via terrestre ou via aérea. (2) A Parte Contratante requisitante se responsabiliza totalmente pela deslocação do estrangeiro para o país de destino e readmite este estrangeiro se, por qualquer razão, a medida de expulsão não pode ser levada a efeito. (3) Nos casos quando a transferência deve ser efectuada com escolta policial a Parte Contratante requisitante pode garanti-la só no bordo do avião pertencente à companhia aérea da Parte Contratante requisitante e sem abandonar as zonas internacionais dos aeroportos da Parte Contratante requisitada. Caso contrário a escolta deve ser garantida pela Parte Contratante requisitada com a condição de que a Parte Contratante requisitante reembolsa para ela os respectivos gastos. (4) A Parte Contratante requisitante assegura a Parte Contratante requisitada de que o estrangeiro, cujo trânsito foi permitido ou cuja transferência está sendo efectuada, dispõe do documento de viagem necessário para entrar no país de destino. «Artigo 7º As autoridades competentes directamente remitem entre si as solicitações de trânsito ou transferência. A solicitação deve conter as informações referentes a identidade e cidadania do estrangeiro, data da sua viagem, data da sua chegada a país de trânsito e da partida dali, do local (locais) do trânsito, ou seja as informações referentes ao destino da viagem e, em caso dado, as informações referentes às pessoas administrativas que acompanham o estrangeiro. «Artigo 8º O trânsito ou a transferência da pessoa mencionada no parágrafo (1) do Artigo 6. não deverão ser solicitados ou poderão ser negados se a) presume-se com direito que no país de destino ou nos eventuais países de trânsito pode ser exposta ao tratamento desumano, à pena capital, ou a sua vida, integridade física ou liberdade serão ameaçadas por causa da sua nacionalidade, religião, convicção racial ou política, ou b) no país da Parte Contratante requisitada, no país de destino ou num dos países de trânsito a pessoa está ameaçada por acção penal ou execução da sentença penal, salvo caso se é responsabilizada por cruzamento proibido da fronteira.» 5.1. As disposições do presente Capítulo procuram regular o trânsito ou transferência, por via aérea ou terrestre, através do território um dos Estados partes (requerido), com destino a diverso Estado, dos cidadãos de Estados terceiros que tenham sido alvo de expulsão pelo outro Estado parte (requerente) – artigo 1º, nº 1. O Estado requerente assume a responsabilidade global pela transferência da pessoa para o país de destino, obrigando-se – à semelhança do que sucede no caso de readmissão indevida de nacional do Estado requerido (artigo 1º, nº 2) e de nacional de terceiro Estado (artigo 5º) – a readmiti-la caso a expulsão não possa, por qualquer razão, efectivar-se (artigo 1º, nº 2). Constitui emanação da responsabilidade do Estado requerente a garantia, estabelecida no nº 3 do mesmo artigo, da escolta policial a bordo de avião da sua transportadora aérea, eventualmente necessária à transferência do estrangeiro expulso para o Estado de destino, sem ultrapassagem das zonas internacionais do Estado requerido ([14]). E, ainda, conformemente no mesmo normativo, o reembolso dos gastos efectuados pelo Estado requerido com a escolta, a partir daí, se bem se entende, quando as operações de transferência impliquem o abandono das zonas internacionais e o ingresso no território desse Estado. Anote-se, aliás, desde já, que também as demais despesas de trânsito ou transferência até à fronteira do país de destino constituem, nos termos da alínea b) do artigo 9º, encargo do Estado requerente. Por último, é igualmente da responsabilidade deste Estado assegurar a disponibilidade, pela pessoa em trânsito, da documentação de viagem indispensável à entrada no Estado de destino (artigo 1º, nº 4). Na perspectiva do nosso direito, observe-se, aliás, a este propósito, que, segundo o Decreto-Lei nº 244/98, a passagem por aeroporto de um Estado Parte na Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen – como é o caso de Portugal – está sujeita a visto de escala [artigos 27º, alínea a), e 31º]. E também o denominado visto de trânsito poderia porventura considerar-se instrumento exigível para a «entrada em território português» do estrangeiro que, expulso da Hungria, «se dirija para um país terceiro no qual tenha garantida a admissão» (artigo 32º) ([15]). É certo que foi celebrado um «Acordo por troca de notas, entre a República Portuguesa e a Hungria sobre Supressão de Vistos» ([16]). Todavia, a dispensa dos vistos de entrada nos territórios dos dois Estados, salvo «por motivo de trabalho ou para fixação de residência» (nºs 1, 2 e 3), e o recebimento, sem formalidades, de pessoas portadoras de documento de viagem válido, e mesmo que o não possuam [nº 6, alíneas a) e b)], a que visou o aludido Acordo, são benefícios expressamente limitados aos cidadãos dos Estados Partes. Não se configuram, pelo exposto, no artigo 6º - e também no artigo 7º, disposição adjectiva do pedido de trânsito ou transferência com os elementos de identificação e informações que o devem instruir – preceitos conflituantes com a ordem jurídica do Estado português ([17]). O mesmo se diga do artigo 8º, que desenha um conjunto de situações cuja verificação deverá inibir cada um dos Estados Partes, por seu lado, de solicitar o trânsito ou transferência previstos no artigo 6º através do território do outro, e pode justificar a recusa do pedido caso este seja formulado. Trata-se, uma vez mais, de circunstâncias a valorar em abstracto fundamentalmente mediante opções de política legislativa e de relacionamento entre Estados, estranhas ao plano próprio de avaliação do Conselho, dependendo ademais a sua ponderação in concreto de uma prevalecente margem de apreciação casuística. 6. O Capítulo IV - «A cobertura das despesas» - congloba unicamente o artigo 9º: «Artigo 9º a) A Parte Contratante requisitante correrá com as despesas de transporte das pessoas readmitidas na base dos Artigos 1-3 do presente Acordo até a fronteira da Parte Contratante requisitada e igualmente com as despesas do eventual retorno na base do Artigo 5. b) A Parte Contratante requisitante correrá com as despesas do trânsito, ou seja da transferência até a fronteira do país de destino e igualmente com as despesas do eventual retorno, efectuados na base dos Artigos 6-8 do presente Acordo.» Segundo este preceito, cada um dos Estados requerentes suportará as despesas de transporte originadas pelas readmissões e eventuais retornos ao abrigo dos artigos 1º a 3º, e 5º, e, bem assim, pelas despesas de trânsito ou transferência até à fronteira do país de destino, ou do eventual retorno, em conformidade com os artigos 6º e seguintes. Tratando-se de encargos suportados pelos dois Estados numa base, em abstracto igualitária, de reciprocidade, e sem prejuízo de juízos políticos alternativos, nenhum reparo substancial de legalidade merece o artigo 9º. 7. Também o Capítulo V - «Protecção dos dados» - é integrado pelo artigo 10º tão-somente: «Artigo 10º Tomando em consideração as disposições legais vigentes de cada uma das Partes Contratantes, para a protecção dos dados pessoais têm que ser observadas as seguintes condições: a) a Parte recebedora só pode usar os dados para os objectivos indicados pela Parte remetente e com as condições por ela determinadas; b) a pedido da Parte remetente a Parte recebedora oferece informação sobre o uso dos dados transferidos e os resultados conseguidos graças aos mesmos; c) os dados pessoais podem ser transferidos exclusivamente às autoridades cooperantes. A transferência dos dados para outras autoridades só pode ser efectuada na base da concordância das Partes; d) a Parte remetente é responsável pela exactidão dos dados; se fica provado que também foram transferidos dados incorrectos, a Parte recebedora imediatamente deve ser informada sobre o fato; e) ao pedi-lo, a pessoa transferida deve receber informações sobre os seus dados pessoais disponíveis e o seu uso previsto. Esta obrigação de informar não existe se as regulamentações legais internas das Partes são concessivas neste sentido. Ao oferecer informações sobre os dados pessoais prevalece o direito nacional daquela Parte que está efectuando a transferência dos dados; f) na altura da transferência dos dados a Parte remetente informa sobre as datas limites de anulação dos dados que estão vigentes segundo a sua ordem jurídica. Independentemente disso, os dados referentes à pessoa em questão devem ser borrados na altura quando termina a necessidade neles; g) cada Parte está obrigada a organizar o registo de transferências, recebimentos e anulações dos dados pessoais; h) as Partes estão obrigadas a proteger de maneira efectiva os dados pessoais recebidos do acesso ilícito, das alterações e da publicidade.» 7.1. Uma vez que o proémio do artigo 10º ressalva «as disposições legais vigentes de cada uma das Partes Contratantes, para a protecção dos dados pessoais», e a alínea e) confere prevalência ao «direito nacional daquela Parte que está efectuando a transferência dos dados», interessa recensear sumariamente os normativos do sistema português concernentes ao tema. Na ordem constitucional vão assim implicados primacialmente determinados normativos consignados nos artigos 26º e 35º da lei fundamental: «Artigo 26º (Outros direitos pessoais) 1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação. 2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias. 3. (...) 4. (...) «Artigo 35º (Utilização da informática) 1. Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei. 2. A lei define o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização, e garante a sua protecção, designadamente através de entidade administrativa independente. 3. A informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com garantias de não discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis. 4. É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei. 5. É proibida a atribuição de um número nacional único aos cidadãos. 6. A todos é garantido livre acesso às redes informáticas de uso público, definindo a lei o regime aplicável aos fluxos de dados transfronteiras e as formas adequadas de protecção de dados pessoais e de outros cuja salvaguarda se justifique por razões de interesse nacional. 7. Os dados pessoais constantes de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista nos números anteriores, nos termos da lei.» O artigo 26º define como direitos fundamentais, entre outros, a identidade pessoal e a reserva da intimidade da vida privada e familiar (nº 1), confiando impositivamente ao legislador ordinário a criação de garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias. Neste sentido prevê a lei penal determinados tipos de crimes visando especificamente a protecção dos bens jurídicos respectivos, sendo a sua tutela assegurada ainda mediante recurso aos mecanismos ressarcitórios, em geral, do direito civil, e a instrumentos judiciários cautelares urgentes destinados a evitar o periculum in mora. Dispensando os objectivos da consulta a análise detalhada da superestrutura garantística assim configurada, interessará mais neste momento centrar a atenção na protecção dos dados pessoais a que alude o artigo 10º do Projecto, considerando o plano especialmente sensível do tratamento automatizado. Assume nesta dimensão nuclear relevo o artigo 35º da Constituição ao definir níveis fundamentais de protecção que não podem ser ultrapassados ou só o podem ser verificados estritos condicionalismos e a mediação de lei formal. 