Parecer do Conselho Consultivo da PGR |
Nº Convencional: | PGRP00003075 |
Parecer: | P000392009 |
Nº do Documento: | PPA17122009003900 |
Descritores: | GESTOR LOCAL FUNÇÃO EXECUTIVA INCOMPATIBILIDADE REGIME DE EXCLUSIVIDADE REMISSÃO SUBSIDIÁRIA ESTATUTO GESTOR PÚBLICO EMPRESA DE GRUPO EMPRESA MÃE EMPRESA FILHA SOCIEDADE DOMINANTE RELAÇÃO DE GRUPO SECTOR EMPRESARIAL LOCAL EMPRESA MUNICIPAL MUNICÍPIO SECTOR EMPRESARIAL DO ESTADO EMPRESA PÚBLICA ESTADO NORMA EXCEPCIONAL INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA ANALOGIA DESIGNAÇÃO ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA ADMINISTRAÇÃO LOCAL AUTONOMIA LOCAL |
Conclusões: | 1.ª – Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 47.º, n.º 4, da Lei n.º 53-F/2006, 29 de Dezembro, e 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março, o Estatuto do Gestor Público aprovado por este decreto-lei aplica-se subsidiariamente aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes do sector empresarial local; 2.ª – O Estatuto do Gestor Público aplica-se aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes do sector empresarial local, seja qual for o respectivo processo de designação (nomeação ou eleição); 3.ª – A aplicação subsidiária do Estatuto do Gestor Público aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes do sector empresarial local abrange a matéria relativa a incompatibilidades e impedimentos constante dos seus artigos 20.º a 22.º; 4.ª – As autarquias locais não podem deixar de respeitar as disposições imperativas do Estatuto do Gestor Público aplicáveis aos titulares dos órgãos de gestão das empresas municipais; 5.ª – O conceito de empresa mãe presente no artigo 16.º e no n.º 4 do artigo 20.º do Estatuto do Gestor Público, tal como o de empresa ou sociedade filha, devem ser interpretados com referência ao grupo económico (empresa de grupo ou sociedades coligadas) a que uma e outras pertencem; 6.ª – O Estado, em relação às empresas públicas, e o município, em relação às empresas municipais, não são, no âmbito do regime de incompatibilidades dos titulares dos órgãos de gestão ou administração, considerados como empresa mãe, para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 20.º do Estatuto do Gestor Público. |
Texto Integral: | Senhor Procurador-Geral da República, Excelência: 1 No âmbito do exercício da actividade fiscalizadora desenvolvida pela Procuradoria-Geral da República no quadro da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, em relação a incompatibilidades e impedimentos dos titulares de altos cargos públicos, suscita-se a intervenção do Conselho Consultivo para se pronunciar sobre as seguintes questões ([1]) ([2]): «a) Tendo presente o n.º 4 do artigo 47.º (Estatuto do gestor local) do regime jurídico do sector empresarial local – actualmente constante da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro –, beneficiam ou não do estatuto de gestor local todos os titulares dos órgãos de gestão das empresas integradas no sector empresarial local independentemente de o modo da sua designação decorrer da iniciativa de entidade pública ou de entidade privada? b) Há (ou não) lugar à aplicação subsidiária do Estatuto do Gestor Público (Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março) em matéria do regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos gestores locais? c) O Estatuto do Gestor Público admite (ou não) que as autarquias locais derroguem ou deixem de observar disposições (imperativas) que não se encontrem em contradição com o regime jurídico do sector empresarial local? d) O conceito legal de “empresa mãe” presente no n.º 4 do artigo 20.º do Estatuto do Gestor Público pode/deve ser interpretado de forma a abranger a posição dos municípios relativamente às suas próprias empresas?» As perguntas estão de algum modo relacionadas com matérias abordadas no Parecer do Conselho Consultivo n.º 99/2006, de 18 de Janeiro de 2007 ([3]), e filiam-se em alterações legislativas entretanto verificadas no âmbito do regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos e do estatuto do gestor público (e seus reflexos no estatuto do gestor local). Da conexão apontada extrairemos uma dupla ilação: por um lado, pensamos não se justificar a reprodução de desenvolvimentos de carácter doutrinário, habituais em pareceres anteriores ([4]); por outro, não se estranhará que, por vezes, se acompanhe de perto, se não textualmente, o Parecer n.º 99/2006. Procuraremos, em todo o caso, enfatizar as alterações legislativas e as consequências que, na óptica da consulta, delas decorrem. Cumpre, pois, emitir parecer. 2 A incompatibilidade consiste na «impossibilidade legal do desempenho de certas funções públicas por indivíduo que exerça determinadas actividades ou se encontre em alguma das situações, públicas ou particulares, enumeradas na lei» ([5]). A doutrina distingue entre diversos tipos de incompatibilidades, convindo destacar as incompatibilidades relativas – as que são susceptíveis de ser removidas mediante autorização da entidade competente – e as incompatibilidades absolutas – as que são irremovíveis; estas podem ainda ser legais (as fixadas na lei) e naturais (as resultantes de uma impossibilidade ligada ao tempo ou ao espaço) ([6]). O fundamento material das normas sobre incompatibilidades e acumulações reside, por um lado, na preocupação de fazer consagrar a total actividade do funcionário ao seu cargo, evitando-se dispersões funcionais prejudiciais para o serviço, e, por outro, na necessidade de evitar que o funcionário seja confrontado com situações de conflito entre a prossecução do interesse público e a defesa de interesses particulares em que esteja envolvido; a preocupação pela garantia da inexistência de conflitos de interesses tem mesmo obtido consagração legal expressa ([7]). Visa-se, em geral, proteger a independência, a transparência e a eficácia do exercício de funções públicas, bem como garantir o respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da prossecução do interesse público e da imparcialidade da administração – cf. artigos 266.º e 269.º, n.os 1, 4 e 5, da Constituição e artigos 5.º e 6.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA). Na mesma linha de preocupações se enquadra a figura dos impedimentos, consagrada, em termos gerais, no artigo 44.º do CPA. Os impedimentos respeitam à participação em procedimento administrativo de titulares de órgãos que tenham um interesse pessoal na decisão do caso. Enquanto a incompatibilidade aparece ligada, em abstracto, a uma ideia de impossibilidade de exercício simultâneo de dois cargos ou funções, no impedimento o titular do órgão fica proibido de intervir em casos concretos e definidos, não por razões abstractas de incompatibilidade entre cargos, mas por causa do seu interesse pessoal na decisão do caso ou procedimento ([8]). O legislador ordinário goza nesta matéria de considerável margem de discricionaridade, no uso da qual concretiza os regimes de permissão e proibição de acumulações, de incompatibilidades e de impedimentos. 3 Cabe, no contexto, realçar a Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, que regula o regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos (artigo 1.º, n.º 1) ([9]) ([10]). 3.1. A Lei n.º 64/93 autonomiza dois grupos distintos de titulares de cargos, os titulares de cargos políticos e os titulares de altos cargos públicos, cada um deles com regime de incompatibilidades e impedimentos e sistema de fiscalização próprios. O exercício de funções fiscalizadoras por parte da Procuradoria-‑Geral da República restringe-se aos titulares de altos cargos públicos. Na versão originária da Lei n.º 64/93, o artigo 3.º dispunha: «Artigo 3.º Titulares de altos cargos públicos Para efeitos da presente lei, são considerados titulares de altos cargos públicos ou equiparados: a) O presidente de instituto público, fundação pública, estabelecimento público, bem como de empresa pública e de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, qualquer que seja o modo de designação; b) O gestor público, membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, designado por entidade pública, e vogal da direcção de instituto público, nas modalidades referidas na alínea anterior, qualquer que seja a sua titularidade, desde que exerçam funções executivas; c) O director-geral e subdirector-geral ou o titular de cargo cujo estatuto seja àqueles equiparado em razão da natureza e das funções; d) O membro em regime de permanência e a tempo inteiro da entidade pública independente prevista na Constituição ou na lei.» O n.º 4 do artigo 8.º da Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, conferiu a este artigo a seguinte redacção: «Artigo 3.º 1 – Para os efeitos da presente lei, são considerados titulares de altos cargos públicos ou equiparados: a) O presidente do conselho de administração de empresa pública e de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, qualquer que seja o modo da sua designação; b) Gestor público e membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, designada por entidade pública, desde que exerçam funções executivas; c) O membro em regime de permanência e a tempo inteiro da entidade pública independente prevista na Constituição ou na lei. 2 – Aos presidentes, vice-presidentes e vogais de direcção de instituto público, fundação pública ou estabelecimento público, bem como aos directores-gerais e subdirectores-gerais e àqueles cujo estatuto lhes seja equiparado em razão da natureza das suas funções é aplicável, em matéria de incompatibilidades e impedimentos, a lei geral da função pública e, em especial, o regime definido para o pessoal dirigente no Decreto-Lei n.