Parecer do Conselho Consultivo da PGR |
Nº Convencional: | PGRP00002747 |
Parecer: | P000142006 |
Nº do Documento: | PPA28092006001400 |
Descritores: | LICENÇA SEM VENCIMENTO LICENÇA PARA ACOMPANHAMENTO DO CÔNJUGE COLOCADO NO ESTRANGEIRO FUNCIONÁRIO DO SERVIÇO DIPLOMÁTICO MILITAR FUNÇÃO MILITAR CONDIÇÃO MILITAR REGIME DA FUNÇÃO PÚBLICA DIREITOS FUNDAMENTAIS FAMÍLIA RESTRIÇÃO DE DIREITOS INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO OMISSÃO LEGISLATIVA INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PRINCÍPIO DA IGUALDADE FALTAS |
Livro: | 00 |
Numero Oficio: | 828 |
Data Oficio: | 01/31/2006 |
Pedido: | 02/02/2006 |
Data de Distribuição: | 02/02/2006 |
Relator: | PEREIRA COUTINHO |
Sessões: | 01 |
Data da Votação: | 09/28/2006 |
Tipo de Votação: | UNANIMIDADE |
Sigla do Departamento 1: | MNE |
Entidades do Departamento 1: | MIN DE ESTADO E DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS |
Posição 1: | HOMOLOGADO |
Data da Posição 1: | 10/20/2006 |
Posição 2: | HOMOLOGADO |
Data da Posição 2: | 12/22/2006 |
Privacidade: | [01] |
Data do Jornal Oficial: | 14-11-2006 |
Nº do Jornal Oficial: | 219 |
Nº da Página do Jornal Oficial: | 25467 |
Data da Rectificação: | 01/22/2007 |
Indicação 2: | ASSESSOR: TERESA BREIA |
Conclusões: | 1.ª O estatuto jurídico dos militares, constante do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho, para além de tendencialmente totalizante quanto às matérias que regula, é fechado em matéria de licenças, em termos de só consentir aquelas nele reguladas ou, nos termos da alínea i) do seu artigo 93.º, outras de natureza específica estabelecidas nele ou em legislação especial; 2.ª A alínea i) do artigo 93.º do EMFAR não consente interpretação que permita a atribuição aos militares de carreira do direito à licença sem vencimento para acompanhamento de cônjuge diplomata colocado no estrangeiro, regulada pelo Decreto-Lei n.º 519-E1/79, de 29 de Dezembro; 3.ª A falta de legislação específica que reconheça esse direito aos militares não constitui restrição de qualquer Direito Fundamental e também não constitui omissão legislativa constitucionalmente censurável; 4.ª Não viola o princípio da igualdade a subsistência de legislação aplicável aos militares que não prevê uma licença sem vencimento específica para acompanhamento de cônjuge diplomata colocado no estrangeiro e que não confere, em consequência, o direito à mesma. |
Texto Integral: | Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Excelência: I Dignou-se o antecessor de Vossa Excelência solicitar a este corpo consultivo a emissão de parecer urgente[1] sobre a aplicabilidade ao militar de carreira, marido de funcionária diplomática a colocar no estrangeiro, do regime da licença sem vencimento para acompanhamento do cônjuge, prevista no Decreto-Lei n.º 519-E1/79, de 29 de Dezembro. Em determinado procedimento, entenderam os serviços do Ministério da Defesa Nacional que a referida licença não integra o âmbito das licenças que possam ser concedidas a um militar, enquanto, da parte dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros, foi sustentado que a lei própria do pessoal das Forças Armadas deverá ser interpretada de modo a admitir o deferimento da pretensão. Na documentação apresentada ao anterior titular da pasta dos Negócios Estrangeiros sugere-se a solicitação de consulta com vista a «não necessariamente acomodar a pretensão da requerente, mas certamente resolver futuros casos semelhantes, de modo genérico e abstracto» (Parecer DAJ/PR-E/2005/184, do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 23/11/05, ponto 57). Entendeu o antecessor de Vossa Excelência por bem que as questões suscitadas merecem ser esclarecidas. Cabe emitir o solicitado parecer. II 1. Na situação que dá ocasião à consulta, determinada funcionária diplomática poderá ser colocada no estrangeiro[2] por aplicação do regime de colocações e transferências nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a coberto da figura da colocação ordinária prevista no artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro (Estatuto da Carreira Diplomática), e não é questionada a falta de legitimidade da interessada para requerer a concessão de uma licença de que pretenderia que beneficiasse o seu marido. Em questão encontra-se, sim, a aplicabilidade a este do que dispõe o Decreto-Lei n.º 519-E1/79, de 29 de Dezembro. Trata-se de um diploma que foi editado tendo presente, em primeira linha, de acordo com o que se encontra lavrado no respectivo preâmbulo, que «a colocação no estrangeiro por períodos prolongados de tempo de funcionários do serviço diplomático ou equiparados e, ainda, de funcionários dos quadros administrativo e auxiliar do Ministério dos Negócios Estrangeiros pode, em alguns casos, prejudicar legítimos interesses dos cônjuges que exerçam actividades remuneradas». Assim, «no que se refere aos cônjuges que trabalham em serviços públicos ou no sector empresarial do Estado, cumpre proteger, na medida do possível situações menos justas originadas por razões de serviço e de representação oficial de Portugal no estrangeiro». A estas situações se aplicam os artigos 1.º a 4.º do diploma. Este também admite a extensão do seu âmbito de aplicação com vista a «acautelar interesses idênticos de outros funcionários e agentes administrativos ou ainda quaisquer entidades que de algum modo assegurem no estrangeiro a representação de interesses sectoriais do País». A estes últimos casos se aplica o artigo 5.º do citado Decreto-Lei[3]. Nos termos do artigo 1.º, os cônjuges dos funcionários diplomáticos colocados no estrangeiro por períodos de tempo indeterminado mas superiores a noventa dias, «caso sejam funcionários públicos ou agentes administrativos em geral, terão direito à concessão de licença sem vencimento», em termos que mais à frente se apurarão. Entretanto, pelo Despacho Normativo n.º 1/85, de 30 de Novembro de 1984, do Ministro da Defesa Nacional, publicado no Diário da República, I Série, n.º 1, de 2 de Janeiro de 1985, foi determinada a extensão do regime constante do Decreto-Lei n.º 519-E1/79 aos «militares ou funcionários e agentes administrativos que, por períodos de tempo superiores a 90 dias assegurem no estrangeiro funções no âmbito da defesa nacional», por invocação do disposto no artigo 5.º, com o alcance de que os cônjuges destes poderiam requerer aquela licença. O Decreto-Lei n.º 519-E1/79 já entreabria, neste artigo 5.º, a possibilidade de extensão do regime da licença sem vencimento nele contemplada a outros sectores da função pública. Com a entrada em vigor do regime de férias, faltas e licenças dos funcionários da Administração Pública, constante do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro, procedeu-‑se à generalização do regime. Nessa conformidade, o artigo 108.º, n.º 1, deste último diploma determina expressamente a revogação do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 519-E1/79, de 29 de Dezembro, do que resultou a imediata caducidade do Despacho Normativo n.º 1/85, citado. No novo Decreto-Lei foi regulada a figura da licença sem vencimento para acompanhamento do cônjuge colocado no estrangeiro «por período de tempo superior a 90 dias ou indeterminado» nos artigos 84.º e seguintes. No artigo 84.º foi conferido o direito a essa licença ao cônjuge abrangido pelo campo de aplicação pessoal do diploma, que é definido por referência aos funcionários e agentes da administração central, regional e local, incluindo os institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos, nos termos do respectivo artigo 1.º. O Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março, veio revogar o Decreto-‑Lei n.º 497/88 (artigo 107.º) e continuou a manter esta figura da licença sem vencimento no seu artigo 84.º, mas referindo que a mesma poderá ser requerida, para acompanhamento do cônjuge colocado no estrangeiro por período de tempo superior a 90 dias ou indeterminado. Na sequência da apreciação parlamentar a que foi submetido nos termos do artigo 169.º da Constituição, o Decreto-Lei foi alterado pela Lei n.º 117/99, de 11 de Agosto, em vários dos seus artigos, um dos quais o artigo 84.º. Nesta parte, a alteração consistiu em passar a ficar consignado o direito do funcionário ou agente à referida licença. No âmbito das Forças Armadas rege a matéria das licenças o Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho, com as alterações nele introduzidas posteriormente.[4]. O diploma dedica às licenças o Título VIII e procede ao elenco das que podem ser concedidas no artigo 93.º, reguladas cada uma de per si nos artigos seguintes, salvo a categoria residual das outras licenças «de natureza específica estabelecidas neste Estatuto ou em legislação especial» (alínea i) do artigo). Não prevê o EMFAR a modalidade de licença sem vencimento que vimos referindo, embora regule situações de licença sem remuneração, como se verá a seu tempo. É este o enquadramento legal dentro do qual se moverá a apreciação da questão suscitada. Em síntese brevíssima, poderá dizer-se que, na perspectiva do Ministério da Defesa Nacional, o artigo 93.º do EMFAR cria um quadro fechado de figuras de licença, enquanto o estudo produzido no Ministério dos Negócios Estrangeiros vê na alínea i) do artigo 93.º uma abertura ao reconhecimento de outras figuras de licença e convoca ainda a disciplina constitucional das restrições aos direitos liberdades e garantias, no caso, ao direito à família, casamento e filiação, consagrado no artigo 36.º da Constituição, que, sem esse reconhecimento, estaria a ser desproporcionadamente restringido. Trata-se de aspectos pertinentes mas que ganharão em ser inseridos em contexto mais vasto. Começar-se-á, assim, por abordar aspectos relativos à carreira diplomática, passando logo depois ao regime geral da função pública, seguidamente conexionado com o regime consagrado pelo apontado Decreto-Lei n.º 519-E1/79, globalmente confrontados com o regime adoptado nesta matéria pelo EMFAR. Os elementos recolhidos servirão para, a final, enfrentar o problema que é apresentado a este corpo consultivo. 2. A natureza das funções desempenhadas pelos diplomatas, cujo conteúdo é definido no n.º 1 do artigo 4.º do respectivo Estatuto, exige a permanência e residência destes fora do País por períodos mais ou menos prolongados – embora desempenhem «indistintamente as suas funções em Portugal e no estrangeiro» (n.º 1 do artigo 5.º do Estatuto)[5], devem residir na área do posto ou serviço em que exerçam o seu cargo (artigo 58.º, n.º 1). A importância acrescida da representação externa do Estado, por sua vez, explicará que, no desenvolvimento da sua carreira, a permanência nos serviços externos do Ministério, mais do que factor de ponderação, seja requisito de promoção. A carreira diplomática estrutura-se, com efeito, nos moldes típicos da função pública, ou seja por promoção da categoria anterior à categoria superior[6], com progressão dentro de cada categoria por módulos de tempo (artigos 15.º e 17.º). O acesso às categorias superiores opera-se por promoção por mérito (artigo 17.º) que, no caso da categoria de conselheiro de embaixada, implica concurso de natureza documental, compreendendo apreciação curricular (artigo 18.º, n.º 4, com as alterações nele introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 153/2005, de 2 de Setembro) ao qual podem apresentar-se «todos os secretários de embaixada que detenham um mínimo de 11 anos de serviço na carreira e que tiverem cumprido 11 anos de serviço na categoria e exercido funções nos serviços externos por período não inferior a 4 anos» (n.º 3, com itálicos nossos). As nomeações com vista à colocação nos serviços externos (e também internos) têm lugar na conclusão de um procedimento em que o órgão competente para o efeito – o conselho diplomático – torna pública a lista dos lugares a cujo preenchimento se poderão candidatar os funcionários que reúnam os requisitos legais para o efeito (artigos 51.º, n.º 1, e 52.º, n.º 1), sendo que a permanência dos funcionários diplomáticos nos serviços internos terá em regra a duração máxima de quatro anos (artigo 48.º, n.º 1). A colocação ordinária, a que a consulta alude, é aquela que diz respeito aos lugares vagos publicitados até 15 de Janeiro, a preencher nesse mesmo ano (artigo 51.º, n.º 1). O Decreto-Lei n.º 519-E1/79, editado em conjuntura na qual o tipo de licenças sem vencimento de que se trata não tinha ainda acolhimento no regime geral da função pública, adequa-se às vicissitudes do desenvolvimento da carreira descrita, embora se colha do seu preâmbulo (transcrito supra em 1, na parte que releva) que o legislador terá pretendido atender aos interesses dos cônjuges que exerçam funções remuneradas[7] e não propriamente à situação familiar dos funcionários colocados no estrangeiro. Noutra perspectiva, parece que a consideração do maior valor dado à representação e defesa de interesses do País no estrangeiro justificará que o Estado, visto estritamente como entidade patronal, prescinda dos serviços prestados por um seu outro trabalhador colocado em território nacional, a fim de permitir que acompanhe o respectivo cônjuge, circunstância que proporcionará melhores condições para o cabal desempenho de missão a desempenhar por este no estrangeiro. 