Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002692
Parecer: P000972005
Nº do Documento: PPA02022006009700
Descritores: LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL
CONTRATO DE PATROCINIO
PUBLICIDADE
JOGO DE FORTUNA E AZAR
JOGO ELECTRÓNICO
EXPLORAÇÃO ILICITA DE JOGO
INSTIGAÇÃO PÚBLICA A UM CRIME
APOSTAS MÚTUAS DESPORTIVAS
DIREITO EXCLUSIVO
MONOPÓLIO
SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
PESSOA COLECTIVA
ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA
RECEITA
TUTELA INSPECTIVA
MENSAGEM PUBLICITÁRIA
LOGOTIPO
VALIDADE
CONTRATO
VIOLAÇÃO DE NORMA IMPERATIVA
NULIDADE
Livro: 00
Numero Oficio: 1173
Data Oficio: 08/26/2005
Pedido: 08/26/2005
Data de Distribuição: 09/22/2005
Relator: PAULO SÁ
Sessões: 01
Data da Votação: 02/02/2006
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: PCM
Entidades do Departamento 1: SE DA JUVENTUDE E DO DESPORTO
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 06/27/2006
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 01-08-2006
Nº do Jornal Oficial: 147
Nº da Página do Jornal Oficial: 13600
Indicação 1: ESTE PARECER FOI HOMOLOGADO POR DESPACHO DE SUAS EXCELÊNCIAS O SECRETÁRIO DE ESTADO DA JUVENTUDE E DO DESPORTO E SECRETÁRIO DE ESTADO DO COMÉRCIO, SERVIÇOS E DEFESA DO CONSUMIDOR, EM 27 DE JUNHO DE 2006, CONFORME DESPACHO Nº 15505/2006 PUBLICADO DO DR. II SÉRIE, Nº 138, DE 19 DE JULHO DE 2006, PÁG. 11759.
Indicação 2: ASSESSOR:MARIA JOSÉ RODRIGUES
Área Temática:DIR ADM * ADM PUBL * ASSOC PUBL / DIR CIV * TEORIA GERAL/ DIR COM * SOC COM / DIR COMUN / DIR ECON * DIR CONC * DIR PENAL ECON / DIR ORD SOC /
Ref. Pareceres:P000462004Parecer: P000462004
P001142004Parecer: P001142004
P000712002Parecer: P000712002
P000752002Parecer: P000752002
P000301991Parecer: P000301991
P000291984Parecer: P000291984
P000101991Parecer: P000101991
P000012003Parecer: P000012003
Legislação:CRP76 ART12 ART46 ART79 ART112 ART267 ; DL 330/90 DE 1990.10.23 ART3 ART11 ART21 ART24 ; DL 136/2002 DE 2002.05.16 ; DL 594/74 DE 1974.11.07 ART34 ; CCIV66 ART157 ART160 ART194 ART289 ART286 ART294 ; L 1/90 DE 1990.01.13 ; L 30/2004 DE 2004.07.21 ; DL 84/85 DE 1985.03.28 ; DL 225/98 DE 1998.07.17 ; DL 114/93 DE 1993.04.26 ; L 422/89 DE 1989.12.02 ART108 ; L 40/2005 DE 2005.02.17 ; DL 84/85 DE 1985.03.28 ; DL 268/92 DE 1992.11.28 ; COD PENAL82 ART4 ART297 ; DL 282/2003 DE 2003.11.08 ; RES 97/2003 DE 2003.08.01 ; DESP CONJ. 231-A/2005 DE 2005.03.11 ; DL 7/2004 DE 01.07
Direito Comunitário:TUE ART49 ; DIREC 2002/58/CE DE 2002.07.12 ; AC TJCE DE 1994.03.24, PROC C-273/92, SCHINDLER; AC TJCE DE 1999.09.21, PROC. C-124/97, LAARA; AC TJCE DE 2003.09.11, PROC. C-6/2001, ANOMAR; AC TJCE DE 2003.11.06, PROC. C-243/2001, GAMBELLI;
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC RL DE 2001.03.08, PROC. 03774; AC RL DE 2001.10.04, PROC. 0019213
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª A celebração do contrato de patrocínio entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a sociedade “Betandwin International (BAI) Limited” insere-se no âmbito das competências estritas de direito privado da Liga, e, de acordo com as respectivas normas estatutárias, nele outorgaram, em nome da Liga, o seu Presidente da Direcção e o seu Director Executivo;
2.ª A publicitação do logotipo «betandwin.com», imposta pelo clausulado contratual, viola, porém, o comando do n.º 1 do artigo 21.º do Código da Publicidade, o que implica que às infracções respectivas se aplicam as disposições dos artigos 34.º, n.os 1, alínea c), e 2, e 35.º a 39.º do referido código;
3.ª A violação do comando do artigo 21.º do Código de Publicidade, norma legal de natureza imperativa, implica a nulidade do contrato, nos termos do artigo 294.º do Código Civil;
4.ª A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, tendo tal declaração efeito retroactivo.

Texto Integral: Senhor Secretário de Estado da Juventude e do
Desporto,
Excelência:

I
1. Dignou-se Vossa Excelência solicitar a emissão de parecer deste conselho sobre a seguinte questão:

«O contrato de patrocínio celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a sociedade “Betandwin International (BAI) Limited” é lícito, face ao quadro legal em vigor, particularmente face ao disposto no artigo 21.º do Código de Publicidade (Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 74/93, de 10 de Março, n.º 6/95, de 17 de Janeiro, n.º 61/97, de 25 de Março, e 275/98 de 9 de Setembro)?»

2. Conquanto não solicitada inicialmente a atribuição do carácter de urgência ao parecer, foi posteriormente representada tal necessidade, o que veio a ser determinado pelo Senhor Procurador-‑Geral da República.

Cumpre emitir parecer.
II

Para melhor enquadrar a questão objecto da consulta, citam-se os dados de facto fornecidos:

1.«A Liga Portuguesa de Futebol Profissional celebrou com a sociedade “Betandwin International (BAI) Limited” um contrato de patrocínio válido para as épocas desportivas de 2005/2006, 2006/2007, 2007/2008 e 2008/2009, cuja cópia segue em anexo;

«Nos termos do (...).»

2. O contrato anexo (abaixo traduzido) [1] (...) tem a seguinte redacção [2]: (...).

3. Por nos parecer relevante para o desenvolvimento ulterior, recolheu-se informação sobre a Betwandwin no respectivo site www.betandwin.com, já atrás referido, dele se extraindo o seguinte:

«Com base numa licença para apostas de desporto e jogos de casino emitida em Gibraltar, toda a actividade de jogo da empresa é operada pela BAW International Ltd., uma subsidiária da BETandWIN.com Interactive Entertainment AG. A subsidiária é responsável pelo serviço de apoio a clientes, gestão de risco e actividades dos agentes de apostas.

«A empresa-mãe, BETandWIN.com Interactive Entertainment AG, foi fundada em Dezembro de 1997, com o objectivo de desenvolver produtos de jogos online para o mercado global da Internet. A empresa, situada na Áustria, está cotada na Bolsa de Valores de Viena desde Março de 2000 (Código ID "BWIN", Código ID Reuters "BWIN.VI").

«Uma lista diária de mais de 4000 apostas em mais de 40 desportos diferentes, mais de 30 jogos de casino, utilizando a mais recente tecnologia Flash e várias tipos de jogos de lotaria, com sorteios a cada 60 segundos – eis uma amostra do que pode encontrar na betandwin, um dos mais inovadores promotores de jogos na Internet.
«A BAW International Ltd., a empresa operadora da betandwin, possui licenças europeias para apostas em desportos e licença de casino, emitidas em Gibraltar, sob a supervisão oficial permanente do Governo de Gibraltar. A empresa é gerida por executivos experientes e possui uma equipa internacional altamente qualificada, cujos elementos têm muitos anos de experiência no mercado internacional de apostas de desporto e de casino.

«Registada em Gibraltar, a BAW International Ltd. foi fundada em 1999 sob o nome Simon Bold (Gibraltar) Ltd.

«O fundador da empresa, Simon Bold, tem mais de 26 anos de experiência na indústria de apostas internacional. Como fundador e principal accionista da empresa com sede em Liverpool, Mawdsley Bookmakers (mais de 40 agências de apostas no norte de Inglaterra, 200 empregados e um volume de negócios anual de mais de 32 milhões de euros), foi o primeiro a introduzir o sistema de apostas em larga escala através de "cartão de débito" em 1989. Em 1991, as agências de apostas foram vendidas à Stanley Leisure PLC, empresa cotada na bolsa.

«Em Novembro de 1999, a Simon Bold (Gibraltar) Ltd. conseguiu a última licença de apostas a ser emitida em Gibraltar até à data. Em Dezembro de 1999, a empresa começou a oferecer um sistema de apostas por telefone, abrindo o seu segundo canal de distribuição na Internet em Junho de 2000.

«Após a sua aquisição, em Junho de 2001, pela BETandWIN.com Interactive Entertainment AG, (…), a empresa alterou o seu nome para BAW International Ltd.

«No Outono de 2001, a licença da empresa foi alargada, pelo que, em Dezembro de 2001, a BAW International Ltd. pôde começar a operar um casino online com base numa licença emitida pelo Governo de Gibraltar.

«Para além da betandwin, a BAW International Ltd. opera, actualmente, outros onze sites de jogos, incluindo o www.playit.com, destinado ao mercado escandinavo, e o www.beteurope.com, voltado para o mercado de língua turca.»[3]


III

1. O conjunto problemático colocado à apreciação do Conselho Consultivo desdobra-se nas questões que se passam a enunciar.

A primeira reconduz-se a saber se os contraentes envolvidos e designadamente a Liga podem celebrar contratos de patrocínio.

A segunda respeita à caracterização do presente contrato como de patrocínio.

A terceira centra-se no apuramento da compatibilidade legal do contrato com o artigo 21.º do Código da Publicidade ou com outros normativos que se lhe apliquem e da respectiva repercussão na validade do contrato.

2. Assim, no que interessa aos fins da consulta, importa começar por indagar a natureza, os fins e o regime jurídico da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, devendo fundamentalmente equacionar-se a temática do princípio da especialidade do fim das pessoas colectivas.

Seguidamente, há que conhecer as estipulações que disciplinam o exercício do mandato dos titulares dos seus órgãos e a respectiva competência, recorrendo, para tanto, às normas dos respectivos estatutos.
IV
1. A Constituição da República Portuguesa[4] consagra no n.º 1 do seu artigo 79.º, como fundamental, o direito de todos à cultura física e ao desporto, e acrescenta no n.º 2 que «[i]ncumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto».

Este n.º 2, na exacta medida em que estabelece «uma imposição constitucional de promoção da cultura física e desporto em colaboração com as escolas e as associações e colectividades desportivas, aponta um modelo colaborativo do Estado com as estruturas autónomas do desporto (independentemente de se saber qual o carácter – público ou privado – das associações e federações desportivas). Este modelo colaborativo (não estatal) tem uma vertente descentralizadora, com a consequente redução das assimetrias regionais e da desigualdade de acesso às práticas desportivas. Este modelo serve também de impulso ao associativismo desportivo (Lei n.º 1/90, arts. 11.º e 20.º)»[5]/[6].

2. As federações e as ligas desportivas inserem-se no conceito de «associação», pelo que importa sublinhar que a Constituição da República prescreve que «[a]s pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza» (n.º 2 do artigo 12.º) e inclui no elenco dos direitos, liberdades e garantias pessoais o direito à livre constituição de associações (artigo 46.º). Com efeito, estabelece o artigo 46.º da Lei Fundamental:

«Artigo 46.º
Liberdade de associação
1 – Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins que não sejam contrários à lei penal.
2 – As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial.
(...)».

O direito de associação é, segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[7], «um direito complexo, que se analisa em vários direitos ou liberdades específicos. O n.º 1 reconhece o chamado direito positivo de associação, ou seja, o direito individual dos cidadãos a constituir livremente associações sem impedimentos e sem imposições do Estado, bem como o direito de se filiar em associação já constituída; o n.º 2 reconhece a liberdade de associação, enquanto direito da própria associação a organizar-se e a prosseguir livremente a sua actividade».

Prosseguindo o seu comentário sobre a norma citada, dizem ainda os referidos constitucionalistas: «[a]s associações “prosseguem livremente os seus fins” (n.º 2, 1.ª parte), tendo pois direito a gerir livremente a sua vida (autodeterminação) – mas isso não significa que, quando as actividades externas a que elas se dediquem estejam sujeitas a determinados requisitos gerais, elas fiquem livres de se submeterem a eles»; por outro lado, «[o] n.º 2 abrange ainda explícita ou implicitamente outras dimensões essenciais da liberdade de associação, designadamente a liberdade de auto-organização e de autogestão, consubstanciadas na autonomia estatutária (não podendo os estatutos das associações estar dependentes de qualquer aprovação ou sanção administrativa e muito menos ser impostos pelas autoridades), a liberdade de organização (não podendo a designação dos órgãos directivos da associação estar dependente de qualquer aprovação ou controlo administrativo, e muito menos de imposição administrativa) e a liberdade de gestão (não podendo os seus actos ficar dependentes de aprovação ou referenda administrativa) – a liberdade de auto-organização e de autogestão não prejudica naturalmente a fixação normativa de regras de organização e gestão que não afectem substancialmente a liberdade de associação, nomeadamente os requisitos mínimos de uma organização democrática (...)»[8] .

A relação já abordada entre a constitucionalização do direito ao desporto e o desenvolvimento do «associativismo desportivo» implica outros efeitos.

Merece, por isso, referência o disposto no n.º 6 do artigo 267.º da Constituição (com a epígrafe «Estrutura da Administração»), onde se estabelece que «[a]s entidades privadas que exerçam poderes públicos podem ser sujeitas, nos termos da lei, a fiscalização administrativa».

Para NUNO VASCONCELOS SOUSA[9] tal normativo «significa que, só para este efeito, estas entidades privadas se encontram conexionadas com o conceito orgânico de Administração Pública. Não são de considerar órgãos da Administração Pública para efeitos do Código do Procedimento Administrativo, podendo aplicar-se-lhes os preceitos deste Código por força da lei (artigo 2.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo)».

ALEXANDRA PESSANHA[10], por sua vez, numa perspectiva mais específica, afirma que a forma de fiscalização prevista no n.º 6 do artigo 267.º citado «apenas pode ser concebida no plano do pleno respeito pela autonomia das federações desportivas, podendo somente incidir sobre o exercício dos poderes de natureza pública, em respeito das garantias constitucionais da liberdade de associação», para logo adiantar que «a tutela administrativa sobre as pessoas colectivas de utilidade pública, nas quais se incluem as federações desportivas, “resume-se a um mero controlo de legalidade”x que poderá dar lugar ao cancelamento ou suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva, nos casos expressamente previstos na lei».

3. «O princípio da liberdade de associação fora já reconhecido e regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembrox1, a denominada lei das associações, em cujo preâmbulo se esclarece que “[o] direito à constituição de associações passa a ser livre e a personalidade jurídica adquire-se por mero acto de depósito dos estatutos. Exige-se das associações que se subordinem ao princípio da especificidade dos fins e ao respeito pelos valores normativos que são a base e garantia da liberdade de todos os cidadãos”[11].

«O regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 594/74 suprime “a exigência de autorizações administrativas que condicionavam a livre constituição de associações e o seu normal desenvolvimento”x2, garantindo o livre exercício do direito de associação aos cidadãos maiores de 18 anos, no gozo dos seus direitos civis, para fins não contrários à lei ou à moral pública (artigo 1.º) e não permitindo que as associações tenham por finalidade «o derrubamento das instituições democráticas ou a apologia do ódio ou da violência» (artigo 3.º).»

O actual artigo 4.º do diploma estabelece que a aquisição da personalidade da associação ocorre «com o depósito, contra recibo, de um exemplar do acto de constituição e dos estatutos no Governo Civil da área da respectiva sede, após prévia publicação no Diário da República e num dos jornais diários mais lidos na região, de um extracto, autenticado por notário, do seu título constitutivo [...]» (n.º 1), devendo ser remetida, dentro de oito dias a contar da data do depósito, uma cópia do título constitutivo ao agente do Ministério Público junto do tribunal da comarca da sede da associação, por forma a possibilitar que este promova a declaração judicial de extinção da associação, se for caso disso (n.º 2).[12]

Dele merece ainda destaque o artigo 16.º que prevê que «[a]s associações reger-se-ão pelas normas dos artigos 157.º e seguintes do Código Civil em tudo o que não for contrário a este diploma».