7.2. Interessa a este propósito referenciar fundamentalmente a Lei nº 67/98, de 26 de Outubro - «Lei da Protecção de Dados Pessoais», citada há momentos -, a qual, cumprindo actualmente o desígnio expresso no artigo 35º da Constituição, veio do mesmo passo transpor para a ordem jurídica interna a Directiva do Conselho e do Parlamento nº 95/46/CE, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação destes (cfr. o seu artigo 1º). O princípio geral, proclamado no artigo 2º da Lei nº 67/98, é no sentido de que o tratamento de dados pessoais “deve processar-se de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais», parâmetros igualmente plasmados, como vimos, no artigo 26º da lei fundamental. Observe-se apenas que por «dados pessoais», para efeitos da aludida Lei, se deve entender, segundo a definição da alínea a) do artigo 3º, «qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»)». O «tratamento de dados pessoais» («tratamento») consiste, por sua vez, em «qualquer operação ou conjunto de operações sobre dados pessoais, efectuadas com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a comunicação por transmissão, por difusão ou por qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição» [artigo 3º, alínea b)]. Convém ainda conhecer a definição de «interconexão de dados» vertida na alínea i) do mesmo artigo 3º: a «forma de tratamento que consiste na possibilidade de relacionamento dos dados de um ficheiro com os dados de um ficheiro ou ficheiros mantidos por outro ou outros responsáveis, ou mantidos pelo mesmo responsável com outra finalidade». Anotar-se-á igualmente que a Lei nº 67/98 se aplica, quer «ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados», quer «ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos em ficheiros manuais ou a estes destinados» (artigo 4º, nº 1). É de sublinhar também, liminarmente, que o controlo e fiscalização próxima do cumprimento das disposições legais e regulamentares em matéria de protecção de dados pessoais é confiado à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), «entidade administrativa independente, com poderes de autoridade, que funciona junto da Assembleia da República» (artigo 21º, nº 1), cujas atribuições, competências, composição e funcionamento a Lei define nos artigos 22º e segs. e 25º e segs. integrados no Capítulo IV do diploma, exclusivamente dedicado a essa entidade. Passadas em sumária revista as «disposições gerais» do Capítulo I, é mister neste momento centrar a atenção no importante Capítulo II – «Tratamento de dados pessoais», artigos 5º a 17º – e suas três secções, subordinadas às epígrafes: «Qualidade dos dados e legitimidade do seu tratamento» (Secção I; artigos 5º a 9º); «Direitos dos titulares dos dados» (Secção II; artigos 10º a 13º); «Segurança e confidencialidade dos dados» (Secção III; artigos 14º a 17º). Na perspectiva do artigo 10º do Projecto em apreciação, considerem-se em primeiro lugar os princípios consignados no artigo 5º, nº 1, a respeito da «qualidade dos dados»: «Artigo 5º 1 – Os dados pessoais devem ser: Qualidade dos dados a) Tratados de forma lícita e com respeito pelo princípio da boa fé; b) Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades; c) Adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e posteriormente tratados; d) Exactos e, se necessário, actualizados, devendo ser tomadas as medidas adequadas para assegurar que sejam apagados ou rectificados os dados inexactos ou incompletos, tendo em conta as finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente; e) Conservados de forma a permitir a identificação dos seus titulares apenas durante o período necessário para a prossecução das finalidades da recolha ou do tratamento posterior. 2 – (...) 3 – (...)» No tocante, em segundo lugar, às «condições de legitimidade do tratamento de dados», frisa o artigo 6º que o «tratamento de dados pessoais só pode ser efectuado – abstraindo dos «dados sensíveis» a que alude o nº 3 do artigo 35º, e para os quais o artigo 7º da Lei nº 67/98 institui um regime básico de proibição de tratamento – se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento ou se o tratamento for necessário» para determinados fins enunciados nas alíneas a) a e), entre os quais releva, na óptica do artigo 10º do Projecto, a «execução de uma missão de interesse público ou no exercício de autoridade pública em que esteja investido o responsável pelo tratamento ou um terceiro a quem os dados sejam comunicados» [alínea d)]. Na área dos «direitos do titular dos dados» (Secção II), os artigos 10º, 11º e 12º regulam, respectivamente, o «direito de informação», o «direito de acesso» e o «direito de oposição», acerca dos quais importa registar os seguintes aspectos de regime. Segundo o artigo 10º, o direito de informação implica nuclearmente a elucidação do titular dos dados acerca da identidade do responsável pelo tratamento, e finalidades visadas, destinatários ou categorias de destinatários, carácter obrigatório ou facultativo da prestação de dados pelo titular, a existência e as condições do direito de acesso e de rectificação [nºs. 1, alíneas a), b) e c), e 3 ]. A obrigação de informação pode, todavia, ser dispensada mediante deliberação da CNPD, maxime por motivos de segurança do Estado e de prevenção ou investigação criminal (artigo 10º, nº 5). O direito de acesso do titular aos dados que lhe digam respeito pode, por seu turno, ser exercido junto do responsável pelo tratamento, em princípio «livremente e sem restrições, com periodicidade razoável e sem demoras ou custos excessivos», dentro das condições e modalidades enunciadas nas alíneas a) a e) do nº 1 do artigo 11º . No caso de tratamento de «dados pessoais relativos à segurança do Estado e à prevenção ou investigação criminal» o direito de acesso é exercido através da CNPD ou entidade similar (artigo 11º, nº 2). E a lei pode restringir o direito de acesso nos condicionalismos descritos no nº 6 do mesmo artigo. Ao titular dos dados assiste ainda o direito de, «salvo disposição legal em contrário, e pelo menos nos casos referidos nas alíneas d) e e) do artigo 6º, se opor – nomeadamente – em qualquer altura, por razões ponderosas e legítimas relacionadas com a sua situação particular, a que os dados que lhe digam respeito sejam objecto de tratamento» [artigo 12º, alínea a)]. Por fim, os preceitos da Secção III relativos à «segurança e confidencialidade do tratamento». Em relação ao primeiro aspecto, o nº 1 do artigo 14º formula um princípio fundamental: o responsável pelo tratamento «deve pôr em prática as medidas técnicas e organizativas adequadas para proteger os dados pessoais contra a destruição, acidental ou ilícita, a perda acidental, a alteração, a difusão ou o acesso não autorizados, nomeadamente quando o tratamento implicar a sua transmissão por rede, e contra qualquer outra forma de tratamento ilícito; estas medidas devem assegurar, atendendo aos conhecimentos técnicos disponíveis e aos custos resultantes da sua aplicação, um nível de segurança adequado em relação aos riscos que o tratamento apresenta e à natureza dos dados a proteger». E o nº 1 do artigo 15º define nas suas oito alíneas um conjunto de medidas especiais de segurança a propósito dos «dados sensíveis» cujo tratamento seja por excepção permitido – artigo 7º, nº 2 – e de dados relativos a «pessoas suspeitas de actividades ilícitas, infracções penais, contra-ordenações e decisões que apliquem penas, medidas de segurança, coimas e sanções acessórias» nas condições definidas no artigo 8º, nº 1, a saber: o controlo da entrada nas instalações [alínea a)]; controlo dos suportes de dados [alínea b)]; controlo da inserção [alínea c)]; controlo da utilização [alínea d)]; controlo de acesso [alínea e)]; controlo de transmissão [alínea f)]; controlo da introdução [alínea g)]; controlo do transporte [alínea h)]. O segundo aspecto, da confidencialidade, é assegurado nos termos do artigo 17º que sujeita a sigilo profissional, sem prejuízo do fornecimento das informações obrigatórias, nos termos legais (nº 3): os responsáveis do tratamento de dados pessoais, bem como as pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento dos dados pessoais tratados, mesmo após o termo das suas funções (nº 1); os membros da CNPD, mesmo após o termo do mandato (nº 2); os funcionários, agentes ou técnicos que exerçam funções de assessoria à CNPD ou aos seus vogais, nas mesmas condições (nº 4). Na óptica do Projecto em exame e, particularmente, do seu artigo 10º, assume relevo não despiciendo o Capítulo III da Lei nº 67/98 (artigos 18º a 20º), epigrafado, justamente, «Transferência de dados pessoais». Neste plano há que distinguir a transferência entre Estados membros da União Europeia e a transferência para um Estado que não pertença à União Europeia. Na primeira hipótese, é «livre a circulação de dados pessoais», «sem prejuízo do disposto nos actos comunitários de natureza fiscal e aduaneira» (artigo 18º). Na segunda, a transferência de dados pessoais «que sejam objecto de tratamento ou se destinem a sê-lo» só pode realizar-se com respeito dos normativos da Lei nº 67/98 e «se o Estado para onde são transferidos assegurar um nível de protecção adequado» (artigo 19º, nº 1). Definindo o nº 2 deste mesmo artigo os critérios pelos quais deve ser apreciada a adequação do nível de protecção num Estado não membro, a decisão respectiva é confiada à CNPD (nº 3), sem prejuízo da proibição de transferência de dados pessoais de natureza idêntica aos que a Comissão Europeia tiver considerado não gozarem de protecção adequada no Estado a que se destinam (nº 5). Todavia, a transferência de dados pessoais para um Estado que não assegure um nível de protecção adequado, na acepção do nº 2 do artigo 19º, pode ser permitida: se o titular dos dados tiver prestado inequívoco consentimento, ou verificando-se qualquer das hipóteses configuradas nas alíneas a) a e) do nº 1 do artigo 20º, designadamente, se a transferência for «necessária ou legalmente exigida para a protecção de um interesse público importante, ou para a declaração, o exercício ou a defesa de um direito num processo judicial» [alínea d)]; mediante autorização da CNPD dentro dos condicionalismos descritos nos nºs 2 e 5 do aludido artigo 20º. Resta deixar sucinto registo dos mecanismos de «Tutela administrativa e jurisdicional» que o Capítulo VI, com esta mesma epígrafe, providencia nos 33º a 49º para garantia do cumprimento das disposições legais em matéria de protecção de dados pessoais. Para além dos procedimentos administrativos e jurisdicionais e da responsabilidade civil nos termos gerais (Secção I; artigos 33º e 34º), os artigos 35º a 42º (Secção II) e 43º a 49º (Secção III) tipificam ainda determinados actos e omissões como contra–ordenações e crimes, nos quais incorrem os sujeitos a quem forem imputados ([18]). 