3. Um dos antecedentes directos das licenças sem vencimento na função pública encontra-se no Decreto com força de lei n.º 19 478, de 18 de Março de 1931[8], que, com alterações e aditamentos vários, continuou em vigor até ao Decreto-Lei n.º 487/88, de 30 de Dezembro, editado com o intuito de «codificar e modernizar» o regime até então vigente, «aproximando-o, o mais possível, do regime em vigor no sector empresarial», conforme refere o seu preâmbulo. Determinava o artigo 14.º do Decreto n.º 19 478: «Art. 14.º Poderá se concedida aos funcionários licença sem vencimento. Quando a licença sem vencimento seja concedida por tempo superior a noventa dias, considerar-se-á o funcionário na situação de licença ilimitada, ficando vago o cargo, que será preenchido nos termos das disposições gerais aplicáveis. § 1.º O funcionário em gozo de licença ilimitada não poderá regressar ao serviço e ser colocado no quadro antes de decorrido um ano após a concessão da licença, pertencendo-lhe depois a primeira vaga da sua categoria, quando assim o tenha requerido com antecedência não inferior a noventa dias.» O Decreto-Lei n.º 47 757, de 12 de Junho de 1964, veio admitir que, «quando circunstâncias de interesse público o justifiquem», poderia ser concedida licença sem vencimento pelo Conselho de Ministros, pelo período de um ano, renovável (artigo único), mais prevendo que «durante o período de licença os lugares poderão ser preenchidos interinamente» (§ 2.º). O Decreto-Lei n.º 414/74, de 7 de Setembro, manteve o mesmo regime, alterando-o apenas ao determinar que tal licença seria concedida pelo Primeiro-Ministro. O regime em vigor, constante do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março, continuou a orientação codificadora e sistematizadora do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro, que o antecedeu, e não se afastou significativamente das soluções anteriores. Estabelecendo no artigo 72.º que a licença é «a ausência prolongada do serviço mediante autorização», o Decreto-Lei n.º 100/99 prescreve no artigo 73.º, na redacção vigente dada ao seu n.º 2 pela Lei n.º 117/99, de 11 de Agosto, o seguinte: «Artigo 73.º 1 – As licenças podem revestir as seguintes modalidades: Tipos de licença a) Licença sem vencimento até 90 dias; b) Licença sem vencimento por um ano; c) Licença sem vencimento de longa duração; d) Licença sem vencimento para acompanhamento do cônjuge colocado no estrangeiro; e) Licença sem vencimento para exercício de funções em organismos internacionais. 2 – A concessão das licenças depende de prévia ponderação da conveniência de serviço e, no caso das alíneas b) e e), da ponderação do interesse público, sendo motivo especialmente atendível a valorização profissional do funcionário ou agente.» Na vigência do Decreto com força de Lei n.º 19 478 entendia-se que a então chamada “licença graciosa”, hoje denominada “férias” e consagrada como “direito a férias” (epígrafe do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 100/99), devia ser considerada como uma série de faltas justificadas, do que resultava que nela se deveriam deduzir todas as faltas justificadas que no ano anterior tivessem excedido trinta, nelas compreendendo os dias de licença graciosa. A licença sem vencimento, para além da licença graciosa, passou também a ser considerada como uma série de faltas justificadas, nessa medida produzindo o mesmo efeito de desconto nos dias de licença graciosa a gozar no ano seguinte, na sequência do Parecer do Conselho da Procuradoria-Geral da República n.º 468/41, cuja doutrina foi transposta para Despacho do Conselho de Ministros, de 4 de Dezembro de 1941, publicado no Diário do Governo, n.º 288, de 1941[9]. No ordenamento actual da função pública o paradigma é outro e férias, faltas e licenças são géneros típicos, diferentes e em princípio incomunicáveis, reconhecendo a lei como regra o direito a férias na proporção do tempo de serviço prestado no ano anterior, independentemente das faltas e das licenças que no decurso deste tiverem sido gozadas. A lei admite a figura das faltas por conta do período de férias (artigos 21.º, n.º 1, alínea t), e 66.º do Decreto-Lei n.º 100/90), mas como categoria específica que não se confunde com as restantes faltas justificadas. E acolhe também faltas com perda de vencimento, até seis dias em cada ano civil e um dia por mês (artigo 68.º), que não descontam nas férias do ano seguinte. Só as faltas por conta do período de férias e as faltas injustificadas descontam nas férias (n.º 2 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 100/99), mas sem que seja prejudicado o direito a um período de férias de oito dias úteis consecutivos no ano civil seguinte (n.ºs 2 e 4 do artigo citado). Mas se é assim, continua a não ser indiferente para o Estado, na veste de entidade patronal, prescindir da colaboração de um trabalhador, ainda que, em termos financeiros, a situação criada pela ausência de um funcionário ou agente em gozo de licença sem vencimento possa implicar diminuição de despesa. Os serviços da Administração Pública são organizações permanentes que facultam de forma regular e contínua a satisfação de necessidades colectivas, dispondo para o efeito dos meios humanos e materiais necessários, geridos de forma adequada e correcta, designadamente do ponto de vista da dimensão dos seus efectivos em pessoal. A não comparência ao serviço de um trabalhador por período de curta duração provoca desde logo alterações de funcionamento, que, em termos de boa gestão, justificarão medidas minimizadoras de efeitos indesejados[10]. As situações reguladas e previstas na lei como “faltas” são em regra situações de ocorrência quase inevitável e frequente, susceptíveis de envolverem qualquer trabalhador independentemente das funções que lhe estão confiadas. Neste âmbito poderão ainda ser também incluídas, como faltas, ausências prolongadas por motivos não imputáveis ao trabalhador, como são, por exemplo, as faltas por doença e também, com diferente conotação, as férias, direitos fundamentais dos trabalhadores reconhecidos pela Constituição na alínea d) do n.º 1 do artigo 59.º, tratadas separadamente pelo Decreto-Lei n.º 100/99. Em todos estes casos haverá que admitir que os quadros do pessoal deverão estar suficientemente calibrados para fazerem face às situações a que correspondem as faltas, na medida em que estas serão previsíveis, pelo menos em termos estatísticos, de forma a eliminar ou reduzir as perturbações introduzidas no funcionamento dos serviços. Não se enquadram nestes pressupostos as faltas injustificadas, razão pela qual podem dar origem a ilícitos disciplinares por violação do dever de assiduidade nos termos do artigo 26.º, n.º 2, alínea h), e artigos 71.º e 72.º do Estatuto Disciplinar, constante do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro. As licenças, por sua vez, envolvem ausência por períodos contínuos mais prolongados e, em princípio, são motivadas por conveniência própria e pessoal do trabalhador e relacionadas com pressupostos de facto não tipificados, ao contrário do que sucede no domínio das faltas justificadas. Nesta perspectiva, são perturbadoras do funcionamento normal dos serviços e contrárias a outras considerações de interesse público, que, à partida, prevalece. Por essa razão, as ausências correspondentes não constituem um direito e só não serão tratadas como faltas injustificadas se forem objecto de autorização, conferida no exercício de poderes discricionários. O que acaba de se dizer adere ao perfil típico da licença sem vencimento, que se desdobra nas três primeiras modalidades elencadas no já transcrito n.º 1 do artigo 73.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março, a saber, licença até 90 dias, licença por um ano e licença de longa duração que veio substituir a anteriormente denominada licença ilimitada. 4. A concessão destas três licenças depende desde logo «de prévia ponderação da conveniência de serviço» conforme se lê no n.º 2 do artigo 73.º e todas elas implicam a perda total das remunerações e o desconto na antiguidade para efeitos de carreira, aposentação e sobrevivência (artigos 75.º, n.º 1; 77.º, n.º 1; e 80.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 100/99)[11], no que a lei tem em conta, quanto ao desenvolvimento da carreira e por exigências de igualdade relativa, as situações dos restantes funcionários que continuam ao serviço. Mas intervêm aqui também graduações, na consonância dos efeitos que a sua duração poderá produzir no funcionamento dos serviços, com correspondência, a partir do regime da licença até 90 dias, em requisitos mais exigentes e em ónus mais gravosos nos quais incorrerá aquele que delas vier a beneficiar. Assim a licença sem vencimento por um ano, renovável até ao limite de três anos (artigo 76.º, n.º 1), será concedida apenas a funcionários (n.º 4 do artigo 76.º) e não também a agentes, como sucede com a licença até 90 dias. Na decisão serão ponderadas, por um lado, a conveniência de serviço, e por outro, intervindo aqui como factor favorável à concessão, «circunstâncias de interesse público» que a justifiquem (artigo 76.º, n.º 1, interpretado, como parece dever ser, em conjunção com o n.º 2 do artigo 73.º) a que se soma a ponderação do interesse na valorização profissional do requerente (artigo 73.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 100/99, com o aditamento operado pela Lei n.º 117/99, de 11 de Agosto), que não intervem na licença até noventa dias. Mais exigentes e onerosos serão os requisitos e efeitos da concessão da licença de longa duração. Só poderá ser concedida aos funcionários com provimento definitivo e pelo menos cinco anos de serviço efectivo (artigo 78.º, n.º 1). Nestes casos, em que a licença não pode ter duração inferior a um ano (artigo 79.º), a lei determina a abertura de vaga e a suspensão do vínculo com a Administração. A licença de longa duração surge como alternativa à pura e simples exoneração a pedido do funcionário, alternativa que a lei abre atendendo a que a experiência e conhecimentos deste ainda poderão ser úteis ao serviço, caso venha a pretender regressar à actividade em vez de prolongar a licença até ao limite de idade. No entanto, a abertura de vaga e o seu eventual preenchimento, expressão de exigências de funcionamento que se não quer ver afectado por tempo indefinido e incerto, implica que a concretização do regresso ao serviço só possa ocorrer para preenchimento de vaga que exista ou venha a existir (artigo 82.º) após manifestação de vontade de retomada de funções, precedida de inspecção médica quando a licença se tiver prolongado por mais de dois anos[12]. O muito recente Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17 de Agosto, veio introduzir alterações no Decreto-Lei n.º 100/99, com vista a permitir, entre outras medidas, que a «concessão de licenças sem vencimento por um ano e de longa duração possam ser autorizadas pelo dirigente máximo do serviço, em detrimento da intervenção do membro do Governo competente». Mais refere o preâmbulo que «simplificando-se directamente este regime, torna-se expectável o eventual aumento de concessão destas licenças, o que promove também por si a redução de despesa, uma vez que se tratam (sic) de licenças não remuneradas». Nesta linha, o n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 169/2006 determinou a revogação do n.º 2 do artigo 76.º - com ela eliminando também a exigência de devida fundamentação do pedido de licença sem vencimento por um ano - e do n.º 2 do artigo 78.º do Decreto-Lei n.º 100/99. No entanto, aditou a este Decreto-Lei um novo artigo 73.º-A, cujo n.º 1 prevê a comunicação do despacho do dirigente máximo do serviço ao respectivo membro do Governo. Este, nos termos do n.º 2, poderá obstar, no prazo de dez dias e por motivos de conveniência de serviço, a que sejam concedidas as referidas licenças. Nestes dois casos não é portanto afastada a intervenção do membro do Governo de que dependa o funcionário, a qual nunca ocorre na concessão da licença de mais curta duração, relativamente à qual, aliás, a competência para a decisão cabe aos titulares dos cargos de direcção intermédia, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 8.º (na redacção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 51/2005, de 30 de Agosto) e do Anexo II, da Lei n.º 2/2004, de 15 de Junho, que contém o Estatuto do Pessoal Dirigente[13]. Neste particular, a diferença está certamente relacionada com a ponderação do interesse público, cuja avaliação poderá vir a ter lugar em nível governamental, já não estritamente administrativo. Ou seja, o maior grau de perturbação no funcionamento do serviço e na sua organização interna foi elevado a um patamar superior de decisão com correlativa redução do peso conferido às conveniências pessoais do trabalhador[14]. 5. O tratamento legal das licenças sem vencimento foi evoluindo no tempo e passou a contemplar pressupostos de facto especificados, por essa via tornados legalmente relevantes, com ajustamentos do respectivo regime, que pode ser considerado como expressão, em cada modalidade de licença, do equilíbrio que o legislador julgou aceitável entre o interesse público e os interesses do trabalhador que as requer. São os casos da licença sem vencimento para acompanhamento do cônjuge colocado no estrangeiro, de aplicação generalizada à função pública, acolhida na alínea d) do n.