4. Ora, o Código Civil – artigos 157.º a 194.º– estatui sobre as pessoas colectivas em sentido restrito, sendo os artigos 157.º a 166.º disposições de carácter geral, os artigos 167.º a 184.º disposições específicas das associações e os artigos 185.º a 194.º relativos às fundações.

Do teor literal do artigo 157.º se extrai que as associações aqui abrangidas são as que não tenham por fim o lucro económico dos associados .

«Na síntese de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELAx3, «[q]uando, a propósito das associações, a lei fala apenas nas que não tenham por fim o lucro económico dos associados, quer precisamente excluir as sociedades, para compreender apenas as associações de fim desinteressado ou altruístico (as associações de beneficência, por ex.), as associações de fim ideal, embora interessado ou egoístico, como sejam as academias literárias ou científicas, as associações desportivas, de recreio, etc., e ainda as associações de fim económico, mas não lucrativo (caso típico de certas cooperativas, das associações de socorros mútuos, das instituições particulares de previdência, etc.)».

A Liga Portuguesa de Futebol Profissional, que, como veremos adiante, se configura como pessoa colectiva, constituída sob a forma associativa e sem fins lucrativos, está submetida, na formação e ordenação estatutárias, às normas legais imperativas respeitantes às associações.

As normas do Código Civil consagradas às associações, como pessoas colectivas, prescrevem sobre a aquisição da personalidade (artigo 158.º), nulidade do acto de constituição (artigo 158.º-A), localidade da sede (artigo 159.º), capacidade (artigo 160.º), órgãos (artigo 162.º), representação (artigo 163.º), obrigações e responsabilidade dos titulares dos seus órgãos (artigo 164.º), responsabilidade civil (artigo 165.º), destino dos bens no caso de extinção (artigo 166.º), acto de constituição e estatutos (artigos 167.º e 168.º), titularidade dos órgãos (artigo 170.º), convocação e funcionamento do órgão da administração e do conselho fiscal (artigo 171.º), competência, convocação e funcionamento da assembleia geral (artigos 172.º a 175.º), privação do direito de voto (artigo 176.º), anulabilidade das deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos (artigos 177.º a 179.º), natureza pessoal da qualidade de associado (artigo 180.º), efeitos da saída ou exclusão do associado (artigo 181.º), causas e efeitos da extinção (artigos 182.º a 184.º).

Nesta perspectiva, merece destaque a disciplina do Código Civil no que diz respeito à capacidade de gozo de direitos, constante do artigo 160.º, que abaixo se transcreve:
«Artigo 160.º
(Capacidade)
1 – A capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários e convenientes à prossecução dos seus fins.
2 – Exceptuam-se os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade singular.»

«Consagra-se, por conseguinte, o princípio da especialidade, mas com uma larga atenuação do seu rigorx4», já que se admite que a pessoa colectiva pratique actos convenientes à prossecução dos seus fins, actos esses que podem afastar-se, quanto ao seu objecto, dos fins da pessoa colectiva, como seja, «a organização duma festa com o fim de angariar fundos para a colectividade»x5.

5. Mostra-se agora pertinente fazer o enquadramento normativo das ligas desportivas no ordenamento público do desporto.

5.1. O princípio fundamental constitucional atrás referido do direito de todos ao desporto veio a ser regulado na legislação ordinária através da publicação da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro (Lei de Bases do Sistema Desportivo)[13], que teve por objecto primordial, e com carácter inovador, o quadro geral do sistema desportivo[14].

Posteriormente, através da revisão operada pela Lei n.º 19/96, de 25 de Junho, foram introduzidas algumas alterações naquela Lei de Bases, nomeadamente no domínio da concepção organizacional do desporto profissional e, actualmente é a Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho (Lei de Bases do Desporto) que vigora, tendo revogado a Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro[15].

A Lei n.º 30/2004 tem, tal como aquela que substituiu, natureza de lei de valor reforçado[16], e «define as bases gerais do sistema desportivo» – n.º 1 do artigo 1.º

A designação «Lei de Bases» refere-se àquelas «leis que regulam o modo de produção de certas outras leis e estabelecem os respectivos parâmetros materiais», tratando-se de conceito hoje consagrado constitucionalmente – cf. n.º 3 do artigo 112.º da Constituição[17].

A sistemática do diploma estrutura-se em treze capítulos (alguns divididos em secções e uma delas em subsecções), a saber: Capítulo I (Âmbito e objectivos; artigos 1.º a 2.º); Capítulo II (Princípios orientadores; artigos 3.º a 13.º); Capítulo III (Organização do desporto; artigos 14.º a 32.º); Capítulo IV (Recursos humanos no desporto; artigos 33.º a 39.º); Capítulo V (Ética, voluntariado e justiça desportivos; artigos 40.º a 49.º); Capítulo VI (Actividade desportiva; artigos 50.º a 63.º); Capítulo VII (Planeamento e financiamento da actividade desportiva; artigos 64.º a 68.º); Capítulo VIII (Protecção dos desportistas; artigos 69.º a 71.º); Capítulo IX (Articulação com outros sectores; artigos 72.º a 79.º); Capítulo X (Infra-estruturas desportivas; artigos 80.º a 84.º); Capítulo XI (Intercâmbio internacional; artigo 85.º); Capítulo XII (Sistema de informação desportiva; artigos 86.º a 88.º); Capítulo XIII (Disposições finais; artigos 89.º a 90.º).

O artigo 1.º define o sistema desportivo como «o conjunto de meios pelos quais se concretiza o direito ao desporto, visando garantir a igualdade de direitos e oportunidades quanto ao acesso e à generalização das práticas desportivas diferenciadas» (n.º 2), esclarecendo que «[o] sistema desportivo desenvolve-se segundo uma coordenação aberta e uma colaboração prioritária e necessária entre a organização pública do desporto e os corpos sociais intermédios públicos e privados que compõem o sistema desportivo» (n.º 3).

De entre os princípios orientadores do sistema desportivo, merecem realce os referidos na epígrafe dos artigos 11.º e 12.º que estabelecem:
«Artigo 11.º
(Princípio da intervenção pública)
1 – A intervenção dos poderes públicos, no âmbito da política desportiva, é complementar e subsidiária à intervenção dos corpos sociais intermédios públicos e privados que compõem o sistema desportivo, num contexto de partilha de responsabilidades.
2 – As prioridades de intervenção dos poderes públicos situam-se nos domínios da regulação, fiscalização e cooperação técnico-financeira.
«Artigo 12.º
(Princípio da autonomia e relevância do movimento associativo) 1 – É reconhecido e deve ser fomentado o papel essencial dos clubes e das suas associações e federações no enquadramento da actividade desportiva e na definição da política desportiva.
2 – É reconhecida a autonomia das organizações desportivas e o seu direito à auto-organização através das estruturas associativas adequadas, assumindo-se as federações desportivas como o elemento chave de uma forma organizativa que garanta a coesão desportiva e a democracia participativa.»

As disposições que versam sobre a definição de federação desportiva, a concessão do estatuto de utilidade pública desportiva e o conteúdo dos estatutos das federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva inserem-se na Subsecção I (Movimento associativo desportivo), da Secção II (Organização privada do desporto), do Capítulo III (Organização do desporto), e dispõem nos termos seguintes:
«Artigo 20.º
(Federações desportivas)
Federação desportiva é a pessoa colectiva de direito privado que, englobando praticantes, clubes, sociedades desportivas ou agrupamentos de clubes e de sociedades desportivas, se constitua sob a forma de associação sem fins lucrativos, e se proponha, nos termos dos respectivos estatutos, prosseguir, entre outros, os seguintes objectivos gerais:
a) Promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, a prática de uma modalidade desportiva ou o conjunto de modalidades afins ou combinadas;
b) Representar perante a Administração Pública os interesses dos seus filiados;
c) Representar a respectiva modalidade desportiva, ou conjunto de modalidades afins ou combinadas, junto das organizações congéneres estrangeiras ou internacionais;
d) Promover a formação dos jovens desportistas;
e) Promover a defesa da ética desportiva;
f) Apoiar, com meios humanos e financeiros, as práticas desportivas não profissionais;
g) Fomentar o desenvolvimento do desporto de alta competição na respectiva modalidade;
h) Organizar a preparação desportiva e a participação competitiva das selecções nacionais;
i) Assegurar o processo de formação dos recursos humanos no desporto e dos recursos humanos relacionados com o desporto.
«Artigo 22.º
(Estatuto de utilidade pública desportiva)
1 – Às federações desportivas pode ser concedido o estatuto de utilidade pública desportiva, através do qual se lhes atribui a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública.
2 – As condições de atribuição bem como os processos de suspensão e cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva e a organização interna das federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva são definidos por diplomas próprios.

«Artigo 23.º
(Estatutos e regulamentos)
1 – Para além das matérias exigidas pela lei e pelo regime jurídico das federações desportivas, os estatutos das federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva devem especificar e regular o seguinte:
a) Localização da sede em território nacional;
b) Obrigatoriedade de contabilidade organizada;
c) Interdição de filiação dos seus membros numa outra federação desportiva da mesma modalidade;
d) Limitação de mandatos para os membros titulares dos órgãos estatutários;
e) Incompatibilidades e impedimentos com a função de órgão federativo;
f) Igualdade de acesso de homens e mulheres aos órgãos estatutários.
2 – O regime jurídico das federações desportivas prevê o conjunto de regulamentos e respectivas matérias que as federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva devem elaborar.»

Sublinhe-se que o atrás transcrito artigo 20.º transcrito qualifica expressamente a federação desportiva como «pessoa colectiva de direito privado», o que não acontecia no artigo 21.º da anterior Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro), que definia as federações desportivas apenas como «pessoas colectivas», resultando dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 30/2004 que o aditamento da expressão «de direito privado», após «pessoa colectiva», foi proposta pelo PSD e pelo CDS-PP e introduzida em sede de redacção final[18].

O mesmo normativo consagra as federações desportivas como as principais entidades organizadoras das acções de formação dos recursos humanos do desporto e dos recursos humanos relacionados com o desporto [alíneas d) e i)], atribuindo-lhes especiais responsabilidades no respectivo processo de formação.

Quanto aos artigos 22.º e 23.º regulam as condições de atribuição, suspensão e cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva (o primeiro) e as exigências legais relativas ao estatuto e regime jurídico das federações desportivas, dotadas de utilidade pública desportiva (o segundo).

Neste capítulo, com interesse para a questão que estamos a tratar, encontramos o artigo 24.º, que dispõe:
«Artigo 24.º
(Ligas profissionais)
1 – No seio das federações unidesportivas dotadas de utilidade pública desportiva em que se disputem competições desportivas reconhecidas como tendo natureza profissional deve constituir-se uma liga profissional, dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira.
2 – Nas modalidades colectivas, a liga profissional integra obrigatória e exclusivamente todos os clubes e ou sociedades desportivas que disputem competições profissionais.
3 – Nas modalidades individuais, a liga profissional ou entidade análoga integra obrigatória e exclusivamente todos os praticantes desportivos profissionais.
4 – A liga profissional ou entidade análoga é o órgão autónomo da federação para o desporto profissional, competindo-lhe, nomeadamente:
a) Organizar e regulamentar as competições de natureza profissional que se disputem no âmbito da respectiva federação, respeitando as regras técnicas definidas pelos competentes órgãos federativos nacionais e internacionais;
b) Exercer, relativamente aos seus associados, as funções de tutela, controlo e supervisão que sejam estabelecidas na lei, nos estatutos e nos regulamentos federativos;
c) Proceder à indicação dos elementos que compõem as secções previstas no n.º 5 do presente artigo;
d) Definir os critérios de gestão e de organização a cumprir pelos elementos participantes nas competições profissionais, bem como o respectivo número.
5 – Os órgãos das federações referidas no n.º 1 que tenham competência para o exercício disciplinar e para a gestão da arbitragem devem ter secções específicas para o exercício, respectivamente, do poder disciplinar e da gestão do sector de arbitragem relativos às competições reconhecidas como tendo natureza profissional.
6 – As ligas profissionais ou entidades análogas elaboram os respectivos regulamentos de arbitragem e disciplina, que submetem a ratificação pela assembleia geral da federação no seio da qual se insiram.»

No plano do apoio público à actividade desportiva convirá sublinhar que «[a] actividade desportiva promovida e desenvolvida pelas federações é objecto de apoio dos poderes públicos, com vista a facilitar a criação e generalização do associativismo desportivo» (artigo 51.º), mas que «só as federações desportivas dotadas do estatuto de utilidade pública desportiva podem beneficiar de subsídios, comparticipações ou empréstimos públicos, bem como de apoios de qualquer natureza, seja em meios técnicos, materiais ou humanos» (n.º 3 do artigo 65.º); por outro lado, só as federações desportivas dotadas do estatuto de utilidade pública desportiva «podem igualmente ser beneficiárias de receitas que lhes sejam consignadas por lei» (n.º 4 do artigo 65.º).

Exemplos de consignação de receitas são a atribuição à federação desportiva de futebol que for titular do estatuto de utilidade pública de uma percentagem sobre o produto líquido das explorações dos concursos de apostas mútuas denominadas «Totobola» e «Totoloto», prevista nos artigos 16.º, n.º 3, alínea a), e 17.º-A, ambos do Decreto-Lei n.º 84/85, de 28 de Março, bem como a distribuição dos resultados da modalidade de jogo de apostas mútuas designado «Totogolo», estabelecida no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 225/98, de 17 de Julho.

Tenha-se, ainda, presente que, nos termos do artigo 66.º, a concessão de comparticipações financeiras públicas ao associativismo desportivo está subordinada à «apresentação de programas de desenvolvimento desportivo e sua caracterização pormenorizada, com especificação, nomeadamente, das formas, dos meios e dos prazos para o seu cumprimento» [alínea a) do n.º 1], assim como à «apresentação dos custos e aferição dos graus de autonomia financeira, técnica, material e humana previstos nos programas referidos na alínea anterior» [alínea b) do n.º 2], só podendo ser concedidas «mediante a celebração de contratos-programa de desenvolvimento desportivo oficialmente publicados, regulados por diploma próprio» (n.º 2).

No âmbito do apoio financeiro ao associativismo desportivo relevam, por fim, as particulares exigências contabilísticas decorrentes da aprovação do Plano Oficial de Contabilidade para as federações desportivas, tendo «em vista uma criteriosa gestão dos meios financeiros colocados à disposição dos referidos organismos pelo Estado, ou provenientes da sua actividades corrente, que permita a melhor eficácia nas tomadas de decisão» (artigo 67.º), e o mecenato desportivo que se traduz num financiamento público indirecto da actividade desportiva (artigo 68.º).

5.2. Interessa agora considerar o Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril, que estabelece o regime jurídico das federações desportivas dotadas do estatuto de utilidade pública desportiva.[19]

Pode ler-se no respectivo preâmbulo que «o enquadramento normativo das federações desportivas, enquanto segmento do fenómeno desportivo, é essencial para o desenvolvimento do desporto nacional, com especial relevo no percurso da alta competição»; «definidas como associações de direito privado sem fins lucrativos, as federações dotadas de utilidade pública desportiva exercem em exclusivo poderes de natureza pública inscritos na lei», pelo que, «garantida a sua independência face ao Estado, o presente diploma assegura a liberdade da sua organização associativa, respeitados os princípios democráticos e de representatividade».

Como se vê, já o preâmbulo do Decreto-Lei 144/93 caracteriza as federações desportivas como associações de direito privado sem fins lucrativos e dotadas de utilidade pública.

Em primeiro lugar, convém possuir uma visão sistemática do diploma, que comporta seis capítulos: Capítulo I (Disposições Gerais; artigos 1.º a 6.º); Capítulo II (Utilidade pública desportiva; artigos 7.º a 11.º); Capítulo III (Titularidade do estatuto de utilidade pública desportiva; artigos 12.º a 19.º); Capítulo IV (Organização interna das federações dotadas de utilidade pública desportiva; artigos 20.º a 46.º); Capítulo V (Competições e selecções nacionais; artigos 47.º a 49.º); Capítulo VI (Disposições finais e transitórias; artigos 50.º a 52.º).