º 323/89, de 26 de Setembro.» ([11]) Na nova redacção, o artigo 3.º da Lei n.º 64/93 distinguia entre dois núcleos de titulares de altos cargos públicos: ao primeiro grupo, discriminado nas alíneas do n.º 1, continuou a aplicar-se a disciplina da Lei n.º 64/93; ao segundo, definido no n.º 2, passou a aplicar-se a lei geral da função pública, em especial, o regime definido para o pessoal dirigente. A Lei n.º 28/95, de 18 de Agosto, voltou a alterar a Lei n.º 64/93, modificando os artigos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º, 6.º e 8.º e aditando o artigo 7.º-A. O artigo 4.º da Lei n.º 64/93 (que continha somente o regime de exclusividade dos titulares de cargos políticos) unificou o regime de exclusividade dos titulares de cargos políticos e dos titulares de altos cargos públicos e passou a reger de modo idêntico para os dois tipos de cargos. Fique menção da redacção actual deste preceito ([12]): «Artigo 4.º Exclusividade 1 – Os titulares dos cargos previstos nos artigos 1.º e 2.º exercem as suas funções em regime de exclusividade, sem prejuízo do disposto no Estatuto dos Deputados à Assembleia da República e do disposto no artigo 6.º 2 – A titularidade dos cargos a que se refere o número anterior é incompatível com quaisquer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas colectivas de fins lucrativos. 3 – Exceptuam-se do disposto no número anterior as funções ou actividades derivadas do cargo e as que são exercidas por inerência.» A Lei n.º 64/93 foi de novo alterada, agora pela Lei n.º 12/96, de 18 de Abril, que procurou aperfeiçoar, explicitando-o, o regime de incompatibilidades de determinados titulares de altos cargos públicos: «os presidentes, vice-presidentes e vogais da direcção de instituto público, fundação pública ou estabelecimento público, bem como os directores-gerais e subdirectores-gerais e aqueles cujo estatuto lhes seja equiparado em razão da natureza das funções». Tratava-se dos cargos que, até aí, figuravam no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 64/93, na redacção introduzida pela Lei n.º 39-B/94, e que passaram, com a Lei n.º 12/96, a ter um regime de incompatibilidades próprio, baseado em remissão para o regime do pessoal dirigente da função pública. Coerentemente, o artigo 4.º da Lei n.º 12/96 revogou o n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 64/93, preceito que passou a dispor: «Artigo 3.º 1 – Para os efeitos da presente lei, são considerados titulares de altos cargos públicos ou equiparados: a) O presidente do conselho de administração de empresa pública e de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, qualquer que seja o modo da sua designação; b) Gestor público e membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, designada por entidade pública, desde que exerçam funções executivas; c) O membro em regime de permanência e a tempo inteiro da entidade pública independente prevista na Constituição ou na lei.» Por fim, o Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março ([13]), alterou também a Lei n.º 64/93. Uma das disposições alteradas foi o acabado de transcrever artigo 3.º, do qual foram revogadas as alíneas a) e b), restringindo-se a redacção actual deste artigo ao corpo do n.º 1 e à alínea c). A outra foi o artigo 7.º da Lei n.º 64/93, que, na formulação originária, determinava: «Artigo 7.º Regime geral e excepções 1 – A titularidade de altos cargos públicos implica a incompatibilidade com quaisquer outras funções remuneradas. 2 – As actividades de docência no ensino superior e de investigação não são incompatíveis com a titularidade de altos cargos públicos, bem como as inerências a título gratuito. 3 – Os titulares de altos cargos públicos em sociedades anónimas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos podem requerer que lhes seja levantada a incompatibilidade, solicitando autorização para o exercício de actividades especificamente discriminadas, às entidades que os designaram. 4 – As situações previstas no número anterior devem ser fundamentadamente autorizadas pela assembleia geral da empresa, devendo a acta, nessa parte, ser publicada na 2.ª série do Diário da República.» Neste caso a alteração operada pelo Decreto-Lei n.º 71/2007 consistiu na revogação dos n.os 3 e 4. O artigo 7.º ficou, assim, limitado aos n.os 1 e 2. A Lei n.º 64/93 foi objecto de outras alterações pelas Leis n.os 42/96, de 31 de Agosto, 12/98, de 24 de Fevereiro, e 30/2008, de 10 de Julho, cujo conhecimento, atento o objecto da consulta, se mostra dispensável. A fiscalização do cumprimento da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, compete, em relação aos titulares de cargos políticos, ao Tribunal Constitucional (artigo 10.º) e, em relação aos titulares de altos cargos públicos, à Procuradoria-Geral da República (artigo 11.º). 3.2. As sucessivas alterações da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, têm retirado estabilidade normativa ao regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos e acarretado dificuldades interpretativas numa matéria que ganharia em ser clara e precisa. As modificações operadas pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março (Estatuto do Gestor Público) merecem algumas observações. Em primeiro lugar, o único alto cargo público ou equiparado ainda previsto na Lei n.º 64/93 é o de membro em regime de permanência e a tempo inteiro de entidade pública independente prevista na Constituição ou na lei [artigo 3.º, n.º 1, alínea c)], cuja titularidade implica a incompatibilidade com quaisquer outras funções remuneradas (artigo 7.º, n.º 1, da mesma lei). O regime de incompatibilidades dos cargos antes previstos nas revogadas alíneas a) e b) do mesmo artigo passou a constar do Estatuto do Gestor Público. Em segundo lugar, a revogação dos n.os 3 e 4 do artigo 7.º remeteu as situações em que é admissível a remoção de incompatibilidade para o Estatuto do Gestor Público. Por último, face à remissão do n.º 8 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 71/2007 para diversas disposições da Lei n.º 64/93, mantém-se a competência fiscalizadora da Procuradoria-Geral da República. Note-se, contudo que, do regime sancionatório previsto no artigo 13.º da Lei n.º 64/93 para os titulares de altos cargos públicos, a remissão só abrange o disposto no n.º 4. 4 No âmbito da administração pública, distingue-se – e a distinção tem assento no artigo 199.º, alínea d), da Constituição – entre administração directa do Estado, administração indirecta do Estado e administração autónoma. A administração directa é a actividade exercida por serviços integrados na pessoa colectiva Estado, na dependência hierárquica do Governo. A administração indirecta é desenvolvida com vista à realização de fins do Estado, mas por pessoas colectivas dele distintas. Trata-se fundamentalmente dos institutos públicos e das empresas públicas ([14]). A administração autónoma é a que «prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas actividades, sem sujeição a hierarquia ou a superintendência do Governo» ([15]). Entre nós, desenvolvem uma administração autónoma as associações públicas, as regiões autónomas e as autarquias locais. A existência de autarquias locais decorre da Constituição, que as define como «pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas» (artigo 235.º, n.º 1). São autarquias locais as freguesias e os municípios ([16]). A propósito do município fala-se também em administração directa e administração indirecta: quando actua através de serviços integrados na própria pessoa colectiva que é o município, está a administrar de uma forma directa; quando actua através de pessoas colectivas de direito público criadas por si próprio para a realização dos seus fins, está a administrar indirectamente ([17]). Os serviços municipais, em sentido estrito, são os serviços do município que, não dispondo de autonomia, são directamente geridos pelos órgãos principais do município (a secretaria, a tesouraria ou serviços especiais, por ex., ao nível médico, veterinário, da protecção civil ou da polícia municipal). O sector empresarial do município compreende os serviços municipalizados e as empresas municipais ([18]). 5 O regime jurídico do sector empresarial local consta hoje da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro ([19]) ([20]). Este diploma tem origem na proposta de lei n.º 91/X ([21]), em cuja exposição de motivos, face «ao desenvolvimento exponencial do número de empresas locais, bem como à diversidade qualitativa que adoptam», se considera «essencial proceder a uma modernização do regime jurídico aplicável» e à sua harmonização com o regime jurídico do sector empresarial do Estado ([22]) e com o Código das Sociedades Comerciais. O novo regime assenta em três vectores principais: alargamento do conceito de sector empresarial local, transparência na gestão e autonomia entre os municípios e as empresas do sector empresarial local. Diz-se quanto a este último aspecto: «a função accionista municipal é exercida através da emissão de orientações estratégicas; consagra-se a regra da incompatibilidade entre o exercício de funções executivas nas autarquias e nas empresas locais; e estabelecem-se limites às remunerações dos gestores públicos» ([23]). 5.1. A Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, estabelece o regime jurídico do sector empresarial local (artigo 1.º, n.º 1), que integra as empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas (artigo 2.º, n.º 1), cuja noção consta do artigo 3.º: «Artigo 3.º Empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas 1 – São empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais os municípios, associações de municípios e áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, respectivamente, possam exercer, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias: a) Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto; b) Direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de administração ou de fiscalização. 2 – São também empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas as entidades com natureza empresarial reguladas no capítulo VII da presente lei.» As empresas têm obrigatoriamente como objecto social a exploração de actividades de interesse geral, a promoção do desenvolvimento local e regional e a gestão de concessões, não podendo ser criadas, ou participadas, empresas de âmbito municipal, intermunicipal ou metropolitano cujo objecto social não se insira no âmbito das atribuições da autarquia ou associação de municípios respectiva (artigo 5.º, n.os 1 e 2). As empresas «regem-se pela presente lei, pelos respectivos estatutos e, subsidiariamente, pelo regime do sector empresarial do Estado e pelas normas aplicáveis às sociedades comerciais» (artigo 6.º). A sua gestão deve articular-se com os objectivos prosseguidos pelas entidades públicas participantes no capital social, visando a satisfação das necessidades de interesse geral, a promoção do desenvolvimento local e regional e a exploração eficiente de concessões, assegurando a sua viabilidade económica e equilíbrio financeiro (artigo 7.º). A criação das empresas e a decisão de aquisição de participações que confiram influência dominante compete: nas de âmbito municipal, sob proposta da câmara municipal, à assembleia municipal; nas de âmbito intermunicipal, sob proposta do conselho directivo, à assembleia intermunicipal; e nas de âmbito metropolitano, sob proposta da junta metropolitana, à assembleia metropolitana (artigo 8.º, n.º 1). O artigo 15.º dispõe sobre a função accionista: os direitos dos titulares do capital social são exercidos, respectivamente, através da câmara municipal, do conselho directivo da associação de municípios ou da junta metropolitana, em conformidade com as orientações estratégicas previstas no artigo 16.º, cuja aprovação compete, no caso das empresas municipais, às câmaras municipais, no caso das empresas intermunicipais, ao conselho directivo, e no das empresas metropolitanas, à junta metropolitana. A Lei n.º 53-F/2006 prevê, quanto ao objecto social, três tipos de empresas: empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse geral (capítulo II, artigos 18.º a 20.º); empresas encarregadas da promoção do desenvolvimento local e regional (capítulo III, artigos 21.º a 23.º) e empresas encarregadas da gestão de concessões (capítulo IV, artigos 24.º e 25.º). 5.2. O capítulo VII da Lei n.º 53-F/2006 (artigos 33.º a 42.º) é dedicado às entidades empresariais locais. Trata-se de pessoas colectivas de direito público, com natureza empresarial, designadas entidades empresariais locais (artigo 33.º, n.º 1), cujo contrato de constituição deve ser reduzido a escrito, salvo se for exigida forma mais solene para a transmissão dos bens que sejam objecto de entradas em espécie (artigo 33.º, n.º 2). Têm autonomia administrativa, financeira e patrimonial e a sua capacidade jurídica abrange todos os direitos e obrigações necessários e convenientes à prossecução do seu objecto (artigo 35.º). Têm um capital designado «capital estatutário», detido pelos municípios, associações de municípios e áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto ou por outras entidades públicas, destinado a responder às respectivas necessidades permanentes (artigo 37.º, n.º 1). Sobre os órgãos sociais, o artigo 38.º dispõe que a administração e a fiscalização das entidades empresarias locais estruturam-se segundo as modalidades e com as designações previstas para as sociedades anónimas (n.º 1), devendo os estatutos regular, com observância das normas legais aplicáveis, a competência e o modo de designação dos membros dos órgãos de administração e fiscalização (n.º 3). Estão sujeitas a tutela económica e financeira das câmaras municipais, conselhos directivos das associações de municípios ou juntas metropolitanas, sem prejuízo do respectivo poder de superintendência (artigo 39.º, n.º 1). A tutela abrange, designadamente, a aprovação dos planos estratégico e de actividade, orçamento e contas, em certos casos, a homologação de preços ou tarifas (artigo 39.º, n.º 2). 5.3. Integrado em capítulo comum a todo o sector empresarial local – capítulo IX (outras disposições) – o artigo 47.º da Lei n.º 53-F/2006 estipula: «Artigo 47.º Estatuto do gestor local 1 – É proibido o exercício simultâneo de funções nas câmaras municipais e de funções remuneradas, a qualquer título, nas empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas. 2 – É igualmente proibido o exercício simultâneo de mandato em assembleia municipal e de funções executivas nas empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas detidas ou participadas pelo município no qual foi eleito. 3 – As remunerações dos membros dos órgãos de administração das empresas a que se refere o n.º 1, quando de âmbito municipal, são limitadas ao índice remuneratório do presidente da câmara respectiva e, quando de âmbito intermunicipal ou metropolitano, ao índice remuneratório dos presidentes das Câmaras de Lisboa e do Porto. 4 – O Estatuto do Gestor Público é subsidiariamente aplicável aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes do sector empresarial local.» Os n.os 1 e 3 tinham correspondência no artigo 46.º da proposta de lei n.º 91/X ([24]), na qual já se frisava que, entre os municípios e as empresas do sector empresarial local, «vigora um sistema de autonomia», traduzido na consagração da «regra da incompatibilidade entre o exercício de funções executivas nas autarquias e nas empresas locais» ([25]). A redacção definitiva do artigo foi introduzida durante o processo legislativo, na discussão na especialidade. A autonomia entre os municípios e as empresas foi, no processo legislativo, alargada, com a proibição do exercício simultâneo de mandato em assembleia municipal e de funções executivas nas empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas detidas ou participadas pelo município no qual foi eleito (n.º 2). Foi ainda aditado o n.º 4, pelo qual se manda aplicar subsidiariamente aos titulares dos órgãos de gestão das empresas do sector empresarial local o estatuto do gestor público. Com esta remissão – reafirmada pelo n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei 71/2007, de 27 de Março (que aprova o novo Estatuto do Gestor Público) – o legislador procede a uma aproximação significativa entre os estatutos do gestor local e do gestor público. 6 O Estatuto do Gestor Público (doravante Estatuto ou EGP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março ([26]), é um instrumento central da consulta, como se depreende do enunciado das questões formuladas ([27]). O Estatuto procura colmatar omissões e superar disfunções e disparidades apontadas ao regime anterior, mediante a instituição – como se refere no preâmbulo do diploma – de «um regime do gestor público integrado e adaptado às circunstâncias actuais, que abranja todas as empresas públicas do Estado, independentemente da respectiva forma jurídica, e que fixe sem ambiguidades o conceito de gestor público, defina o modo de exercício da gestão no sector empresarial do Estado e as directrizes a que a mesma deve obedecer e regule a designação, o desempenho e a cessação de funções pelos gestores públicos». O propósito de conciliar o reconhecimento da importância das empresas públicas e dos gestores públicos na satisfação das necessidades colectivas e na promoção do desenvolvimento económico e social do País com padrões elevados de exigência, rigor, eficiência e transparência, decorrentes de uma ética de serviço público leva a que se aproxime, por um lado, o regime do gestor público da figura do administrador de empresas privadas, tal como regulado na lei comercial, e que, por outro, se atribua «relevo e desenvolvimento acrescidos ao regime de incompatibilidades, à avaliação de desempenho, à determinação das remunerações, à definição do regime de segurança social aplicável e à observância das regras de ética e das boas práticas decorrentes dos usos internacionais». Salienta-se ainda a adopção generalizada do contrato de gestão e o estabelecimento de «um processo de fixação das remunerações dos gestores públicos e de outros benefícios, tomando como base a distinção entre gestores executivos e não executivos e fazendo depender a remuneração variável, aplicável apenas aos gestores com funções executivas, da efectiva obtenção dos objectivos predeterminados, do mesmo passo que se limita a cumulação de funções e remunerações» ([28]). O Estatuto do Gestor Público, de acordo com a epígrafe de cada um dos capítulos, aborda as seguintes matérias: – Âmbito (capítulo I, artigos 1.º a 3.º); – Exercício da gestão (capítulo II, artigos 4.º a 11.º); – Designação (capítulo III, artigos 12.º a 18.º); – Exercício de funções (capítulo IV, artigos 19.º a 22.º); – Responsabilidade e cessação de funções (capítulo V, artigos 23.º a 27.º); – Remunerações e pensões (capítulo VI, artigos 28.º a 35.º); – Governo empresarial e transparência (capítulo VII, artigos 36.º a 37.º); – Disposições finais e transitórias (capítulo VIII, artigos 38.º a 43.º). Neste enquadramento, há que realçar alguns aspectos de regime. O artigo 1.º define o gestor público: para «os efeitos do presente decreto-lei, considera-se gestor público quem seja designado para órgão de gestão ou administração das empresas públicas abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro». O artigo 2.