7.3. Posto isto, é tempo de reverter ao Projecto sub iudicio. Observe-se que o artigo 10º em análise não especifica os dados pessoais que podem estar na mente do convénio, sendo, porém, de admitir paradigmaticamente implicados aqueles a que alude o artigo 7º e outros porventura concernente às causas da readmissão e da expulsão. Parece de qualquer modo, tudo ponderado, que os preceitos vertidos no artigo 10º não deixam de se encontrar em sintonia com o quadro normativo que vem de se esforçar. Assim, a transferência ou transmissão dos dados entre os Estados Partes, em geral visada no artigo 10º, é admitida pelo artigo 35º, nºs 2 e 6 da Constituição e regulada, nomeadamente, nos artigos 6º, alínea d), 19º e 20º, da Lei nº 67/98. O uso dos dados para os objectivos indicados pela Parte transmitente e nas condições por ela determinadas [artigo 10º, alínea a)] decorre em especial do artigo 5º, nº 1, alíneas b) e c), subjaz de algum modo à alínea d) do artigo 6º e flui do dever de sigilo definido no artigo 17º da mesma Lei. A prestação de informações à Parte remetente sobre o uso dos dados [alínea b) do artigo 10º] harmoniza-se com os artigos 15º, alíneas g) e h), e 17º, nº 3, dessa Lei. Que destinatárias dos dados são apenas as autoridades credenciadas para os procedimentos de readmissão e trânsito [alínea c) do artigo 10º] - se é este o significado da expressão «autoridades cooperantes», que justamente conviria precisar na revisão linguística de que o Projecto se encontra em extremo carecido - resulta se bem se afigura do artigo 15º, nº 1, alínea f), da Lei de Protecção, constitui implicação do dever de sigilo (artigo 17º) e sempre se deveria considerar exigência teleologicamente justificada. A exactidão dos dados e a rectificação de incorrecções cometidas na sua transmissão [alínea d) do artigo 10º], representam, por seu turno, desideratos elementares com afloração no nº 1 do artigo 35º da Constituição e que a alínea d) do nº 1 do artigo 5º da Lei nº 67/98 postula categoricamente. A alínea e) do artigo 10º tutela direitos de informação e de acesso do titular dos dados reconhecidos outrossim pelos nºs. 1 e 7 do artigo 35º da lei básica, e regulados, com limitações há pouco exemplificadas, nos artigos 10º e 11º da Lei nº 67/98. O segundo período da referida alínea carece, porém, de acerto linguístico tendente a precisar o sentido do vocábulo «concessivas»([19]). A prevalência do direito nacional da Parte que efectua a transferência dos dados, consignada no terceiro período, não parece, por sua vez, suscitar objecções de fundo, pesem eventuais dificuldades práticas de aplicação, sem prejuízo, como é óbvio, de opções político-legislativas em sentido diverso. A alínea f) do artigo 10º dá tradução ao princípio – plasmado no artigo 5º, nº 1, alíneas d) e e) da Lei nº 67/98 – da conservação dos dados em estrita função da necessidade e finalidades da recolha ou tratamento, implicando a sua eliminação uma vez verificada a consecução do escopo. A organização do registo de transferências recebimentos e anulações de dados [alínea g) do artigo 10º] não oferece reparos de conformidade jurídica com o nosso ordenamento [cfr. os artigos 14º, nº 1, e 15, nº 1, alínea g), da Lei nº 67/98], desde que compatibilizada praticamente com outros princípios fundamentais concernentes aos dados pessoais, tal como o princípio da necessidade, acabado de aludir, que justifica e limita a sua conservação. Por último, a protecção dos dados pessoais, a que se refere a alínea h) do artigo 10º, é tema que está no cerne das preocupações do nosso sistema, consoante flui significativamente dos nºs 2, 3, 4, 6 e 7 do artigo 35º da Constituição e dos artigos 14º, 15º, 17º, 19º, 20º e 33º a 49º da Lei de Protecção de Dados Pessoais. 8. O Capítulo VI do Projecto – «Execução do Acordo» – integra os artigos 11º, 12º e 13º, relativamente aos quais nenhuma objecção estritamente jurídica se afigura pertinente, sendo certo que qualquer deles oferece amplas possibilidades de opção nos planos da política legislativa e das relações entre os Estados. São do seguinte teor: «Artigo 11º Visando a execução do presente Acordo, o ministro do interior da República de Hungria e o ministro do interior da República Portuguesa concluirão um convénio de aplicação, no qual determinarão: a) os documentos que servem para atestar ou presumir a cidadania; b) as autoridades competentes e outrossim as maneiras do procedimento do trânsito e transferências e as da informação mútua; c) os documentos e dados necessários para o recebimento, ou seja para o trânsito e a transferência; d) os locais fronteiriços para recebimento de pessoas; e) o modo e as regulamentações do reembolso das despesas segundo o Artigo 9 do presente Acordo. «Artigo 12º (1) As Partes Contratantes, em caso de necessidade, realizarão consultas mútuas em matéria da execução do presente Acordo; as propostas de consulta serão transmitidas por via diplomática. (2) As partes Contratantes, em qualidade de informações, mutuamente enviarão por via diplomática as cópias dos seus acordos internacionais concluídos com terceiros países em matéria do recebimento de pessoas na fronteira estatal; estes envios se realizam 30 dias depois da entrada em vigor dos acordos em questão. «Artigo 13º A aplicação dos Artigos 3-8 do presente Acordo transitoriamente pode ser suspendida parcialmente ou totalmente por cada uma das Partes Contratante por razões de ordem, segurança, ou saúde pública. A outra Parte Contratante deve ser informada imediatamente em escrito e via diplomática sobre a decretação e a revogação da suspensão.» 9. O articulado remata finalmente com o Capítulo VIII – «Disposições Finais» –, integrado por um único artigo [14º, na sequência numérica], contendo prescrições de estilo usual quanto ao início e termo da vigência do tratado, que não suscitam reparos em sede de legalidade: [Artigo 14º] «(1) O presente Acordo entrará em vigor no trigésimo dia, contado desde a data quando as Partes Contratantes mutuamente se informam, em escrito e via diplomática, sobre o cumprimento das prescrições legais internas requeridas para a sua entrada em vigor. (2) O presente Acordo permanece vigente por tempo indeterminado, até quando uma das Partes Contratantes não o denuncie em escrito e via diplomática. Neste caso o Acordo deixa de vigorar no trigésimo dia, contado desde o recebimento da sua denunciação.»(**) III 1. O segundo instrumento submetido à nossa apreciação – «Convénio entre o Governo da República da Hungria e o Governo da República Portuguesa sobre a cooperação na luta contra o terrorismo, o ilícito tráfico de entorpecentes e a delinquência organizada», por simplicidade ulteriormente designado «Convénio» – compreende sumários considerandos preambulares introduzindo um articulado de 12 artigos. 2. Tratando-se de um acordo de cooperação relativo às matérias enunciadas, os dois Estados afirmam precisamente no exórdio «o desejo de contribuir ao desenvolvimento das suas relações bilaterais»; a «importância essencial da cooperação na luta contra a delinquência, especialmente a delinquência organizada, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo, assim como na repressão eficiente dos mesmos»; «o fortalecimento dos esforços comuns na luta contra o terrorismo»; o intuito «de coordenar as suas acções contra a delinquência internacional organizada». E a cooperação pactícia que a República da Hungria assim propõe a Portugal toma declaradamente «em consideração os assentados nos seus acordos internacionais concluídos em matéria». 3. Sendo este o teor da nota preambular, importa desde já conhecer o articulado na íntegra: «Artigo 1º (2) As Partes Contratantes cooperarão especialmente nos casos quando os delitos o as preparações de perpetra-os se realizam no território nacional duma das Partes Contratantes e os dados se referem ao território nacional da outra Parte Contratante. «Artigo 2º As Partes Contratantes na base das legislações nacionais e tendo em consideração as disposições do presente Convénio, intercambiarão informações e dados: (1) sobre as acções de terrorismo planeadas ou cometidas, as pessoas participantes, o modo e os meios de execução; (2) sobre as agrupações terroristas, seus membros, que planeiam, executam ou cometeram as suas acções no território, em detrimento e contra os interesses da outra Parte Contratante. «Artigo 3º (1) comunicarão mutuamente os lugares de destino e de origem dos entorpecentes e substâncias psicotrópicas, os métodos práticos, os dados dos meios de transporte, dos esconderijos e das pessoas participantes na produção ilícita e tráfego dos entorpecentes, assim como os detalhes especiais de tais delitos se estes são necessários para prevenir o delito ou graves ameaças contra a ordem pública; (2) comunicarão mutuamente as informações obtidas sobre os métodos habituais do tráfico ilícito internacional e outros conhecimentos concernentes; (3) intercambiarão os resultados das suas investigações criminalísticas e criminilógicas relacionadas com o delito de entorpecentes; (4) a pedido duma das Partes Contratantes mutuamente colocarão à disposição amostras de entorpecentes e substâncias psicotrópicas de origem vegetal ou sintética; (5) intercambiarão experiências no controlo e na comercialização legal dos entorpecentes, substâncias psicotrópicas e percusores com particular relevância às possibilidades de abuso; (6) as Partes Contratantes, de maneira admitida pelas legislações nacionais, tomarão medidas policiais coordenadas para impedir a produção e o tráfego ilícitos dos entorpecentes e substâncias psicotrópicas. «Artigo 4º As Partes Contratantes, cooperando na descoberta e supressão da delinquência, especialmente da delinquência organizada: (1) comunicarão mutuamente os dados pessoais dos envolvidos na delinquência organizada, os dados das conexões dos perpetradores, suas informações sobre a estructura dos grupos e organizações criminosas, a típica atitude dos perpetradores e dos grupos, os fatos dos casos, especialmente o tempo, o local, a maneira, os objectos atacados e as circunstâncias especiais, assim como as regulamentações criminais violadas e as providências tomadas se as mesmas são necessárias para prevenir e impedir os actos criminosos; (2) à requisição – dentro dos marcos da legislação nacional da Parte Contratante requisitada – tomarão providências; (3) no curso dos inquéritos e descoberta tomarão medidas policiais coordenadas, mutuamente oferecerão apoio pessoal, material e organizacional; (4) intercambiarão dados e experiências sobre os métodos prácticos e formas novas da delinquência internacional; (5) intercambiarão os seus resultados de investigações criminalísticas, criminilógicas e de outros tipos de criminologia, mutuamente se informarão sobre a prática de inquéritos, métodos e equipamentos de trabalho; (6) a pedido, mutuamente colocarão à disposição os seus conhecimentos ou amostras dos objectos provenientes de delitos cometidos ou usados para comete-os; (7) enviarão mutuamente especialistas para instrução e aperfeiçoamento profissionais, visando o conhecimento mutuo dos meios e métodos aplicados contra a delinquência e dos resultados modernos da técnica criminalística; (8) organizarão, segundo as necessidades, encontros de trabalho para preparar e promover providências coordenadas. «Artigo 5º A cooperação das Partes Contratantes abarcará as trocas de informações seguintes: (1) a regulação legislativa relativo a delitos, objectos do presente Convénio; (2) os lucros provenientes dos delitos; (3) as experiências relacionadas com a legislação dos estrangeiros e a migração ilegal. «Artigo 6º (1) As Partes Contratantes autorizam: por parte da República de Hungria o ministro do interior, o ministro do bem-estar social, o chefe da polícia nacional, o comandante nacional da Administração de Alfândegas e Guarda Fiscal, o comandante nacional da Guarda da Fronteira; por parte da República Portuguesa o.................................. para que no âmbito das suas actividades e competências cooperem directamente, visando o cumprimento dos assentados no presente Convénio. Os campos concretos e os métodos de contactos podem ser fixados em protocolos de cooperação. (2) Na falta de acordo discordante, os contactos e o intercâmbio de informações das autoridades cooperantes se realiza em idioma inglês. «Artigo 7º Visando a protecção dos dados pessoais transferidos no marco da cooperação e tomando em consideração as legislações vigentes das Partes Contratantes, prevalecem os seguintes: (1) A Parte recebedora só pode usar os dados para os objectivos indicados pela Parte remetente e com as condições por ela determinadas. (2) A pedido da Parte remetente a Parte recebedora oferece informação sobre o uso dos dados transferidos e os resultados conseguidos graças aos mesmos; (3) Os dados pessoais podem ser transferidos exclusivamente às autoridades criminais e às organizações competentes na luta contra o terrorismo e a delinquência organizada. A transferência dos dados para outras autoridades só pode ser efectuada na base de concordância da autoridade cedente; (4) A Parte remetente está obrigada a verificar a exactidão dos dados, a necessidade da entrega e a sua correspondência ao objectivo da entrega. Adicionalmente deve observar as prescrições da legislação nacional da