O Capítulo IV divide-se, por sua vez, em quatro secções: Secção I (Estatutos e regulamentos; artigos 20.º a 22.º); Secção II (Estrutura orgânica; artigos 23.º a 33.º); Secção III (Organização do sector profissional; artigos 34.º a 41.º); Secção IV (Titulares dos órgãos; artigos 42.º a 46.º).

No n.º 1 do artigo 2.º encontramos a definição da federação desportiva como «a pessoa colectiva que, integrando agentes desportivos, clubes ou agrupamentos de clubes, se constitua sob a forma de associação sem fim lucrativo, propondo-se prosseguir, a nível nacional, exclusiva ou cumulativamente, os objectivos enunciados no artigo 21.º da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro [remissão que deve considerar-se feita para o correspondente artigo 20.º da Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho, por força do preceituado no n.º 2 do artigo 90.º da mesma Lei]».

O artigo 3.º fornece a indicação do respectivo regime jurídico, ao dispor que «[à]s federações desportivas é aplicável o disposto no presente diploma e, subsidiariamente, o regime jurídico das associações de direito privado».

A propósito cita-se ALEXANDRA PESSANHA[20] que afirma que as federações desportivas estão sujeitas «ao regime de direito público, quando esteja em causa o exercício de funções administrativas e, naturalmente, ao regime de direito privado, em tudo o que respeite à prática de actos não enquadráveis nessas funções nem no exercício de prerrogativas de autoridade».

O artigo 4.º, por seu lado, consagra os princípios da liberdade, da democraticidade e da representatividade na organização das federações desportivas e na prossecução das suas actividades (n.º 1), bem como a independência daquelas federações em relação ao Estado, partidos políticos e instituições religiosas (n.º 2).

Quanto às estipulações constantes dos Capítulos II e III, referentes ao estatuto de utilidade pública desportiva, interessará sublinhar que:

– «[o] estatuto de utilidade pública desportiva atribui a uma federação desportiva, em exclusivo, a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes de natureza pública, bem como a titularidade de direitos especialmente previstos na lei» (artigo 7.º),
– têm natureza pública «os poderes das federações exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas, que sejam conferidos pela lei para a realização obrigatória de finalidades compreendidas nas atribuições do Estado e envolvam, perante terceiros, o desempenho de prerrogativas de autoridade ou a prestação de apoios ou serviços legalmente determinados» (n.º 1 do artigo 8.º).

Contrapartida da concessão do estatuto de utilidade pública desportiva é a sujeição das federações desportivas dotadas desse estatuto à fiscalização pela Administração Pública, regulada no artigo 10.º que dispõe:
«Artigo 10.º
(Fiscalização)
A fiscalização pela Administração Pública do exercício de poderes públicos e da utilização de dinheiros públicos é efectuada, nos termos da lei, mediante a realização de inspecções, inquéritos e sindicâncias.»

Esta fiscalização representa para JOSÉ MANUEL MEIRIM[21] , «estamos perante uma tutela meramente inspectiva, circunscrita materialmente a dois domínios [o exercício de poderes públicos e a utilização de dinheiros públicos], movendo-se no estrito domínio do respeito da tutela da legalidade. É nítida esta delimitação da intervenção tutelar, quando conjugamos com o subsequente artigo 18.º que se refere ao cancelamento do estatuto de utilidade pública. A decisão federativa não pode assim ser sindicada, posta em causa, substituída, alterada ou revogada, pelo seu demérito. Quando ela padeça de ilegalidade, pode ter reflexos na manutenção ou não do estatuto de utilidade pública desportiva, com a observância das garantias de defesa da entidade visada, encontrando-se sempre aberta a via da impugnação contenciosa perante os tribunais».

Dentre o vasto conjunto de direitos e regalias decorrentes da titularidade do estatuto de utilidade pública desportiva (artigo 11.º), sobressai a possibilidade do Estado «conceder às federações apoio em meios técnicos, materiais, humanos e, eventualmente, financeiros» (n.º 3 do artigo 11.º).

Convirá aludir aos requisitos pertinentes à atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 13.º:
«Artigo 13.º
(Atribuição)
1 – A atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva é decidida em função dos seguintes critérios:
a) Democraticidade e representatividade dos órgãos federativos;
b) Independência e competência técnica dos órgãos jurisdicionais próprios;
c) Grau de implantação social e desportiva a nível nacional;
d) Enquadramento em federação internacional de reconhecida representatividade.
2 – A ponderação do critério previsto na alínea c) do número anterior é feita com base, designadamente, nos seguintes indicadores:
a) Número de praticantes desportivos filiados;
b) Número de clubes e associações de clubes filiados;
c) Distribuição geográfica dos praticantes e clubes desportivos filiados;
d) Frequência e regularidade das competições desportivas organizadas;
e) Nível quantitativo e qualitativo das competições desportivas organizadas.»


Sobre este normativo apenas duas breves notas.

A primeira para referir que aos princípios da democraticidade e da representatividade se refere o já citado artigo 4.º, princípios esses que também influenciam o conteúdo de outras normas do regime jurídico das federações desportivas, nomeadamente, o artigo 24.º, sobre as eleições dos titulares dos seus órgãos, e o artigo 26.º, respeitante à composição da assembleia geral.

Por outro lado constata-se que o artigo 13.º não indica como requisito de necessário preenchimento para a atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, a conformidade do estatuto da federação desportiva com a lei, o que, porém, não deve ser lido como significativo da sua dispensabilidade.

De facto, o artigo 23.º da actual Lei de Bases do Desporto (Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho) prevê a consagração obrigatória nos estatutos das federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva «das matérias exigidas pela lei e pelo regime jurídico das federações desportivas», para além dos temas especificados nas alíneas a) a f) do seu n.º 1.

Por outro lado, os artigos 20.º a 40.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas estabelecem um conjunto de regras imperativas no domínio da organização interna daquelas organizações desportivas, destacando-se entre elas, o artigo 20.º, com a epígrafe «Estatutos», que prevê que os estatutos das federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva devem especificar e regular, «para além das [matérias] exigidas pela lei geral», as expressamente referidas nas suas alíneas a) a l).

Acresce que o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 111/97, de 9 de Maio, que introduziu alterações no regime jurídico das federações desportivas, determinou que as federações desportivas, titulares do estatuto de utilidade pública desportiva, deviam adaptar os seus estatutos e regulamentos ao disposto no referido diploma, nos prazos fixados nas suas alíneas a) e b).

Desde modo, flui das enunciadas disposições legais um dever de reforma estatutária das federações desportivas de molde à contínua observância das normas acolhidas no respectivo regime jurídico.

É, assim, inquestionável que a não conformidade dos estatutos das federações desportivas com o disposto no regime jurídico das federações desportivas pode impedir a atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, por força da norma de carácter imperativo vazada no n.º 1 do artigo 23.º da Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho (Lei de Bases do Desporto).

Para além disso, e agora em termos gerais, sublinhe-se que no âmbito do regime jurídico das associações de direito privado, a legalidade dos estatutos das federações desportivas é apreciada a posteriori, pelo que, caso não respeitem a lei geral ou o regime jurídico das federações desportivas, poderá justificar-se a intervenção do Ministério Público, nos termos dos conjugados artigos 168.º, n.º 2, 280.º, 294.º e 295.º, todos do Código Civil, e 4.º, n.º 2, in fine, e 5.º, n.º 2, ambos do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro.

5.3. Merece ainda destaque neste diploma que temos vindo a citar o artigo 34.º, que abaixo se transcreve:
«Artigo 34.º
(Liga profissional de clubes)
1 – No seio das federações unidesportivas em que se disputem competições desportivas de natureza profissional, deverá constituir-se uma liga de clubes, integrada obrigatória e exclusivamente por todos os clubes que disputem tais competições, dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira.
2 – A liga será o órgão autónomo da federação para o desporto profissional.
3 – Cabe à liga profissional de clubes exercer, relativamente às competições de carácter profissional, as competências da federação em matéria de organização, direcção e disciplina, nos termos dos artigos seguintes.
4 – O disposto no número anterior é aplicável aos direitos a que se refere o n.º 2 do artigo 11.º
5 – No âmbito das restantes federações desportivas em que existam praticantes desportivos profissionais poderão ser constituídos organismos destinados a assegurar, de forma específica, a sua representatividade no seio da respectiva federação.»

Resta concluir a abordagem desta questão, fazendo uma síntese: «às “federações” e às “ligas”, enquanto entidades reguladoras do fenómeno desportivo, cabe procurar e conformar as regras de convivência operacional e desenvolvimento integrado do desporto na respectiva modalidade – assim viabilizando e realizando a missão a que estão legalmente adstritas»[22].

5.4. Particularizando as competências e o modo de as exercer da Liga, faz agora sentido fazer a análise dos Estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional[23], citando algumas das respectivas disposições:
«Artigo 1.º
A Liga Portuguesa de Futebol Profissional é uma associação de direito privado, que se rege pelos presentes Estatutos, pelos Regulamentos que de acordo com eles forem emitidos e pela legislação aplicável.»
«Artigo 5.º
1. A Liga tem por fins principais:
a) Exercer as competências como órgão autónomo da Federação Portuguesa de Futebol de acordo com a Lei de Bases do Sistema Desportivo;
b) A promoção e defesa dos interesses comuns dos seus membros e a gestão dos assuntos inerentes à organização e prática do futebol profissional e das suas competições;
c) A organização e regulamentação das competições de carácter profissional que se disputem no âmbito da F.P.F.;
d) A exploração comercial das competições por si organizadas, com ressalva do disposto no n.º 3.
2. Para efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1, deve entender-se por exploração comercial a comercialização de todos os direitos e produtos inerentes ou conexos com as competições de carácter profissional, seja directamente pela Liga, seja através de cessão, total ou parcial, a terceiros, ou associação com outras pessoas singulares ou colectivas.
3. A exploração comercial será realizada por delegação dos clubes ou sociedades desportivas aos quais serão distribuídos os respectivos resultados, sem prejuízo da liberdade de contratação dos mesmos nas matérias que só a eles digam individualmente respeito.
«Artigo 6.º
1. Para a prossecução dos fins previstos no artigo anterior, são competências exclusivas da Liga, como órgão autónomo da Federação Portuguesa de Futebol as seguintes:
a) Organizar e regulamentar as competições de natureza profissional;
b) Aprovar os requisitos, designadamente de carácter económico e de organização, dos clubes e sociedades desportivas, que pretendam participar nessas competições;
c) Aprovar normas sobre publicidade nos equipamentos desportivos utilizados pelos clubes ou sociedades desportivas, nos quadros das disposições estabelecidas a esse respeito pelos organismos internacionais de futebol;
d) Aprovar normas sobre o ingresso nos recintos desportivos dos clubes ou sociedades desportivas assim como de qualquer outra questão relacionada com esta matéria;
e) Estabelecer o modelo oficial da bola, no respeito das Leis do Jogo;
f) Fixar o número máximo de praticantes profissionais inscritos por cada clube ou sociedade desportiva;
g) Determinar a forma e requisitos de inscrição dos futebolistas contratados pelos clubes e sociedades desportivas, assim como os seus períodos de realização;
h) Registar os contratos de trabalho dos respectivos praticantes desportivos profissionais;
i) Aprovar o número de jogadores não comunitários que poderão ser inscritos nos clubes e sociedades desportivas, tendo em conta os critérios e as normas estabelecidas pelos organismos internacionais da modalidade;
j) Determinar os horários dos jogos;
k) Determinar os critérios de subidas e descidas entre a Primeira Divisão Nacional e a Divisão de Honra, mediante informação prévia à Federação Portuguesa de Futebol;
l) Fixar, em coordenação com a Federação Portuguesa de Futebol, o número de descidas e subidas entre a Divisão de Honra e a Segunda Divisão B;
m) Elaborar e aprovar, em articulação com a Federação Portuguesa de Futebol, o calendário de jogos da Primeira Divisão Nacional e da Divisão de Honra:
n) Estabelecer os critérios e condições relativos às transmissões por rádio ou televisão dos jogos das competições de carácter profissional e conceder as respectivas autorizações;
o) Coordenar, administrar e gerir o específico sistema de arbitragem;
p) Exercer relativamente às competições profissionais, o poder disciplinar em primeiro grau de decisão;
q) Executar as deliberações do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, proferidas em recurso das decisões da Comissão Disciplinar, da Direcção da Liga ou da sua Comissão Executiva;
r) Exercer, relativamente aos clubes seus associados, as funções de tutela, controlo e supervisão, definindo, nomeadamente, as regras de gestão e fiscalização das contas aplicáveis aos clubes e sociedades desportivas enquanto participantes nas competições de natureza profissional;
s) Gerir as receitas provenientes das competições profissionais, definindo os respectivos critérios de afectação;
t) Aprovar, no âmbito das competições de carácter profissional, os Regulamentos de Competições, Disciplinar e de Arbitragem;
u) Promover acções de formação dos agentes desportivos em colaboração com as respectivas associações de classe e a Federação Portuguesa de Futebol;
v) Definir, por protocolo celebrado com a Direcção da Federação Portuguesa de Futebol, o regime aplicável em matéria de relações desportivas, financeiras e patrimoniais entre a Liga e os órgãos federativos;
x) Estabelecer a sua organização interna;
z) Exercer quaisquer outras atribuições que lhe advenham da prossecução do seu objecto ou que lhe sejam conferidas pelos seus associados, assim como aquelas que devam considerar-‑se como subordinadas ou complementares das competências supra enunciadas.
2. Para a prossecução dos interesses comuns e para a plena realização do objecto social da Liga cabem-lhe também as seguintes competências:
a) Representar o conjunto dos associados junto de todas as entidades perante as quais tenham interesses comuns, na prossecução e defesa desses interesses e em especial junto da Administração Pública, das organizações desportivas nacionais e organizações estrangeiras congéneres, do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, da Associação Nacional Treinadores de Futebol, dos Sindicatos, e demais Associações sócio-profissionais, que integrem outras pessoas ligadas aos clubes e sociedades desportivas por contrato de trabalho e dos órgãos de comunicação social, podendo negociar e concluir acordos, contratos ou convenções vinculativas para os clubes membros, designadamente convenções colectivas de trabalho;
b) Definir e impor comportamentos uniformes dos seus membros perante as entidades referidas na alínea anterior;
c) Participar activamente nas reformas das estruturas do futebol português de molde a garantir a sua constante adequação às necessidades do futebol em geral e das competições profissionais em particular;
d) Promover em conjugação com todas as partes interessadas a criação do estatuto dos praticantes, treinadores e demais agentes do futebol profissional e colaborar na definição do regime das apostas mútuas desportivas e distribuição das respectivas receitas;
e) Definir as regras e as orientações gerais com vista à rentabilidade das competições profissionais;
f) Organizar ou participar na organização de provas, torneios ou jogos de âmbito oficial ou de natureza particular;
g) Fixar regras de sã convivência entre os associados, podendo servir de medianeiro entre estes, quando desavindos, e devendo resolver, por via arbitral, os litígios que surjam no âmbito da associação, se assim for requerido;
h) Auxiliar os associados na promoção e defesa dos seus interesses, prestando-lhe assistência, designadamente em matéria de documentação e informação legislativa;
i) Fomentar a prática do futebol e escutar todos os problemas que a este respeitem;
j) Associar-se com pessoas singulares ou colectivas, tendo em vista a prestação de serviços ou a comercialização de direitos e produtos conexos com o futebol e, em geral, todas as actividades necessárias ou convenientes à prossecução dos seus fins.»

«Artigo 12.º
1. São órgãos da Liga:
a) A Assembleia Geral, sua Mesa e o Presidente;
b) O Presidente da Liga;
c) A Direcção;
d) A Comissão Executiva;
e) O Conselho Fiscal;
f) A Comissão Arbitral;
g) A Comissão Disciplinar;
h) A Comissão de Arbitragem.
«Artigo 13.º
1. Os titulares da Direcção, com excepção do Presidente, são os próprios clubes membros representados preferencialmente pelos seus Presidentes da Direcção ou da Assembleia Geral, ou ainda por qualquer outra pessoa indicada pela Direcção do respectivo clube.
2. O clube eleito poderá, a todo o tempo e durante o mandato, proceder à substituição do seu representante na Direcção, bastando, para o efeito, mera comunicação escrita dirigida ao Presidente da Assembleia Geral.»