º 1 do artigo 73.º e desenvolvida nos artigos 84.º a 88.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março, e da licença sem vencimento para exercício de funções em organismos internacionais, referida na alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo 73.º e regulada nos artigos 89.º a 92.º. Quanto a este último tipo de licença sem vencimento, aplicável a funcionários (corpo do n.º 1 do artigo 89.º) e a agentes que tenham o contrato administrativo como forma normal de provimento (n.º 2 do mesmo artigo), o despacho de autorização é da competência conjunta do Ministro dos Negócios Estrangeiros e do membro do Governo responsável pelo serviço a que pertença o requerente (n.º 1 do artigo 92.º). Quando a licença tiver como pressuposto o exercício de funções na qualidade de funcionário ou agente do quadro de organismo internacional, a sua concessão implica a abertura de vaga (artigo 91.º, n.º 1), o que também ocorrerá quando a licença, reportada apenas ao exercício de funções com carácter precário ou experimental com vista a uma integração futura no respectivo organismo, tiver sido concedida por período superior a dois anos (artigo 90.º, n.º 5). Quando tiver ocorrido abertura de vaga, o funcionário poderá regressar ao serviço, tendo então direito a ser provido em vaga da sua categoria, ficando porém como supranumerário do quadro enquanto a mesma não ocorrer (artigo 90.º, n.º 5, e artigo 91.º, n.º 2). 6. O regime da licença sem vencimento para acompanhamento do cônjuge colocado no estrangeiro, consagrado em lei geral da função pública, que não foi alterado em 2006, parece colher inspiração na lei especial anterior, ou seja, no Decreto-Lei n.º 519-E1/79, de 29 de Dezembro, e agrega elementos de cada uma das três categorias típicas de licenças sem vencimento já descritas. É o que se colhe, a uma primeira leitura, dos artigos 84.º a 88.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março, na sua redacção em vigor, que agora se transcrevem na parte relevante: «Artigo 84.º O funcionário ou agente tem direito a licença sem vencimento para acompanhamento do respectivo cônjuge, quando este, tenha ou não a qualidade de funcionário ou agente, for colocado no estrangeiro por período de tempo superior a 90 dias ou indeterminado, em missões de defesa ou representação de interesses do País ou em organizações internacionais de que Portugal seja membro. (Licença sem vencimento para acompanhamento do cônjuge colocado no estrangeiro) Artigo 85.º Concessão e efeitos da licença 2 – A concessão da licença por período superior a um ano a titular de um lugar do quadro determina a abertura de vaga. 3 – [...] 4 – O período de tempo de licença não conta para quaisquer efeitos, excepto para aposentação, sobrevivência e fruição dos benefícios da ADSE, se o funcionário ou agente mantiver os correspondentes descontos com base na remuneração auferida à data da sua concessão. Artigo 86.º 1 – A licença tem a mesma duração que a da colocação do cônjuge no estrangeiro sem prejuízo do disposto nos números seguintes. Duração da licença 2 – A licença pode iniciar-se em data posterior à do início das funções do cônjuge no estrangeiro, desde que o interessado alegue conveniência nesse sentido. 3 – O regresso do funcionário ou agente à efectividade de serviço pode ser antecipado a seu pedido. Artigo 87.º 1 – Finda a colocação do cônjuge no estrangeiro, o funcionário ou agente pode requerer ao dirigente máximo do respectivo serviço o regresso à actividade no prazo de 90 dias a contar do termo da situação de colocação daquele no estrangeiro. Requerimento para regressar ao serviço 2 – O não cumprimento do disposto no número anterior determina, conforme os casos, a exoneração ou a rescisão do contrato. Artigo 88.º Situação após o termo da licença 2 – [...] 3 – [...] 4 – [...]» Verifica-se assim, em primeiro lugar, quanto ao campo de aplicação pessoal (artigo 84.º), que tem direito a esta licença o cônjuge, quer seja funcionário quer seja agente, enquanto nas três categorias anteriores apenas a licença sem vencimento até 90 dias estará ao alcance do agente. Quanto ao trabalhador que for colocado no estrangeiro tanto poderá ser funcionário como agente. A licença é concedida pelo dirigente competente (artigo 85.º, n.º 1), mais se exigindo para o efeito a apresentação de requerimento devidamente fundamentado (artigo 85.º, n.º 1). Quando for concedida por período superior a um ano, abre-se vaga no quadro (artigo 85.º, n.º 2), situação que só ocorre nos casos de licença de longa duração. Verificam-se aqui, porém, especificidades, na medida em que não ocorre, ao contrário do que se verifica na licença de longa duração, suspensão do vínculo com a Administração: no caso de ter sido preenchida a respectiva vaga, o funcionário fica a aguardar, na situação de supranumerário, vaga da sua categoria no serviço de origem, mas com todos os direitos inerentes à efectividade de funções (artigo 88.º, n.º 1). Exige-se, porém, que, finda a colocação do cônjuge no estrangeiro, seja requerido o regresso à actividade no prazo de 90 dias (artigo 87.º, n.º 1), sob pena de exoneração ou rescisão de contrato (n.º 2 do artigo). Em um aspecto a lei institui soluções que não se encontram nos três modelos típicos. Com efeito, estabelece-se que a concessão da licença é um direito (artigo 84.º, n.º 1), o que constitui uma excepção ao regime de todas as licenças, incluindo a própria licença sem vencimento para exercício de funções em organismos internacionais (cfr. artigo 89.º, n.º 1). Releve-se, porém, que o reconhecimento do direito à licença não foi estabelecido pelo legislador inicial de 1999. Como se disse, o Decreto-Lei n.º 100/99 foi, neste ponto, alterado pela Lei n.º 117/99, de 11 de Agosto. Da alteração resulta, por via interpretativa[15], que na sua concessão não haverá que ponderar a conveniência de serviço, melhor dizendo, a colocação do cônjuge no estrangeiro nestes casos poderá entender-se que constitui interesse público que prima, de imediato, sobre considerações de sentido contrário à concessão da licença ao requerente. Do que fica dito poderá extrair-se que na regulação da matéria foi conferida importância decisiva a considerações de interesse público, às quais aderem as próprias conveniências pessoais do cônjuge colocado no estrangeiro. Desde logo, quando a lei confere o direito à concessão da licença, considera que um valor mais alto relega para segundo plano as conveniências do serviço a que se encontra adstrito o trabalhador a quem é concedida a licença. Por sua vez, e porque assim é, são diminutos os ónus em que o mesmo incorre. Continua vinculado, mesmo que a sua vinculação seja titulada apenas por contrato (n.º 4 do artigo 88.º), e pode retomar de imediato as suas anteriores funções e remuneração, sem se sujeitar às vicissitudes que condicionam o regresso ao serviço terminada a licença de longa duração. 7. A licença regulada pelo Decreto-Lei n.º 519-E1/79 pode considerar-se uma figura especial da licença para acompanhamento de cônjuge prevista no regime geral, por ser aplicável apenas a cônjuges de funcionários ou agentes do Ministério dos Negócios Estrangeiros colocados no estrangeiro. O artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro, antecedente imediato do regime geral hoje vigente, ao revogar expressamente apenas o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 519-E1/79, manteve em vigor as normas restantes. O referido artigo 5.º, como já se disse, entreabria a porta ao alargamento do campo de aplicação do diploma «a quaisquer funcionários ou agentes administrativos que, por períodos prolongados de tempo, assegurem no estrangeiro funções de defesa ou representação de interesses sectoriais do País» e conhece-se um caso desse alargamento «aos militares ou funcionários e agentes administrativos que por períodos de tempo superiores a 90 dias assegurem no estrangeiro funções no âmbito da defesa nacional», consentido pelo Despacho Normativo n.º 1/85, já referido supra em 1. O legislador considerou supérfluo o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 519-‑E1/79 e revogou-o certamente porque passou a consagrar, em termos gerais e com disciplina algo diversa, essa aplicação alargada, entendendo por bem não alterar a disciplina aplicável apenas aos funcionários e agentes do Ministério dos Negócios Estrangeiros[16]. Quanto ao Despacho Normativo, que consequentemente caducou, fique a nota de que se aplicava a cônjuges, residentes no País, de elementos das Forças Armadas colocados no estrangeiro. Não contemplava, portanto, a situação que é objecto da consulta, em que está em causa um eventual direito de elementos das Forças Armadas residentes no País que sejam cônjuges de funcionários ou agentes colocados no estrangeiro. Transcreve-se agora o Decreto-Lei n.º 519-E1/79 na parte que importa para o presente parecer: «Artigo 1.º Quando os funcionários do quadro do serviço diplomático ou equiparados e, ainda, dos quadros administrativo e auxiliar do Ministério dos Negócios Estrangeiros forem colocados no estrangeiro por períodos de tempo indeterminado mas superiores a noventa dias, os seus cônjuges, caso sejam funcionários públicos ou agentes administrativos em geral, terão direito à concessão de licença sem vencimento, nos termos dos artigos 2.º e 3.º do presente diploma. Art. 2.º - 1 - A licença sem vencimento será concedida a requerimento do interessado devidamente fundamentado. 2 – Tratando-se de funcionários ocupando uma vaga de quadro, a concessão de licença sem vencimento nos termos deste diploma abrirá vaga no quadro de origem. 3 – A licença sem vencimento durará o tempo de colocação do cônjuge no estrangeiro, a menos que o interessado alegue conveniência em iniciá-la em data posterior à do início das funções do cônjuge no estrangeiro. 4 – A concessão da licença sem vencimento não impede a fruição de quaisquer benefícios ou regalias acordadas ou a acordar, desde que não dependentes da efectividade ao serviço. 5 – A concessão de licença sem vencimento não prejudica a contagem de tempo para efeitos de antiguidade, de aposentação e de pensões de sobrevivência, desde que o interessado mantenha, com base no vencimento auferido à data da concessão, os descontos para a Caixa Geral de Aposentações e Montepio dos Servidores do Estado. 6 – O período de tempo no gozo de licença sem vencimento não contará, no entanto, para o efeito de concessão de diuturnidades ou de promoções baseadas apenas em critérios de antiguidade. Art. 3.º - 1 – Finda a colocação do cônjuge no estrangeiro, o funcionário ou agente administrativo em situação de licença sem vencimento nos termos do artigo anterior poderá restabelecer o vínculo existente à data da concessão da licença. 2 – Para o efeito dirigirá ao Ministro da pasta requerimento fundamentado, no prazo de noventa dias a contar do decreto ou despacho de transferência do cônjuge para Portugal. 3 – O regresso do funcionário ou agente administrativo à efectividade de serviço poderá ser antecipado a seu pedido. 4 – No caso de ter sido preenchida a vaga no quadro de origem do funcionário, este aguardará na situação de supranumerário, e com todos os direitos inerentes à efectividade de funções, a primeira vaga que se gerar para a sua categoria, tendo preferência absoluta no seu preenchimento. 5 – O não cumprimento do disposto no n.º 2 deste artigo implicará a perda do direito ao serviço efectivo e, no caso de funcionário público de nomeação vitalícia, a passagem à situação de licença ilimitada. Art. 4..º [...] Art. 5..º [...]» O regime diferencia-se do regime geral em sentido relativamente mais favorável para o trabalhador. A concessão da licença abre desde logo vaga no quadro de origem (artigo 2.º, n.º 2). Todavia, quanto ao regresso ao serviço, a intempestividade do requerimento que o solicita já não implica a exoneração ou a rescisão do contrato como na lei geral, mas apenas a passagem à licença ilimitada, hoje licença de longa duração (artigo 3.º, n.º 5), quanto aos funcionários. Acresce que o período de duração da licença do Decreto-Lei n.º 519-E1/79 conta para a antiguidade como resulta do n.º 5 do artigo 2.º[17]. Finalmente, o regime nele contido aplica-se ainda a cônjuges «vinculados a empresas nas quais, independentemente da sua forma jurídica, o Estado, as regiões autónomas, as autarquias locais, os fundos autónomos, os institutos públicos ou as instituições de previdência exercem, de direito, o poder de decisão» (artigo 4.º, n.º 1). É norma sem correspondência no regime geral[18]. Terão direito à licença, sem distinção, funcionários ou agentes que sejam cônjuges de funcionários do quadro do serviço diplomático ou equiparados e, ainda, dos quadros administrativo e auxiliar do Ministério dos Negócios Estrangeiros (artigo 1.º). Da licença só poderão aproveitar cônjuges de funcionários, não de agentes; é limitação que não tem assento na lei geral. A licença é concedida por tempo indeterminado, «mas superior a noventa dias» (artigo 1.