outra Parte, referentes às limitações da entrega dos dados. Se fica provado que também foram transferidos dados incorrectos, a Parte recebedora imediatamente deve ser informada sobre o facto. A Parte recebedora está obrigada a validar a correcção e destruir imediatamente os dados errados ou restrictivos. (5) Ao pedi-lo, a pessoa autorizada deve receber informações sobre os seus dados pessoais disponíveis e o seu uso previsto. Esta obrigação de informar não existe se as regras legais internas do país não a qualificam obrigatória. Ao oferecer informações sobre os dados pessoais prevalece o direito nacional daquela Parte que está efectuando a transferência dos dados. (6) Na altura da transferência dos dados a Parte remetente informa sobre as datas limites de anulação dos dados que estão vigentes segundo a sua legislação. Independentemente disso, os dados referentes à pessoa em questão devem ser borrados na altura quando termina a necessidade neles. Simultaneamente, a Parte remetente deve ser informada sobre a anulação dos dados recebidos e as suas razões. Ao terminar o presente Convénio, os dados recebidos hão-de ser anulados imediatamente. (7) As organizações encarregadas do processamento de dados estão obrigadas a organizar o registo de transferências, recebimentos e anulações dos dados pessoais e a proteger os dados do acesso ilícito, das alterações e da publicidade. «Artigo 8º (1) As Partes Contratantes asseguram a protecção dos dados classificados entregados por uma das Partes Contratantes enquanto segundo a legislação do país cedente os mesmos são classificados de secretos. (2) Os materiales, dados e meios técnicos entregados no marco do presente Convénio só podem ser transferidos para terceiro país com a aprovação do órgão competente da Parte Contratante cedente. «Artigo 9º (1) As Partes Contratantes, para promover e apreciar a cooperação regulamentada pelo presente Convénio, instituem uma Comissão de sete-sete pessoas. As Partes Contratantes se informarão sobre a composição da Comissão Mista por via diplomática (2) A Comissão Mista como mínimo se reúne uma vez por ano. A pedido duma das Partes Contratantes a Comissão Mista pode ser convocada na qualquer altura. A Comissão se reúne na República de Hungria e na República Portuguesa alternadamente. «Artigo 10º Qualquer das Partes Contratantes pode negar parcialmente ou totalmente o cumprimento dum pedido, ou seja a cooperação, a prestação de ajuda ou condiciona-la a certas condições se o mesmo ameaça a prevalência da sua legislação nacional, a sua segurança ou outros interesses essenciais, ou seja se é contrário à sua legislação. «Artigo 11º O presente Convénio não afecta os outros acordos internacionais concluídos pela República de Hungria e a República Portuguesa. «Artigo 12º (1) O presente Convénio - conforme as prescrições legislativas internas das Partes Contratantes - precisa ser ratificado. O presente Convénio entrará em vigor no trigésimo dia, contado do recebimento da nota diplomática informando sobre a sua ratificação. (2) As Partes Contratantes concluem o presente Convénio para tempo indeterminado. O presente Convénio pode ser denunciado por qualquer Parte Contratante por via diplomática. A denunciação entrará em vigor dentro de seis meses contados da data do seu recebimento pela outra Parte.» 4. Refira-se que também o articulado deste Convénio – cujo aperfeiçoamento linguístico é de preceito - se relaciona de algum modo com certas disposições do Acordo de Associação celebrado entre a Comunidade e a Hungria anteriormente evocado (supra, II, 3.3 e 7.2., nota 18). Assim, o artigo 86º do Título VI, «Cooperação Económica», relativo ao branqueamento de dinheiro proveniente de actividades criminosas: «Artigo 86º Branqueamento de dinheiro 1. As partes acordaram na necessidade de trabalharem e de cooperarem no sentido de impedirem a utilização dos seus sistemas financeiros para o branqueamento de dinheiro proveniente de actividades criminosas em geral e do tráfico ilícito da droga em particular. 2. A cooperação neste domínio inclui nomeadamente uma assistência administrativa e técnica tendo em vista a adopção das normas adequadas de luta contra o branqueamento de dinheiro, comparáveis às adoptadas na matéria pela Comunidade e pelas instâncias internacionais activas neste domínio, nomeadamente a task force acção financeira (TFAF).» Em segundo lugar o artigo 92º do mesmo Título VI, respeitante ao sector aduaneiro, já citado (supra, nota 18), que ora se transcreve: «Artigo 92º 1. A cooperação terá por objectivo assegurar o respeito de todas as disposições a adoptar no domínio comercial e aproximar o regime aduaneiro húngaro do comunitário, o que contribuirá para facilitar a liberalização progressiva prevista no âmbito do presente acordo. Alfândegas 2. A cooperação compreenderá, em especial, as seguintes aspectos: – intercâmbio de informações, – organização de seminários e de estágios, – desenvolvimento das infra-estruturas fronteiriças entre as partes, – introdução do documento administrativo único e de um sistema de interligação entre o regime de trânsito comunitário e húngaro, – simplificação dos controlos e das formalidades no que diz respeito ao transporte de mercadorias, – preparação tendo em vista a adopção, logo que possível, da Nomenclatura Combinada pela Hungria. Se necessário será prestada assistência técnica. 3. Sem prejuízo de outras formas de cooperação previstas no presente acordo, e nomeadamente no artigo 96º, a assistência mútua em matéria aduaneira entre as autoridades administrativas das partes contratantes será regida pelas disposições do protocolo nº 6.» O artigo 96º citado no nº 3 deste artigo, também assinalado acima em passo concernente aos dados pessoais (supra, nota 18), é do seguinte teor: «Artigo 96º 1. A cooperação tem, nomeadamente, por objectivo aumentar a eficácia das políticas e das medidas de luta contra a oferta e o tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, bem como reduzir o consumo abusivo desse produtos. Luta contra a droga 2. As partes contratantes chegarão a acordo quanto aos métodos de cooperação necessários para a realização destes objectivos, e nomeadamente quanto às modalidades de execução de acções conjuntas. As acções empreendidas serão objecto de consultas e de uma estreita coordenação no que diz respeito aos objectivos e estratégias adoptadas nos domínios referidos no nº 1. 3. A cooperação entre as partes contratantes incluirá uma assistência técnica e administrativa que abrangerá nomeadamente os seguintes domínios: elaboração e aplicação das legislações nacionais, criação de instituições, de centros de informação e de centros de acção sócio-sanitária, formação de pessoal e investigação, prevenção do desvio dos percursores utilizados para o fabrico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas. As partes podem acordar em incluir outros domínios.» No seio do Protocolo nº 6, igualmente aludido no nº 3 do artigo 92º, salienta-se – além dos artigos 10º e 11º concernentes à confidencialidade, utilização e transmissão de dados (cfr. supra, nota 18) ([20]) – o artigo 3º, nº 3º, que prevê a adopção de medidas de vigilância sobre pessoas, circulação de mercadorias e de meios de transporte: «Artigo 3º 1. (...) Assistência mediante pedido 2. (...) 3. A pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida tomará as medidas necessárias para assegurar que sejam mantidos sob vigilância: a) As pessoas singulares ou colectivas relativamente às quais existem motivos razoáveis para supor que infringem ou infringiram a legislação aduaneira; b) A circulação de mercadorias consideradas possíveis de ocasionar infracções substanciais à legislação aduaneira; c) Os meios de transporte em relação aos quais existem motivos razoáveis para supor que foram ou podem ser utilizados em violação da legislação aduaneira.» O artigo 15º do Protocolo nº 6 ressalva, aliás, o carácter complementar e não prejudicial do mesmo instrumento relativamente a outros acordos de assistência mútua concluídos ou a concluir entre um ou vários Estados membros e a República da Hungria ([21]). Recordem-se, por fim, o artigo 114º do Acordo de Associação quanto à adopção unilateral de medidas em matéria de segurança ([22]), e a «declaração conjunta» nº 12, acerca da incidência do sigilo profissional no domínio da concorrência (supra, nota 18). 5. Regressemos ao texto do Convénio. Apresentando-se este desprovido de especial ordenação sistemática e omitindo os artigos que o integram epígrafes elucidativas do respectivo conteúdo, é possível porventura sintetizar o articulado nas proposições seguintes. O artigo 1º é disposição introdutória geral, definindo genericamente o domínio material e espacial de aplicação do «Convénio». O artigo 2º respeita especialmente ao terrorismo. O artigo 3º ao tráfico de estupefacientes. O artigo 4º à delinquência organizada. O artigo 5º especifica o âmbito material da cooperação nos domínios referidos. O artigo 6º visa agilizar a cooperação estimulando contactos directos entre as autoridades envolvidas. Os artigos 7º e 8º concernem em especial ao tema da protecção de dados pessoais. O artigo 9º institui um organismo vocacionado, ao que parece, para o acompanhamento da execução do tratado. Os artigos 10º e 11º formulam, por seu turno, determinadas ressalvas no tocante à eficácia do Convénio. O artigo 12º remata, por fim, acolhendo prescrições tabelares habituais. 6. A aproximação ao conteúdo do Convénio mostra que se pretende instituir um sistema bilateral de intercâmbio de informações entre Portugal e a Hungria, visando primacialmente a prevenção, repressão e perseguição do terrorismo, do tráfico de droga e da criminalidade organizada em geral. A «cooperação judiciária internacional em matéria penal» encontra- -se actualmente regulada entre nós, em diversas vertentes, pela Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, importando por isso conhecer os aspectos de regime mais de perto relacionados com o instrumento sub iudicio ([23]). 6.1. Numa visão angular, o diploma compreende 167 artigos sistematicamente organizados em sete títulos, compreendendo capítulos e secções nos termos seguidamente sumariados. O Título I («Disposições gerais; artigos 1º a 30º), integrado por dois capítulos subordinados às elucidativas epígrafes: «Objecto, âmbito de aplicação e princípios gerais de cooperação judiciária internacional» (Capítulo I; artigos 1º a 19º); «Disposições gerais do processo de cooperação» (Capítulo II; artigos 20º a 30º). O Título II («Extradição»; artigos 31º a 78º), subdividido, por seu turno, em cinco capítulos assim titulados: «Extradição passiva» (Capítulo I, com quatro secções; artigos 31º a 68º); «Extradição activa» (Capítulo II, artigos 69º a 72º); «Disposição final» (Capítulo III; artigo 73º); «Regras especiais relativas ao processo simplificado de extradição» (Capítulo IV; artigos 74º e 75º); «Aplicação interna da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen» (Capítulo V; artigos 76º a 78º). O Título III («Transmissão de processos penais»; artigos 79º a 94º), abrange três capítulos, a saber: «Delegação do procedimento penal nas autoridades judiciárias portuguesas» (Capítulo I; artigos 79º a 88º); «Delegação num Estado estrangeiro da instauração ou continuação de procedimento penal» (Capítulo II; artigos 89º a 93º); «Disposições comuns» (Capítulo III; artigo 94º). O Título IV («Execução de sentenças penais»; artigos 95º a 125º) congloba quatro capítulos, epigrafados como segue: «Execução de sentenças penais estrangeiras» (Capítulo I; artigos 95º a 103º); «Execução no estrangeiro de sentenças penais portuguesas» (Capítulo II; artigos 104º a 109º); «Destino de multas e coisas apreendidas e medidas cautelares» (Capítulo III; artigos 110º a 113º); «Transferência de pessoas condenadas» (Capítulo IV, em quatro secções; artigos 114º a 125º). Segue-se o Título V («Vigilância de pessoas condenadas ou libertadas condicionalmente»; artigos 126º a 144º), composto de seis capítulos: «Disposições gerais» (Capítulo I; artigos 126º a 132º); «Vigilância» (Capítulo II; artigos 133º a 136º); «Vigilância e execução de sentença» (Capítulo III, artigos 137º a 139º); «Execução integral da sentença» (Capítulo IV; artigo 140º); «Cooperação solicitada por Portugal» (Capítulo V; artigo 141º); «Disposições comuns» (Capítulo VI; artigos 142º a 144º). O Título VI («Auxílio judiciário mútuo em matéria penal»; artigos 145º a 164º) desenvolve-se, por sua vez, através de três capítulos: «Disposições comuns às diferentes modalidades de auxílio» (Capítulo I; artigos 145º a 149º); «Pedido de auxílio» (Capítulo II; artigos 150º a 152º); «Actos particulares de auxílio internacional» (Capítulo III; artigos 153º a 164º). Por último, o Título VII («Disposição final») compreende apenas três artigos (artigos 165 a 167º), que prevêem, respectivamente, a possibilidade de delegação de competências do Ministro da Justiça no Procurador-Geral da República para a prática de determinados actos; a revogação da anterior lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal consubstanciada no Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro; o início de vigência do diploma, em suma, diferido para 1 de Outubro de 1999. Na perspectiva do Convénio em apreço interessam-nos fundamentalmente disposições e princípios gerais vertidos no Título I e a modalidade de cooperação do «auxílio judiciário mútuo em matéria penal» regulada no Título VII. Considerem-se sucessivamente, os dois vectores. 