Não nos deteremos sobre as disposições seguintes (artigos 14.º a 21.º dos estatutos da LPFP) que dispõem sobre o mandato dos respectivos órgãos, as situações que determinam a cessação das respectivas funções e a insusceptibilidade de serem reeleitos ou novamente designados, bem como o processo de substituição. Prosseguiremos na citação de outros dispositivos que reputamos terem directamente interesse para a presente consulta:
«Artigo 22.º
1. Os titulares dos órgãos da Liga são conjuntamente responsáveis pelas respectivas deliberações, salvo quando hajam feito declaração de voto da sua discordância, registada em acta da sessão em que a deliberação for tomada ou da primeira a que assistam, se não tiverem estado presentes naquela.
2. As responsabilidades a que se refere o n.º 1 cessarão logo que em Assembleia Geral sejam aprovadas tais deliberações, salvo se, posteriormente, se verificar terem sido praticadas com dolo ou fraude.
3. Cada um dos membros dos órgãos sociais pode requerer certidão da acta, ou da parte da mesma em que conste a sua declaração de voto e o assunto a que esta se refere.
«Artigo 23.º
1. É gratuito o exercício de funções nos órgãos da Liga, com excepção dos cargos de Directores da Comissão Executiva.
2. Os titulares de órgãos da Liga terão direito a:
a) Receber as despesas de deslocação;
b) Usufruir de ajudas de custo, segundo as tabelas em vigor na Liga.»
«Artigo 37.º
O Presidente da Liga é eleito em lista separada por sufrágio directo e secreto.
«Artigo 38.º
1. Compete ao Presidente representar a Liga, assegurar o seu regular funcionamento e promover a colaboração entre os seus órgãos.
2. Compete ainda e em especial ao Presidente:
a) Representar a Liga perante a F.P.F., as Organizações de Futebol Nacional e Internacional, a Administração Pública e todas as demais entidades públicas e privadas;
b) Representar a Liga em juízo e em todos os actos oficiais;
c) (…);
d) (…);
e) (…);
f) Assegurar a execução das deliberações da Direcção e dos restantes órgãos.
3. O Presidente poderá delegar os seus poderes, competências e atribuições num dos Directores da Comissão Executiva.
«Artigo 39.º
1. A Direcção é o órgão colegial de Administração da Liga, constituída pelo Presidente, por seis clubes da Primeira Divisão e quatro da Divisão de Honra.
2. Tem ainda acesso e participação nas reuniões da Direcção, mas sem direito a voto, o Director Executivo.
«Artigo 40.º
1. Compete à Direcção administrar a Liga, incumbindo-lhe, designadamente:
a) Garantir a plena realização das competências exclusivas da Liga como órgão autónomo da Federação Portuguesa de Futebol;
b) Garantir a efectivação dos direitos e deveres dos associados;
c) (…);
d) (…);
e) Elaborar anualmente e submeter a parecer do Conselho Fiscal orçamentos, o balanço, as contas da gerência e o mapa de origem e aplicação de fundos.
f) (…);
g) Zelar pelo cumprimento dos Estatutos e deliberações dos órgãos da Liga;
h) Assegurar a gestão financeira da Liga e administrar os seus negócios em matérias que não sejam especialmente atribuídas a outros órgãos;
i) Ratificar, revogar ou alterar os actos do Presidente da Liga ou dos membros da Comissão Executiva que não sejam de competência específica;
2. (…).
3. (…).
«Artigo 41º
1. A Comissão Executiva da Liga é composta pelo Presidente da Direcção e quatro directores, um dos quais, o Director Executivo, que são eleitos individualmente.
2. É da competência da Comissão Executiva:
a) Exercer as competências exclusivas da Liga como órgão autónomo da Federação Portuguesa de Futebol e assumindo-‑se como o interlocutor permanente com a Federação Portuguesa de Futebol e demais agentes desportivos;
b) Assegurar a gestão corrente da Liga, despachando em assuntos correntes que não exijam deliberação da Direcção;
c) Explorar comercialmente as competições de natureza profissional;
d) (…);
e) Preparar e executar as deliberações da Direcção;
f) (…);
g) Prestar toda a colaboração aos demais órgãos da Liga;
h) (…);
i) (…).
«Artigo 42.º
1. A Direcção reunirá, pelo menos, uma vez de dois em dois meses.
2. As reuniões da Direcção são convocadas pelo Presidente ou pelo Director previsto no n.º 3 do artigo 38.º
«Artigo 43.º
1. As deliberações da Direcção são tomadas à pluralidade de votos, estando presente a maioria dos seus membros, expressos nominalmente.
2. A cada membro corresponde um voto, tendo o Presidente, ou quem o substituir, voto de qualidade.
«Artigo 44.º
1. A Comissão Executiva tem reuniões ordinárias quinzenais e reunirá extraordinariamente sempre que, para tanto, for convocada pelo seu Presidente ou sob requerimento de um dos Directores.
2. As deliberações da Comissão Executiva são tomadas por maioria dos votos dos titulares presentes, tendo o Presidente ou o Director em que, nos termos do n.º 3 do artigo 38.º, aquele tenha delegado as suas competências, direito a voto de qualidade.
«Artigo 45.º
1. A Liga obriga-se pela assinatura conjunta do Presidente e de um Director da Comissão Executiva.
2. Para os efeitos previsto no n.º 1, o Presidente apenas pode delegar os seus poderes no Director Executivo.
«Artigo 46.º
São competências do Director Executivo:
a) Assegurar a gestão corrente da Liga de acordo com a alínea b) do n.º 2 do artigo 41.º;
b) Preparar e executar as deliberações da Comissão Executiva; c) Preparar e executar as deliberações da Direcção;
d) Registar os contratos de trabalho dos praticantes desportivos;
e) Accionar o poder disciplinar sobre os funcionários da Liga;
f) Requerer a convocação da Comissão Executiva;
g) Presidir às reuniões da Comissão Executiva, na ausência do Presidente, salvo delegação expressa deste noutro Director;
h) Prestar toda a colaboração aos demais órgãos da Liga.»
«Artigo 62.º
Constituem receitas da Liga:
a) O produto das jóias de admissão e das quotizações dos associados;
b) O produto de multas, indemnizações ou percentagens sobre estas, custas, emolumentos, preparos e cauções;
c) As receitas que lhe couberem nos jogos em que intervenham clubes associados ou que pela Liga sejam organizados;
d) Os bens e direitos que receber a título gratuito;
e) O rendimento dos seus bens e o produto da alienação destes;
f) Quaisquer outras receitas que lhe sejam ou venham a ser atribuídas.
«Artigo 63.º
Constituem encargos da Liga:
a) Os de instalação, manutenção dos serviços e pagamento ao pessoal ou outros colaboradores;
b) Os de remuneração dos Directores da Comissão Executiva;
c) Os de deslocação, representações e ajudas de custo aos titulares dos órgãos referidos no n.º 2 do art.º 23.º;
d) Os resultados da assistência aos clubes associados, prevista da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º;
e) Os de organização de provas;
f) Os resultados de contratos, operações de crédito ou decisões jurisdicionais;
g) Os gastos eventuais, realizados de acordo com as disposições destes Estatutos e dos Regulamentos.»

Os Estatutos da LPFP são ainda complementados por um Regulamento Geral, que, no entanto, se apresenta como irrelevante para a dilucidação da presente questão .

Estamos agora em condições de resolver as interrogações formuladas na consulta, reservando-se para o momento próprio elementos adjuvantes eventualmente requeridos por um ou outro ponto.
V

1. As duas primeiras questões estão estreitamente conexionadas.

Já se viu que a Liga Portuguesa de Futebol Profissional é uma pessoa colectiva de direito privado, com estrutura associativa e sem fim lucrativo, sujeita, por isso, ao regime jurídico das associações de direito privado, previsto nos artigos 157.º a 184.º do Código Civil e no Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro.

Ora, a problemática da capacidade de gozo das pessoas colectivas deve ser enquadrada em função do seu fim, configurando-‑se o princípio da especialidade como um princípio estruturante do regime jurídico das associações de direito privado (artigo 160.º do Código Civil).

Questão de relevo é, pois, a de em saber se o contrato celebrado pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional representa ou não a violação do princípio da especialidade do fim.

2. Como se referiu oportunamente, a capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins, exceptuando-se os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade singular.

O artigo 160.º do Código Civil perfilha, assim, uma formulação ampla do princípio da especialidade do fim, já que admite que a pessoa colectiva pratique actos convenientes à prossecução dos seus fins, actos esses que podem afastar-se, quanto ao seu objecto, dos fins da pessoa colectiva.

Em suma: a restrição resultante do princípio da especialidade do fim exige flexibilidade na sua aplicação.

Nesta conformidade, as associações sem finalidade lucrativa podem desenvolver actividades de natureza comercial, em ordem a obter recursos para a prossecução dos seus fins, desde que tais actividades sejam lícitas e úteis para a realização do fim estatutário.

Para respeitarem o princípio da especialidade do fim, essas actividades económicas hão-de assumir inequívoco carácter instrumental relativamente à consecução dos seus próprios fins, não económicos.

É igualmente possível que as associações exerçam actividades empresariais de forma indirecta, criando ou participando na constituição de sociedades e outras pessoas colectivas, sempre que tal se mostre de interesse para a realização do seu próprio fim estatutário – esse fim só justifica os meios (a criação ou participação na constituição de sociedades e outras pessoas colectivas) quando a estes presida o princípio da proporcionalidade.

Admite-se, pois, que as associações desenvolvam por forma directa ou indirecta actividade empresarial destinada à obtenção de lucros, estando apenas vedada a partilha desses lucros entre os associados, com a ressalva de que esta regra não opera relativamente a associação de associações (Liga relativamente a clubes membros), se esta actua por delegação dos seus associados.
Parece ser claro que a actuação da Liga ao celebrar o contrato que se mostra referido no início deste parecer se insere nas suas competências próprias [artigo 5.º, n.º 1, alínea d), e n.º 3 e artigo 6.º, n.º 1, alíneas c), n), e z) e n.º 2, alínea j)].

Também não nos parece suscitar qualquer dúvida a asserção de que a celebração do referido contrato se insere no âmbito das competências estritas de direito privado da Liga, não podendo, contudo, perder-se de vista as implicações, no seu estatuto – que comporta atribuições de natureza administrativa –, da respectiva validade ou invalidade.

Finalmente constata-se que os outorgantes por parte da Liga foram o seu Presidente da Direcção e o seu Director Executivo, respeitando-se, também aqui, o estabelecido nos respectivos estatutos (artigo 38.º, n.os 1 e 2, alínea a), 40.º, n.º 1, alínea h), 41.º n.os 1 e 2, alínea c) e 45.º, n.os 1 e 2).
VI
1. A publicidade encontra-se hoje regulada pelo Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro[24], mais conhecido como Código da Publicidade.

«Código de características inovadoras, o novo diploma contém uma série de regras elementares e de grandes princípios essenciais que enquadram a actividade publicitária sem contudo nela interferir.»[25]

É o legislador que, no respectivo preâmbulo, anuncia a sua intenção desregulamentadora, ao prever somente a «definição de regras mínimas» para a actividade, do mesmo passo que abre o conceito de publicidade à promoção de ideias, de instituições e de iniciativas, e se preocupa com os direitos do consumidor e com a harmonização da legislação comunitária [nomeadamente com as Directivas 84/450/CEE e 89/552/CEE de 3 de Outubro e a Convenção Europeia Sobre Televisão Transfronteiras (CETT)].

O referido Código contém seis capítulos, dos quais o II e o IV se dividem em Secções. O capítulo I refere-se às disposições gerais, o II ao regime geral da publicidade, o III à publicidade na televisão e televenda, o IV à actividade publicitária, o V ao Conselho Consultivo da Actividade Publicitária[26] e o VI à fiscalização e sanções.

As secções do capítulo II são quatro, das quais a I se refere aos princípios gerais, a II às restrições ao conteúdo da publicidade, a III às restrições ao objecto da publicidade, e a IV às formas especiais de publicidade (publicidade domiciliária e patrocínio).

O capítulo IV subdivide-se em duas secções, a I relativa à publicidade de Estado e a II às relações entre sujeitos da actividade publicitária.

Deste diploma passaremos a analisar algumas normas mais relevantes.

Assim, o artigo 3.º define o conceito de publicidade, nos termos seguintes:

«Artigo 3.º
Conceito de publicidade
1 – Considera-se publicidade, para efeitos do presente diploma, qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de:
a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços;
b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições.
2 – Considera-se, também, publicidade qualquer forma de comunicação da Administração Pública, não prevista no número anterior, que tenha por objectivo, directo ou indirecto, promover o fornecimento de bens ou serviços.
3 – Para efeitos do presente diploma, não se considera publicidade a propaganda política.»

Pode extrair-se desta definição, desde logo, uma grande amplitude do conceito «Publicidade», perfeitamente caracterizada pelo recurso à expressão «qualquer forma de comunicação», repetida nos n.os 1 e 2, naturalmente procurando abranger, quer as formas de publicidade clássicas, quer novas fórmulas já adoptadas ou a que se venha a recorrer no futuro.

Por outro lado, constata-se o realce de dois elementos essenciais à caracterização do conceito: uma comunicação no âmbito de uma actividade que, por norma mas não imperativamente, tem natureza económica; o objectivo de promover o fornecimento de bens e serviços mas também de promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições, com exclusão da propaganda política.

O artigo 4.º dá-nos o «Conceito de actividade publicitária», através da seguinte definição:
«1 – Considera-se actividade publicitária o conjunto de operações relacionadas com a difusão de uma mensagem publicitária junto dos seus destinatários, bem como as relações jurídicas e técnicas daí emergentes entre anunciantes, profissionais, agências de publicidade e entidades que explorem os suportes publicitários ou que efectuem as referidas operações.
2 – Incluem-se entre as operações referidas no número anterior, designadamente, as de concepção, criação, produção, planificação e distribuição publicitárias.»
Também aqui se justifica um comentário, dado que o legislador do actual Código da Publicidade inovou relativamente ao anterior (Decreto-Lei n.º 303/83, de 28 de Junho), ao distinguir entre os dois conceitos.

«A publicidade é a própria comunicação, enquanto a actividade publicitária se traduz na “prática organizada e sequencial” da comunicaçãox5
O artigo 5.º fornece-nos a distinção entre anunciante, profissional ou agência de publicidade, suporte publicitário e destinatário da mensagem publicitária, nestes termos:

«Para efeitos do disposto no presente diploma, considera-se:
a) Anunciante: a pessoa singular ou colectiva no interesse de quem se realiza a publicidade;
b) Profissional ou agência de publicidade: pessoa singular que exerce a actividade publicitária ou pessoa colectiva que tenha por objecto exclusivo o exercício da actividade publicitária;
c) Suporte publicitário: o veículo utilizado para a transmissão da mensagem publicitária;
d) Destinatário: a pessoa singular ou colectiva a quem a mensagem publicitária se dirige ou que por ela, de qualquer forma, seja atingida.»
A publicidade rege-se, nos termos do artigo 6.º do respectivo código, pelos princípios da licitude, identificabilidade, veracidade e respeito pelos direitos do consumidor, explicitados nos artigos 7.º a 13.º
2. Maior desenvolvimento merece o artigo 24.º sobre patrocínio, cujo teor é o seguinte:
«Artigo 24.º
Patrocínio
1 – Entende-se por patrocínio, para efeitos do presente diploma, a participação de pessoas singulares ou colectivas no financiamento de quaisquer obras audiovisuais, programas, reportagens, edições, rubricas ou secções, adiante designados abreviadamente por programas, independentemente do meio utilizado para a sua difusão, com vista à promoção do seu nome ou imagem, bem como das suas actividades, bens ou serviços.
2 – As pessoas singulares ou colectivas que tenham por actividade principal o fabrico ou a venda de produtos referidos nos artigos 18.º e 19.º não podem ser patrocinadores de programas televisivos.
3 – Os telejornais e os programas televisivos de informação política não podem ser patrocinados.
4 – Os programas patrocinados devem ser claramente identificados como tal pela indicação, no início e ou no final do programa, do nome ou logotipo do patrocinador.
5 – O conteúdo e a programação de uma emissão patrocinada não podem, em caso algum, ser influenciados pelo patrocinador, por forma a afectar a responsabilidade e a independência editorial do emissor.
6 – Os programas patrocinados não devem incitar à compra ou locação dos bens ou serviços do patrocinador ou de um terceiro, designadamente através de referências promocionais específicas a tais bens ou serviços.»