º), e em regra «durará o tempo de colocação do cônjuge no estrangeiro» (artigo 2.º, n.º 3). O tempo de licença conta para aposentação e sobrevivência se forem mantidos os respectivos descontos. 8. A matéria das férias, faltas e licenças é regulada nas Forças Armadas com outra designação e sistematização. No Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), sob a epígrafe “Licenças”, que abrange os artigos 93.º a 101.º e que corresponde ao Título VII do Livro I, o artigo 93.º enuncia o seguinte elenco de licenças: «Artigo 93.º Aos militares podem ser concedidas as seguintes licenças: Tipos de licença a) Para férias; b) Por mérito; c) De junta médica; d) Por falecimento de familiar; e) Por casamento; f) Registada; g) Por maternidade ou paternidade; h) Por motivo de transferência; i) Outras de natureza específica estabelecidas neste Estatuto ou em legislação especial.» O Capítulo X, “Licenças”, do Título I, “Parte Comum”, do Livro II, “Dos militares dos quadros permanentes”, que abarca os artigos 204.º a 207.º, refere, para além da licença registada (artigo 204.º), licenças não mencionadas no artigo 93.º, nomeadamente licença ilimitada (artigo 206.º) e licença para estudos (artigo 207.º). À economia do presente parecer interessam particularmente as situações que mais se assemelhem às situações de licença sem vencimento na função pública, já que a licença sem vencimento não é uma modalidade autónoma de licença no âmbito do EMFAR. A ela faz referência como mera designação genérica o artigo 149.º nos seguintes termos: «Considera-se na situação de licença sem vencimento o militar que se encontre de licença ilimitada ou registada nos termos do presente Estatuto». E são estas duas modalidades precisamente as que para aqui agora relevam[19], objecto precípuo dos normativos que passam a transcrever-se, com a redacção que resultou do aditamento de um n.º 4 ao artigo 206.º, operada pelo artigo 1.º da Lei n.º 166/2005, de 23 de Setembro: «Artigo 99.º 1 – A licença registada pode ser concedida, a requerimento do interessado, por motivos de natureza particular que a justifiquem ou nos termos previstos neste Estatuto ou noutras disposições legais. Licença registada 2 – A licença registada não confere direito a qualquer tipo de remuneração e não conta como tempo de serviço efectivo.» [...] «Artigo 204.º Licença registada 2 – A licença registada a que se refere o número anterior não pode ser concedida, de cada vez, por períodos inferiores a um mês.» [...] «Artigo 206.º Licença ilimitada a) A requeira e lhe seja deferida; b) Por motivo de doença ou de licença de junta médica, opte pela colocação nesta situação, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º 2 – A licença ilimitada apenas pode ser concedida ao militar que tenha prestado pelo menos oito anos de serviço efectivo após o ingresso nos QP. 3 – A licença ilimitada pode ser cancelada pelo CEM do respectivo ramo: a) Em qualquer ocasião, ao militar na situação de activo; b) Em estado de sítio ou de guerra, ao militar na situação de reserva. 4 – O militar que se encontre na situação de reserva ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 152.º transita para a situação de licença ilimitada após cinco anos, seguidos ou interpolados, na situação de reserva fora da efectividade de serviço, não lhe sendo aplicável o disposto no número seguinte. 5 – O militar no activo ou na reserva pode interromper a licença ilimitada, quando esta lhe tiver sido concedida há mais de um ano, regressando à sua anterior situação decorridos 90 dias da data da declaração ou, antes deste prazo, a seu pedido, se tal for autorizado pelo CEM do respectivo ramo. 6 – O militar na situação de licença ilimitada pode requerer a passagem à situação de reserva, desde que reúna as condições previstas no artigo 152.º, podendo manter-se na situação de licença ilimitada. 7 – O militar no activo pode manter-se na situação de licença ilimitada pelo período máximo de 10 anos, seguidos ou interpolados, após o que transita para a reserva ou, se a ela não tiver direito, é abatido aos QP. 8 – O militar na situação de licença ilimitada não tem direito a qualquer remuneração e não pode ser promovido enquanto se mantiver nesta situação.» Os efeitos destas duas licenças surgem acoplados com a regulação do desenvolvimento da carreira, em que a antiguidade e a efectividade de serviço com ela relacionada assumem maior relevo, caracterizando, as de mais longa duração, na terminologia do Estatuto, “situações”, ou seja, modificações da relação de emprego público quanto à prestação de serviço. Assim, o militar, tanto no activo como na reserva, ou se encontra “na efectividade de serviço” ou “fora da efectividade de serviço” (artigo 43.º, em conjugação com o artigo 141.º). A efectividade de serviço «caracteriza-se pelo exercício efectivo de cargos e funções próprias do posto, classe, arma, serviço ou especialidade» (n.º 2 do artigo 43.º) definidas no Estatuto. Em regra, o tempo de serviço efectivo é o tempo de serviço prestado nas Forças Armadas ou em funções militares fora do seu âmbito (artigo 46.º, n.º 1)[20], o qual conta para promoção por diuturnidade (artigo 50.º, n.º 1, em ligação com o artigo 47.º) e para promoção por antiguidade (artigo 51.º). Também conta para promoção por escolha (artigo 52.º), a qual não dispensa as condições especiais de promoção próprias, uma delas sendo precisamente o tempo mínimo de permanência no posto (artigo 60.º, n.º 1, alínea a), em ligação com o artigo 47.º). Neste contexto, não é contado como tempo de serviço efectivo «aquele em que o militar tiver permanecido em qualquer situação pela qual não tenha direito ao abono de remuneração» (alínea a) do n.º 2 do artigo 46.º). O militar que se encontre de licença registada (alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º) ou de licença ilimitada (alínea b) do n.º 2 do artigo 150.º) é considerado fora da efectividade de serviço, bem como, se se encontrar em licença ilimitada, será preterido na promoção (alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º). Aliás o tempo de permanência na situação de licença ilimitada não conta como antiguidade para efeitos de promoção (alínea c) do artigo 181.º). Poderá ver-se uma aproximação entre a licença registada e a licença sem vencimento até 90 dias em cada ano da função pública, na medida em que, nos dois casos, ocorre perda de remunerações e não contagem para efeitos de antiguidade. A licença ilimitada dos militares tem afinidades claras com as licenças sem vencimento por um ano renováveis até ao limite de três anos[21] e com as licenças de longa duração. O regime aplicável aos militares mostra-se mais exigente em termos de módulos de tempo (não mais de seis meses em cada cinco anos na licença registada) e é mais gravoso quanto aos requisitos e efeitos da licença ilimitada, a qual, só será concedida ao militar que conte mais de oito anos de serviço efectivo (cinco anos na licença de longa duração) e, não poderá prolongar-se para além de dez anos, aos quais, no entanto, poderá seguir-se a situação de reserva, desconhecida na função pública. Mas nenhuma destas licenças, tal como sucede nas três modalidades típicas de licenças sem vencimento do regime da função pública, constitui um direito do requerente e desde logo também não se aproxima, por essa razão, da licença para acompanhamento de cônjuge. III 9. Dos elementos recolhidos até agora retira-se sem dificuldade que não será por força de alguma norma expressa e inequívoca do EMFAR ou de outros textos legais nesse sentido que se reconhecerá ao militar de carreira o direito a licença sem vencimento para acompanhamento do cônjuge diplomata colocado no estrangeiro. Uma solução só será alcançável, com a segurança a que se aspira, por via interpretativa sobretudo com recurso a considerações de ordem sistemática[22]. No próprio Ministério da Defesa Nacional, quando os serviços se debruçaram sobre a questão que vem posta ao Conselho Consultivo, foram encontradas respostas contraditórias[23]. Como orientação de princípio, ainda, não se deverá olvidar a razão de ser e a natureza jurídica das licenças na relação de emprego público. O seu acolhimento e o regime que o legislador lhes confere resultam da contraposição e conjugação de interesses pessoais do trabalhador com exigências de interesse público, conexionadas em primeira linha com a necessidade de bom funcionamento dos serviços e a eficácia da Administração referida no n.º 2 do artigo 267.º da Constituição, indisponíveis por parte do órgão que as tutela. É por essa razão que, no emprego público, é a lei que disciplina os pressupostos e os termos em que serão concedidas as licenças, enquanto o empregador privado é livre de autorizar ou aprovar faltas justificadas sem remuneração e sem prejuízo para a manutenção da relação laboral[24]. Compreende-se também que em direito público a concessão de licenças sem vencimento releve, em regra, de poderes discricionários do órgão decisor, ainda que limitados, mas os casos, como aquele de que nos ocupamos, em que esses poderes são vinculados conferindo um direito ao trabalhador, serão substancialmente diferentes. Terá de se reconhecer que aqui o interesse público no regular funcionamento do serviço em que o trabalhador se insere cede, por força de norma expressa, em atenção a imperativos dimanados do ordenamento constitucional ou de considerações de interesse público de mais amplo respiro e de sentido contrário. Isto posto, haverá que definir com precisão, em primeiro lugar, no plano do direito infraconstitucional, o âmbito de aplicação pessoal do direito conferido pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 519-E1/79, de 31 de Dezembro, aferido depois por confronto com as normas e princípios constitucionais. 10. Poderá dar-se por adquirido que «as Forças Armadas fazem parte da Administração estadual, e os militares integram a função pública, estando sujeitos, nos limites da Constituição, às regras e princípios aplicáveis, em geral, aos funcionários públicos», conforme se afirmou em parecer deste corpo consultivo[25], independentemente de aprofundamentos conceituais quanto à mais adequada caracterização dessa integração e seus efeitos. No plano legislativo, o Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, que, emitido ao abrigo de autorização legislativa, estabelece «princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão do pessoal da função pública» (artigo 1.º), define o seu âmbito de aplicação como abrangendo «o pessoal que, exercendo funções nos serviços e organismos do Estado, sob a direcção dos respectivos órgãos, se encontre sujeito ao regime de direito público» (n.º 1 do artigo 3.º) e nesse campo, de que estão excluídos os juízes e os magistrados do Ministério Público (n.º 3), como esclarece o n.º 2, as suas disposições «são aplicáveis às forças armadas e às forças de segurança[26], com as adaptações decorrentes dos seus estatutos específicos». A afirmação de princípio contida neste n.º 2, de aplicabilidade às forças armadas e às forças de segurança, não é enfraquecida pelo acolhimento que do mesmo passo é dado à distinção entre funcionalismo civil e funcionalismo militar, distinção de perfil técnico-jurídico utilizada na doutrina administrativística[27]. Esta separação entre sectores da administração pública e regime jurídico dos respectivos trabalhadores encontra tradução na formulação típica das normas que regulam o âmbito de aplicação dos diplomas sobre “função pública” ou sobre “funcionários e agentes”, incluindo ou excluindo conforme os casos, “da administração pública”, “central”, “regional”, ou “local”, ou dos “institutos públicos” entre outras figuras da organização da administração pública. A designação “funcionários e agentes” é aí utilizada com o sentido de funcionalismo civil, que na terminologia corrente na lei e na doutrina é abrangido na noção de “função pública”. Exemplo acabado da prática legislativa referida é precisamente o Decreto-Lei n.º 100/99, que estabelece o regime de férias faltas e licenças. Diz-se no seu artigo 1.º que «o presente diploma aplica-se aos funcionários e agentes, ainda que em regime de tempo parcial, da administração central, regional e local, incluindo os institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos» sem qualquer referência ao pessoal das Forças Armadas. No Decreto-Lei n.º 519-E1/79, de 29 de Dezembro, não se encontra norma especificamente destinada a regular o seu âmbito de aplicação subjectiva e no ponto 6 considerou-se que este diploma consagra um regime especial por referência ao regime geral da função pública. Assim é, com efeito, na medida em que cônjuges, titulares do direito “a licença sem vencimento” que confere, são “funcionários públicos ou agentes administrativos em geral” (cfr. o artigo 1.º), designação que, em regra, não compreende os militares ou membros das Forças Armadas. O próprio regime geral, ao revogar o artigo 5º deste diploma mantendo subsistente a parte restante, como que confirmou a sua pertença ao direito da função pública no sentido de direito do funcionalismo civil. 11. Somos assim transportados para a análise da alínea i) do artigo 93.