º (extensão) alarga a aplicação do diploma a membros dos órgãos de outras entidades, cumprindo destacar o n.º 2 que prescreve: «2 – O presente decreto-lei é subsidiariamente aplicável aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes dos sectores empresariais regionais e locais, sem prejuízo das respectivas autonomias.» Não é considerado gestor público quem seja eleito para a mesa da assembleia geral, comissão de fiscalização ou outro órgão a que não caibam funções de gestão ou administração (artigo 3.º). O capítulo II versa sobre o exercício da gestão (por ex., orientações, deveres dos gestores, avaliações, poderes próprios da função administrativa). O capítulo III regula a designação dos gestores. Os gestores públicos são escolhidos de entre pessoas com comprovadas idoneidade, capacidade e experiência de gestão, bem como sentido de interesse público (artigo 12.º). Segundo o artigo 13.º, os gestores públicos são designados por nomeação ou por eleição (n.º 1); a nomeação é feita mediante resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do membro do Governo responsável pela área das finanças e do membro do Governo responsável pelo respectivo sector de actividade (n.º 2); a eleição é feita nos termos da lei comercial (n.º 4). O mandato é exercido, em regra, pelo prazo de três anos, até ao limite máximo de três mandatos (artigo 15.º). Para o exercício das funções de gestor «podem ser designados, em regime de comissão de serviço, trabalhadores da própria empresa, da empresa mãe, ou de outras relativamente às quais aquela ou a sua empresa mãe exerçam directa ou indirectamente influência dominante nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro» (artigo 16.º). No capítulo IV, sobre exercício de funções, encontram-se disposições da maior importância na perspectiva da consulta. O artigo 19.º prevê que os gestores públicos podem ter funções executivas ou não executivas, de acordo com o modelo de gestão adoptado na empresa pública em causa, nos termos da lei e tendo ainda em conta as boas práticas reconhecidas internacionalmente. Os artigos subsequentes explicitam o exercício de funções executivas e não executivas e os correspondentes impedimentos e incompatibilidades: «Artigo 20.º Gestores com funções executivas 1 – Para os efeitos do presente decreto-lei, consideram-se gestores com funções executivas os administradores designados nessa condição. 2 – O exercício de funções executivas tem lugar em regime de exclusividade, sem prejuízo do disposto no número seguinte e no n.º 4 do artigo 22.º 3 – São cumuláveis com o exercício de funções executivas: a) As actividades exercidas por inerência; b) A participação em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou outros organismos colegiais, quando previstos na lei ou quando tal resulte de decisão do Governo; c) As actividades de docência em estabelecimentos de ensino superior público ou de interesse público, mediante autorização, por despacho conjunto, do membro do Governo responsável pela área das finanças e do membro do Governo responsável pelo respectivo sector de actividade ou nos termos de contrato de gestão; d) A actividade de criação artística e literária, bem como quaisquer outras de que resulte a percepção de remunerações provenientes de direitos de autor, sem prejuízo do disposto na alínea f) do artigo 5.º; e) A realização de conferências, palestras, acções de formação de curta duração e outras actividades de idêntica natureza; f) As actividades médicas dos membros executivos dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica, nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 20.º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde. 4 – Sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 22.º, é ainda cumulável com o exercício de funções executivas o exercício de funções na empresa mãe ou em outras relativamente às quais a própria empresa ou a sua empresa mãe exerçam directa ou indirectamente influência dominante nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro. Artigo 21.º Gestores com funções não executivas 1 – Para os efeitos do presente decreto-lei, consideram-se gestores com funções não executivas os administradores designados nessa condição. 2 – Os gestores com funções não executivas exercem as suas funções com independência, oferecendo garantias de juízo livre e incondicionado em face dos demais gestores, e não podem ter interesses negociais relacionados com a empresa, os seus principais clientes e fornecedores e outros accionistas que não o Estado. 3 – Os gestores com funções não executivas acompanham e avaliam continuamente a gestão da empresa pública em causa por parte dos demais gestores, com vista a assegurar a prossecução dos objectivos estratégicos da empresa, a eficiência das suas actividades e a conciliação dos interesses dos accionistas com o interesse geral. 4 – Aos gestores com funções não executivas são facultados todos os elementos necessários ao exercício das suas funções, designadamente nos aspectos técnicos e financeiros, bem como uma permanente actualização da situação da empresa em todos os planos relevantes para a realização do seu objecto. Artigo 22.º Incompatibilidades e impedimentos 1 – É incompatível com a função de gestor público o exercício de cargos de direcção da administração directa e indirecta do Estado, ou das autoridades reguladoras independentes, sem prejuízo do exercício de funções em regime de inerência. 2 – Os gestores públicos com funções não executivas não podem exercer quaisquer outras actividades temporárias ou permanentes na mesma empresa. 3 – Os gestores públicos com funções não executivas e os membros das mesas de assembleias gerais não podem exercer quaisquer outras actividades temporárias ou permanentes em empresas privadas concorrentes no mesmo sector. 4 – A designação de gestores públicos do sector empresarial do Estado com funções não executivas para outras empresas que integrem o sector público empresarial deve ser especialmente fundamentada, atendendo à respectiva necessidade ou conveniência, carecendo ainda de autorização do membro do Governo responsável pela área das finanças e do membro do Governo responsável pelo respectivo sector de actividade da empresa em que se encontre a desempenhar funções, se, neste caso, aquela designação ocorrer no âmbito dos sectores empresariais regionais e locais. 5 – O disposto no número anterior não se aplica no caso de designação de gestores públicos do sector empresarial do Estado com funções não executivas nas empresas referidas no n.º 4 do artigo 20.º 6 – Os gestores públicos não podem celebrar, durante o exercício dos respectivos mandatos, quaisquer contratos de trabalho ou de prestação de serviços com as empresas mencionadas nos n.os 2, 3 e 4 que devam vigorar após a cessação das suas funções, salvo mediante autorização expressa do membro do Governo responsável pelo respectivo sector de actividade. 7 – ………………………………………………………………. 8 – Aos gestores públicos é ainda aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 8.º, 9.º, 9.º-A, 11.º, 12.º e 14.º e no n.º 4 do artigo 13.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto. 9 – Sem prejuízo do disposto no artigo 11.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, antes do início de funções, o gestor público indica, por escrito, à Inspecção-Geral de Finanças todas as participações e interesses patrimoniais que detenha, directa ou indirectamente, na empresa na qual irá exercer funções ou em qualquer outra.» Do restante articulado do Estatuto do Gestor Público, merecem menção as estatuições sobre a sua aplicação imediata aos mandatos em curso (artigo 39.º, n.º 1) e a revogação das alíneas a) e b) do artigo 3.º e dos n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto [artigo 42.º, n.º 1, alínea b)], a que atrás fizemos referência ([29]). 7 O sector empresarial local integra as empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas (incluindo as entidades empresariais locais) (artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro). Naquilo que Pedro Gonçalves designa de dualismo organizativo, a lei consagra dois tipos fundamentais de empresas: as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, pessoas colectivas de direito privado, e as entidades empresariais locais, pessoas colectivas de direito público ([30]). Apesar de regular o regime jurídico do sector empresarial local, a Lei n.º 53-F/2006 não contém um regime acabado do estatuto de quem, nas empresas, exerce funções de gestão ou administração. Sobre esta matéria, versa tão-só o artigo 47.º, cuja epígrafe – estatuto do gestor local – antecipa que o artigo contém normas de natureza estatutária em relação ao gestor local, mas não significa que tais normas constituam todo o estatuto ou que este nelas se esgote. O legislador, no artigo 47.º, apenas enuncia alguns aspectos do estatuto do gestor local. Na proposta de lei n.º 91/X (artigo 46.º) limitava-se a preservar a autonomia entre as câmaras e as empresas e a fixar um limite remuneratório. No decurso do processo legislativo, alargou a preservação da autonomia às assembleias municipais e, sobretudo – ao dar conta da insuficiência das «normas estatutárias» que constavam da proposta de lei e da existência de analogia entre a situação do gestor local e a do gestor público – mandou aplicar subsidiariamente aos titulares dos órgãos de gestão das empresas do sector empresarial local o Estatuto do Gestor Público. Idêntica remissão (de carácter dinâmico) consta do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março (que aprova o novo estatuto do gestor público), quando estipula que o decreto-lei «é subsidiariamente aplicável aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes dos sectores empresariais regionais e locais, sem prejuízo das respectivas autonomias». Esta remissão cruzada tem, como sucede com frequência, um cariz muito amplo, «com a finalidade de dar ao regime do instituto para que remete uma função integradora subsidiária do regime que estabelece para o instituto que está a considerar» ([31]). Ao utilizar normas remissivas, é o próprio legislador que se apercebe da existência de analogia entre a situação regulada e a que importa regular. Como não se trata de casos iguais, mas de casos análogos, o legislador refere habitualmente que a aplicação subsidiária se faz «com as necessárias adaptações» ou «com as adaptações devidas» ([32]). Apesar de no n.