6.2. No tocante aos princípios substantivos gerais que regem em matéria de cooperação penal internacional o parâmetro axial vem proclamado introdutoriamente no artigo 2º, nº 1, que subordina a aplicação do Decreto-Lei nº 144/99 «à protecção dos interesses da soberania, da segurança, da ordem pública e de outros interesses da República Portuguesa, constitucionalmente definidos». Por outro lado, as formas de cooperação previstas regem-se, em primeiro lugar, «pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português» e só «na sua falta ou insuficiência» pelas disposições da citada Lei, sendo ademais subsidiariamente aplicável o preceituado no Código de Processo Penal (artigo 3º). Acresce que a cooperação internacional em matéria penal «releva do princípio da reciprocidade» (artigos 4º, nºs 1 e 2, e 6º, nº 4), cuja falta não impede, porém, a satisfação de um pedido de cooperação nas situações de excepção hipotizados no nº 3 do mesmo artigo [v.g., quando «aconselhável em razão da natureza do facto ou da necessidade de lutar contra certas formas graves de criminalidade – alínea a)]. Os artigos 6º e segs. enunciam, por fim, tipos de «requisitos negativos» da cooperação internacional. Entre estes assumem singular relevo os denominados «requisitos negativos gerais» elencados nas alíneas a) a f) do nº 1 – aliás, omisso – daquele artigo, segundo o qual o «pedido de cooperação é recusado quando: «a) O processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal; b) Houver fundadas razões para crer que a cooperação é solicitada com o fim de perseguir ou punir uma pessoa em virtude da sua raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, das suas convicções políticas ou ideológicas ou da sua pertença a um grupo social determinado; c) Existir risco de agravamento da situação processual de uma pessoa por qualquer das razões indicadas na alínea anterior; d) Puder conduzir a julgamento por um tribunal de excepção ou respeitar a execução de sentença proferida por um tribunal dessa natureza; e) O facto a que respeita for punível com pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível da integridade da pessoa; f) Respeitar a infracção a que corresponda pena de prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida.» ([24]) Outro tipo de requisitos negativos deriva da própria natureza da infracção. Assim, em conformidade com o artigo 7º, nº 1, o pedido é também recusado quando o facto constituir «infracção de natureza política ou infracção conexa a infracção política segundo as concepções do direito português» [alínea a)] ([25]); ou «crime militar que não seja simultaneamente previsto na lei penal comum» [alínea b)]. A cooperação pode também ser recusada «se a reduzida importância da infracção não a justificar» (artigo 10º). Acrescem as hipóteses de «denegação facultativa» da cooperação delineadas no artigo 18º: quando o facto «for objecto de processo pendente ou quando esse facto deva ou possa ser também objecto de procedimento da competência de uma autoridade judiciária portuguesa» (nº 1); e, ainda, se o deferimento do pedido puder «implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal» (nº 2). Como quer que seja, na «execução de um pedido de cooperação formulado a Portugal observam-se as disposições do Código de Processo Penal e legislação complementar relativas à recusa de testemunhar, às apreensões, às escutas telefónicas e ao segredo profissional ou de Estado e em todos os outros casos em que o segredo seja protegido» (artigo 11º, nº 1). De entre as disposições e princípios procedimentais da cooperação plasmados no Capítulo II do Título I (artigos 20º a 30º) convirá porventura recortar os seguintes. Desde logo, tanto o pedido de cooperação e os documentos que o instruem, como a decisão de admissibilidade ou recusa são acompanhados de tradução na língua oficial do Estado destinatário, salvo convenção ou acordo em contrário ou se este Estado a dispensar (artigo 20º). Para efeitos de recepção e transmissão dos pedidos de cooperação, activos e passivos – e de todas as comunicações que aos mesmos digam respeito – é instituída como Autoridade Central a Procuradoria-Geral da República, competindo a decisão ao Ministro da Justiça (artigo 21º, nºs 1 a 3). Isto sem prejuízo de contactos directos concernentes ao «auxílio judiciário mútuo em matéria penal» regulado no Título VI (artigo 21º, nº 4). Os pedidos de cooperação devem obedecer a determinados requisitos consignados no artigo 23º, podendo utilizar-se na sua transmissão «os meios telemáticos adequados, nomeadamente a telecópia, desde que estejam garantidas a autenticidade e confidencialidade do pedido e a fiabilidade dos dados transmitidos» (artigo 22º). A «execução de um pedido de cooperação é, em regra, gratuita» (artigo 26º, nº 1), constituindo, porém, «encargo do Estado ou da entidade judiciária internacional que o formula» determinadas despesas enunciadas nas alíneas a) a f) do nº 2 do mesmo artigo – v.g., indemnizações, remunerações, viagens e estadia de testemunhas e peritos; despesas decorrentes do envio ou entrega de coisas; encargos resultantes de recurso a teleconferência, etc. -, sempre sem prejuízo de acordo em contrário dos Estados cooperantes (artigo 26º, nº 4). Se o pedido de cooperação respeitar à entrega de objectos ou valores, podem estes ser remetidos se não forem indispensáveis à prova de factos constitutivos de infracção da competência das autoridades portuguesas (artigo 28º, nº 1), sem prejuízo de remessa diferida ou sob condição de restituição (nº 2). Os direitos de terceiros de boa fé, dos legítimos proprietários ou possuidores, bem como os do Estado quando os objectos e valores possam ser declarados perdidos a favor deste ficam ressalvados (nº 3), e em caso de oposição a remessa apenas tem lugar após decisão favorável transitada em julgado (nº 4). Nas situações de urgência pode haver lugar a contactos entre as autoridades judiciárias estrangeiras e portuguesas, directamente, por intermédio da Interpol ou de outros órgãos de cooperação policial internacional, visando nomeadamente a adopção de medida cautelar ou a prática de acto que não admita demora (artigo 29º). 6.3. Tendo presentes directrizes substantivas e processuais sobressalientes da cooperação judiciária internacional que vêm de se examinar, é neste momento oportuno volver a atenção para a modalidade de cooperação com implicações preferenciais no Convénio em apreço: o «auxílio judiciário mútuo em matéria penal», regulado nos três capítulos do Título VI (artigos 145º a 146º). Começando pelo Capítulo I – cfr. supra, 6.1. -, observe-se que o auxílio compreende em geral a «comunicação de informações, de actos processuais e de outros actos públicos admitidos pelo direito português, quando se afigurarem necessários à realização das finalidades do processo, bem como os actos necessários à apreensão ou à recuperação de instrumentos, objectos ou produtos da infracção» (artigo 145º, nº 1). Visam-se, nomeadamente [nº 2, alíneas a) a f)]: a notificação de actos e entrega de documentos; obtenção de meios de prova; revistas, buscas, apreensões, exames e perícias; a notificação e audição de suspeitos, arguidos, testemunhas e peritos; o trânsito de pessoas; informações sobre o direito português ou estrangeiro e relativas aos antecedentes penais de suspeitos, arguidos e condenados. É possível, inclusivamente, mediante autorização, em princípio, do Ministro da Justiça, a deslocação de autoridades judiciárias e de órgãos de polícia criminal estrangeiros, com vista à participação em actos de investigação criminal no território português e à formação de equipas de investigação criminal conjuntas integrando elementos nacionais e estrangeiros (artigo 145º, nºs 5 e 6, na redacção do artigo 1º da Lei nº 104/2001, de 25 de Agosto). «O pedido de auxílio solicitado a Portugal – dispõe o artigo 146º, na redacção do normativo acabado de citar – é cumprido em conformidade com a lei portuguesa» (nº 1), ou, a título excepcional, nas condições definidas no nº 2 do mesmo artigo, de acordo com a legislação do Estado impetrante. As informações destinadas ao processo indicado pelo Estado estrangeiro não podem ser utilizadas fora dele, salvo se, a pedido deste Estado, o Ministro da Justiça, excepcionalmente, mediante parecer do Procurador-Geral da República, consentir na sua utilização em outros processos penais (artigo 148º, nºs 1 e 2). A solicitação do Estado estrangeiro ou da entidade judiciária internacional, em princípio é mantida a confidencialidade do pedido de auxílio, seu conteúdo e documentos que o instruem, bem como da concessão outorgada (artigo 149º, nº 1). Os artigos 150º, 151º e 152º, que integram o Capítulo II do Título VI, regulam respectivamente a «legitimidade» para o pedido, o «conteúdo e documentos de apoio» e o «processo». Quanto à legitimidade, o auxílio pode ser solicitado pelas «autoridades ou entidades estrangeiras competentes para o procedimento segundo o direito do respectivo Estado ou da respectiva organização internacional» (artigo 150º). O conteúdo e os documentos de apoio devem satisfazer, além das exigências consignadas no artigo 23º, os desideratos do artigo 151º, variando em função da espécie de auxílio em questão. Assim, nos casos de revista, busca, apreensão, entrega de objectos ou valores, exames e perícias, deve o pedido ser instruído com uma declaração certificando a sua admissibilidade pela lei do Estado requerente ou pelo estatuto da entidade judiciária internacional [artigo 151º, alínea b)]. Em quanto ao processo concerne, os pedidos que revistam a forma de carta rogatória podem ser transmitidos directamente entre autoridades judiciárias competentes (artigo 152º, nº 1), incumbido entre nós o cumprimento das cartas ao juiz ou ao Ministério Público nos termos da legislação processual penal (nº 2). O cumprimento das cartas é, aliás, recusado nas hipóteses das alíneas a) a d) do nº 4 do mesmo artigo 152º - v.g., quando a solicitação se dirigir a acto proibido por lei ou contrário à ordem pública portuguesa; quando a execução da rogatória for atentatória da soberania ou segurança do Estado. Os demais pedidos – relativos, nomeadamente, ao envio de certificado de registo criminal, à verificação de identidade ou à simples obtenção de informações – podem ser directamente transmitidos às autoridades e entidades competentes e, uma vez satisfeitos, comunicados pela mesma forma (nº 5), estando sujeitos a idênticos fundamentos de recusa das cartas (nº 6). Como a respectiva epígrafe deixa transparecer - cfr. supra, 6.1. – o Capítulo III (artigos 153º a 164º) regula, por seu turno, na especialidade as diversas modalidades de auxílio internacional. Na óptica do Convénio em apreciação revestem, todavia, despiciendo interesse aquelas a que se referem os artigos 153º a 158º, respectivamente: notificação de actos e entrega de documentos; notificação para comparência; entrega temporária de detidos ou presos; transferência temporária de detidos ou presos para efeitos de investigação; salvo-conduto, ou seja, imunidades, em certos termos, a favor das pessoas a que aludem as medidas anteriores por factos estranhos ao pedido de cooperação; trânsito de pessoas detidas. Bem ao invés, já se relacionam mais ou menos estreitamente com o instrumento internacional projectado as modalidades de auxílio reguladas nos artigos 159º a 163º, que por isso importa transcrever na íntegra: «Artigo 159º Envio de objectos, valor, documentos ou processos 1- A pedido das autoridades estrangeiras competentes, os objectos, em especial os documentos e valores susceptíveis de apreensão segundo o direito português, podem ser colocados à disposição daquelas se se revelarem de interesse para decisão. 