º EMFAR, segundo a qual podem ser concedidas aos militares licenças «de natureza específica estabelecidas neste Estatuto ou em legislação especial», para além das enunciadas nas alíneas anteriores da norma referida. Já ficou visto no ponto 7, que do Estatuto não consta sequer a previsão de licença sem vencimento como modalidade autónoma de licença mas antes e apenas como designação conjunta em que não cabem mais do que a licença ilimitada e a licença registada. Pergunta-se então se a alínea i) terá a virtualidade de tornar aplicável aos militares a modalidade de licença consagrada no Decreto-Lei n.º 519-E1/79. O Estatuto tem, sobre o direito legislado da função pública, a grande vantagem de coligir o regime aplicável aos militares em um corpo normativo construído racionalmente, sistematizado e coordenado nas partes que o formam, abrangendo matérias que de outra forma subsistiriam dispersas por leis avulsas e padecendo de deficiente coerência[28]. Os artigos 93.º e 99.º contêm-se, na sistematização nele adoptada, no Título VIII “Licenças”, do Livro I, “Parte Geral”, na sequência de outros títulos que tratam da “Hierarquia, Cargos e Funções”, “Efectivos, situações e tempo de serviço”, “Promoções e graduações”, “Ensino e formação nas Forças Armadas e ”Avaliação”. Por sua vez, os artigos 204.º, “Licença registada”, e 206.º, “Licença ilimitada”, já transcritos, têm outra inserção, pois fazem parte do Capítulo X, “Licenças”, do Livro II, “Dos militares dos quadros permanentes”[29], nos quais se integram os militares de carreira a que se refere a consulta. A referência da alínea i) do artigo 93º a outras licenças de natureza específica estabelecidas «neste Estatuto ou em legislação especial» tem por objecto, quanto às licenças previstas no Estatuto, certamente as licenças dos artigos 204.º e 206.º, nos termos neles regulados, específicas dos militares dos quadros permanentes. Assume desde logo relevância a “licença por mérito” referida na alínea b) do artigo 93.º, «concedida e gozada nos termos previstos no RDM», conforme dispõe o artigo 95.º do EMFAR. Do artigo 17.º do Regulamento de Disciplina Militar (RDM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/77, de 9 de Abril[30], que a regula, colhe-se a sua natureza de instituto especificamente militar, campo em que o direito disciplinar toma o cumprimento dos deveres como objecto tanto de recompensas como de punições[31]. Fora do Estatuto detectam-se ainda outras licenças aplicáveis aos militares, que se indicam sem preocupações de absoluta exaustão na sua enumeração. Assim, nos termos do Decreto-Lei n.º 233/96, de 7 de Dezembro, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 299/2003, de 4 de Dezembro, os militares em missões humanitárias e de paz fora do território nacional «têm direito, além das licenças estatutariamente previstas, a uma licença correspondente a dois dias e meio por cada mês completo de missão, a qual é gozada sem prejuízo para o serviço e desde que não seja usufruído outro tipo de licença concedida pela organização internacional que tutela a missão» (artigo 8.º, n.º 1, na redacção dada pelo diploma mais recente). Também os militares «participantes em acções de cooperação técnico-militar têm direito, além das licenças estatutariamente previstas, a uma licença correspondente a dois dias e meio por cada mês completo de comissão, a gozar sem prejuízo para o serviço», conforme estabelece o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 238/96, de 13 de Dezembro. O Decreto-Lei n.º 51/2000, de 7 de Abril, cria uma licença para o exercício de funções na Região Administrativa Especial de Macau por militares dos quadros permanentes no activo e na reserva. Para a função pública, e tendo em vista a mesma situação de exercício de funções em Macau, já o Decreto-Lei n.º 89-G/98, de 13 de Abril, tinha previsto uma licença «seguindo de perto o regime dos artigos 89.º a 92.º do Decreto-Lei n.º 497/88[32]», correspondentes, com a mesma numeração e contendo alterações que agora não são de considerar, à matéria hoje contida no Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março, também sob a mesma epígrafe de “Licença sem vencimento para exercício de funções em organismos internacionais”, à qual já foi feita referência no ponto 5. O Decreto-Lei n.º 279-A/2001, de 19 de Outubro, veio regular a aplicação da licença especial prevista no artigo 31.º-F, aditado pela Lei Orgânica n.º 4/2001, de 30 de Agosto, à Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro (Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas - LDNFA). Tal licença especial insere-se no exercício, pelos militares no activo, dos direitos de capacidade eleitoral passiva que lhes passaram a ser reconhecidos[33]. O cumprimento de missões humanitárias e de paz, bem como de cooperação técnico-militar é tratado como serviço bonificado para efeitos de contagem do tempo de serviço (artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 233/96 e artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 238/96) e as licenças correspondentes, que são indubitavelmente um direito, podem ser vistas como acréscimos ao tempo de férias. Um aceno nesse sentido pode ver-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 299/2003 (que alterou o Decreto-Lei n.º 233/96) ao referir que se verificou «a necessidade de aperfeiçoar o regime aplicável à concessão de licença de férias». Já não assim quanto às duas outras figuras, reguladas sob expressa invocação da alínea i) do artigo 93.º do EMFAR no Decreto-Lei n.º 51/2000 e no Decreto-Lei n.º 279-A/2001, contida nos preâmbulos dos dois diplomas, nos quais são ambas qualificadas expressamente como “licenças especiais”. Em concreto, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 51/2000, depois de vir referido que se considera conveniente «uma licença de contornos diferentes dos previstos no seu Estatuto» (depreende-se que se trata do EMFAR), acrescenta-se que «as funções a exercer na RAEM não são de carácter militar» e é nesta sequência que se menciona que, «nos termos da alínea i) do artigo 93.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho, aos militares podem ser concedidas licenças de natureza específica, estabelecidas em legislação especial». 12. Não será necessário proceder a uma análise em pormenor destas quatro figuras, mas merecem atenção os indícios interpretativos que se podem retirar da disciplina legal das duas últimas situações, sobretudo estas, nas quais o militar não se encontra «no exercício efectivo de cargos e funções próprias do posto, classe, arma, serviço ou especialidade», que é a definição do EMFAR[34] para a efectividade de serviço. Em matéria de férias, faltas e licenças a legislação das Forças Armadas não institui qualquer direito subsidiário, habitualmente o regime da função pública, como forma de preenchimento de espaços desprovidos de previsão específica, contrariamente ao que se verifica quanto ao regime de outras funções ou corpos especiais. O estatuto dos funcionários diplomáticos (Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro) por exemplo, dispõe no artigo 72.º que se aplica «aos funcionários diplomáticos o regime geral de licenças da função pública, sem prejuízo do previsto no presente estatuto». No Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, encontra-se uma norma segundo a qual «É aplicável subsidiariamente quanto aos magistrados judiciais, quanto a deveres, incompatibilidades e direitos, o regime da função pública» (artigo 32.º) e o artigo 108.º do Estatuto do Ministério Público, na redacção dada pela Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, estatui uma norma com o mesmo conteúdo e mera alteração de redacção. A técnica legislativa que se encontra no EMFAR, nesta matéria, seguiu a via de remissões pontuais, aliás muito escassas, para outra legislação. Assim, apenas quanto à licença por maternidade ou paternidade aí se remete de pleno para «as disposições constantes da lei geral» (artigo 100.º, n.º 1), embora se insira logo no número seguinte do artigo citado uma norma especial. São aplicáveis «em matéria de férias, as disposições previstas no regime geral da função pública, sem prejuízo da actividade operacional ou da frequência de cursos, tirocínios, instrução ou estágios» (artigo 94.º, n.º 1, ao qual se seguem outros dois números com normas especiais). A regulação de todos os restantes tipos de licenças, que já foram referidas acima no ponto 8, omite e dispensa remissões. Já se referiu que o regime geral da função pública é constituído por legislação dispersa, por diplomas que se vão somando e sucedendo no tempo sem coordenação sistemática. Também se referiu, no ponto 10. supra que «os militares integram a função pública, estando sujeitos, nos limites da Constituição, às regras e princípios aplicáveis, em geral, aos funcionários públicos». Mas a subsistência de um estatuto regulador do regime de exercício de funções por um corpo especial da função pública em sentido lato, como são os membros das Forças Armadas, tem também um sentido material relevante pois cada norma acaba por ser o resultado da conjugação de princípios orientadores comuns a todas nele contidas O legislador neste contexto, quando não esgota a regulação, ou adopta soluções remissivas que no entanto não consistem na remissão em branco para outras normas, ou, quando necessário, recorre a leis avulsas. No entanto, nestes dois casos submete a alterações os regimes a que dá acolhimento para os compatibilizar com os regimes específicos contidos no sistema conformado pelo Estatuto. Por esta via, as leis avulsas ainda se mantêm na órbita deste porque continuam a respeitar os princípios nele contidos. Assim, as leis sobre a licença para o exercício de funções em Macau e para o exercício de mandatos electivos regulam (i) a concessão da licença como direito do requerente (mandatos electivos) ou como matéria de apreciação discricionária; (ii) a duração da licença, que pode ser submetida a um limite máximo (Macau) ou a transição para a situação de reserva; (iii) os seus efeitos de natureza remuneratória e quanto a benefícios a estes normalmente associados; (iv) os seus efeitos quanto à carreira em termos de contagem de tempo, promoções e inserção nos quadros; e (v) os termos em que as licenças poderão ser canceladas ou cessar. 13. O que se vem dizendo adere particularmente bem ao «carácter tendencialmente fechado e totalizante do quadro normativo que definiu o estatuto do pessoal das Forças Armadas», que lhe foi reconhecido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 555/99[35]. A licença para acompanhamento do cônjuge por tempo indeterminado, prevista no Decreto-‑Lei n.º 519-E1/79, ou disciplinada nos termos dos artigos 84.º a 89.º da lei geral da função pública, o Decreto-Lei n.º 100/99, não repugna que possa vir a ser tornada aplicável aos militares mas nesse âmbito de aplicação, embora possa constituir modelo a seguir, para além do mais, necessitará de adaptações, com alterações e aditamentos, que a adequem a um outro ordenamento diferenciado. As considerações que agora se transcrevem, contidas no Acórdão citado na sequência de uma renovada referência nele feita à «tendencial estanquicidade e à coerência própria do estatuto do militar», aplicam-se à situação em análise neste Parecer quase na íntegra: «[...] Sem excluir juízos legítimos de oportunidade, a concessão de direitos no quadro do estatuto do pessoal militar obedece a uma lógica própria, no balanceamento e equilíbrio de direitos e deveres específicos, que em princípio poderia ser comprometida se nesse quadro se inscrevessem outros direitos apenas com o fundamento de outros quadros de diferente estatuto os comportarem, e não haver razões para, no caso concreto, em si mesmo considerado, não serem também atribuídos ao pessoal militar. [...]» Porque assim é, a referência a “licenças de natureza específica” contida na alínea i) do artigo 93.º do EMFAR não poderá ser interpretada como possibilitando a inclusão no ordenamento do pessoal das Forças Armadas de direitos previstos em outros ordenamentos, a título de se reportarem, na qualidade de leis especiais, a situações fácticas específicas nele não previstas, como vem argumentado pelos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O ordenamento das Forças Armadas tem por referencial de aplicação um campo subjectivo próprio que não coincide com o aquele que é o do regime geral da função pública. Certamente que a matéria nele contida, aí designada por “licenças”, admite que, dentro do âmbito de situações objectivas reguladas, se recortem outras não (ou ainda não) previstas. Caso entenda que essas situações merecem ser contempladas, indispensável será que o legislador altere o EMFAR ou declare aplicável ao âmbito militar, com ou sem adaptações, o regime originariamente destinado a um diferente grupo de destinatários. Muito claramente em matéria de “licenças” o artigo 93.º do EMFAR estabelece um quadro fechado, que, sem excluir aberturas, só as admite nos termos da respectiva alínea i). Foi dessa forma, aliás, que procedeu o legislador quando regulou a licença para o exercício de funções na Região Administrativa Especial de Macau por militares. Excluído está o recurso à interpretação extensiva ou à integração de lacunas que, na matéria, efectivamente não se detectam. 