«Com os termos sponsorship, sponsor, sponsoring, patrocínio ou “sponsorização” individualizam-se, hoje, na prática empresarial portuguesa, várias relações jurídicas de conteúdo extremamente heterogéneo, mas prevalentemente relacionadas com o desporto, a cultura, ou determinadas formas de espectáculo, através das quais uma empresa (patrocinador ou sponsor) se propõe incrementar a sua notoriedade ou renovar, melhorar ou ritualizar a sua imagem institucional, através do estabelecimento aos olhos do público, nas mais diversas formas e contra um correspectivo, de uma particular ligação entre o seu nome, marca, ou símbolo e o nome, figura, fama, imagem, actividade ou empresa do patrocinado (sponsee)»[27].

A adopção pelos intervenientes do mercado publicitário da terminologia inglesa justifica-se pela sua conexão com o fenómeno televisivo, uma vez que, nos Estados Unidos, o «sponsorship» designa a relação contratual entre uma empresa comercial e um programa de rádio ou de televisão, pagando a primeira certa quantia, normalmente em troca de tempo publicitário. Porém, o surgimento de novas realidades não acompanhadas de uma idêntica renovação terminológica e conceptual justifica que seja preferível a utilização do termo português mais apto a abarcar todo o espectro.

Convém deixar claro que, numa perspectiva comunicacional, o sponsoring não é reputado como publicidade pela generalidade dos autores, pelo menos no seu sentido técnico, equivalente à expressão inglesa advertising.

Com efeito, como afirma António Payan Martins[28], «o advertising caracteriza-se fundamentalmente, pela veiculação de mensagens de carácter informativo predeterminadas pela empresa, divulgadas com base numa planificação prévia, através dos mass-‑media clássicos, e reconhecíveis pelo público enquanto tal», características que não se detectam no sponsoring, onde a mensagem não prossegue nenhuma função informativa e o respectivo «suporte» tem, por norma, carácter acidental e precário.

De todo o modo, em termos legais, não subsistem dúvidas de que o patrocínio cabe no conceito legal de publicidade.

Historicamente o patrocínio nasceu em Portugal, como, por exemplo em Itália, no campo do «desporto de massas».
Continuando a citar Payan Martins, «[d]entre os contratos de patrocínio celebrados no âmbito desportivo, destacam-se desde logo (…) os contratos dirigidos ao patrocínio de equipas profissionais de clubes desportivos» em que o patrocinado se obriga fundamentalmente «a veicular a imagem do patrocinador no desenvolvimento de toda a sua actividade social e desportiva, mediante a aposição do logotipo, marca, nome da empresa ou dos seus produtos nos diferentes materiais utilizados pelos desportistas e equipas técnicas, nas competições, treinos ou outras actividades sociais do clube de repercussão mediática», nos ingressos, nos autocarros utilizados para o transporte dos jogadores…

Por vezes o patrocinado deverá assegurar ao patrocinador determinados espaços de publicidade estática ou mesmo conferir o direito de efectuar, em exclusivo, acções publicitárias e de promoção de vendas no recinto desportivo, antes do início dos respectivos eventos desportivos ou durante os respectivos intervalos; ou a concessão ao patrocinador de outras prestações de natureza secundária, como a atribuição de ingressos, livre-trânsitos, lugares de estacionamento ou lugares cativos.

Uma variante muito divulgada de contrato de patrocínio é o contrato que a doutrina italiana designa por «abbinamento», «no qual o patrocinado se obriga, para lá das prestações acima referidas, a substituir ou a juntar à sua própria designação o nome do patrocinador»[29].

De todo o modo, apesar das diferenças de conteúdo das respectivas prestações, o contrato de patrocínio pode ser descrito tipologicamente como «aquele contrato através do qual, uma parte, o patrocinado, contra o pagamento de um correspectivo da outra parte, o patrocinador, se obriga perante este a prestações de facere, non facere e pati dirigidas a permitir-lhe o disfrute da notoriedade e da ressonância pública da sua actividade, com o escopo publicitário de veicular o nome, marca, símbolo ou logotipo do patrocinador e de incrementar, melhorar, redefinir ou ritualizar a sua imagem institucional, através da criação de uma associação ou interpenetração de imagens entre patrocinador e patrocinado»[30].

Não sendo o contrato de patrocínio um contrato típico, o seu clausulado pode conter estipulações próprias de diversos contratos típicos, o que tornará difícil, em certos casos concretos, determinar o regime aplicável.

Mas, como em termos genéricos os contratos de patrocínio se apresentam, na prática negocial, como contratos self-contained ou self-regulating, o seu clausulado e as cláusulas e princípios gerais do sistema, como a boa-fé e a equidade, bastarão para detectar o espírito do negócio, perante situações de conflito ou de incumprimento[31].

No caso em apreço parece poder concluir-se que o negócio celebrado entre a Liga e a Betandwin é, não apenas por efeito da designação adoptada mas pelos interesses que nele se patenteiam e pela respectiva estrutura, um contrato de patrocínio, legalmente qualificado como uma forma de publicidade e, por isso, sujeito às regras do Código de Publicidade.

Para além disso, como qualquer contrato, o mesmo será nulo desde que o seu objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável ou se o próprio contrato for contrário à ordem pública ou os bons costumes ou se tiver sido celebrado com violação de disposição legal de carácter imperativo, salvo, neste caso, se outra solução resultar da lei – artigos 280.º e 294.º do Código Civil.

3. É altura de regressar às disposições do Código de Publicidade, cujo artigo 21.º dispõe:
«Artigo 21.º
Jogos de fortuna ou azar
1 – Não podem ser objecto de publicidade os jogos de fortuna ou azar enquanto objecto essencial da mensagem.
2 – Exceptuam-se do disposto no número anterior os jogos promovidos pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

A definição de jogo de fortuna ou azar encontra-se hoje na Lei do Jogo (Lei n.º 422/1989, de 2 de Dezembro[32]), cujo artigo 1.º dispõe:

«Artigo 1.º
Jogos de fortuna ou azar
Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.»

Nos artigos 3.º a 8.º deste diploma são definidos os diversos jogos de fortuna ou azar e os locais onde o jogo pode ser praticado:
«Artigo 3.º
Zonas de jogo
1 – A exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei ou, fora daqueles, nos casos excepcionados nos artigos 6.º a 8.º
2 – Para efeitos de exploração e prática de jogos de fortuna ou azar, haverá zonas de jogo nos Açores, no Algarve, em Espinho, no Estoril, na Figueira da Foz, no Funchal, em Porto Santo, na Póvoa de Varzim, em Tróia e em Vidago-Pedras Salgadas.
3 – (…).
4 – Mediante autorização do membro do Governo da tutela, ouvida a Inspecção-Geral de Jogos, poderão as concessionárias das zonas de jogo optar pela exploração do jogo do bingo em salas com os requisitos regulamentares, em regime igual ao dos casinos, mas fora destes, desde que sejam situadas na área do município em que estes se achem localizados.»
«Artigo 4.º
Tipos de jogos de fortuna ou azar
1 – Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar:
a) Jogos bancados em bancas simples ou duplas: bacará ponto e banca, banca francesa, boule, cussec, écarté bancado, roleta francesa e roleta americana com um zero;
b) Jogos bancados em bancas simples: blackjack/21, chukluck e trinta e quarenta;
c) Jogos bancados em bancas duplas: bacará de banca limitada e craps;
d) Jogo bancado: keno;
e) Jogos não bancados: bacará chemin de fer, bacará de banca aberta, écarté e bingo;
f) Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
g) Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
2 – É permitido às concessionárias adoptar indiferentemente bancas simples ou duplas para a prática de qualquer dos jogos bancados referidos na alínea a) do n.º 1 deste artigo.
3 – Compete ao membro do Governo da tutela autorizar a exploração de novos tipos de jogos de fortuna ou azar, a requerimento das concessionárias e após parecer da Inspecção-Geral de Jogos.
«Artigo 5.º
Regras dos jogos
As regras de execução para a prática dos jogos de fortuna ou azar serão aprovadas por portaria do membro do Governo da tutela, mediante proposta da Inspecção-Geral de Jogos, ouvidas as concessionárias.
«Artigo 6.º
Exploração de jogos em percursos turísticos e aeroportos
1– O membro do Governo responsável pela área do turismo poderá autorizar, por tempo determinado, ouvidas a Inspecção-‑Geral de Jogos e a Direcção-Geral do Turismo, a exploração e prática de quaisquer jogos de fortuna ou azar a bordo de aeronaves ou navios registados em Portugal, quando fora do território nacional.
2– A exploração a que se refere o número anterior só pode ser concedida às empresas proprietárias ou afretadoras dos navios ou aeronaves nacionais ou a empresas concessionárias das zonas de jogo, com autorização daquelas.
3 – A exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar que sejam autorizadas nos termos do presente artigo obedecem às regras estabelecidas para a sua realização em casinos, fixando o membro do Governo da tutela por portaria as condições específicas a que devem obedecer.
«Artigo 7.º
Exploração fora dos casinos de jogos não bancados e de máquinas de jogo
1 – Por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico, ouvidas a Inspecção-Geral de Jogos e a Direcção-‑Geral de Turismo, pode o membro do Governo da tutela autorizar a exploração e a prática fora dos casinos de jogos não bancados.
2 – Em localidades em que a actividade turística for predominante pode o membro do Governo da tutela, ouvidas a Inspecção-Geral de Jogos e a Direcção-Geral do Turismo, autorizar a exploração e a prática do jogo em máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros ou complementares, com características e dimensão que forem fixadas por decreto regulamentar.
3 – As autorizações referidas nos números anteriores só podem ser concedidas à concessionária da zona de jogo cujo casino, em linha recta, se situar mais perto do local onde tiver lugar a exploração, independentemente do estabelecido no n.º 3 do artigo 3.º
4 – A exploração e a prática dos jogos nas condições indicadas nos números anteriores obedecem às regras estabelecidas para a sua realização em casinos, fixando-se em portaria as condições específicas a que devem obedecer.
«Artigo 8.º
Jogo do bingo
Fora das áreas dos municípios em que se localizem os casinos e dos que com estes confinem, a exploração e a prática do jogo do bingo podem também efectuar-se em salas próprias, nos termos da legislação especial aplicável.»

Além dos jogos atrás referidos vieram a ser aceites, ao longo do processo legislativo, novos tipos de jogos. As excepções são os jogos sociais concessionados à Santa Casa de Misericórdia de Lisboa – lotarias e apostas mútuas – e as apostas mútuas hípicas, criadas pelo Decreto-Lei n.º 268/92, de 28 de Novembro.

Reproduzem-se nesta óptica os preceitos nucleares do diploma inicial relativo às apostas mútuas – Decreto-Lei n.º 84/85, de 28 de Março, que veio definir normas relativas à organização e exploração dos concursos de apostas mútuas denominados “totobola” e “totoloto”[33]:
«Artigo 1º – 1 – O direito de promover concursos de apostas mútuas é reservado ao Estado, que concede à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a sua organização e exploração em regime de exclusivo para todo o território nacional.
2 – Consideram-se concursos de apostas mútuas todos aqueles em que os participantes prognostiquem ou prevejam resultados de uma ou mais competições ou de sorteios de números para obter o direito a prémios em dinheiro ou a quaisquer outras recompensas.

«Art. 2º – 1 – Serão organizados e explorados ao abrigo deste diploma concursos denominados “totobola” e “totoloto” e quaisquer outras modalidades de concursos de apostas mútuas a criar por diploma legal adequado.
2 – Constitui concurso de totobola (...).
3 – Constitui concurso de totoloto todo aquele em que os participantes prognostiquem resultados de sorteios de números com a finalidade prevista no artigo anterior.
4 – (...).

«Art. 4º – 1 – As normas gerais de participação nos concursos a que respeita o presente diploma (...) constarão de regulamento, denominado “regulamento geral dos concursos”, a aprovar por portaria (...).
2 – Haverá um regulamento geral dos concursos para cada modalidade de aposta mútua a que se refere o artigo 2º do presente diploma.
3 – (...).
4 – (...).

«Art. 5º – 1 – A participação nos concursos de apostas mútuas processa-se pela inscrição das apostas em bilhete de modelo adoptado e pelo pagamento do preço competente.
2 – (...).
3 – Os bilhetes, em geral nominativos, serão constituídos pelo menos por duas partes (...).
4 – (...).
5 – (...).
6 – Os prognósticos formar-se-ão pela aposição no bilhete de sinal convencional obrigatório, e apenas dele, de acordo com o respectivo regulamento geral dos concursos, podendo a sua não utilização implicar para o apostador a perda do direito ao prémio.»

O direito de promover apostas mútuas é, pois, reservado ao Estado, estando por lei concedida à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), em regime de exclusivo para todo o território nacional[34], a sua organização e exploração (artigo 1º, n.º 1).

Tal exclusivo refere-se, por conseguinte, ao totobola e ao totoloto regulados no diploma e, bem assim, a todas as modalidades de apostas mútuas a criar por diploma legal adequado (artigos 1º, n.º 1, e 2º, n.º 1)[35].

O Decreto-Lei n.º 84/85 foi ao ponto de definir uma tutela contra-ordenacional em protecção desse direito exclusivo da SCML[36], estatuindo nos seus artigos 22º e 23º:
«Art.º 22º Constituem contra-ordenação a introdução, venda, distribuição ou publicidade de bilhetes de concursos de apostas mútuas estrangeiros, punível com coima não inferior a 200.000$ nem superior ao triplo do presumível valor das referidas operações, quando mais elevado do que aquele limite.

«Art.º 23º –1 – Constituem contra-ordenação a promoção, organização ou exploração de concursos de apostas mútuas ou outros sorteios idênticos aos que o presente diploma regula, com violação do regime de exclusivo estabelecido no artigo 1º.
2 – Constitui igualmente contra-ordenação a participação em concurso de apostas mútuas ou sorteios idênticos realizados com violação do regime de exclusivo estabelecido no artigo 1º.
3 – (...).
(...)
6 – (...).»

4. Definido o conceito de jogos de fortuna ou azar e o seu âmbito, vamos regressar à análise do artigo 21.º, n.º 1, do Código da Publicidade, o qual corresponde com poucas modificações à redacção do n.º 1, alínea b), do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 303/83, de 28 de Junho, cujo teor era o seguinte:

«1 – Não poderão ser objecto de publicidade:
a) (…).
b) Os jogos de fortuna ou azar, enquanto alvo essencial da mensagem.
2 – Exceptuam-se da alínea b) do n.º 1 do presente artigo os jogos patrocinados por parte da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa ou por outras entidades oficiais.
3 ‑ Os bens ou serviços contemplados no n.º 1 poderão ser objecto de divulgação em listas classificadas, anuários comerciais e outras aplicações congéneres.»

Tudo está, pois, no entendimento a acolher quanto à interpretação da expressão «objecto essencial da mensagem», para o que se torna necessário recorrer aos princípios gerais de interpretação jurídica[37].

Como dissemos atrás, no patrocínio pode estar ausente a publicitação de bens e serviços e existe mesmo, no caso português uma proibição de os programas patrocinados incitarem à compra ou locação de bens ou serviços do patrocinador (n.º 6 do artigo 24.º do Código da Publicidade).

Na situação em análise a mensagem que é transmitida consiste na utilização da denominação «Liga betandwin.com» e do logotipo «betandwin.com» nos estádios, nos equipamentos de jogadores e no de outras pessoas, como apanha-bolas, acompanhantes das equipas e árbitros, nas bolas, nos painéis de substituição de jogadores e em outros suportes.

Embora apenas na cláusula (...) se encontre (...), acontece que a empresa patrocinadora se intitula «Betandwin International, Limited», subsidiária da «Betandwin.com Interactive Entertainement, AG», sendo a primeira que opera a «betandwin», como promotora de jogos na Internet.
Ora, toda a actividade da «betandwin» se relaciona com o jogo de fortuna ou azar (jogos de casino e apostas).

O logotipo escolhido corresponde aos elementos identificativos do “site” da betandwin (www.betandwin.com), utilizando-se, como é próprio nos nomes dos domínios, letra minúscula e ausência de espaços separadores.

A simples exibição do logotipo de uma empresa consubstancia publicidade para efeitos do artigo 3º do Código da Publicidade e pode mesmo configurar infracção ao n.º 6 do artigo 24.º do referido diploma[38].