º 4 do artigo 47.º da Lei n.º 53-F/2006 e no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 71/2007, o legislador não utilizar qualquer destes operadores linguísticos, vai de si que a aplicação subsidiária do EGP aos gestores locais deve ser feita com as adaptações que se mostrarem justificadas ([33]). E deve ainda ser feita «sem prejuízo das respectivas autonomias», isto é, das autonomias regional e local ([34]). Em suma, por força das remissões constantes dos artigos 47.º, n.º 4, da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, e 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março, o Estatuto do Gestor Público aprovado por este diploma é subsidiariamente aplicável aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes dos sectores empresariais locais. É, pois, no Estatuto do Gestor Público que se encontra «a disciplina fundamental em que se traduz o estatuto do gestor local» ([35]) e é nele que iremos procurar descobrir a resposta às questões colocadas. 8 Pergunta-se nas duas primeiras questões: «a) Tendo presente o n.º 4 do artigo 47.º (Estatuto do gestor local) do regime jurídico do sector empresarial local – actualmente constante da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro –, beneficiam ou não do estatuto de gestor local todos os titulares dos órgãos de gestão das empresas integradas no sector empresarial local independentemente de o modo da sua designação decorrer da iniciativa de entidade pública ou de entidade privada? b) Há (ou não) lugar à aplicação subsidiária do Estatuto do Gestor Público (Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março) em matéria do regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos gestores locais?» 8.1. O artigo 47.º da Lei n.º 53-F/2006 (regime jurídico do sector empresarial local) tem por epígrafe estatuto do gestor local e determina no n.º 4 que o EGP é subsidiariamente aplicável aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes do sector empresarial local. Por via desta aplicação subsidiária, são considerados gestores locais os titulares dos órgãos de gestão ou administração das empresas que integram o sector empresarial local (cf. artigo 1.º do EGP) ([36]). Os gestores locais podem ter funções executivas ou não executivas, de acordo com o modelo de gestão adoptado na empresa, resultando aquela condição do próprio modo formal de designação (cf. artigos 19.º, 20.º, n.º 1, e 21.º, n.º 1, do EGP). À semelhança dos gestores públicos (artigo 13.º, n.º 1, do EGP), os gestores locais são designados por nomeação ou por eleição: a nomeação compete à câmara municipal [cf. artigo 64.º, n.º 1, alínea i), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro]; a eleição cabe ao órgão da empresa municipal que agrega a colectividade dos sócios. Nos dois casos a designação ocorre nos termos do Código das Sociedades Comerciais, tratando-se de empresas constituídas ao abrigo da lei comercial ([37]). O Estatuto do Gestor Público aplica-se aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes do sector empresarial local, seja qual for o respectivo processo de designação (nomeação ou eleição). A lei não distingue nem há razão para distinguir. Assim, «todos os membros dos órgãos de gestão das empresas municipais, nomeados pelo município ou eleitos pelo órgão colegial que agrega os sócios, são gestores locais», sujeitos, portanto, ao Estatuto do Gestor Público ([38]). 8.2. A aplicação subsidiária do Estatuto do Gestor Público aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes do sector empresarial local abrange, com as adaptações necessárias, a matéria relativa a incompatibilidades e impedimentos tratada nos artigos 20.º a 22.º do EGP ([39]). Vejamos porquê. Como frisámos, o artigo 47.º da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, tem por epígrafe estatuto do gestor local. A epígrafe não significa que o artigo contenha em si todo o estatuto do gestor local; não significa sequer que contenha toda a regulamentação das matérias que aborda nos seus quatro números. Significa apenas que o artigo versa sobre matéria relativa a esse estatuto. Concretamente, trata de matérias respeitantes a incompatibilidades e acumulação de funções (n.os 1 e 2), remunerações (n.º 3) e aplicação subsidiária do EGP (n.º 4). Os n.os 1 e 2 estabelecem incompatibilidades e proibições de acumulação de remunerações dirigidas aos eleitos locais, com vista a preservar a autonomia entre as câmaras municipais (e as assembleias municipais) e as empresas. O n.º 3 fixa, para certas situações, um limite remuneratório. Todavia, os n.os 1, 2 e 3 do artigo 47.º da Lei n.º 53-F/2006, revestindo carácter estatutário, não esgotam o estatuto dos gestores locais, nem sequer na parte relativa às matérias que abordam, designadamente a incompatibilidades e impedimentos. Disso se dá conta, como dissemos, o legislador, que, conhecendo a insuficiência das «normas estatutárias» constantes do artigo 47.º e a proximidade existente entre a condição de gestor local e a de gestor público, manda, no n.º 4 deste artigo, aplicar subsidiariamente aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integradas no sector empresarial local o Estatuto do Gestor Público. Remissão idêntica consta, como dissemos, do artigo 2.º, n.º 2, deste diploma. Ao utilizar esta dupla remissão, é o próprio legislador que constata a existência de analogia entre a situação do gestor público e a do gestor local e atribui ao Estatuto do Gestor Público uma função integradora subsidiária do regime estatutário do gestor local. E se as disposições remissivas estipulam esta aplicação subsidiária sem outras restrições que não as resultantes das adaptações que se mostrarem justificadas e da atendibilidade das «autonomias» dos sectores empresariais regionais e locais, a concreta aplicação do regime de incompatibilidades e impedimentos do Estatuto do Gestor Público aos gestores locais resulta ainda de outros elementos interpretativos. Na justificação da proposta de lei n.º 91/X (que está na origem da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro) realça-se o propósito de acentuar a autonomia entre os municípios e as empresas municipais, o que obtinha expressão no artigo 46.º da proposta e veio, a final, a ser materializado no artigo 47.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 53-F/2006. Nesta altura, antes da aprovação do novo Estatuto do Gestor Público, aplicava-se ainda aos gestores locais o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de altos cargos públicos, constante da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, nomeadamente dos artigos 3.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 7.º n.os 3 e 4 ([40]). O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 71/2007 enuncia, entre as linhas de força do novo Estatuto do Gestor Público, a limitação da cumulação de funções e a atribuição de relevo e desenvolvimento acrescidos ao regime de incompatibilidades, desideratos que vêm a ser concretizado nos artigos 20.º a 22.º do diploma. Por sua vez, o artigo 42.º, n.º 1, alínea a), do EGP revogou as alíneas a) e b) do artigo 3.º e os n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 64/93 (os gestores públicos deixam de ser abrangidos pelo regime de incompatibilidades dos titulares de altos cargos públicos); ao mesmo tempo, o novo Estatuto fixa ele próprio o regime de incompatibilidades e impedimentos dos gestores públicos (artigos 20.º a 22.º) e manda aplicar o EGP (e esse regime) aos sectores empresariais regionais e locais (artigo 2.º, n.º 2). Neste quadro, o intérprete não pode deixar de concluir que se assiste à deslocação da matéria relativa a incompatibilidades da Lei n.º 64/93 para o Estatuto do Gestor Público, cujas normas passam a ser igualmente aplicáveis aos gestores locais. 9 Pergunta-se, a seguir [alínea c)], se o Estatuto do Gestor Público «admite (ou não) que as autarquias locais derroguem ou deixem de observar disposições (imperativas) que não se encontrem em contradição com o regime jurídico do sector empresarial local». Como sabemos, nas situações de aplicação subsidiária de diplomas ou regimes, o legislador costuma utilizar fórmulas tabelares, frisando que a aplicação deve ser feita «com as necessárias adaptações» ou «com as adaptações devidas». No n.º 4 do artigo 47.º da Lei n.º 53-F/2006 e no n.º 2 do artigo 2.º do EGP tal não aconteceu. A omissão não obvia à adaptação, uma vez que a aplicação subsidiária comporta, pela natureza das coisas, a introdução de adaptações. Mas, no caso presente, o legislador refere que a aplicação subsidiária do Estatuto do Gestor Público aos titulares dos órgãos de gestão das empresas dos sectores empresariais regionais e locais deve ser feita «sem prejuízo das respectivas autonomias» (artigo 2.º, n.