14. Também não oferece viabilidade entender-se que o não reconhecimento aos militares do direito à concessão de uma licença para acompanhamento de cônjuge, funcionário público colocado no estrangeiro, violaria princípios e normas de dignidade constitucional. Concretamente, a alínea i) do artigo 93.º do EMFAR, no entender dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros, deveria ser interpretada em conformidade com a Constituição, sob pena de, em caso contrário, o intérprete se confrontar com a restrição inconstitucional do «direito fundamental à família, casamento e filiação, constante do artigo 36.º da CRP». O poder normativo do Estado actua com fundamento nas normas e princípios constitucionais e dentro dos limites externos e internos que estes lhe impõem, ou seja, tanto no plano das competências e das formas dos actos, como no plano dos conteúdos do direito ordinário que são ainda desenvolvimento e expressão daquelas normas e princípios. É assim que a interpretação do direito infraconstitucional é ou deve ser sempre interpretação conforme à Constituição no apuramento do sentido e alcance das normas a aplicar às várias situações da vida. Na acepção de procedimento específico da fiscalização da constitucionalidade, a interpretação conforme à Constituição[36] surge em momento idealmente posterior, depois de o intérprete ter chegado a um entendimento dissonante com a Constituição, embora ainda na norma encontre elementos susceptíveis de alicerçar outro (ou outros) entendimento(s), dessa vez em sintonia com a Lei Fundamental. É este então o entendimento que deve adoptar. A norma só será válida de acordo com ele, melhor dizendo, a norma que subsistirá no ordenamento será aquela que, com o mesmo suporte material, designadamente gramatical, tiver sido apurada com o conteúdo e o sentido normativo não constitucionalmnte censuráveis. Os serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros consideram que a não aplicabilidade aos militares do direito a licença sem vencimento para acompanhamento de cônjuge constituiria uma restrição não consentida a um direito fundamental, e, consequentemente, que a norma em que se funda essa inaplicabilidade deveria ser interpretada em conformidade com a Constituição, de forma a tornar possível o reconhecimento do direito em causa. A questão que se coloca é a de saber se a interpretação da alínea i) do artigo 93.º do EMFAR a que acabámos de chegar consubstancia efectivamente a restrição de um direito não consentida pelo artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. A norma, recorde-se, diz-nos que aos militares poderão ser concedidas outra licenças de natureza específica estabelecidas em legislação especial, para além daquelas que constem do EMFAR. A conclusão obtida de que a licença regulada pelo Decreto-Lei n.º 519-E1/79 não é aplicável aos militares não resulta desta disposição, muito pelo contrário, dado ser patente que ela própria permite e dá relevância estatutária a legislação que venha a conferir esse direito aos militares. A conclusão obtida resulta sim da verificação de facto da inexistência de norma que proporcione a aplicabilidade pretendida. Essa alínea i) não manifesta oposição ao direito à licença, não amputa o direito equivalente de alguma das suas virtualidades, não submete o exercício deste a algum condicionamento ou ónus. Sendo assim, não se lhe poderá imputar um qualquer sentido restritivo de uma situação activa já existente. Sintetizando, poderá dizer-se que o intérprete está perante uma abstenção do legislador, não perante uma restrição. Deste modo, e porque estamos perante uma não actuação, perde base de sustentação também o entendimento de que a norma do EMFAR em questão, ou o próprio Estatuto globalmente considerado nesta matéria, incorreriam em censura de inconstitucionalidade por violação dos artigos 270.º e 164.º, alínea o), da Constituição, relativos ao exercício efectivo de competência legislativa com vista à restrição de direitos dos militares. A suposta omissão legislativa, por sua vez, não poderia ser reportada ao artigo 36.º da Constituição, designadamente aos respectivos n.ºs 3 (iguais direitos e deveres dos pais quanto à manutenção e educação dos filhos), 5 (direito e dever dos pais de educação dos filhos) e 6 (proibição de separação dos filhos dos pais). Trata-se de disposições que se inserem, de pleno no quadro dos direitos liberdades e garantias, pela estrutura que lhes é própria de respeito pela liberdade e capacidade de acção das pessoas perante a intervenção dos poderes públicos[37]. Nesse sentido se poderá dizer que «os direitos liberdades e garantias se salvaguardarão ou se efectivarão tanto mais quanto menor for a intervenção do Estado», como se verifica nas situações que constituem a hipótese dos preceitos constitucionais do artigo 36.º citados, «ao passo que os direitos sociais poderão ser tanto mais efectivados quanto maior ela [a intervenção do Estado] vier a ser»[38]. No âmbito dos Direitos Fundamentais, porém, “família, casamento e filiação” têm como que um outro volante na banda dos Direitos Sociais, concretamente nos artigos 67.º a 69.º da Constituição. Precisando, e com referência mais próxima e directa ao problema colocado na consulta, determina o artigo 67.º, n.º 2, alínea h), que: «Artigo 67.º 1. [...] (Família) 2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família: [...] h) Promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.»[39] Será nesse preceito que se poderá ancorar o discutido direito a licença para acompanhamento de cônjuge colocado no estrangeiro e dele extrair uma censura por comportamento omissivo do legislador. 15. Mas será a omissão, no sentido de não intervenção do legislador nesta matéria, relevante no plano constitucional ao ponto de a inércia legislativa poder configurar uma inconstitucionalidade por omissão? O conceito de “conciliação da actividade profissional com a vida familiar” não tem contornos precisos e não se impõe ao Estado como objectivo de efectiva realização. Ao Estado caberá “promover” a adopção de medidas nesse sentido, que, aliás, não poderão ter por efeito constranger os cônjuges nas opções que livremente entenderem tomar na matéria. O comando constitucional, ao referir a “concertação das várias políticas sectoriais”, delineia uma incumbência que apela para a criação de condições económicas, de emprego, de educação, de habitação, demográficas, entre outras, que não passam necessariamente por vias de natureza normativa[40]. Cada uma delas não tem de estar intencionalmente direccionada para a obtenção do objectivo apontado na alínea. O que se exige, de acordo com a redacção da alínea h), é que essas medidas venham a ser compatibilizadas de forma a favorecerem ou pelo menos a não prejudicarem a conciliação dos dois elementos a ter em conta – actividade profissional e vida familiar –, como se retira do próprio termo utilizado de “concertação”. A alínea h) também não impõe medidas pontuais intencionalmente dirigidas à conciliação desejada, dirigidas a sectores restritos da população trabalhadora. Do artigo 67.º, não directamente aplicável porque não exequível por si mesmo, não dimanam prestações vinculadas nem direitos imediatos a prestações efectivas. E « o legislador pode concretizar uma tal incumbência [a da alínea h)] por vias muito diversas»[41]. Em suma, no programa da norma insere-se sobretudo a criação de condições objectivas favoráveis à tomada de opções por parte de cada um dos cônjuges que permitam a realização pessoal dos mesmos, aí incluído o factor profissional, sem prejuízo da sua vida familiar. Neste enquadramento, o direito conferido pelo artigo 1.º do Decreto-‑Lei n.º 519-E1/79, e também pelo artigo 84.º do Decreto-Lei n.º 100/99 ao funcionalismo civil em geral, que não tem paralelo no direito laboral e que não poderá ser invocado pelo trabalhador de empresa privada, se não é de pleno dissonante com o preceito constitucional, é, pelo menos, um seu desenvolvimento imperfeito. Será favorecedor da normalização da vida familiar de quem dele beneficia, mas com prejuízo certo da sua vida profissional, que deixa de ser exercida, com perda da remuneração correspondente. Não se perca de vista que a vida familiar dos diplomatas é objecto de atenção no seu Estatuto. Com efeito, «o conselho diplomático ponderará, na medida do possível e sem prejuízo da prevalência do interesse do serviço, aspectos da vida pessoal dos funcionários, designadamente a reunificação ou reaproximação familiares, que possam justificar um atendimento especial das preferências manifestadas» (artigo 45.º, n.º 2) quanto a colocações e transferências[42] e «os funcionários diplomáticos que obtenham do Ministro dos Negócios Estrangeiros licença para acompanhar o cônjuge diplomata português colocado nos serviços externos» transitam para a disponibilidade (artigo 29.º, n.º 1, alínea c))[43]. Por outro lado, os diplomatas têm direito a um abono mensal «de educação para custear os respectivos encargos com os filhos dependentes e que consta de uma parte fixa e outra variável, de montante proporcional às despesas escolares efectivas» (artigo 61.º, n.º 1, alínea c)). Na fixação dos abonos recebidos nos serviços externos intervem a ponderação dos custos familiares e sociais acrescidos resultantes da colocação em determinados postos e a composição do agregado familiar (alíneas c ) e e) do n.º 2 do artigo 64.º). O agregado familiar também é tido em conta de forma específica no respeitante a subsídio por morte (artigo 66.º, n.º 1, alínea b)), viagens (artigo 67.º, n.ºs 2 e segs.), assistência na doença e seguros de vida e acidentes pessoais (artigo 68.º, n.ºs 1 a 6). Aos militares no activo é facultado solicitar a licença ilimitada, para além da licença registada cuja duração e condicionalismos temporais poderão não se adequar à duração de missões do respectivo cônjuge a desempenhar no estrangeiro. A licença ilimitada não é um direito, tem condicionalismos apertados quanto á sua concessão, pode ser cancelada a todo o momento, tem uma duração máxima de 10 anos seguidos ou interpolados, conforme se colhe do artigo 206.º do EMFAR atrás transcrito, mas também permite a sua interrupção com regresso à anterior situação (n.º 5 do artigo citado). Embora com os condicionalismos descritos, e sobre eles a necessidade de aquiesciência superior em termos discricionários quanto à sua concessão, ao militar não estão vedadas as vias para obtenção de dispensa prolongada do serviço, a qual poderá aproveitar para acompanhamento de cônjuge colocado no estrangeiro. Por outro lado, a Lei das Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar, Lei n.º 11/89, de 1 de Junho, não deixa de aludir à «consagração de especiais direitos, compensações e regalias, designadamente nos campos da Segurança Social, assistência, remunerações, cobertura de riscos, carreiras e formação» (alínea i) do artigo 2.º), que depois desenvolve no artigo 15.º, referindo aí benefícios e regalias devidas aos militares «atendendo à natureza e características da respectiva condição» (n.º 1), garantido-lhes e às suas famílias um «sistema de assistência e protecção» sob várias modalidades. Independentemente do que acaba de se dizer, e concluindo, não se deduz da alínea h) do n.º 2 do artigo 67.º da Constituição um sentido injuntivo e menos ainda impositivo de legislação com o grau de consistência necessário para se poder afirmar que a não atribuição aos militares de carreira, por abstenção do poder legislativo, do direito a uma licença sem vencimento para acompanhamento de cônjuge colocado no estrangeiro, configura uma omissão inconstitucional[44]. 16. Quando, no universo de eventuais candidatos a destinatários das normas - no caso, o pessoal da função pública em sentido amplo, incluindo o funcionalismo civil e o militar -, algum dos grupos pertencentes a esse conjunto não é abrangido por legislação que tem por destinatário o outro, a abstenção do legislador gera uma situação de objectiva desigualdade de tratamento que pode ser sindicada sob a perspectiva do princípio constitucional da igualdade. Perguntar-se-á então se a não previsão, do direito a licença sem vencimento para acompanhamento de cônjuge colocado no estrangeiro, seja ou não seja este diplomata[45], no elenco das licenças de que podem beneficiar os militares no activo, constante do artigo 93.º do EMFAR, incorrerá em censura de inconstitucionalidade. O princípio da igualdade «não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento ‘razoável, racional e objectivamente fundadas’ sob pena de assim não sucedendo estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes». O princípio emerge então «como ‘princípio negativo de controlo’ ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador», controlo esse que incidirá sobre a diferenciação dos regimes, interrogando-se sobre se tem fundamentos constitucionalmente relevantes, independentemente das razões concretas invocadas pelo legislador e dos objectivos que este se terá proposto. A diferenciação será censurável por arbitrária quando se afigurar destituída de fundamento racional[46]. Que existem fundamentos, detecta-se muito genericamente pela própria inserção no corpo constitucional de um Título X na Parte III, Organização do poder político, dedicado à Defesa Nacional, em separado do Título IX, este com a epígrafe Administração Pública. Sem embargo de neste último se conter um preceito, o artigo 270.