2- Os objectos e valores provenientes de uma infracção podem ser restituídos aos seus proprietários, mesmo sem dependência de procedimento instaurado no Estado requerente. 3- Pode ser autorizado o envio de processos penais ou outros, com fundado interesse para um processo estrangeiro, invocado no pedido de auxílio, com a condição de serem restituídos no prazo que for estabelecido pela autoridade portuguesa competente. 4- O envio de objectos, valores, processos ou documentos pode ser adiado se estes forem necessários para as finalidades de um processo em curso. 5- Em substituição dos processos e documentos pedidos podem ser enviadas cópias autenticadas; no entanto, se a autoridade estrangeira pedir expressamente o envio dos originais, o pedido é satisfeito na medida do possível, observada a condição de restituição a que se refere o nº 3. «Artigo 160º Produtos, objectos e instrumentos do crime 1- A pedido de autoridade estrangeira competente, podem ser efectuadas diligências destinadas a averiguar se quaisquer produtos do crime alegadamente praticado se encontram em Portugal, comunicando-se os resultados dessas diligências. 2- Na formulação do pedido, a autoridade estrangeira informa das razões pelas quais entende que esses produtos podem encontrar- -se em Portugal. 3- A autoridade portuguesa providencia pelo cumprimento de decisão que decrete a perda de produtos do crime, proferida pelo tribunal estrangeiro, observando-se correspondentemente o disposto no título IV, na parte aplicável. 4- Quando a autoridade estrangeira comunicar a sua intenção de pretender a execução da decisão a que se refere o número anterior, a autoridade portuguesa pode tomar as medidas permitidas pelo direito português para prevenir qualquer transacção, transmissão ou disposição dos bens que sejam ou possam ser afectados por essa decisão. 5- As disposições do presente artigo são aplicáveis aos objectos e instrumentos do crime. «Artigo 160º - A Entregas controladas ou vigiadas 1- Pode ser autorizada caso a caso, pelo Ministério Público, perante o pedido de um ou mais Estados estrangeiros, nomeadamente se previsto em instrumento convencional, a não actuação dos órgãos de polícia criminal, no âmbito de investigações criminais transfronteiriças relativas a infracções que admitam extradição, com a finalidade de proporcionar, em colaboração com o Estado ou Estados estrangeiros, a identificação e responsabilização criminal do maior número de agentes da infracção. 2- O direito de agir e a direcção e controlo das operações de investigação criminal conduzidas no âmbito do número anterior cabem às autoridades portuguesas, sem prejuízo da devida colaboração com as autoridades estrangeiras competentes. 3- A autorização concedida nos termos do nº 1 não prejudica o exercício da acção penal pelos factos aos quais a lei portuguesa é aplicável e só é concedida quando: a) Seja assegurado pelas autoridades estrangeiras competentes que a sua legislação prevê as sanções penais adequadas contra os agentes e que a acção penal será exercida; b) Seja garantida pelas autoridades estrangeiras competentes a segurança de substâncias ou bens em causa contra riscos de fuga ou extravio; e c) As autoridades estrangeiras competentes se comprometam a comunicar, com urgência, informação pormenorizada sobre os resultados da operação e os pormenores da acção desenvolvida por cada um dos agentes da prática das infracções, especialmente dos que agiram em Portugal. 4- Ainda que concedida a autorização mencionada anteriormente, os órgãos de polícia criminal intervêm se as margens de segurança tiverem diminuído sensivelmente ou se se verificar qualquer circunstância que dificulte a futura detenção dos agentes ou apreensão de substâncias ou bens; se esta intervenção não tiver sido comunicada previamente à entidade que concedeu a autorização, é-o nas vinte e quatro horas seguintes, mediante relato escrito. 5- Por acordo com o país de destino, quando se estiver perante substâncias proibidas ou perigosas em trânsito, estas podem ser substituídas parcialmente por outras inócuas, de tal se lavrando o respectivo auto. 6- O não cumprimento das obrigações assumidas pelas autoridades estrangeiras pode constituir fundamento de recusa de autorização em pedidos futuros. 7- Os contactos internacionais são efectuados através da Polícia Judiciária, pelo Gabinete Nacional da INTERPOL. 8- Qualquer outra entidade que receba pedidos de entregas controladas, nomeadamente a Direcção-Geral de Alfândegas, através do Conselho de Cooperação Aduaneira ou das suas congéneres estrangeiras, e sem prejuízo do tratamento da informação de índole aduaneira, deve dirigir imediatamente esses pedidos para a Polícia Judiciária, para efeito de execução. 9- É competente para decidir do pedido de entregas controladas o magistrado do Ministério Público na comarca de Lisboa. «Artigo 160º -B Acções encobertas 1- Os funcionários de investigação criminal de outros Estados podem desenvolver acções encobertas em Portugal, com estatuto idêntico ao dos funcionários de investigação criminal portugueses e nos demais termos da legislação aplicável. 2- A actuação referida no número anterior depende de pedido baseado em acordo, tratado ou convenção internacional e da observância do princípio da reciprocidade. 3- A autoridade judicial competente para a autorização é o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, sob proposta do magistrado do Ministério Público junto do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). «Artigo 160º - C Intercepção de telecomunicações 1- Pode ser autorizada a intercepção de telecomunicações realizadas em Portugal, a pedido das autoridades competentes de Estado estrangeiro, desde que tal esteja previsto em acordo, tratado ou convenção internacional e se trate de situação em que tal intercepção seria admissível, nos termos da lei de processo penal, em caso nacional semelhante. 2- É competente para a recepção dos pedidos de intercepção a Polícia Judiciária, que os apresentará ao juiz de instrução criminal da comarca de Lisboa, para autorização. 3- O despacho referido no número anterior inclui autorização para a transmissão imediata da comunicação para o Estado requerente, se tal procedimento estiver previsto no acordo, tratado ou convenção internacional com base no qual é feito o pedido.» ([26]) Artigo 161º Informações sobre o direito aplicável 1- A informação sobre o direito português aplicável em determinado processo penal solicitada por uma autoridade judiciária estrangeira é prestada pelo Gabinete de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República. 2- Tratando-se de informação sobre direito estrangeiro, a autoridade judiciária portuguesa solicita, para o efeito, a colaboração do Gabinete referido no número anterior. Artigo 162º A comunicação directa de pedidos de registo criminal, a que se refere o nº 5 do artigo 152º, é efectuada aos serviços de identificação criminal. Informações constantes do registo criminal «Artigo 163º Informações sobre sentenças 1- Podem também ser solicitadas informações ou cópias de sentenças ou medidas posteriores, bem como de qualquer outra informação relevante com as mesmas relacionadas, relativamente a nacionais do Estado requerente. 2- Os pedidos efectuados nos termos do número anterior são comunicados através da Autoridade Central.» 7. Ao cabo do excurso que vem de se desenvolver, é oportuno regressar ao texto do Convénio submetido à nossa apreciação procurando examinar na especialidade o articulado – transcrito supra, ponto 3. – à luz dos parâmetros normativos referenciais do ordenamento seleccionados nas páginas antecedentes. 7.1. O artigo 1º constitui, como se disse, disposição introdutória, definindo genericamente o domínio material e espacial de aplicação do instrumento convencional projectado. Pretende-se neste sentido instituir um sistema de cooperação bilateral Portugal/Hungria, tendente à prevenção, repressão e perseguição do terrorismo, do tráfico de droga e da criminalidade organizada, implicando reciprocamente os territórios dos dois Estados. Trata-se, pois, de factos com relevo criminal na ordem jurídica portuguesa – cuja salvaguarda, de resto, o nº 1 do artigo desde logo prenuncia -, propensos à circulação e difusão transfronteiras, relativamente aos quais a cooperação internacional, longe de contravir ao ordenamento, constitui, bem ao invés, indispensável instrumento de erradicação. Às formas que a cooperação pode revestir, nos três sectores que mobilizam as preocupações dos Estados partes, aludem subsequentemente os artigos 2º, 3º e 4º, por um lado, e os artigos 5º, 6º, 7º e 8º, por outro. 7.2. Do terrorismo ocupa-se fundamentalmente o artigo 2º. Tendo em consideração as respectivas legislações nacionais, visa o presente normativo instituir um intercâmbio de informações e dados sobre o planeamento e a realização, as pessoas e grupos intervenientes, os modos e meios de execução de acções terroristas susceptíveis de afectarem os territórios e interesses das Partes Contratantes. Não se suscitam a propósito objecções de legalidade ([27]), conquanto o tratamento e transmissão de dados deva obedecer a princípios, já densificados na análise do «Projecto sobre o recebimento de pessoas na fronteira» (supra, II, 7.), a que dentro em pouco se regressará. 7.3. Ao tráfico de droga concerne em especial o artigo 3º, cujo proémio consigna precisamente como objectivos da cooperação neste domínio o combate à produção, circulação e tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e percursores. Nos seus nºs 1 a 6 detalha o mesmo artigo as formas de cooperação elegidas, entre as quais, inevitavelmente, o intercâmbio de informações e dados acerca das pessoas envolvidas na produção e no tráfico; lugares de origem e destino das substâncias; métodos, esconderijos, meios de transporte; técnicas e resultados de investigações criminalísticas; disponibilidade de amostras de natureza vegetal ou sintética; adopção de medidas policiais coordenadas à prevenção da produção e do tráfico, etc. Visando-se, assim, a perseguição de actos criminalmente puníveis pela lei portuguesa ([28]), não se afigura em princípio desconforme com a nossa ordem jurídica a prossecução do escopo de prevenção e repressão dos mesmos mediante as formas de cooperação previstas, que, aliás, declaradamente pretendem implementar-se no respeito das «legislações nacionais» dos dois Estados [cfr. o proémio e o nº 6]. Sem prejuízo, ademais, dos parâmetros a que se encontra vinculada a transmissão de dados pessoais, as formas de cooperação internacional delineadas no artigo 3º harmonizam-se com as prescrições do direito interno português plasmadas na Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, subsumindo-se grosso modo às previsões dos normativos do seu Título VI, e às modalidades de auxílio judiciário mútuo em matéria penal delineadas em abstracto, designadamente, nos artigos 159º a 163º (cfr. supra, 6. e, especialmente, 6.3.). Acresce que a cooperação em exame está em sintonia com o Acordo de Associação celebrado entre a Comunidade e seus Estados membros, por um lado, e a Hungria, por outro, maxime com as disposições dos seus artigos 86º e 96º, mediante as quais se acordaram grandes linhas de cooperação na luta contra a droga (cfr. supra, 4.). 