º 2, do EGP), isto é, das autonomias regional e local. Com a utilização daquela expressão o legislador terá pretendido enfatizar o relevo das autonomias regional e local, admitindo que lhes seja conferida, em certas circunstâncias, um espaço de enunciação próprio ([41]). Como afirma Pedro Gonçalves, «ao referir-se às autonomias, o legislador parece pretender conceder aos órgãos municipais alguma margem de liberdade para introduzirem as adaptações que se revelem necessárias na aplicação do EGP aos gestores da empresa. Mas a referência legal às autonomias não poderá significar que o EGP admite que as autarquias locais derroguem ou deixem de observar disposições imperativas do EGP que não se encontrem em contradição com o RJSEL [regime jurídico do sector empresarial local]» ([42]). A resposta é, portanto, negativa. Advirta-se, ademais, que, ao contrário das regiões autónomas – que dispõem de poder legislativo (artigo 227.º da Constituição) ([43]) – as autarquias locais têm atribuições e competências consideravelmente menores, não podendo em caso algum derrogar ou deixar de observar disposições imperativas do Estatuto do Gestor Público que não se encontrem em contradição com o disposto na Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro. 10 A última questão está assim formulada: «d) O conceito legal de “empresa mãe” presente no n.º 4 do artigo 20.º do Estatuto do Gestor Público pode/deve ser interpretado de forma a abranger a posição dos municípios relativamente às suas próprias empresas?» De entre as linhas directrizes do Estatuto do Gestor Público enunciadas no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março, cumpre recordar o relevo e desenvolvimento acrescidos atribuídos ao regime de incompatibilidades, bem como a limitação da acumulação de funções e remunerações. O n.º 2 do artigo 20.º do EGP consagra o princípio geral de que o exercício de funções executivas por parte do gestor público tem lugar em regime de exclusividade. O n.º 3 admite excepções a este princípio, enunciando um conjunto de actividades que são cumuláveis com o exercício de funções executivas. Trata-se, em geral, de actividades que decorrem do cargo (como as inerências) ou de actividades que, pela sua natureza e baixo grau de intensidade, não irão prejudicar o exercício de funções (criação artística e literária ou realização de conferências, palestras e acções de formação de curta duração), sendo por vezes exigível autorização ministerial para o seu exercício (caso da actividade docente). O n.º 4 do artigo 20.º prevê outra excepção ao regime de exclusividade, ao dispor que «é ainda cumulável com o exercício de funções executivas o exercício de funções na empresa mãe ou em outras relativamente às quais a própria empresa ou a sua empresa mãe exerçam directa ou indirectamente influência dominante nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro». O termo «empresa mãe» é também utilizado no artigo 16.º do EGP, onde se prevê que, para o exercício das funções de gestor, «podem ser designados, em regime de comissão de serviço, trabalhadores da própria empresa, da empresa mãe, ou de outras relativamente às quais aquela ou a sua empresa mãe exerçam directa ou indirectamente influência dominante nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro». 11 O Estatuto do Gestor Público visa, em primeira linha, os órgãos de gestão e administração das empresas públicas abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 27 de Dezembro, e aplica-se subsidiariamente aos órgãos de gestão das empresas integrantes dos sectores empresariais regionais e locais (artigos 1.º e 2.º, n.º 2, do EGP). 11.1. Atenta a relação de subsidiariedade, interessa conhecer alguns aspectos do regime do sector empresarial do Estado e das empresas públicas estabelecido no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro. O sector empresarial do Estado (SEE) integra as empresas públicas e as empresas participadas (artigo 2.º, n.º 1). As empresas participadas são as organizações empresariais que tenham uma participação permanente do Estado ou de quaisquer outras entidades públicas estaduais, de carácter administrativo ou empresarial, por forma directa ou indirecta, desde que o conjunto das participações públicas não origine qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 3.º (artigo 2.º, n.º 2). A noção de empresas públicas consta do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99 (para que remetem os artigos 16.º e 20.º, n.º 4, do EGP): «Artigo 3.º Empresas públicas 1 – Consideram-se empresas públicas as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias: a) Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto; b) Direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização. 2 – São também empresas públicas as entidades com natureza empresarial reguladas no capítulo III.» O SEE integra um vasto conjunto de empresas detidas ou participadas pelo Estado, cuja acção abarca os mais diversos sectores de actividade, constituindo um importante instrumento de política financeira, económica e social ([44]). A palavra «Estado» é aqui (referimo-nos, designadamente aos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99) utilizada na acepção de Estado-‑administração, isto é, como «pessoa colectiva pública que, no seio da comunidade nacional, desempenha, sob a direcção do Governo, a actividade administrativa» ([45]). O interesse prático maior desta figura reside na possibilidade de separar o Estado das outras pessoas colectivas públicas que integram a Administração. Assim, «não se confunde o Estado com as regiões autónomas, nem com as autarquias locais, nem com as associações públicas, nem sequer com os institutos públicos e empresas públicas, apesar de mais intimamente conexos com ele: todos constituem entidades distintas, cada qual com a sua personalidade jurídica, com o seu património próprio, com os seus direitos e obrigações, com as suas atribuições e competências, com as suas finanças, com o seu pessoal, etc.» ([46]). O Estado não se confunde, pois, com as empresas públicas, quer estas assumam a natureza de empresa individual ou unissocietária, quer numa feição mais actual, assumam uma nova forma de organização da empresa, a empresa de grupo ou empresa plurissocietária. Com nota José Engrácia Antunes, no quadro de um sistema económico caracterizado pela globalização, a empresa de grupo ou empresa plurissocietária tornou-se na forma por excelência de organização da grande empresa dos nossos dias. Compreende «todo o conjunto de sociedades comerciais que, conservando embora as respectivas personalidades jurídicas próprias e distintas se encontram subordinadas a uma direcção económica unitária e comum, exercida por uma dessas sociedades (dita sociedade-mãe) sobre as restantes (ditas sociedades-filhas)» ([47]). A estrutura fundamental da empresa de grupo assenta, por um lado, na independência jurídico-formal das sociedades agrupadas e, por outro, na unidade de direcção económica. É nesta tensão ou clivagem entre a unidade económica do todo e a pluralidade jurídica das partes que reside a especificidade da empresa de grupo e é da combinação sinergética destes elementos que resultam as diversas vantagens económicas, organizativas e jurídicas que explicam o sucesso deste modelo organizativo ([48]). 11.2. As empresas públicas, enquanto sociedades constituídas nos termos da lei comercial, regem-se, em princípio, pelo direito privado (artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 558/99), mormente pelo regime geral das sociedades comerciais, sem prejuízo da existência de derrogações a este regime ([49]). Os direitos do Estado como accionista são exercidos através da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, sob a direcção do Ministro das Finanças, que pode delegar, em conformidade com as orientações de gestão previstas no diploma (artigo 10.º, n.º 1). O Decreto-Lei n.º 558/99 prevê três níveis de orientações de gestão para o SEE: orientações estratégicas para a globalidade do sector, através de resolução do Conselho de Ministros; orientações gerais, definidas através de despacho conjunto do Ministro das Finanças e do ministro responsável pelo sector e destinadas a um conjunto de empresas públicas no mesmo sector de actividade; e orientações específicas, definidas através de despacho conjunto do Ministro das Finanças e do ministro responsável pelo sector ou de deliberação accionista, consoante se trate de entidade pública empresarial ou de sociedade, respectivamente, e destinadas individualmente a uma empresa pública (artigo 11.º, n.os 1 e 2). As orientações de gestão reflectem-se nas deliberações a tomar em assembleia geral pelos representantes públicos ou, tratando-se de entidades públicas empresariais, na preparação e aprovação dos respectivos planos de actividades e de investimento, bem como nos contratos de gestão a celebrar com os gestores públicos (artigo 11.º, n.º 3). A existência de um sector empresarial do Estado constituído pelo conjunto das unidades produtivas do Estado, organizadas e geridas de forma empresarial, integrando as empresas públicas e as empresas participadas (artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro), suscita a questão da aplicabilidade, no seu âmbito, do regime jurídico das sociedades coligadas, previsto no título VI do Código das Sociedades Comerciais (artigos 481.º e ss.) ([50]). Engrácia Antunes, não obstante reconhecer a complexidade da questão, inclina-se para uma solução afirmativa: com efeito, «encontrando-‑se as entidades detentoras do domínio ou da participação constituídas sob a forma de sociedade anónima (subordinadas subsidiariamente às normas aplicáveis às sociedades deste tipo […]) (-), dir-se-ia que, sempre que as empresas controladas ou participadas revistam, elas próprias, a natureza de sociedades anónimas, por quotas ou comanditárias por acções (o que será o caso normal), se encontrará preenchido o pressuposto de forma jurídico-‑societária requerido pelo art. 481.