º, admitindo restrições ao exercício de direitos pelos militares, deduzem-se dos artigos 275.º e 276.º da Constituição, incluídos no Título X, princípios susceptíveis de configurar pela positiva um estatuto próprio para o exercício de funções nas Forças Armadas, inserido ainda na afirmação do primado do interesse público, que subordina a vida profissional da função pública civil nos termos do artigo 269.º, n.º 1, contendo porém deveres mais exigentes e os compatíveis e adequados direitos. A Lei n.º 11/89, de 1 de Junho, ao estabelecer as bases gerais do estatuto da condição militar, desenvolve a Constituição nestes pontos e aclara o conteúdo desses princípios[47], dos quais se sublinharão aqueles que revelam mais próximas atinências com a matéria da consulta. «A permanente disponibilidade para o serviço, ainda que com sacrifício dos interesses pessoais» (alínea f) do artigo 2.º), a que se alia a «subordinação à hierarquia militar (alínea d) do mesmo artigo), a esta se juntando o «dever de obediência aos escalões hierárquicos superiores» e o «dever do exercício responsável da autoridade» (artigo 4.º, n.º 1), o «aproveitamento da capacidade profissional, avaliada em função de competência revelada e de experiência» no desenvolvimento das carreiras militares (artigo 11.º, n.º 2 e sua alínea b)), projectam luz sobre o sentido de normas estatutárias contidas no EMFAR. Não poderá o intérprete excluir que cabe no largo poder de conformação do legislador a adopção de um regime especial aplicável ao militar que pretenda acompanhar o cônjuge colocado no estrangeiro, regime que, em alguma medida, supere os ónus da licença ilimitada que estará ao alcance do militar solicitar para esse efeito. Em observações anteriores, nos pontos 3 e especialmente 9, traçou-‑se a distinção entre faltas e licenças “típicas” do regime da função pública assinalando que, quanto às licenças, se assiste nesse campo a uma ponderação entre a conveniência do serviço e os interesses pessoais do trabalhador. O sacrifício dos interesses pessoais, ainda que prementes mas estranhos ao serviço, e a subordinação à hierarquia, responsável pelas decisões que vier a tomar, são elementos característicos da condição militar. Compreende-se assim que caiba dentro do perfil desenhado pelas bases gerais da condição militar que qualquer licença a conceder aos militares, (i) esteja dependente de autorização pela hierarquia e condicionada a cancelamentos, (ii) que tenha duração limitada, (iii) que tenha efeitos no desenvolvimento da carreira[48]. O regime constante da lei geral da função pública, bem como o do Decreto-Lei n.º 519-E1/79, não toma em conta estes parâmetros. Sem que com isto se queira dizer que estes parâmetros tenham de ser observados de forma estrita na regulação de qualquer licença de natureza específica aplicável aos militares, o que ressalta é que a transposição sem mais, para o regime de exercício de funções dos militares, do regime constante do Decreto-Lei n.º 519-E1/79 ou, por hipótese, da lei geral da função pública, não pode consubstanciar uma exigência do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. Em situação análoga àquela com que nos defrontamos, disse o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 555/99 já citado[49]: «Se a tendencial estanquicidade e a coerência própria do estatuto do militar impedem que dele se isole um certo direito para, suposta uma aparente similitude de situações, se impor, por força do princípio da igualdade, um tratamento igual ao do pessoal civil, também não parece legítimo que aquele mesmo princípio vincule o legislador ordinário a outorgar ao pessoal militar um direito do pessoal civil e mesmo que, no particularismo da situação regulada, se não veja razão para uma disciplina jurídica diferenciada». Aliás «o militar usufrui de um complexo de direitos [...] que só ganham sentido no todo de que participam e como contrapartida de deveres especiais que oneram a condição militar» (ibidem)[50]. É neste enquadramento que a diferenciação do regime aplicável aos militares não incorre em censura por falta de fundamento razoável, ou seja por arbítrio. IV Termos em que, em face do exposto, se formulam as seguintes conclusões: 1.ª O estatuto jurídico dos militares, constante do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho, para além de tendencialmente totalizante quanto às matérias que regula, é fechado em matéria de licenças, em termos de só consentir aquelas nele reguladas ou, nos termos da alínea i) do seu artigo 93.º, outras de natureza específica estabelecidas nele ou em legislação especial; 2.ª A alínea i) do artigo 93.º do EMFAR não consente interpretação que permita a atribuição aos militares de carreira do direito à licença sem vencimento para acompanhamento de cônjuge diplomata colocado no estrangeiro, regulada pelo Decreto-Lei n.º 519-E1/79, de 29 de Dezembro; 3.ª A falta de legislação específica que reconheça esse direito aos militares não constitui restrição de qualquer Direito Fundamental e também não constitui omissão legislativa constitucionalmente censurável; 4.ª Não viola o princípio da igualdade a subsistência de legislação aplicável aos militares que não prevê uma licença sem vencimento específica para acompanhamento de cônjuge diplomata colocado no estrangeiro e que não confere, em consequência, o direito à mesma. [1] Através do ofício n.º 00828, de 31 de Janeiro de 2006, do Gabinete do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, que deu entrada na Procuradoria-Geral da República em 2 de Fevereiro seguinte. Com esse ofício foi recebido o Parecer DAJ/PR-E/2005/184, do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 23/11/05, e comunicação proveniente do Gabinete do Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, acompanhada do Parecer n.º 3/05, de 28 de Junho de 2005, do Senhor Auditor Jurídico do Ministério da Defesa Nacional. [2] Entretanto, a funcionária diplomática em causa foi colocada nos serviços externos do Ministério, segundo comunicação do Gabinete do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, que reitera o pedido de Parecer, constante do ofício n.º 5862, de 3 de Agosto de 2006, recebido na Procuradoria-Geral em 6 do mesmo mês. [3] Cuja redacção era, e utilizamos o pretérito porque o preceito foi revogado, a seguinte: «Art. 5.º Cabe ao Ministro da tutela, ouvida a Direcção-Geral da Função Pública, a extensão, por despacho, do disposto neste decreto-lei a quaisquer funcionários ou agentes administrativos que, por períodos prolongados de tempo, assegurem no estrangeiro funções de defesa ou representação de interesses sectoriais do País.» [4] O EMFAR em vigor foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho. Foi alterado pelas Leis n.ºs 12-A/2000, de 24 de Junho, e 25/2000, de 23 de Agosto, e pelos Decretos –Leis n.ºs 66/2001, de 22 de Fevereiro, e 232/2001, de 25 de Agosto. O Decreto-Lei n.º 197-A/2003, de 30 de Agosto, que nele introduziu novas alterações, determinou a remunerarão dos seus preceitos e a republicação do Estatuto em anexo (artigo 8.º). Posteriormente foi ainda alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 70/2005, de 17 de Março, e 166/2005, de 23 de Setembro. [5] No entanto «nenhum funcionário diplomático pode permanecer nos serviços externos por um período ininterrupto superior a nove anos» (artigo 47.º, n.º 4), salvo se for chefe de missão (n.º 5 do mesmo artigo). Também segundo o n.º 1 do artigo 48.º, como regra, «a permanência dos funcionários diplomáticos nos serviços internos é de um mínimo de três anos e de um máximo de quatro anos». [6] Por ordem ascendente, são essas categorias as de adido de embaixada, secretário de embaixada, conselheiro de embaixada, ministro plenipotenciário e embaixador (artigo 3.º, n.º 1). Dos dados remetidos com a consulta colhe-se que a funcionária em causa é segunda secretária de embaixada, o que significa, como resulta do artigo 3.º, n.º 2, que teve direito a essa categoria a partir do momento em que contou três ou mais anos na categoria de secretária de embaixada e cinco ou mais anos de carreira. [7] Mas a licença que vier a ser concedida (ao cônjuge) é uma licença sem vencimento, o que parece coadunar-se mal com a preocupação expendida no preâmbulo. [8] A figura da licença ilimitada é bastante anterior visto que remonta pelo menos à Lei de 14 de Junho de 1913 (artigos 25.º e 26.º). Sobre o regime das faltas e licenças na primeira metade do século passado v. Luiz Lopes Navarro, Funcionários Públicos, Lisboa, 1940, e Marcello Caetano, Estatuto dos Funcionários Civis, 3ª edição, Coimbra, 1949. [9] Lê-se na fundamentação do Parecer n.º 468/41 o seguinte: «Não podemos esquecer que nos assuntos respeitantes aos funcionários públicos são sempre o funcionamento do serviço público e o desempenho da função os factos essenciais e orientadores de todas as decisões. Tanto por efeito da licença graciosa como em consequência da licença sem vencimento, o serviço público fica temporariamente privado dos seus servidores e estes interrompem durante esse período o exercício da função. Se a Administração Pública entende que esta interrupção do serviço deve ser levada em conta na licença graciosa do ano seguinte, quando provenha da licença graciosa gozada no ano anterior, não encontramos razão justificativa para que o mesmo efeito não seja também atribuído à interrupção de funções que deriva da licença sem vencimento.» [10] Dispunha o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 42 800, de 11 de Janeiro de 1960, o seguinte: «Na organização dos serviços deverá atender-se à necessidade de garantir que a regularidade do exercício da função pública não seja afectada pela falta de qualquer dos seus agentes. Compete aos chefes de serviço orientar o trabalho de forma que todo o funcionário em situação de ausência ou impedimento seja substituído por outro capaz de assegurar a continuidade das respectivas funções». A norma foi expressamente revogada pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro, mas o princípio certamente que permanecerá, agora com relevância puramente gestionária. [11] O período de licença poderá contar para aposentação, sobrevivência e fruição dos benefícios da ADSE se o interessado mantiver os correspondentes descontos com base na remuneração auferida à data da sua concessão, na licença por um ano (artigos 77.º, n.º 2). Não assim, porém, na licença até 90 dias, situação em que a lei é omissa sobre o assunto. Na licença de longa duração não está prevista a possibilidade de manutenção dos benefícios da ADSE. [12] A situação de licença de longa duração pode perdurar indefinidamente até ao momento em que o funcionário atingir o limite de idade. No Decreto-Lei n.º 497/88, artigo 79.º, n.º 1, estabelecia-se uma duração máxima de dez anos, finda a qual o vínculo com a Administração se extinguia. Provavelmente por essa razão a designação de licença ilimitada foi então substituída pela de licença de longa duração. Com a supressão de um tempo máximo de duração operada pelo Decreto-Lei n.º 100/99, a licença de longa duração passou a ser por tempo ilimitado, uma “licença ilimitada”. Esta última designação é a que o legislador utilizou no Estatuto dos Militares das Forças Armadas, ultimamente revisto em 2003, como se verá. [13] São cargos de direcção intermédia de 1.º grau o de director de serviços e de 2.º grau o chefe de divisão (artigo 2.º, n.º 4). [14] Na descrição a que estamos procedendo prescindimos de referir aspectos concernentes à passagem à licença sem vencimento de situações de doença, na medida em que nesses casos de licença de longa duração a licença sem vencimento não surge revestida do seu perfil típico por se apresentar como prolongamento da situação de ausência justificada por doença. Segundo o artigo 47.º, n.º1, alínea b), findo o prazo de 18 meses de faltas por doença, o pessoal nomeado pode requerer a passagem à situação de licença sem vencimento até 90 dias, por um ano ou de longa duração, independentemente do tempo de serviço prestado. Nestes casos, em regra, não intervem a ponderação do factor da conveniência e interesses pessoais do interessado com a intensidade que é nota qualificadora da licença sem vencimento. Igualmente se prescinde de referências a figuras de licença sem vencimento previstas em legislação conjuntural sobre gestão dos quadros dos serviços, de que foi exemplo o artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro, já revogado. [15] Não se colhem elementos relevantes, para efeitos interpretativos, dos trabalhos preparatórios da Lei, a qual teve origem na Apreciação Parlamentar n.º 98/VII, publicada no DAR,II Série-B, n.º 28, de 8 de Maio de 1999, pág. 148, e foi debatida em Plenário (DAR, I Série, n.º 96, de 19 de Junho de 1999, pág. 3481 a 3485), com aprovação final global em reunião plenária de 2 de Julho de 1999 (DAR, I Série, n.º 102, de 3 de Julho de 1999, pág. 3771). [16] A não revogação integral do Decreto-Lei n.º 519-E1/79 terá raízes nas vicissitudes de formação do Decreto-Lei n.º 100/99. Como se referiu, o artigo 84.