7.4. As observações aduzidas são, aliás, de todo o ponto transponíveis, mutatis mutandis, para o artigo 4º do Convénio, mercê do qual uma série de medidas de cooperação vêm esboçadas no sentido da descoberta e supressão da criminalidade organizada, em termos, por conseguinte, não conflituantes, se bem se julga, com o direito português. 7.5. O artigo 5º, por seu turno, é já uma disposição geral, prevendo o intercâmbio de informações nos três sectores do ilícito criminal, indiferenciadamente, discriminados nos artigos antecedentes. Crê-se igualmente não poder pôr-se em causa a sua conformidade com a nossa ordem jurídica. Basta notar que as trocas de informações relativas à regulação e experiência legislativa em determinados domínios, especificamente previstas nos nºs 1 e 3, fluem directamente da letra e do espírito do artigo 161º da Lei nº 149/99 (supra, 6.3.), enquanto as informações relativas aos «lucros provenientes dos delitos» a que alude o nº 4 caem sob a protecção do artigo 86º do Acordo de Associação contra à utilização dos sistemas financeiros da Comunidade e dos Estados membros para o branqueamento de dinheiro proveniente de actividades criminosas em geral (supra, 4.)([29]). 7.6. O artigo 6º, nº 1, enuncia as autoridades dos dois Estados Partes credenciadas para entrarem em cooperação directa no cumprimento do preceituado no Convénio. Recorde-se desde logo que tal agilização da cooperação se encontra prevista, nomeadamente, nos artigos 21º, nº 4, 29º (supra, 6.2.), 152º, nºs 1 e 5, e 162º (supra, 6.3.), da Lei nº 144/99. Por outro lado, muito embora determinados órgãos, entidades e serviços do Estado se apresentem dotados de vocacional competência no sentido da cooperação em exame, o certo é que subsiste uma ampla margem de opção político-legislativa na eleição das entidades que dela possam vir a ser concretamente incumbidas. Nos termos expostos, o nº 1 do artigo 6º não suscita dúvidas numa tónica de conformidade com a lei portuguesa. O mesmo não se dirá do nº 2 do mesmo artigo na medida em que privilegia o recurso à língua inglesa para a realização dos contactos e do intercâmbio de informações entre as autoridades cooperantes. Embora se compreendam os objectivos utilitários visados, crê-se que o normativo em presença não constituirá instrumento de valorização, defesa e promoção da língua portuguesa que o artigo 9º, alínea f), da Constituição erige em tarefa fundamental do Estado. E não se objecte com o teor do artigo 20º da Lei nº 144/99 (cfr. supra, 6.2.), ele próprio sujeito ao mesmo confronto com o ditame constitucional. Decerto que é possível, em suma, na consecução de fins práticos subjacentes ao nº 2 do artigo 6º do Convénio, instituir soluções alternativas que inequivocamente respeitem o imperativo constitucional. 7.7. Descontando diferenças de relevo secundário na óptica de apreciação que determina o presente parecer, o artigo 7º, concernente à protecção dos dados pessoais cuja transferência vai implicada nas disposições do Convénio, reproduz nos seus sete números praticamente à letra o artigo 10º e suas alíneas a) a h) do Projecto analisado em primeiro lugar (supra, II). A superestrutura normativa dos níveis constitucional e infraconstitucional reguladora dos dados pessoais que houve o ensejo de estudar a propósito do artigo 10º (cfr. supra, II, 7.1. e 7.2.), deve, por conseguinte, ter-se presente na apreciação da legalidade dos dispositivos do artigo 7º. Em consequência desta ponderação, as considerações emergentes do exame do artigo 10º à luz da normação aludida, para que se remete (supra, II 7.3.), são aqui mutatis muntandis aplicáveis, concluindo-se, como aí, pela conformidade do artigo 7º com a normação garantística dos dados pessoais. 7.8. O mesmo se diga, com adaptações, do artigo 8º no tocante à protecção dos dados classificados (nº 1; cfr. supra, II, 7.2.). Quanto à transferência para terceiro país de materiais, dados e meios técnicos proporcionados ao abrigo da cooperação (nº 2), crê-se não suscitar igualmente objecções decisivas no plano da conformidade jurídica, tanto mais que ao Estado de origem fica sempre reservada a aprovação da transferência. 7.9. O artigo 9º prevê a instituição de uma Comissão Mista luso- -húngara encarregada de apreciar e promover a cooperação estabelecida no Convénio, regulando a sua composição e funcionamento. Trata-se de um tipo organismo de acompanhamento dos tratados conhecido em certos foros internacionais cuja criação não levanta problemas de legalidade. 7.10. A reserva, por seu lado, a favor da legislação nacional, da segurança ou outros interesses essenciais dos Estado contratantes, acolhida no artigo 10º do Convénio, conducente a eventual recusa total ou parcial de pedidos de cooperação, cremos que se harmoniza com a letra e o espírito da Lei nº 144/99, quando se recorde, por exemplo, o princípio fundamental vertido no seu artigo 2º, nº 1, e os denominados «requisitos negativos» da cooperação internacional plasmados nos artigos 6º e segs. (cfr. supra, 6.2.). 7.11. Idêntico juízo de conformidade merece a ressalva de outros acordos internacionais concluídos pelas Partes Contratantes consignada no artigo, emanação do princípio geral de direito internacional pacta sunt servanda que o artigo 3º da citada Lei outrossim não olvidou aflorar. 7.12. E o derradeiro artigo 12º limita-se enunciar regras tabelares de estilo referentes à ratificação, entrada em vigor, duração e denúncia do Convénio, as quais, sem prejuízo de opções de política-legislativa pertinentes, nenhum reparo concitam no plano da conformidade com o ordenamento. IV Do exposto se conclui: 1. O projecto de convenção denominado «Acordo sobre o recebimento de pessoas na fronteira estatal entre o Governo da República da Hungria e o Governo da República Portuguesa», não se apresenta em geral desconforme com o ordenamento jurídico português nos planos constitucional e infraconstitucional; 2. O mesmo instrumento é, todavia, susceptível da ordem de considerações vertidas no ponto II do presente parecer; 3. O projecto de convenção denominado «Convénio entre o Governo da República da Hungria e o Governo da República Portuguesa sobre a cooperação na luta contra o terrorismo, o ilícito tráfico de entorpecentes e a delinquência organizada», não se apresenta igualmente em desconformidade com a ordem jurídica portuguesa ao nível constitucional e infraconstitucional; 4. O diploma aludido na conclusão anterior é, contudo, passível da ordem de considerações explanadas no ponto III do parecer. Lisboa, 25 de Julho de 2002 O Procurador-Geral Adjunto (Eduardo de Melo Lucas Coelho) *) Através do ofício nº 6590, de 6 de Dezembro de 1996, com registo de entrada nº 21103, de 12 do mesmo mês, distribuído como parecer em 6 de Fevereiro de 1997. O processo sofreu em seguida vicissitudes, entre as quais, estando o parecer em adiantado estado de elaboração, o extravio do dossier, ao que se afigura, uma vez que deixou de poder ser localizado até ao presente. Foi, todavia, possível proceder à reconstituição de elementos indispensáveis à sua ultimação. [1]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, págs. 134/135, que ora se segue. [2]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ibidem. [3]) «Acordo Europeu que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-membros, por um lado, e a Hungria, por outro», «Jornal Oficial», nº L347, de 31 de Dezembro de 1993, págs. 0002/0266, com início de vigência em 1 de Fevereiro de 1994. O texto original, compreendendo sete Protocolos e inúmeros Anexos, sofreu, entretanto alterações e deu lugar a extensa elaboração de instrumentos jurídico-comunitários que seria inviável recensear neste momento, a cuja consulta pode, todavia, aceder-se através, do endereço electrónico: http://www.dgsi.pt/cele.nsf/ O Capítulo II (artigos 8º a 13º) do Protocolo nº 5 contém «Disposições específicas relativas ao comércio entre Portugal e a Hungria», sem interesse para os objectivos do parecer. [4]) Segundo o artigo 6º a Associação compreende «um período de transição com uma duração máxima de dez anos, dividido em duas fases sucessivas, de cinco anos cada uma, em princípio», iniciando-se a primeira «na data da entrada em vigor do acordo» (nº 1). Por outro lado, durante «o período de doze meses que antecede o termo da primeira fase, o conselho de associação reunirá para decidir da passagem para a segunda fase, bem como de quaisquer alterações a introduzir nas medidas de execução das disposições que regem a segunda fase» (nº 3). [5]) O conselho de associação é o órgão executivo da Associação constituído, por um lado, pelos membros do Conselho e por membros da Comissão das Comunidades Europeias e, por outro, por membros do Governo húngaro (artigo 105º, nº 1). Compete-lhe «examinar os problemas importantes que se colocarem no âmbito do acordo, bem como todas as questões bilaterais ou internacionais de interesse comum» e supervisionar em geral a aplicação do mesmo instrumento (artigo 104º). Aduza-se, em sumário bosquejo, que o conselho de associação é assistido por um comité de associação (artigo 108º) e pode criar qualquer outro comité ou órgão próprio para o assistir no desempenho das suas funções (artigo 109º). Além dos órgãos aludidos, dispõe a Associação de um comité parlamentar, representando um «fórum de encontro e diálogo entre os membros do Parlamento húngaro e membros do Parlamento Europeu (artigos 110º a 112º). [6]) Que se reproduz a título elucidativo: «Artigo 44º 1. A todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional.(Direito de deslocação e emigração) 2. A todos é garantido o direito de emigrar ou de sair do território nacional e o direito de regressar.» [7]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, op. cit., págs. 210/211, que por momentos voltamos a acompanhar. [8]) Os diplomas anteriormente vigentes sobre a matéria, maxime o Decreto-Lei nº 59/93, de 3 de Março, e o Decreto Regulamentar nº 43/93, de 15 de Dezembro, foram consequentemente revogados [artigo 162º, alíneas a) e b)], mantendo-se este último transitoriamente em vigor, na medida da sua conformidade com o Decreto-Lei nº 244/98, até ao início de vigência da nova regulamentação (artigo 163º), a qual veio a constar do Decreto-Lei nº 65/2000. de 26 de Abril – sem prazo especial de vocatio legis -, no tocante à entrada e saída de estrangeiros do território nacional, à concessão de vistos no estrangeiro e nos postos de fronteira, à prorrogação da permanência, ao direito ao reagrupamento familiar, à concessão e renovação de autorizações de residência e ao boletim de alojamento. Entretanto, o Decreto-Lei nº 244/98 foi também objecto de apreciação parlamentar e alterado ou aditado em alguns dos seus preceitos [artigos 22º, nº 4, 23º, nº 3, 35º, nº 2, 51º, nº 2, alínea a), 85º, nº 1, alíneas a) e b), 89º, nº 3, 91º, nº 4, e 159º, nº 3] pela Lei nº 97/99, de 26 de Junho. Outras alterações foram ainda introduzidas no mesmo diploma, mediante o Decreto-Lei nº 4/2001, de 10 de Janeiro – sem especial prazo de vacatio legis -, que o republicou «em anexo, com as necessárias correcções materiais» (artigo 7º), alterações que se tomam em consideração na exposição subsequente. Segundo a nótula preambular, procurou-se «acautelar, por um lado, o interesse público e, por outro, garantir os direitos e interesses que se pretenderam salvaguardar aquando da elaboração dos referidos diplomas legais [o Decreto-Lei nº 244/98 e a Lei nº 97/99, entenda-se], tendo em vista a evolução do fenómeno migratório verificado em Portugal nos últimos anos». [9]) Os casos em que pode ser aplicada a pena acessória de expulsão vêm indicados no artigo 101º. [10]) O artigo 113º regula a instauração e organização, pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do processo de expulsão determinada por autoridade judicial. [11]) O artigo 103º prevê a competência do director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para mandar instaurar em geral processos de expulsão, ordenar a sua prossecução e envio ao tribunal competente e determinar o seu arquivamento. [12]) As condições de entrada e permanência regular de estrangeiros em território português vem definidas nos Decretos–Leis nºs 244/98, de 8 de Agosto e 65/2000, de 26 de Abril, para que se remete. [13]) Basta considerar a natureza do Serviço, ao qual o artigo 1º do Decreto-Lei nº 252/2000, de 16 de Outubro, seu vigente diploma orgânico, assina, «no quadro da política de segurança interna», os objectivos fundamentais – que o elenco de atribuições «no plano interno» e «no plano internacional», delineadas no artigo 2º elucidativamente densifica – de «controlar a circulação de pessoas nas fronteiras, a permanência e actividades de estrangeiros em território nacional, bem como estudar, promover, coordenar e executar as medidas e acções relacionadas com aquelas actividades e com os movimentos migratórios». [14]) O artigo 5º do Decreto-Lei nº 244/98 considera «zona internacional», para «efeitos de controlo documental», a zona do aeroporto «compreendida entre os pontos de embarque e desembarque e o local onde forem instalados os pontos de controlo documental de pessoas». [15]) Em caso de necessidade considerar-se-ia, inclusive, a possibilidade de emissão do «documento de viagem» a que alude o artigo 75º do citado Decreto-Lei, embora ao que parece se trate de documento vocacionalmente pensado para as situações de expulsão decretada pelas autoridades portuguesas. O respectivo modelo, aprovado pelo Ministro da Administração Interna mediante Portaria nº 664/99, de 18 de Agosto, não se afigura, aliás, inutilizável nas hipóteses esboçadas no texto. [16]) Aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 28/92, de 13 de Agosto, e ratificado por Decreto do Presidente da República nº 19/92, da mesma data. [17]) Tanto mais que no «convénio de aplicação» previsto no artigo 11º se definirão ainda aspectos como os seguintes: «as autoridades competentes e outrossim as maneiras do procedimento do trânsito e transferência e as de informação mútua» [alínea b)]; «os documentos e dados necessários para o recebimento, ou seja para o trânsito e transferência» [alínea c)]; «os locais fronteiriços para recebimento de pessoas» [alínea d)]. [18]) Ao tema dos dados pessoais concernem ainda, mais ou menos directamente, preceitos esparsos do Acordo de Associação entre a Comunidade e a Hungria (supra, II, 3.3) que interessam também ao segundo Convénio objecto da consulta e desde já importa referenciar. O artigo 92º inclui, entre os aspectos da cooperação económica no domínio das alfândegas, o «intercâmbio de informações», em especial (cfr. infra, III, 4.), sector acerca do qual os artigos 10º e 11º do Protocolo nº 6 detalham prescrições nos capítulos da confidencialidade e da utilização/transmissão dos dados (infra, nota 20). O artigo 96º prevê no seu nº 3 como instrumento da assistência técnica e administrativa mútua em sede de cooperação na «luta contra a droga», entre outros mecanismos, a criação de «centros de informação» (cfr. infra, III, 4.). O artigo 114º (infra, nota 22) ressalva a adopção, por qualquer das Partes contratantes, de medidas, nomeadamente, consideradas necessárias para evitar a divulgação de informações em matéria de segurança [alínea a)]. Finalmente, no capítulo das «Declarações Conjuntas», as Partes afirmam (nº 12), com referência ao artigo 62º, que «não farão uso das disposições sobre sigilo profissional para impedir a revelação de informação no campo da concorrência». [19]) Chame-se a propósito à colação o preceito homólogo do nº 5 do artigo 7º do segundo «Convénio» objecto do presente parecer (cfr. supra, ponto I), a que vai dedicado o subsequente ponto III. **) Examinado o primeiro projecto constante da consulta, refira-se haver sido objecto de publicação – aprovado para ratificação por Resolução da Assembleia da República nº 62/2001, de 23 de Outubro de 2001, e ratificada por Decreto do Presidente da República nº 52/2001, da mesma data – um «Acordo entre a República Portuguesa e a República da Hungria sobre Readmissão de Pessoas em Situação Irregular», que se admite corresponder, com substanciais alterações e notáveis aperfeiçoamentos, ao presente instrumento. [20]) Conheça-se o teor dos artigos 10º e 11º: «Artigo 10º 1. As informações comunicadas sob qualquer forma nos termos do presente protocolo revestir-se-ão de carácter confidencial. As informações estarão sujeitas à obrigação do segredo oficial e beneficiarão da protecção prevista na legislação aplicável na parte contratante que recebeu essas informações, bem como nas disposições correspondentes aplicáveis às autoridades comunitárias.Obrigação de respeitar a confidencialidade 2. Não podem ser transmitidas informações nominativas sempre que existam motivos razoáveis para crer que a transferência ou a utilização das informações comunicadas serão contrárias aos princípios jurídicos fundamentais de uma das partes e, em especial, que a pessoa em questão possa ser indevidamente prejudicada. A parte requerente pode informar a parte que forneceu as informações, a pedido desta última, da utilização das informações prestadas e dos resultados obtidos. 3. As informações nominativas só podem ser transmitidas às autoridades aduaneiras e, no âmbito de uma acção penal, ao ministério público e às autoridades judiciais. Tais informações só poderão ser transmitidas a outras pessoas ou autoridades mediante autorização prévia da autoridade que forneceu as informações. 4. A parte que fornece as informações deve verificar a exactidão das mesmas. Sempre que se verificar que as informações comunicadas eram inexactas ou deveriam ser eliminadas, tal facto deve ser imediatamente notificado à parte que recebeu as informações, que deve proceder à sua correcção ou eliminação. 5. Sem prejuízo do interesse público, a pessoa em questão pode obter, mediante pedido, esclarecimento relativos às informações registadas e aos objectivos desse registo. «Artigo 11º 1. As informações obtidas serão utilizadas unicamente para efeitos do presente protocolo e só podem ser utilizadas por qualquer parte contratante para outros fins mediante a autorização prévia por escrito da autoridade administrativa que as prestou, estando sujeitas a quaisquer restrições impostas por essa autoridade. Estas disposições não se aplicam às informações relativas às infracções no domínio dos narcóticos e das substâncias psicotrópicas. Essas informações podem ser comunicadas a outras autoridades directamente envolvidas no combate ao tráfico ilícito de drogas, sob reserva das limitações previstas no artigo 2º.Utilização das informações 2. O nº 1 não obsta à utilização das informações em quaisquer acções de carácter judicial ou administrativo posteriormente iniciadas por inobservância da legislação aduaneira. 3. As partes contratantes podem, nos registos, relatórios e testemunhos de que disponham, bem como nas acções propostas e acusações deduzidas em tribunal, utilizar como elemento de prova as informações obtidas e os documentos consultados nos termos das disposições do presente protocolo.» [21]) O artigo 15º do Protocolo nº 6 reza assim: «Artigo 15º 1. O presente protocolo complementará e não obstará à aplicação de quaisquer acordos sobre assistência mútua que tenham sido concluídos ou possam ser concluídos entre um ou vários Estados-membros da Comunidade Europeia e a Hungria. O presente protocolo não prejudicará uma intensificação da assistência mútua concedida ao abrigo desses acordos.Complementaridade 2. Sem prejuízo do artigo 11º, esses acordos não prejudicam as disposições comunitárias que regem a comunicação entre os serviços competentes da Comissão e as autoridades aduaneiras dos Estados-membros de quaisquer informações obtidas em matéria aduaneira que se possam revestir de interesse para a Comunidade.» [22]) O artigo 114º dispõe o seguinte: «Artigo 114º Nenhuma disposição do presente acordo obsta a que uma parte contratante adopte quaisquer medidas:a) Que considere necessárias para evitar a divulgação de informações contrárias aos seus interesses essenciais em matéria de segurança; b) relacionadas com a produção ou o comércio de armas, de munições ou de material de guerra ou com a investigação, desenvolvimento ou produção indispensáveis para assegurar a sua defesa, desde que tais medidas não prejudiquem as condições de concorrência no que diz respeito aos produtos não destinados a fins especificamente militares; c) Que considere essenciais para a sua segurança, no caso de graves perturbações internas que afectem a manutenção da lei e da ordem, em tempo de guerra ou de grave tensão internacional que constitua uma ameaça de guerra, ou para fazer face a compromissos que assumiu para a manutenção da paz e da segurança internacional.» [23]) Advirta-se que a Lei nº 149/99 foi alterada pela Lei nº 104/2001, de 25 de Agosto, em termos que subsequentemente se tomarão em conta. [24]) Nos termos das alíneas a) a d) do nº 2 do mesmo artigo 6º, o disposto nas alíneas e) e f) não obsta à cooperação verificadas determinadas situações e a prestação de certas garantias aí descritas. [25]) O nº 2 do artigo 7º exclui, de resto, a natureza política dos actos e infracções enunciados nas suas alíneas a) a d) – v.g., o «genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949»; as «infracções referidas no artigo 1º da Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo, aberta para assinatura a 27 de Janeiro de 1977». [26]) Os artigos 160º-A a 160º-C foram aditados à Lei nº 144/99 pelo artigo 2º da Lei nº 104/2001, de 25 de Agosto (supra, nota 23). Por outro lado, o artigo 3º revogou o artigo 61º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, que regulava a medida das «entregas controladas» no domínio da droga, agora constante do artigo 160º-A e, bem assim, o artigo 20º do Decreto-Lei nº 325/95, de 2 de Dezembro, que estendera a mesma medida aos crimes de branqueamento de capitais, outros bens ou produtos provenientes daquele tráfico. [27]) O terrorismo é crime previsto e punido pelos artigos 300º e 301º do Código Penal. Portugal e a Hungria são, aliás, Estados partes da Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo, aberta à assinatura em Estrasburgo a 27 de Janeiro de 1977. [28]) Cfr., os artigos 21º e segs. da vigente lei da droga constante do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro – publicado em sequência da ratificação da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas, de 20 de Novembro de 1988, por Decreto do Presidente da República nº 45/91, «Diário da República», I Série-A, nº 205, de 6 de Setembro de 1991, págs. 4706 e 4710 e segs. -, depois alterado, nomeadamente, pelas Leis nº 45/96, de 3 de Setembro, nº 30/2000, de 29 de Novembro, e 104/2001, de 25 de Agosto (cfr., quanto a esta, supra, nota 26). [29]) Acerca das medidas de natureza preventiva e repressiva do branqueamento de capitais e de outros bens ou produtos provenientes da prática de crimes, cfr. o Decreto-Lei nº 325/95, citado supra, nota 26, e, nomeadamente, as incriminações tipificadas no seu artigo 2º. |