º, n.º 1, do CSC relativamente a todos os sujeitos da relação de coligação» ([51]). 11.3. O n.º 4 do artigo 20.º do EGP tem subjacente a existência, no sector empresarial do Estado, de uma determinada forma de organização da empresa, a empresa de grupo ou empresa plurissocietária ([52]). A relação pressuposta no n.º 4 do artigo 20.º EGP é uma relação entre empresas públicas pertencentes a um mesmo grupo económico, uma relação entre as sociedades coligadas; é uma relação entre a empresa mãe do grupo económico e as empresas filhas ou uma relação, ainda dentro do grupo, entre estas últimas. É nestas situações que a lei admite ser cumulável com o exercício de funções executivas numa certa empresa o exercício de funções na empresa mãe ou em outras relativamente às quais a empresa em causa ou a sua empresa mãe exerçam directa ou indirectamente influência dominante, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro. Todavia, na relação pressuposta no n.º 4 do artigo 20.º do EGP não entra o próprio Estado, enquanto pessoa colectiva de direito público, enquanto pessoa jurídica distinta das demais pessoas colectivas públicas que integram a Administração, designadamente as empresas públicas. O Estado exerce, nos termos da lei, os direitos inerentes à função accionista, mas o próprio Estado, enquanto tal, não faz parte integrante de cada um dos grupos económicos existentes no seu sector empresarial. Esta asserção resulta da letra da lei, da razão de ser da disposição em causa, e de elemento sistemático extraído do Estatuto do Gestor Público. O n.º 4 do artigo 20.º não admite, na sua literalidade, que o Estado possa ser considerado no mesmo plano em que se encontram a empresa mãe e as empresas filhas que integram um determinado grupo económico. Idêntica conclusão resulta da teleologia da norma: residindo esta no aproveitamento das vantagens económicas, organizativas e jurídicas do modelo de organização adoptado, há-de reconhecer-se que o Estado em si mesmo, directa e imediatamente, não participa na criação das vantagens nem beneficia das sinergias e economias geradas. A mesma ideia de separação entre o Estado e as empresas é acentuada, a nível sistemático, no Estatuto do Gestor Público, quando o n.º 1 do artigo 22.º prescreve que é incompatível com a função de gestor público «o exercício de cargos de direcção da administração directa ou indirecta do Estado, ou das autoridades reguladoras independentes, sem prejuízo do exercício de funções em regime de inerência». Perante o exposto, o Estado, enquanto pessoa colectiva de direito público, não faz parte da relação pressuposta no n.º 4 do artigo 20.º do EGP, pelo que não pode ser considerado como empresa mãe para efeitos de admissibilidade de cumulação do exercício de funções em órgãos de gestão ou administração de empresas públicas. 12 É no enquadramento acabado de referir que importa, na perspectiva do município e do sector empresarial local, retomar a resposta à última questão. O raciocínio desenvolvido acerca das relações entre o Estado e as empresas públicas que integram o seu sector empresarial é, mutatis mutandis, transponível para o domínio das relações entre o município e as empresas que integram o sector empresarial local, constante da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro. 12.1. As empresas municipais são sociedades constituídas nos termos da lei comercial nas quais os municípios podem exercer, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude (i) da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto ou (ii) do direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de administração ou de fiscalização (artigo 3.º da Lei n.º 53-F/2006) ([53]). A gestão das empresas municipais deve articular-se com os objectivos prosseguidos pelo município respectivo, visando a satisfação das necessidades de interesse geral, a promoção do desenvolvimento local e a exploração eficiente de concessões, assegurando a sua viabilidade económica e equilíbrio financeiro (artigo 7.º). A função accionista do município em relação às empresas municipais é exercida através da câmara municipal, a quem compete aprovar orientações estratégicas a definir os objectivos a prosseguir, as quais se devem reflectir nas orientações anuais definidas em assembleia geral e nos contratos de gestão a celebrar com os gestores (cf. artigo 16.º). A aplicação subsidiária do EGP aos órgãos de gestão das empresas municipais, designadamente em matéria de incompatibilidades, há-de fazer-‑se, com as adaptações inerentes à subsidiariedade, nos termos atrás enunciados para os órgãos de gestão e administração das empresas públicas. A aplicação subsidiária de um regime ou norma jurídica filia-se numa norma remissiva (ou indirecta), mediante a qual o legislador, em vez de regular directamente a matéria em causa, manda-lhe aplicar outras normas do sistema jurídico. Justamente porque não se regula directamente a nova matéria e porque não existe uma total sobreposição entre esta e a matéria regulada, a função integradora subsidiária tem implícita a necessidade de o intérprete fazer adaptações e estabelecer correspondências. Há uma primeira correspondência a fazer quando se pretenda aplicar aos órgãos de gestão das empresas municipais o estatuto do gestor das empresas públicas: as empresas municipais (reguladas na Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro) correspondem às empresas públicas (reguladas no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro). Do mesmo modo, o município e o Estado assumem e desempenham no âmbito dos respectivos sectores empresariais funções e competências homólogas. Tal como acontece em relação ao Estado e ao respectivo sector empresarial, a aplicação ao sector empresarial local do disposto no n.º 4 do artigo 20.º do EGP pressupõe que um município tenha várias empresas municipais e que estas se encontrem entre si numa relação de grupo económico, nos termos atrás definidos. Quando tal suceder é cumulável com o exercício de funções executivas em empresa municipal o exercício de funções na empresa mãe ou em outras relativamente às quais a própria empresa ou a sua empresa mãe exerçam directa ou indirectamente influência dominante nos termos do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro. Mas também aqui, tal como sucede com o SEE, ainda que as empresas municipais se encontrem numa relação de empresa de grupo, o município, ele próprio, não faz parte do grupo, isto é, a relação pressuposta no n.º 4 do artigo 20.º do EGP também não abrange o município, enquanto pessoa colectiva de direito público, enquanto pessoa jurídica distinta das empresas municipais, sociedades de direito privado constituídas nos termos da lei comercial. Continuam a convergir neste sentido, o teor literal daquela disposição, a sua teleologia e a consideração do factor sistemático (contexto da lei) resultante do n.º 1 do artigo 22.º do EGP. Em conclusão, o Estado, em relação às empresas públicas, e o município, em relação às empresas municipais, não podem, no âmbito do regime de incompatibilidades dos titulares dos órgãos de gestão ou administração, ser considerados como empresa mãe, para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 20.º do Estatuto do Gestor Público. 12.2. Resta apreciar os argumentos utilizados no parecer a que aludimos de início ([54]) e no qual se sustenta a equiparação entre o município e as empresas municipais para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 20.º do EGP. No parecer defende-se a «interpretação extensiva do conceito de “empresa mãe” de forma a abranger os municípios relativamente às suas próprias empresas»; «tal interpretação traduz uma daquelas necessárias adaptações que tem de sofrer qualquer norma jurídica quando é aplicada a um contexto diverso daquele para que foi originariamente concebida, como sucede aqui com a aplicação (subsidiária) do Estatuto do Gestor Público aos gestores das empresas municipais»; «se não se aceitar o alargamento do conceito de empresa mãe ao próprio município, a 2.ª parte do n.º 4 do artigo 20.º do Estatuto do Gestor Público ficará praticamente sem objecto, pois dificilmente se encontrará um gestor que exerça funções em duas empresas controladas indirectamente pelo município e directamente por uma empresa municipal». Assim – conclui-se – «existem fortes motivos para equiparar o município a uma empresa mãe relativamente às empresas por si criadas e, consequentemente, admitir o exercício em acumulação de cargos de gestão executiva numa ou várias empresas, ao abrigo da norma do n.º 4 do art. 20.º do Estatuto do Gestor Público». Não consideramos que assim seja. A interpretação extensiva «assume normalmente a forma de extensão teleológica: a própria razão de ser da lei postula a aplicação a casos que não são directamente abrangidos pela letra da lei mas são abrangidos pela finalidade da mesma»; os argumentos usados pelo jurista para fundamentar a interpretação extensiva são o argumento de identidade de razão (onde a razão de decidir seja a mesma, a mesma deve ser a decisão) e o argumento de maioria de razão (se a lei explicitamente contempla certas situações, para que estabelece um dado regime, há-de forçosamente pretender abranger também outra ou outras que, com mais fortes motivos, exigem ou justificam aquele regime) ([55]). A analogia, por sua vez, constitui um modo de integração de lacunas do sistema jurídico (artigo 10.º do Código Civil). A teleologia subjacente ao n.º 4 do artigo 20.