º deste diploma, na sua versão originária, preceituava apenas que a licença poderia ser requerida, no que contrastava, nessa particularidade essencial, com o regime especial de 1979 o qual, para os cônjuges do pessoal do Ministério dos Negócios Estrangeiros, consagra o direito à licença. Nessa diferença de regimes terá residido a justificação da subsistência do Decreto-Lei n.º 519-E/79 após a entrada em vigor da lei geral. A nova redacção que conferiu o direito à licença, dada ao regime geral pela Lei n.º 117/99, de 11 de Agosto, em cuja feitura não terão sido ponderados aspectos laterais mas relevantes do ponto de vista sistemático, eliminou essa diferença substancial, que, afinal, acabou por vigorar por escassos meses. [17] Não conta «para o efeito de concessão de diuturnidades ou de promoções baseadas apenas em critérios de antiguidade» (n.º 6 do artigo 5.º). [18] No n.º 2 do mesmo artigo 4.º prescreve-se o seguinte: «Aos referidos cônjuges e no âmbito da licença sem vencimento aplicar-se-ão, com as necessárias adaptações derivadas dos regimes especiais das diversas empresas que integram o sector empresarial do Estado, as disposições constantes dos artigos 2.º e 3.º do presente diploma, a menos que do contrato de trabalho que os vincula à entidade patronal resultem outras mais favoráveis». [19] Tal como anteriormente no respeitante à função pública, não serão objecto de análise os termos em que, segundo o que se dispõe no artigo 148.º do Estatuto, as situações de doença poderão evoluir para situações de licença ilimitada. [20] Cabem aqui funções próprias de cargos ou lugares existentes «em qualquer departamento do Estado ou em organismos internacionais a que correspondam funções militares» (artigo 33.º, n.º 2, do EMFAR). [21] O EMFAR, no artigo 207.º, prevê a licença para estudos «destinada à frequência de cursos, estágios ou disciplinas em estabelecimentos de ensino nacionais ou estrangeiros, com interesse para as Forças Armadas e para a valorização profissional e técnica do militar» (n.º 1). Só nessa medida terá algum paralelismo com a licença sem vencimento por um ano na parte em que na concessão desta seria motivo especialmente atendível a valorização profissional do funcionário (artigo 73.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 100/99) mas não mais que isso porque a licença para estudos não implica a perda de remunerações (artigo 207.º, n.º 5, do EMFAR). [22] Recorrendo ao elemento sistemático da interpretação, baseado «no postulado da coerência intrínseca do ordenamento», na linha descrita por J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1983, pág. 183, no qual se compreendem o contexto da lei e os lugares paralelos. [23] O entendimento do Ministério da Defesa Nacional, sustentado no Parecer n.º 3/05 do Senhor Auditor do MDN (citado na nota 1 supra), depois comunicado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, foi no sentido da não concessão da licença. Vem referido nesse Parecer que, o assunto começou por ser encaminhado para o Departamento dos Assuntos Jurídicos (DEJUR) da Secretaria-Geral do MDN, que entendeu merecer a pretensão acolhimento em certos termos, e transitou depois para a Direcção-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar (DGPRM) a qual se pronunciou em sentido oposto. [24] O Código do Trabalho prevê faltas «autorizadas ou aprovadas pelo empregador» (alínea i) do n.º 2 do artigo 225.º) que determinam a perda de remuneração. Também pode o empregador conceder licenças sem retribuição a pedido do trabalhador, que determinam a suspensão do contrato de trabalho (artigos 354.º, n.º 1, e 355.º, n.º 1, do Código). [25] Transcreveu-se a Conclusão 1.ª do Parecer n.º 3/2002, de 2 de Maio de 2002, homologado e publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Agosto de 2002. O Conselho Consultivo pronunciou-se com profundidade sobre o tema também em vários outros Pareceres, designadamente nos Pareceres n.º 64/92, de 14 de Janeiro de 1993, não publicado; n.º 6/97, de 9 de Junho de 1999, homologado, e publicado no Diário da República, II Série, n.º 125, de 20 de Maio de 2001; e n.º 74/99, de 9 de Novembro de 2000, não homologado e não publicado. [26] Em paralelo e concordantemente, observa-se que a Lei n.º 111/91, de 29 de Agosto, Lei de Bases da Organização das Forças Armadas, estatui no n.º 1 do seu artigo 1.º que «As Forças Armadas (...) inserem-se na administração directa do Estado, através do Ministério da Defesa Nacional». [27] V. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Tomo II, 9.ª ed., Lisboa, 1972, págs. 661-663, e João Alfaia, Regime jurídico do funcionalismo, Lisboa, Ed. Ática, 1962, pág. 21. [28]. O EMFAR em vigor revogou o anterior Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro, diploma que pela primeira vez reuniu em um só instrumento normativo largos sectores do regime aplicável a todos os militares, independentemente dos ramos das Forças Armadas a que pertencessem. O antecedente Estatuto dos Oficiais das Forças Armadas (EOFA), constante do Decreto-Lei n.º 46 672, de 29 de Novembro de 1965, desdobrava-se em três outros diplomas dedicados aos oficiais de cada um dos três ramos das Forças Armadas. Todos eles foram revogados pela legislação de 1990. [29] São militares dos quadros permanentes «os cidadãos que, tendo ingressado voluntariamente nas Forças Armadas, prestam serviço profissional firmado em vínculo definitivo, constituindo factor de afirmação e perenidade dos valores da instituição militar» (n.º 1 do artigo 108.º do EMFAR, que abre o Livro II). [30] Permanece em vigor com a alteração do artigo 155º, produzida pelo Decreto-Lei n.º 434-I/82, de 29 de Outubro, tendo sido também declarada a inconstitucionalidade dos seus artigos 127.º (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 207/2002), 76.º e 82.º (Acórdão do mesmo Tribunal n.º 90/88) e 172.º (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 15/88). [31] É uma licença sem perda de vencimento até trinta dias que não será descontada no tempo de serviço militar e que terá de ser gozada, sem prejuízo de interrupção, no prazo de um ano (n.º 2 do artigo).Recompensa «os militares que no serviço revelem dedicação acima do comum ou tenham praticado actos de reconhecido relevo» (n.º 1). [32] Trata-se de menção contida no respectivo preâmbulo. [33] Até à Lei Orgânica n.º 4/2001, os militares dos quadros permanentes e contratados em serviço efectivo eram inelegíveis mas não lhes podia ser recusado, em tempo de paz, o pedido de passagem à reserva para se candidatarem, nos termos dos n.ºs 10 e 11 do artigo 31.º da LDNFA, revogados pela Lei Orgânica n.º 4/2001, de 30 de Agosto. [34] No n.º 2 do artigo 43.º, já transcrito, nesta parte, no ponto 8 supra. [35] Publicado no Diário da República, II Série, n.º 63, de 15 de Março de 2000, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45.º vol., pág. 149 e segs., acessível também no sítio do Tribunal Constitucional, de que se extraem as transcrições, mantendo os itálicos do original publicado. O Acórdão referido, tirado em fiscalização concreta, não julgou inconstitucional a norma do artigo 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 497/88, diploma que continha o regime geral da função pública sobre férias faltas e licenças depois revogado pelo actualmente vigente Decreto-Lei n.º 100/99, na interpretação de que essa norma não se aplicava ao pessoal das Forças Armadas. No âmbito destas não vigorava qualquer norma que regulasse a matéria daquele artigo 15.º, n.º 1, ou seja o abono de subsídio de férias nos casos de cessação definitiva de funções. [36] Sobre interpretação conforme à Constituição, v., por todos, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, Constituição, 5.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2003, pág. 294 e segs., J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., 2003, Coimbra, Almedina, pág. 1310 e segs., e Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 4.ª ed., 2005, pág. 479 e segs. [37] V. sobre a estrutura dos direitos liberdades e garantias, por todos, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pág. 106 e segs., e J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, anotada, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, pág. 110 e segs. [38] Cfr. Jorge Miranda, ob. cit., pág. 110. [39] A alínea h) foi aditada ao artigo 67.º na sexta revisão constitucional, pela Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho. [40] V. a anotação VII ao artigo 67.º contida em J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, anotada, cit., pág. 352, cuja orientação no sentido de que se tratará de «integrar de forma coerente as várias políticas sociais de incidência familiar» é aqui acolhida, reportada à alínea h) do artigo 67.º, que não fazia parte do texto constitucional quando aquela anotação foi redigida. [41] Cfr. a anotação ao artigo 67.º contida em Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pág. 698. [42] O Conselho Consultivo analisou esta norma no Parecer n.º 154/2004, de 3 de Fevereiro de 2005, homologado, e publicado no Diário da República, II Série, n.º 89, de 9 de Maio de 2005. [43] Poderá aproximar-se desta norma o regime da chamada “preferência conjugal” na colocação do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, constante do actualmente vigente Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de Janeiro, aí regulado nos artigos 52.º e 53º sob a epígrafe “Destacamento para aproximação à residência familiar”. Esse destacamento diz respeito apenas ao preenchimento das necessidades residuais apuradas após apuramento das colocações em resultado dos concursos interno e externo iniciais. [44] Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, Inconstitucionalidade e Garantia da Constituição, págs. 305-306, admitindo que também quanto a normas-princípio se possam pôr problemas de omissão inconstitucional, requer, para que esta ocorra, a existência de norma constitucional não exequível por si mesma prescritiva, prescritiva de legislação se bem entendemos, factor que, na alínea h) em questão, não parece pressuposto de forma inequívoca. De qualquer modo, o mesmo Autor (ob. cit., pág. 307), refere que para o Tribunal Constitucional a omissão será relevante perante «uma incumbência ou “imposição” não só claramente definida quanto ao seu sentido e alcance, sem deixar ao legislador qualquer margem de liberdade quanto à sua própria decisão de intervir (isto é quanto ao an da legislação) – em tais termos que se pode bem falar, na hipótese, de uma verdadeira “ordem de legislar”». Cita o Acórdão n.º 276/89, que transcreve nessa parte, e que foi publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Junho de 1989, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º vol., Tomo I (v. em concreto, pág. 141). Sobre inconstitucionalidade por omissão, v. ainda J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, anotada, cit., pág. 1046 e segs., e J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., pág. 1033 e segs. [45] A questão põe-se tanto no plano do Decreto-Lei n.º 519-E1/79 como no da lei geral, ou seja, o Decreto-Lei n.º 100/99. [46] Acompanhou-se de muito perto, assinalando as reproduções, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2003, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Junho de 2003, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56.º vol., pág. 7 e segs., que condensa as orientações que a jurisprudência constitucional vem seguindo na matéria e que é frequentemente citado em arestos posteriores. [47] A eles tem recorrido este corpo consultivo quando se debruça sobre questões respeitantes ao pessoal militar, designadamente nos Pareceres n.ºs 74/99, referido na antecedente nota 25, e 47/2002, de 13 de Fevereiro de 2003, pendente de homologação. [48] A licença para exercício de funções em Macau, referida no ponto 11, por ser regulada como direito, mostra alguma excepcionalidade, que poderá justificar-se por poder ser vista ainda como exercício de funções atinentes às Forças Armadas (v. o artigo 33.º, n.º 2, do EMFAR, referido na nota 20). [49] V. nota 35 antecedente, na qual se descreveu a situação que deu ocasião ao Acórdão. Acolhendo e considerando justificadas diferenças de regime consoante os destinatários no interior do próprio âmbito das Forças Armadas, v. também os Acórdãos n.ºs 319/2000, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Outubro de 2000 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47.º vol., pág. 497 e segs.(distinção entre militares deficientes dos quadros permanentes e dos quadros de complemento), e 424/2003, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Novembro de 2003, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 57.º vol., pág. 361 e segs. (distinção entre sargentos contratados e sargentos do quadro permanente). [50] É «com fundamento no regime especial de prestação do trabalho, designadamente nos ónus e restrições específicas da função militar» (artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 328/99, de 18 de Agosto), que é atribuído um suplemento remuneratório aos militares, criado pelo Decreto-Lei n.º 57/90, de 14 de Fevereiro, designado como “suplemento de condição militar”. + |