Acresce que, na apresentação gráfica do logotipo se dá destaque às componentes «bet» e «win», palavras que, na língua utilizada (inglesa) permitem veicular duas ideias ‑ apostar e ganhar, ou formular um desafio, com uma sugestão de prémio ou vantagem: aposta e ganha…

Assim a mensagem fundamental e constante veiculada pelo logotipo da BAW é – pela sua composição fonética e gráfica, pela sua associação ao sítio da net e pelo objecto social da BAI (em exclusivo o fornecimento de jogos de fortuna ou azar) –, de incitamento à prática deste tipo de jogo.

A situação é claramente diversa da publicidade de eventos culturais ou mesmo de promoções de natureza gastronómica ou turística, levada a cabo pelos casinos. Neste caso, a inclusão do logotipo do casino na referida publicidade é ainda implicitamente de incitamento ao jogo, mas sem que se possa sustentar que é essa a mensagem essencial. Os casinos têm em Portugal um papel relevante de ordem cultural e de promoção do turismo das regiões em que se inserem, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 422/89: «A disciplina actual do jogo consagra algumas soluções que carecem de ser adaptadas às alterações de natureza socio-económica verificadas nos últimos anos e, fundamentalmente, à função turística que o jogo é chamado a desempenhar, designadamente como factor favorável à criação e ao desenvolvimento de áreas turísticas (…).

Aliás, por virtude desta componente de promoção turística, os casinos estão hoje obrigados, para além de outras obrigações legais e contratuais de índole turística, a afectar a essa finalidade 3% das receitas brutas do jogo apuradas no ano anterior.

Nesta perspectiva, entendemos que a publicitação do logotipo «betandwin.com» se apresenta como subsumível ao disposto no n.º 1 do artigo 21.º do Código da Publicidade.

O que implica que às infracções respectivas se aplicam as disposições dos artigos 34.º, n.os 1, alínea c), e 2, e 35.º a 39.º do Código de Publicidade.[39]
5. Questiona-se ainda se, para além do sancionamento da actividade em causa, não haverá consequências ao nível da validade do negócio.

A nossa lei civil comina com a ineficácia dos negócios jurídicos várias situações jurídicas, utilizando-se aqui o conceito ineficácia, em sentido amplo, que abrange as diversas invalidades e que traduz «a situação na qual eles se encontram quando não produzam todos os efeitos que, dado o seu teor, se destinariam a desencadear.»[40]

MENEZES CORDEIRO inclui na ineficácia em sentido amplo a ineficácia em sentido restrito e as invalidades, que classifica como nulidades, anulabilidades e invalidades mistas[41].

Continuando a citar o mesmo Autor diremos que existem «dois grandes fundamentos para a nulidade:
– a falta de algum elemento essencial do negócio, como, por exemplo, a vontade ou o objecto;
– a contrariedade à lei imperativa ou, mais latamente, ao Direito.»
Um dos casos de nulidade é o dos negócios celebrados contra a lei.

Esta regra não é irrestrita, dado os termos do artigo 294.º do Código Civil:

«Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.»

Esta norma exige, pois, uma tarefa interpretativa, uma vez que nem todas as violações de normas imperativas implicam a nulidade do negócio jurídico.

«Na falta de uma solução expressa (…), cada proibição legal ou cada norma imperativa, deve ser interpretada e interrogada sobre a finalidade legislativa que lhe subjaz»[42].

«Nesta ordem de ideias, é claro que reveste particular importância a consideração dos interesses em presença e do escopo presumivelmente visado pelo legislador. Se (…) a nulidade se mostrar sanção pouco adequada (…) deverá julgar-se excluída. Os negócios contrários a uma proibição legal poderão, portanto, deixar de ser nulos, mesmo sem texto que assim o declare»[43].

Resulta do exposto que, quando uma norma imperativa não determina ela própria a nulidade como consequência da sua violação, tal norma deve ser interpretada, quanto ao seu escopo e à sua finalidade, com vista à decisão a tomar sobre a nulidade ou não do negócio.

Nesta ponderação não se deverá perder de vista que o artigo 294.º do Código Civil «não abrange somente os negócios em que a violação é manifesta (podendo ser duvidosa apenas a consequência quanto à sanção), mas abrange também os “negócios sucedâneos” ou seja, os negócios jurídicos com que os interessados defraudam uma norma imperativa. Desta maneira um negócio tanto pode ser nulo por ser directamente contrário à lei como pode ser nulo por fraude à lei»[44].

«Quer dizer, se as partes não puderam concluir directamente o negócio pretendido em virtude de uma determinada norma imperativa que o proíbe, mas escolhem, em vez dele, um desvio, ou seja, um outro negócio que prossegue e obtém o mesmo resultado que o negócio proibido, aplica-se também a este outro negócio a sanção da nulidade, prevista no art.º 294.º. Os negócios jurídicos com que as partes defraudam uma lei imperativa são nulos, como contrários à lei, não sendo necessária nem a intenção nem mesmo a consciência de defraudar a lei»[45].

Partindo destas premissas vejamos se dos demais elementos aduzidos resulta ser (ou não) a nulidade, a consequência querida pelo legislador.

Já vimos que o legislador trata o patrocínio como publicidade e que proíbe, com a excepção dos jogos da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, a publicidade dos jogos de fortuna ou azar.

Esta amplitude da proibição da publicidade dos jogos de fortuna ou azar, que abrange o próprio jogo autorizado, o praticado nos casinos, nas salas de bingo e as apostas hípicas, tem subjacente mais do que a ideia do carácter reprovável do jogo, a imperiosa necessidade de não o estimular e de, por tal forma, se protegerem os mais indefesos (os jovens, os mais pobres, os culturalmente menos habilitados).

Assim, parece inequívoco que, constituindo objectivo essencial do contrato por parte do patrocinador a publicitação do seu logotipo, e através dele da sua actividade de promoção de jogo de fortuna e de azar, actividade esta que, em Portugal, se apresenta proibida por norma legal de natureza imperativa (artigo 21.º do Código de Publicidade), o escopo e os interesses visados por esta, conduzem necessariamente à conclusão de ser aplicável ao contrato em causa a sanção da nulidade, prevista no artigo 294.º do Código Civil[46].

6. Sobre o regime da nulidade justifica-se que se produzam algumas considerações.

A primeira é de que a declaração da nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou se a restituição em espécie não fôr possível, o valor correspondente, nos termos do artigo 289.º do Código Civil.

A segunda prende-se com o disposto no artigo 286.º do mesmo código:

«A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.»

Tal como no caso da anulabilidade, a interpretação do que se deve entender por «qualquer interessado» não pode prescindir da ponderação dos interesses em jogo que, no caso da nulidade, são muitas vezes não apenas particulares como públicos (p.ex. a nulidade em consequência da inobservância da forma legal)[47].

«Todavia, o “qualquer interessado” no sentido do artigo 286.º não é “qualquer pessoa” (como sucede no art.º 1630.º no caso de inexistência do casamento civil), mas apenas o particular cujos interesses, jurídicos ou económicos ou morais, tiverem sido afectados pelo negócio nulo. A legitimidade do tribunal, além da legitimidade dos particulares, para declarar oficiosamente a nulidade, mostra como, conforme, os casos, a nulidade pode contender com interesses públicos»[48]/[49].

7. Importa considerar, finalmente, a possibilidade de existir outra legislação interna ou internacional com eficácia interna que o contrato de patrocínio em questão viole.

Sugere-se a possibilidade de a actuação das partes no contrato poder integrar outros tipos de ilícitos.

O primeiro normativo que se traz à colação é o do artigo 108.º da Lei do Jogo, cujo teor é o seguinte:
«Artigo 108.º
Exploração ilícita de jogo
1 – Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até dois anos e multa até 200 dias.
2 – Será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora.»

Outro artigo cuja aplicação ao caso vertente foi igualmente admitida é o do artigo 297.º do Código Penal, que se transcreve:

«Artigo 297.º
Instigação pública a um crime
1 – Quem, em reunião pública, através de meio de comunicação social, por divulgação de escrito ou outro meio de reprodução técnica, provocar ou incitar à prática de um crime determinado é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 – É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 295.º»

Pensamos que não é defensável a subsunção do comportamento dos contratantes a qualquer destas disposições penais, por não se verificar o preenchimento dos seus elementos constitutivos: o contrato ou os respectivos actos de execução não podem ser considerados como integrando exploração de jogo, fora dos locais legalmente autorizados, nem a nossa lei penal criminaliza o jogo electrónico ilícito (cf. Decreto-Lei nº 282/2003, de 8 de Novembro)* por forma a configurar-se a instigação à prática desse crime.

Por outro lado, sempre estaria excluída a aplicabilidade da nossa lei penal, dado que, no estádio actual de regulamentação do jogo através da Internet, não se pode afirmar, na falta de estabelecimento do fornecedor do jogo em Portugal, estar-se perante ilícito cometido em território português. Ora, o princípio geral em matéria da aplicação da lei penal no espaço consta do artigo 4.º do Código Penal, cujo teor é o seguinte:
Artigo 4.º
Aplicação no espaço: princípio geral
Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados:
a) Em território português, seja qual for a nacionalidade do agente; ou
b) A bordo de navios ou aeronaves portugueses.»
Esta regra sofre excepções e restrições que se mostram enumeradas nos artigos 5.º e 6.º do citado código mas que, manifestamente se não aplicam ao caso vertente[50].

Está também particularmente em questão a regulamentação aplicável ao jogo electrónico.

Em Portugal, o Governo, através da Resolução n.º 97/2003[51], definiu as orientações da política do turismo e aprovou o Plano de Desenvolvimento do Sector do Turismo.
No ponto E (Quadro Regulamentar), alínea iii) – Jogo Electrónico – do citado plano, afirma-se:

«As novas tecnologias proporcionam hoje a possibilidade de o jogo ser efectuado à distância.
Tendo presente esta realidade, o Governo, em articulação com as associações empresariais respectivas e com a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, irá elaborar e aprovar regulamentação sobre o jogo electrónico.»

Por Despacho Conjunto n.º 231-A/2005, de 11 de Março[52], assinado pelo Ministro de Estado e da Presidência e pelo Ministro da Agricultura, Pescas e Florestas, é determinada a publicação do estudo sobre a situação do mercado de jogos em Portugal, elaborado pelo Grupo de Trabalho, constituído por despacho conjunto dos Ministros de Estado e das Finanças, da Presidência, da Economia, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e da Segurança Social e do Trabalho, de 23 de Dezembro de 2003, e a abertura à discussão pública das conclusões e propostas do relatório.

Desse relatório intitulado «Estudo da situação actual do mercado de jogos em Portugal, para definição da política nacional de jogos e da estratégia para a prossecução desta, identificando as medidas a adoptar na sua concretização» se extractam determinados segmentos que se nos afiguram relevantes para a presente discussão.

Assim nesse relatório no ponto II, relativo à caracterização da actividade do jogo na ordem interna sustenta-se a dado momento:

«2. O Estado deve, ainda, preservar o princípio do monopólio jurisdicional nacional, tendo em conta que:
a) O jogo é uma actividade de reserva estadual.
O controlo do jogo deve ser exercido de perto pelos Estados sobre um número restrito de operadores que previamente licenciaram para actuar nos respectivos territórios.
O princípio do reconhecimento mútuo, consagrado na Proposta de Directiva relativa aos serviços no mercado interno, aprovada pela Comissão Europeia, em Dezembro de 2003, que significará muito provavelmente o alinhamento pelos padrões do menos exigente do ponto de vista ético e o aligeiramento do controlo, não se pode aplicar a este domínio da actividade, em resultado do princípio da subsidiariedade.
b) O jogo é regulamentado no conjunto dos países.
O modelo de um mercado interno de jogo, tal como proposto pela Comissão, em sede de Directiva, questão a que se retomará, não existe em nenhuma outra região do mundo. Mesmo em todos os Estados federais (EUA, Canadá, Austrália), o jogo continua a ser competência soberana dos Estados e é objecto de um enquadramento muito restritivo.»

Mais adiante, ainda no mesmo ponto do relatório, diz-se:

«A liberalização dos jogos a dinheiro atingirá gravemente a natureza muito particular desta actividade que sempre foi firmemente regulada pelos Estados, tendo em vista a protecção das famílias e a luta contra a criminalidade organizada.
Esta banalização terá consequências particularmente danosas para as pessoas, designadamente de ordem pública (é suficientemente ilustrativa a constatação da infiltração criminosa de inúmeros sítios de jogo pela Internet, sediados em off-shore).»

E, na sequência, ainda no mesmo ponto, afirma-se:

«Não se descortina fundamento para postergar ou considerar terem existido modificações que determinem a alteração do referido princípio da proibição, cujos fundamentos se deixaram alinhados.
Diga-se não ser concebível, face aos princípios e regras vigentes, a introdução ou consentimento de um mercado do jogo.»

Logo de seguida, no ponto III do relatório que temos vindo a citar – Da caracterização da actividade no âmbito da União Europeia – continuam os autores do relatório:

«Considerando a vigência do princípio da proibição na generalidade dos países da União Europeia, na matéria que nos ocupa, não foi sem alguma surpresa que se constatou, em sede de Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à criação de um mercado interno de serviços até ao ano de 2008, a previsão da inclusão do jogo, entre os referidos serviços, tendo-se estabelecido uma derrogação transitória relativa às actividades do jogo, até ao ano de 2010.
Certo é que, a ser aprovada a proposta de Directiva, sob apreciação na sua versão de 13 de Janeiro de 2004 – o que não se antevê, atenta a insistência que vem sendo feita, no sentido da exclusão dos jogos do mercado interno (artigo 2º da Proposta) – Portugal não poderá restringir a livre circulação de serviços de jogo, fornecidos por um prestador tendo um estabelecimento noutro Estado-Membro. A questão assume tanto maior gravidade quanto, nos termos da referida Proposta, serão proibidas a imposição das seguintes exigências, que pela sua importância se sublinham:
i) Obrigação de o prestador ser titular de um estabelecimento no seu território;
ii) Obrigação de o fornecedor efectuar qualquer declaração ou notificação às autoridades competentes ou de obter uma autorização administrativa, nelas se compreendendo uma inscrição no registo ou numa ordem profissional existente no seu território;
iii) Obrigação de o fornecedor dispor no seu território de uma morada ou de um representante, ou de se domiciliar junto de um terceiro;
iv) Proibição do fornecedor instalar no seu território uma determinada infraestrutura, incluindo escritório ou gabinete, necessário ao cumprimento das prestações em causa;
v) Obrigação de o fornecedor respeitar as exigências relativas ao exercício de uma actividade, aplicáveis no território;
vi) Aplicação de um regime contratual especial entre o fornecedor e o destinatário, que impeça ou limite a prestação de serviços independentes;
vii) Obrigação de o fornecedor possuir um título de identificação próprio para o exercício de uma actividade, emitido pelas autoridades competentes;
viii) Exigências que afectem a utilização de equipamentos que integrem a prestação de serviços;
ix) Restrição à livre circulação de serviços que se traduza numa imposição que restrinja a utilização de um serviço, designadamente pela exigência de uma autorização ou declaração administrativa, de imposição de limites ou possibilidades de deduções fiscais ou de ajudas financeiras, pelo facto de o prestador ter o seu estabelecimento noutro Estado-Membro, ou em função do lugar de execução da prestação, bem como a sujeição do destinatário a taxas discriminatórias ou desproporcionadas, sobre o equipamento necessário para receber um serviço à distância proveniente de um Estado-Membro (artigos 16º, 20º, 23º § 1º título 1º e artigo 25º, § 1º).
O mesmo vale para os procedimentos por via electrónica (artigo 8º).
O objectivo é, obviamente, o de postergar quaisquer barreiras administrativas.
Trata-se, muito claramente, de contemplar em sede de livre circulação de serviços, o princípio do país de origem, de tal forma que seja o Estado-Membro do país de origem o responsável pelo fornecedor e pelos serviços que ele forneça, mesmo que o sejam num outro Estado-Membro. Dito ainda de outra forma, trata-se de poder exercer uma actividade num Estado-Membro, independentemente dos critérios e requisitos desse Estado-Membro, o que obviamente se traduzirá numa vantagem para os regimes menos exigentes.
Nem mesmo a previsão, nos termos do artigo 40º, de a actividade do jogo vir a ser objecto de harmonização complementar, limita qualquer antinomia, face ao princípio da proibição, vigente entre nós.
Do que antecede, facilmente se afere que a intenção de incluir os jogos num mercado de livre prestação de serviços, não se coaduna com a legislação interna portuguesa, em que tal actividade está, por natureza, subtraída ao mercado, configurando mesmo uma actividade proibida.
Temos, aliás, fundadas dúvidas de que tal Proposta de Directiva seja compatível com o Tratado.
A inclusão do jogo no mercado de serviços é tanto menos esperada quanto a própria jurisprudência comunitária não tem feito uma leitura de inclusão das actividades de jogo no elenco de serviços de livre prestação, não sendo desconhecida a jurisprudência correctiva do Tribunal de Justiça.
O Tribunal de Justiça tem entendido, é certo, que os jogos de fortuna ou azar constituem uma actividade económica, na acepção do artigo 2º do Tratado, isto é, uma actividade que consubstancia o fornecimento de um serviço determinado, mediante remuneração e perspectiva de um lucro em dinheiro (Acórdão do TJ de 24 de Março de 1994, Schindler, C-273/92; Ac. do TJ de 21 de Setembro de 1999, Läärä, C-124/97 e Ac. do TJ de 11 de Setembro de 2003, Anomar, C-‑6/01); mas tem igualmente entendido que as actividades de jogo não são abrangidas pelas disposições aplicáveis às mercadorias, mas aos serviços e que os monopólios de exploração de jogos de fortuna e azar não se enquadram no âmbito de aplicação do artigo 31º da C. E., disposição que obriga os Estados-Membros a adaptar os monopólios nacionais, de natureza comercial, de modo a assegurar a exclusão de toda e qualquer discriminação entre nacionais dos Estados-Membros.
No que tange à caracterização da legislação portuguesa, como restritiva da livre prestação de serviços, o Tribunal de Justiça considera-a como justificada por razões imperativas de interesse geral e ordem pública, a saber:
a) A protecção dos consumidores;
b) A prevenção da fraude e da delinquência;
c) A protecção da moral pública;
d) O financiamento de actividades de interesse geral, que na legislação constituinte – entrave à livre prestação de serviços – não é incompatível com o Tratado, tendo em conta as preocupações de política social e de prevenção da fraude, nas quais se baseia.
Sufraga ainda o Tribunal de Justiça o entendimento de que compete às autoridades nacionais apreciar se, no contexto da finalidade prosseguida, é necessário proibir total ou parcialmente, as actividades desta natureza ou se basta restringi-las e prever, para este efeito, modalidades de controlo, mais ou menos restritas (Acórdão Anomar).
Mais defende aquele Tribunal, que no âmbito de uma legislação compatível com o Tratado CE, a escolha das modalidades de organização e de controlo das actividades de exploração e de prática dos jogos de fortuna ou azar, como a celebração com o Estado de um contrato administrativo de concessão ou a limitação da exploração e da prática de certos jogos nos locais devidamente autorizados para o efeito, incumbe às autoridades nacionais, no quadro do seu poder de apreciação (Ac. Anomar). É certo que, no Ac. de 6 de Novembro de 2003, proferido no Proc.º nº C-243/01, vulgarmente conhecido por Acórdão Gambelli, o Tribunal de Justiça veio decidir que: “uma regulamentação nacional que proíbe – sob pena de sanções penais – o exercício de actividades de recolha, aceitação, registo e transmissão de propostas de apostas, nomeadamente sobre acontecimentos desportivos, sem concessão ou autorização emitida pelo Estado-Membro em causa, constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços previstos respectivamente nos artigos 43º e 49º C.E.”
E que [c]ompete ao órgão jurisdicional de reenvio, analisar se essa regulamentação, tendo em conta as suas modalidades concretas de aplicação, obedece verdadeiramente aos objectivos susceptíveis de a justificarem e se as restrições que a mesma impõe, não se mostram desproporcionadas em relação a esses objectivos”.
A decisão proferida no caso Gambelli poderia, numa primeira leitura, ser entendida como uma alteração jurisprudencial, não fora tal decisão ter sido proferida no âmbito de uma factualidade onde se verificava a existência de uma organização, “difusa e ramificada de agências italianas, ligadas pela Internet ao bookmaker (agente de apostas)” – nas palavras daquele aresto – e isto no âmbito de um sector que vivia uma efectiva liberalização no sector das apostas, política essa de forte expansão do jogo.
Daí que a própria decisão jurisprudencial refira que: “na medida em que as autoridades de um Estado-Membro incitem e encorajem os consumidores a participar em lotarias, jogos de azar ou jogos de apostas, a fim de que o tesouro público daí retire benefícios no plano financeiro, as autoridades desse Estado não podem invocar a ordem pública social ligada à necessidade de reduzir as ocasiões de jogo para justificar medidas como as que estão em causa no processo principal”.
E adiante: “Além disso, as restrições impostas pela regulamentação italiana em matéria de concursos devem ser indistintamente aplicáveis, no sentido de que devem aplicar-se da mesma maneira e com os mesmos critérios aos operadores estabelecidos em Itália e aos operadores provenientes de outros Estados-Membros”.
Dito de outra forma e salvo melhor opinião, tendo o Estado Italiano criado um verdadeiro e próprio mercado, não parece poder subsequentemente subtrair-se às regras reguladoras do mesmo.
Certo é que, apesar de uma jurisprudência comunitária que se pode considerar restritiva, a Proposta de Directiva atinente à instituição de um mercado interno de serviços até 2008, com as derrogações especiais – nas quais se inclui o jogo – até 2010, impõe que se considere a possibilidade de liberalização da actividade, contra a qual militam as razões que presidem a que em Portugal constituam uma actividade proibida e que, como sublinhado, se mantêm integralmente.
A admitir tal possibilidade não pode deixar de se sublinhar a sua antinomia com a legislação constituinte europeia.
(…).»

Sobre o Jogo electrónico, pronunciam-se os autores do relatório, no ponto VI do mesmo e nos seguintes termos:

«O Governo anunciou a intenção de regular o jogo electrónico, o que fez no âmbito da Resolução nº 97/2003, de 1 de Agosto.
O Grupo de Trabalho sublinha que o jogo electrónico (excepção feita aos jogos sociais) – entre nós proibido – coloca complexos problemas de fiscalização, efectivação de sanções e de concorrência, para os quais os ordenamentos jurídicos não têm ainda respostas completas, para além de questões éticas ligadas aos jogadores (v.g. desde logo controlo da idade).
Daí que o Grupo de Trabalho sufrague o entendimento de que o jogo electrónico deve permanecer proibido, salvaguardada a excepção que se assinalou.
A natureza dos jogos em casino, que se caracterizam, entre outros factores, pelo apelo ao impulso, levaram o legislador a estabelecer o princípio da concessão de territorialidade ligada às zonas de jogo. A criação dos casinos “on-line” quebra esse princípio e representa, de facto, um aumento significativo das oportunidades de jogo. A tomar tal decisão, o Estado Português, à luz da jurisprudência do TJCE, não poderia mais sustentar a proibição da prestação deste tipo de serviços por outros operadores estabelecidos em outros estados da EU.
(…).»

O documento termina com a formulação de propostas de que salientam as seguintes:

«I) Manutenção do princípio geral de proibição de jogos de fortuna ou azar ou jogos a dinheiro e do princípio da reserva estadual;
II) Estatuição do princípio da instrumentalidade dos jogos autorizados, em função da prossecução de fins de interesse público;
III) Enquadramento da actividade, da tipologia, regime e normas sancionatórias dos jogos numa Lei de Bases, revogando-se a actual legislação, no sentido da unificação legislativa;
IV) Previsão de mecanismos de deslegalização, no âmbito da mencionada Lei de Bases;
V) Determinar aos serviços competentes a defesa, nas várias instâncias, da firme oposição ao princípio da liberalização e integração do jogo no mercado de serviços, maxime no âmbito dos trabalhos de elaboração da proposta de Directiva atinente à criação de um mercado interno de serviços;
VI) Manutenção do exclusivo dos jogos sociais na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com alteração do regime de criação e regulação dos jogos no que respeita à respectiva deslegalização;
(…);
XI) Proibição – excepção feita aos jogos sociais – do jogo electrónico;
XII) Promoção de campanhas de informação sobre o jogo ilícito;
XIII) Substituição de sanções penais por sanções contraordenacionais e aumento substancial das coimas, como forma de desincentivo do jogo ilícito em máquinas, senhas e jogos paralelos aos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com responsabilização do titular dos meios utilizados, mas também do titular do local onde se encontrem os referidos meios;
(…).»

Posteriormente à Resolução n.º 97/2003, atrás citada, não houve qualquer tomada de posição, ao nível interno, designadamente de consagração legislativa das propostas formuladas no estudo supra referido[53].
Ao nível comunitário não há, também, por enquanto, qualquer orientação vinculativa.

Como é referido no relatório, a jurisprudência do Tribunal de Justiça tem-se inclinado para incluir a actividade dos jogos no âmbito dos serviços, com remissão para os artigos 49.º e seguintes do Tratado, e só admitindo restrições à respectiva liberdade de circulação, quando aquelas forem reputadas proporcionadas à defesa de interesses relevantes.

Assim, na resposta de 23 de Novembro de 2001[54], dada pela Comissão a um deputado do Parlamento Europeu, afirma-se que se é certo que a Directiva 2000/31/CE, de 8 de Julho de 2000[55], não abrange esta forma especial de serviço da sociedade da informação, «reconhece de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça,» que «certas actividades relacionadas com o jogo estão abrangidas pelo artigo 49.º (ex-artigo 59.º) do Tratado CE. A mesma jurisprudência também reconhece que os Estados-membros têm o direito de limitar a prestação transfronteiras dos serviços de jogos em causa».

Do mesmo modo, na sua resposta de 21 de Janeiro de 2003, a uma pergunta apresentada por outro deputado do Parlamento Europeu (Freddy Blak)[56], sobre um projecto de lei que, se adoptado, tornaria mais difícil aos agentes de apostas estrangeiros oferecer e publicitar os seus serviços aos consumidores do estado dinamarquês, sublinha-se que, de um ponto de vista legal, «os Estados-Membros podem impor restrições ao fornecimento transfronteiriço de serviços, para proteger objectivos de interesse geral, como a protecção dos consumidores ou a manutenção da ordem pública na sociedade. De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça europeu, tais restrições são compatíveis com o Tratado CE, se forem não-‑discriminatórias e proporcionadas em relação a esses objectivos.» A Comissão, anunciando os seus trabalhos com vista à definição de uma estratégia do mercado interno para os serviços refere ainda que neles se terá na devida conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça europeu, que tem indicado que, em certa medida, as restrições dos Estados-Membros ao fornecimento transfronteiriço de certas formas de serviços de jogo são compatíveis com o Tratado CE, na ausência de um enquadramento comunitário.»

De facto, o Tribunal de Justiça tem vindo a entender que os jogos de fortuna ou azar constituem uma actividade económica, na acepção do artigo 2º do Tratado, isto é, uma actividade que consubstancia o fornecimento de um serviço determinado, mediante remuneração e perspectiva de um lucro em dinheiro e que os Estados-‑Membros podem impor restrições ao fornecimento transfronteiriço de serviços, para proteger objectivos de interesse geral, como a protecção dos consumidores ou a manutenção da ordem pública na sociedade, desde que tais restrições sejam compatíveis com o Tratado CE, isto é, não-discriminatórias e proporcionadas em relação a esses objectivos.

A totalidade dos acórdãos conhecidos do Tribunal de Justiça nesta matéria (Acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1994, Schindler, C-273/92, de 21 de Setembro de 1999, Läärä, C-124/97, de 21 de Outubro de 1999, Zenatti, C-67/98 e de 11 de Setembro de 2003, Anomar, C-6/01 e de 6 de Novembro de 2003, Gambelli, C-243/01)[57] é concordante.

Como atrás já se deixou referido através da citação da posição da Comissão Europeia, a Directiva 2000/31/CE, de 8 de Julho de 2000, não abrange esta forma especial de serviço da sociedade da informação.

A UE tem prosseguido a procura de uma regulamentação do jogo, encarado sempre como um serviço, inserindo-se nesta estratégia a já referida Proposta de Directiva relativa aos serviços no mercado interno, aprovada pela Comissão Europeia, em Dezembro de 2003.

Este objectivo não será atingido, porém, a curto prazo uma vez que a proposta continua a ser objecto de discussão tendo sido elaborado um documento de trabalho (N.º 9350/1/05 REV1, datado de 19 de Julho de 2005, sobre o assunto «Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos serviços no mercado interno».

No artigo 1.º da proposta define-se o objecto da directiva, pela forma seguinte:

«A presente directiva estabelece disposições gerais que permitem facilitar o exercício da liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços, bem como a livre circulação dos serviços.
A presente directiva não tem por objecto a liberalização dos serviços de interesse económico geral reservados a entidades públicas ou privadas, nem a privatização de entidades públicas prestadoras de serviços.
A presente directiva não tem por objecto a abolição dos monopólios de prestação de serviços nem os auxílios concedidos pelos Estados-Membros, que são abrangidos pelas regras comuns em matéria de concorrência.

E num considerando sobre esta primeira disposição afirma-se:

«É conveniente que as disposições da presente directiva relativas à liberdade de estabelecimento só sejam aplicáveis desde que as actividades em causa estejam abertas à concorrência e, por conseguinte, não obriguem os Estados Membros a liberalizar serviços de interesse económico geral nem a privatizar as entidades públicas que prestam esses serviços, ou a abolir os monopólios existentes noutros sectores de actividade, nomeadamente no que respeita às lotarias (…).»

Do articulado e das considerações que a propósito se tecem, designadamente dos artigos 16.º, 18.º e 40.º se extrai que, embora sem afrontar os monopólios do Estado em matéria de jogo, se procura tratar esta actividade como um serviço que, como os demais, deverá ficar sujeito ao princípio do país de origem, embora esta regra fique, neste caso, sujeita a um período de moratória que terminará pelo início de aplicação de um documento de harmonização que o abranja.

De todo o modo, as precedentes considerações servem ainda para demonstrar que, em sede de direito comunitário, também não existe, actualmente qualquer regulamentação, que o contrato que temos vindo a analisar tenha infringido.

VII

Termos em que se formulam as seguintes conclusões:

1.ª A celebração do contrato de patrocínio entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a sociedade “Betandwin International (BAI) Limited” insere-se no âmbito das competências estritas de direito privado da Liga, e, de acordo com as respectivas normas estatutárias, nele outorgaram, em nome da Liga, o seu Presidente da Direcção e o seu Director Executivo;

2.ª A publicitação do logotipo «betandwin.com», imposta pelo clausulado contratual, viola, porém, o comando do n.º 1 do artigo 21.º do Código da Publicidade, o que implica que às infracções respectivas se aplicam as disposições dos artigos 34.º, n.os 1, alínea c), e 2, e 35.º a 39.º do referido código;

3.ª A violação do comando do artigo 21.º do Código de Publicidade, norma legal de natureza imperativa, implica a nulidade do contrato, nos termos do artigo 294.º do Código Civil;

4.ª A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, tendo tal declaração efeito retroactivo.







[1] Mediante (...).
[2] É o seguinte o teor do contrato (...).
[3] Veio a ser junto ao processo um memorando elaborado pela Confederação de Turismo Português, onde se defende a ilegalidade da actividade da Betandwin e do contrato subscrito pela Liga. Igualmente, a nosso pedido, por ter sido citado na imprensa diária, foi junta a deliberação do JEP (Júri de Ética Publicitária), com a data de 14 de Setembro de 2005, solicitado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ao Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade (ICAP), de que aquele é um órgão especializado.
[4] A redacção actual, resultante da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, mantém a redacção que foi adoptada na Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho.
[5] Cf. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 380.
[6] Nesta parte seguiremos de perto e, por vezes textualmente, os pareceres n.os 46/2004 e 114/2004, respectivamente, de 25 de Novembro de 2004 e de 3 de Março de 2005.
[7] Ob.cit., p. 257.
[8] Ibidem, p. 258.
[9] Direito Administrativo, vol. I, Porto, Elcla, 2000, p. 337.
[10] ALEXANDRA PESSANHA, As Federações Desportivas. Contributo para o Estudo do Ordenamento Jurídico Desportivo, Coimbra Editora, 2001, pp. 126-128.
x FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 577.
x1 Alterado pelo Decreto-Lei n.º 71/77, de 25 de Fevereiro.
[11] A transcrição a que ora se procede e as seguintes são do parecer n.º 46/2004, já citado, que, de resto, continuamos a seguir de perto.
x2 Do respectivo preâmbulo.
[12] O mesmo regime é aplicável às alterações do acto de constituição e dos estatutos (n.os 1 e 2 do artigo 5.º).
x3 Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1967, em anotação ao artigo 157.º, p. 102.
x4 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit., em anotação ao artigo 160.º, p. 104.
x5 Idem, ibidem.
[13] Esta Lei de Bases foi objecto de rectificação, publicada no Diário da República, I série, n.º 64, de 17 de Março de 1990, p. 1314.
[14] Cf., neste sentido, o Parecer n.º 46/2004, já citado.
[15] O artigo 90.º da Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho, revogou a Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 19/96, de 25 de Junho (n.º 1) e determinou que «[a]s remissões legais feitas para as disposições da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 19/96, de 25 de Junho, consideram-se feitas para as disposições correspondentes da presente Lei» (n.º 2).
[16] Sobre o conceito de lei de valor reforçado, cf. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 6.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 862-865. Para uma síntese da doutrina sobre o conceito, cf. os pareceres n.os 71/2002, de 14 de Agosto de 2002, e 75/2002, de 26 de Setembro de 2002, inéditos.
[17] O n.º 3 do artigo 112.º da Constituição dispõe: «Têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que careçam de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas.»
[18] Cf. a Proposta de Lei n.º 80/IX (Lei de Bases do Desporto), Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 111, de 12 de Julho de 2003, e o relatório da votação na especialidade na Comissão de Educação, Ciência e Cultura e respectivo anexo (incluindo propostas de alteração apresentadas pelo PSD/CDS-PP e declaração de voto do PS), Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 65, de 17 de Junho de 2004, pp. 2680 a 2690.
[19] Continuamos a seguir de perto e, por vezes, a transcrever mesmo o parecer n.º 46/2004, já citado.
[20] JOSÉ MANUEL MEIRIM, A Federação Desportiva como Sujeito Público do Sistema Desportivo, Coimbra Editora, 2002, p. 111.
[21] Obra citada, p.571.
[22] Cf. Acórdão do Tribunal Arbitral, constituído nos termos do artigo 74.º, n.º 2 dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol, datado de 15 de Junho de 2004, Desporto e Direito, Revista Jurídica do Desporto, Ano II, n.º 6, Maio-Agosto, 2005.
[23] Publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 6, 3.ª Série, de 30 de Março de 1997, pp.163 e ss.
[24] Alterado pelos Decretos-Leis n.os 74/93, de 10 de Março, 6/95, de 17 de Janeiro, 61/97, de 25 de Março, pela Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, pelos Decretos-Lei n.os 275/98, de 9 de Setembro, 51/2001, de 15 de Fevereiro, 332/2001, de 24 de Dezembro, e 81/2002 de 4 de Abril, pela Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 224/2004, de 4 de Dezembro.
[25] PEDRO QUARTIN GRAÇA SIMÃO JOSÉ, A Publicidade e a Lei, Vega, Lisboa, 1995, p. 41.
[26] Todo este capítulo foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 6/95.
x5 JOÃO M. LOUREIRO, Direito de Marketing e da Publicidade, Lisboa, 1985, p. 305, apud parecer deste Conselho n.º 30/91, de 29 de Maio de 1981, que temos vindo a seguir de perto e que, neste trecho, transcrevemos.
[27] ANTÓNIO PAYAN MARTINS, “O contrato de patrocínio – Subsídios para o estudo de um novo tipo contratual”, Direito e Justiça, Vol. XII, Tomo 2, pp. 187-188. As considerações seguintes, quando não expressamente referidas como transcrições, seguem de perto o artigo citado.
[28] Ob. cit., p. 191.
[29] Idem, p. 199.
[30] Idem, p. 213.
[31] Idem, p. 239.
[32] Rectificada por Declaração de rectificação de 30 de Dezembro de 1989 e alterada pelos Decretos-Lei n.os 10/95, de 19 de Janeiro, 28/2004, de 16 de Julho e 40/2005, de 17 de Fevereiro.
[33] O Decreto-Lei nº 84/85 – rectificado por Declaração inserta no Diário da República, I Série, nº 125, Suplemento, de 31 de Maio de 1985, pp. 1484–(4)/(5) – foi sucessivamente alterado, sem interesse directo na questão em apreço, pelos Decretos-Leis nºs. 389/85, de 9 de Outubro, 387/86, de 17 de Novembro, 285/88, de 12 de Agosto, 371/90, de 27 de Novembro, 174/92, de 13 de Agosto, 238/92 de 29 de Outubro, 64/95, de 7 de Abril, 258/97, de 30 de Setembro, 153/2000, de 21 de Julho, 317/2002, de 27 de Dezembro, e 37/2003, de 6 de Março.
[34] Com a excepção das apostas mútuas hípicas, instituídas pelo Decreto-Lei n.º 268/92, cuja exploração, fora dos hipódromos, em regime de exclusivo extensivo a todo o território nacional, é, ao invés, objecto de concessão mediante concurso público (artigo 2.º) – o artigo 26.º, n.º 2 adverte expressamente que as mesmas «não são sujeitas ao regime de exclusivo fixado pelo n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 84/85, de 28 de Março». Dentro dos hipódromos, a sua exploração depende de simples autorização (artigo 3.º).
[35] De resto, os diplomas que foram criando outras espécies de jogos e apostas mútuas não deixam de o enfatizar especificamente. Cf., assim, por ordem cronológica: o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 412/93, de 21 de Dezembro (Joker); o artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 314/94, de 23 de Dezembro (Lotaria Instantânea, vulgo “Raspadinha”); o artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 225/98, de 17 de Julho (Totogolo) e o artigo do Decreto-Lei n.º 210/2004, de 20 de Agosto (Euromilhões).
[36] O exclusivo da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa relativamente à Lotaria Nacional está consignado no Decreto-Lei n.º 40 397, de 14 de Novembro de 1955, alterado pelos Decretos-Lei n.os 11/88, de 15 de Janeiro de 1988, e 96/91, de 26 de Fevereiro de 1991.
O parecer n.º 29/84, de 20 de Junho de 1984, historiou, por seu turno, o exclusivo da SCML sobre a lotaria nacional. Acerca deste especialíssimo, a todos os títulos, direito exclusivo, cf., mais recentemente, PEDRO ALEXANDRE CARDOSO NEVES, Lotaria Nacional. Subsídios para a sua História (1783-1983), edição da Lotaria Nacional, Lisboa, 1983, pp. 21 e ss.; JOÃO LUÍS DE MORAES ROCHA, Segurança, Tranquilidade e Lazer do Cidadão, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 38. De qualquer modo, este tema não nos merece mais desenvolvido tratamento, por estar em questão, apenas, o monopólio da SCML no âmbito das apostas mútuas.
[37] No domínio da interpretação da lei, o elemento gramatical é constituído pelo texto ou letra da lei; o elemento histórico abrange todos os materiais relacionados com a história do preceito ou diploma; o elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma; e o elemento sistemático «compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o “lugar sistemático” que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico» (J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1990, pp. 181-185). Sobre a matéria, cf. também JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 400-409. Do Conselho Consultivo, v., sobre interpretação da lei, por exemplo, os Pareceres n.os 10/91, de 21 de Março de 1991 (Diário da República, II Série, n.º 172, de 28 de Julho de 1992), 61/91, de 14 de Maio de 1992 (Diário da República, II Série, n.º 274, de 26 de Novembro de 1992), 50/96, de 16 de Dezembro de 1997 (Diário da República, II Série, n.º 166, de 21 de Julho de 1998), 26/98, de 24 de Setembro de 1998 (Diário da República, II Série, n.º 279, de 3 de Dezembro de 1998), 357/2000, de 17 de Janeiro de 2002 (Diário da República, II Série, n.º 244, de 22 de Outubro de 2002), e 1/2003, de 13 de Fevereiro de 2003 (Diário da República, II Série, n.º 132, de 7 de Junho de 2003).
[38] Cf. os acórdãos da Relação de Lisboa, de 8 de Março de 2001, processo n.º 03774 e de 4 de Outubro de 2001, processo n.º 0019213, ambos constantes do sítio www.dgsi.pt/jtrl. No primeiro decidiu-se que «[a] inserção do logotipo «Coca-Cola» no decurso da transmissão televisiva de um jogo de futebol, mais concretamente aquando da marcação de golo, não é informação harmonizável com o conteúdo próprio do patrocínio, antes ocorre a introdução de elementos de persuasão só compagináveis com a mensagem publicitária propriamente dita», e no segundo sustenta-se que «[c]onstitui publicidade a simples exposição no exterior de um edifício da denominação da empresa e respectivo logotipo, como, numa agência bancária, estar exposto o nome do banco e seu logotipo.» Em sentido menos afirmativo, no parecer deste Conselho n.º 30/91,citado, a p. 44, diz-se que a «indicação do nome ou do logotipo da entidade patrocinadora não é legalmente considerada incitamento à compra ou locação de bens ou serviços daquela».
[39] Pelo seu interesse transcrevem-se parcialmente os artigos 34.º e 35.º do Código da Publicidade, devendo tomar-se em consideração que o Decreto-Lei n.º 136/2002, de 16 de Maio, clarificou o critério de conversão em euros de toda a legislação:
«Artigo 34.º
Sanções
1 – A infracção ao disposto no presente diploma constitui contra-ordenação punível com as seguintes coimas:
a) (...);
b) (...);
c) De 75 000$ a 500 000$ ou de 300 000$ a 1 600 000$, consoante o infractor seja pessoa singular ou colectiva, por violação do preceituado nos artigos 15.º, 21.º e 22.º e 22.º-A.
2 – A negligência é sempre punível, nos termos gerais.
«Artigo 35.º
Sanções acessórias
1 – Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, podem ainda ser aplicadas as seguintes sanções acessórias:
a) Apreensão de objectos utilizados na prática das contra-ordenações;
b) Interdição temporária, até um máximo de dois anos, de exercer a actividade publicitária;
c) Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidades ou serviços públicos;
d) Encerramento temporário das instalações ou estabelecimentos onde se verifique o exercício da actividade publicitária, bem como cancelamento de licenças ou alvarás.
2 – As sanções acessórias previstas nas alíneas b), c) e d) do número anterior só podem ser aplicadas em caso de dolo na prática das correspondentes infracções.
3 – As sanções acessórias previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 têm a duração máxima de dois anos.
4 – Em casos graves ou socialmente relevantes pode a entidade competente para decidir da aplicação da coima ou das sanções acessórias determinar a publicidade da punição por contra-ordenação, a expensas do infractor.»

Dir-se-á ainda que o Instituto do Consumidor é quem detêm as competências para a fiscalização do cumprimento do Código da Publicidade e para a instrução dos respectivos processos (artigos 37.º e 38.º); a aplicação das sanções compete a uma comissão constiuída pelo presidente da comissão referida no n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 29 de Janeiro, pelo presidente do Instituto do Consumidor e pelo presidente do Instituto da Comunicação Social (artigo 39.º).
[40] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 1999, Livraria Almedina, p. 563.
[41] Idem, p. 566. Saliente-se que o Autor não reconhece autonomia à figura da inexistência.
[42] HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª Reimpressão da edição de 1992, Almedina, p. 520.
[43] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 9.ª Reimpressão, Almedina, p. 336.
[44] HEINRICH EWALD HÖRSTER, ob. cit., p. 521.
[45] Idem, pp. 521-522.
[46] Não se abordará aqui a possibilidade prevista na lei de redução dos negócios jurídicos inválidos, prevista no artigo 292.º do Código Civil, uma vez que esta depende de requisitos, cuja verificação, não estamos, face aos elementos fornecidos, em condições de reconhecer (MENEZES CORDEIRO, obra citada, p. 586):
– nulidade meramente parcial;
– circunstâncias objectivas ou vontade real de uma das partes, conhecida pela outra ou sua vontade hipotética e boa fé de que seja de concluir que o negócio se teria concretizado, mesmo sem a parte viciada;
– o respeito pela boa fé;
– o respeito pelas regras formais.
[47] HEINRICH EWALD HÖRSTER, ob. cit., p. 593.
[48] Ibidem, p. 594
[49] Na definição de MANUEL DE ANDRADE e PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA interessado será o «sujeito de qualquer relação jurídica que, de algum modo possa ser afectada, na sua consistência jurídica ou mesmo só na sua consistência prática pelos efeitos que o negócio tendia a produzir,(na definição de MANUEL DE ANDRADE E PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, in obra citada p. 417 e Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, p. 263, respectivamente.
* Os segmentos “electrónico” e “(cf. Decreto-Lei nº 282/2003, de 8 de Novembro)” resultam de rectificação operada na sessão de 02-02-2006.
[50] É o seguinte o teor dos referidos artigos:
Artigo 5.º
Factos praticados fora do território português
1 – Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional:
a) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 221º, 262º a 271º, 300º, 301º, 308º a 321º, 325º a 345º;
b) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 159.º, 160.º, 169.º, 172.º, 173.º, 176.º e 236.º a 238.º, no n.º 1 do artigo 239.º e no artigo 242.º, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado;
c) Por portugueses, ou por estrangeiros contra portugueses, sempre que:
I) Os agentes forem encontrados em Portugal;
II) Forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados, salvo quando nesse lugar não se exercer poder punitivo; e
III) Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida; ou
d) Contra portugueses, por portugueses que viverem habitualmente em Portugal ao tempo da sua prática e aqui forem encontrados.
e) Por estrangeiros que forem encontrados em Portugal e cuja extradição haja sido requerida, quando constituírem crimes que admitam a extradição e esta não possa ser concedida.
2 – A lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado Português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional.
Artigo 6.º
Restrições à aplicação da lei portuguesa
1 – A aplicação da lei portuguesa a factos praticados fora do território nacional só tem lugar quando o agente não tiver sido julgado no país da prática do facto ou se houver subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação.
2 – Embora seja aplicável a lei portuguesa, nos termos do número anterior, o facto é julgado segundo a lei do país em que tiver sido praticado sempre que esta seja concretamente mais favorável ao agente. A pena aplicável é convertida naquela que lhe corresponder no sistema português, ou, não havendo correspondência directa, naquela que a lei portuguesa prever para o facto.
3 – O regime do número anterior não se aplica aos crimes previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º
[51] Publicada no Diário da República, 1.ª Série B, n.º 176, de 1 de Agosto de 2003. A disciplina normativa relativa à exploração, em suporte electrónico, dos jogos sociais da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa veio a ser fixada pelo Decreto-Lei n.º 282/2003 de 8 de Novembro, publicado no Diário da República, n.º 259, I Série-A da mesma data.
[52] Publicado no Diário da República n.º 50, II Série, suplemento, da mesma data.
[53] O Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de Janeiro que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno, bem como o artigo 13.º da Directiva n.º 2002/58/CE, de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e a protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas, exclui do âmbito da respectiva aplicação «os jogos de fortuna, incluindo lotarias e apostas, em que é feita uma aposta em dinheiro».
[54] JO, n.º C 081 E, de 4 de Abril de 2002, p. 0211-0211. Cf. nota anterior.
[55] Sobre comércio electrónico, inserta em JO, n.º L 178, de 17 de Julho de 2000, p. 1.
[56] JO n.º C 155 E, de 3 de Julho de 2003, p. 0209-0209.
[57] Cf. Rassegna della Giurisprudenza di Legittimità, La Giurisprudenza delle Sezione Unite Penali della Corte di Cassazione, Anni 2002- 2004, Roma, Janeiro de 2005, pp. 62-64. Não estando ainda publicada, nesta revista, a decisão do Tribunal Supremo de Cassação sobre o caso Gambelli, são nela referidas três decisões sobre recursos com semelhanças com este (recursos Corsi, n.º 23271, Poce, n.º 23272, e Gesualdi, n.º 23273), onde tal tribunal veio a entender que a legislação italiana que proíbe e pune penalmente o exercício de actividades de recolha, aceitação, registo e transmissão de propostas de apostas, sem concessão ou autorização emitida pelo estado italiano não viola os princípios comunitários da liberdade de estabelecimento (artigo 43.º do Tratado) e da liberdade de prestação de serviços no interior da U.E. (artigo 49.º), uma vez que tais normas visam o controlo, por motivos de ordem pública, idóneos a justificar, nos termos do artigo 46.º do Tratado, as restrições nacionais aos citados princípios comunitários.