º do EGP – um estatuto norteado pelo propósito de apertar o regime de incompatibilidades e de comprimir a possibilidade de acumulação de funções – reside no aproveitamento das vantagens e sinergias geradas por um determinado modelo organizativo da empresa, a empresa de grupo. Quando no regime do EGP se pretende incluir o município no conceito de empresa mãe, este intento não cabe, directa ou indirectamente, na letra da lei, nem é abrangido pelo seu espírito. Um tal resultado interpretativo extravasa, por isso, a interpretação extensiva e apenas pode ser alcançado mediante o recurso à analogia. Sucede que o recurso à analogia nem sempre é possível. E não o é, para além das situações em que não existe lacuna, naqueles casos em que a própria lei o proíbe, como acontece quando estão em causa normas excepcionais (artigo 11.º do Código Civil). A norma do n.º 4 do artigo 20.º do EGP tem carácter excepcional em relação ao regime regra previsto no n.º 2 do mesmo artigo, segundo o qual o exercício de funções executivas tem lugar em regime de exclusividade. Não é, portanto, susceptível de ser aplicada por analogia. Na prática, porém, deve reconhecer-se que, apesar da disseminação das empresas municipais, estas, nos municípios onde existem, podem não ter condições (pela dimensão ou pela quantidade, por ex.) de estabelecerem entre si relações subsumíveis ao regime jurídico das sociedades coligadas. Contudo, esta circunstância de facto não justifica que o intérprete, com violação das regras da interpretação jurídica, se sinta na obrigação de procurar espaço de aplicação para o n.º 4 do artigo 20.º do EGP em relação às empresas municipais. O reduzido espaço de aplicação desta disposição legal ao sector empresarial local será justamente uma consequência da aplicação subsidiária, aqui num dos seus limites, traduzido na não aplicação a um universo reduzido de empresas de uma norma cujo fundamento material assenta na existência de múltiplas empresas e na sua organização e estruturação em grupos económicos. 13 Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões: 1.ª – Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 47.º, n.º 4, da Lei n.º 53-F/2006, 29 de Dezembro, e 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março, o Estatuto do Gestor Público aprovado por este decreto-lei aplica-se subsidiariamente aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes do sector empresarial local; 2.ª – O Estatuto do Gestor Público aplica-se aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes do sector empresarial local, seja qual for o respectivo processo de designação (nomeação ou eleição); 3.ª – A aplicação subsidiária do Estatuto do Gestor Público aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes do sector empresarial local abrange a matéria relativa a incompatibilidades e impedimentos constante dos seus artigos 20.º a 22.º; 4.ª – As autarquias locais não podem deixar de respeitar as disposições imperativas do Estatuto do Gestor Público aplicáveis aos titulares dos órgãos de gestão das empresas municipais; 5.ª – O conceito de empresa mãe presente no artigo 16.º e no n.º 4 do artigo 20.º do Estatuto do Gestor Público, tal como o de empresa ou sociedade filha, devem ser interpretados com referência ao grupo económico (empresa de grupo ou sociedades coligadas) a que uma e outras pertencem; 6.ª – O Estado, em relação às empresas públicas, e o município, em relação às empresas municipais, não são, no âmbito do regime de incompatibilidades dos titulares dos órgãos de gestão ou administração, considerados como empresa mãe, para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 20.º do Estatuto do Gestor Público. ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2009. Fernando José Matos Pinto Monteiro – Alberto Esteves Remédio (Relator) – João Manuel da Silva Miguel – Maria de Fátima da Graça Carvalho – Manuel Pereira Augusto de Matos – José Luís Paquim Pereira Coutinho – Fernando Bento – António Leones Dantas – Maria Manuela Flores Ferreira – José David Pimentel Marcos. ([1]) Informações n.º 12/08/PM, de 13 de Novembro de 2008, e n.º 11/09/T, de 15 de Setembro de 2009, ambas elaboradas no Proc.º n.º 281/06 (Divisão de Apoio Jurídico), objecto de distribuição para parecer do Conselho Consultivo por despacho de 21 de Outubro de 2009. ([2]) As questões, formuladas em termos abstractos, têm subjacente uma situação concreta, traduzida na acumulação, por gestor local, de cargos em duas empresas municipais em que o Município do (...) detém a totalidade do capital social: vice-presidente executivo do Conselho de Administração da (...); e vice-presidente não executivo do Conselho de Administração da (...). Os serviços da Procuradoria-Geral da República consideram que estamos perante «uma situação de incompatibilidade legal, face ao disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 20.º do EGP [Estatuto do Gestor Público]». O visado, com o apoio de parecer jurídico de 27 de Junho de 2008, subscrito por Luís Fábrica, sustenta que os dois cargos são compatíveis entre si. ([3]) Não publicado, mas disponível em www.dgsi.pt. ([4]) Cf., de entre os mais recentes e para além do Parecer n.º 99/2006, os Pareceres n.os 54/90, de 11 de Outubro de 1990 (Diário da República, 2.ª série, n.º 161, de 16 de Julho de 1991), 62/93, de 14 de Janeiro de 1994, 83/93, de 10 de Maio de 1995, 2/97, de 10 de Abril de 1997 (DR, 2.ª série, n.º 283, de 9 de Dezembro de 1997), 77/2002, de 13 de Fevereiro de 2003 (DR, 2.ª série, n.º 228, de 2 de Outubro de 2003), 77/2002-C, de 1 de Abril de 2004 (DR, 2.ª série, n.º 153, de 1 de Julho de 2004), 24/2003, de 26 de Junho de 2003, 67/2003, de 6 de Maio de 2004, 65/2004, de 1 de Julho de 2004 (DR, 2.ª série, n.º 183, de 5 de Agosto de 2004), 71/2004, de 2 de Junho de 2005, e 69/2008, de 28 de Maio de 2009 (DR, 2.ª série, n.º 201, de 16 de Outubro de 2009). ([5]) Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9.ª edição (reimpressão), Almedina, Coimbra, p. 721. ([6]) Cf. João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, pp. 171-172, e Marcello Caetano, ob. cit., pp. 721-722. ([7]) V. Paulo Veiga e Moura, Função Pública. Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes, 1.º volume, 2.ª edição, Coimbra Editora, pp. 438-439. ([8]) Cf. Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, pp. 243-244. ([9]) Alterada pelas Leis n.os 39-B/94, de 27 de Dezembro (objecto da Rectificação n.º 2/95, DR, 1.ª série-A, de 15 de Abril de 1995), 28/95, de 18 de Agosto, 12/96, de 18 de Abril, 42/96, de 31 de Agosto, 12/98, de 24 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março (aprova o novo estatuto do gestor público), e pela Lei n.º 30/2008, de 10 de Julho (Estatuto do Representante da República nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira). ([10]) Sobre a evolução legislativa e o regime de incompatibilidades e impedimentos, v. Ana Paula Marçalo/José Manuel Meirim, Incompatibilidades e Impedimentos de Titulares de Altos Cargos Públicos e de Cargos de Direcção Superior, Coimbra Editora, 2007. ([11]) Porventura inadvertidamente foi retirada a epígrafe constante da versão originária do artigo 3.º (Titulares de altos cargos públicos), a qual não voltou a ser recuperada. ([12]) Redacção da Lei n.º 28/95 e da Lei n.º 12/98, de 24 de Fevereiro, esta última a eliminar a expressão «quanto aos autarcas a tempo parcial» com que terminava o n.º 1. ([13]) Aprova o novo estatuto do gestor público e revoga o Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro. ([14]) Cf. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª edição, com a colaboração de Luís Fábrica, Carla Amado Gomes e J. Pereira da Silva, Almedina, 2006, pp. 359-360. ([15]) Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, cit., pp. 419-420. Para maiores desenvolvimentos, v. Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 78 e ss. ([16]) A Constituição prevê ainda a possibilidade de criação de regiões administrativas (artigo 236.º, n.º 1). ([17]) Cf. o Parecer do Conselho Consultivo n.º 10/2003, de 15 de Maio de 2003 (DR, II série, n.º 181, de 7 de Agosto de 2003), e Maria José L. Castanheira Neves, Governo e Administração Local, Coimbra Editora, 2004, p. 299. ([18]) Cf. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, cit., pp. 419-420 e 595. ([19]) Alterada pelas Leis n.os 67-A/2007, de 31 de Dezembro, e 64-A/2008, de 31 de Dezembro. ([20]) O regime jurídico das empresas municipais, intermunicipais e regionais constava da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto. Os municípios, as associações de municípios e as regiões administrativas podiam criar empresas dotadas de capitais próprios, de âmbito municipal, intermunicipal e regional, para exploração de actividades de interesse público cujo objecto se contivesse no âmbito das respectivas atribuições. A classificação das empresas baseava-se, quer no seu âmbito territorial (empresas municipais, intermunicipais e regionais), quer na composição do capital estatutário (empresas públicas, de capitais públicos e de capitais maioritariamente públicos). Segundo Pacheco de Amorim (As Empresas Públicas no Direito Português – em especial as empresas municipais, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 49-50), eram os seguintes os traços mais marcantes do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 58/98: criação por deliberação da assembleia municipal (ou da assembleia geral da entidade intermunicipal) sob proposta da câmara (ou da administração da associação de municípios); circunscrição do objecto social bem como do escopo último ao âmbito das respectivas autarquias e à prossecução de fins de reconhecido interesse público, sempre dentro dos limites das atribuições e competências das autarquias; sujeição da respectiva actividade, em regra, ao direito privado e ao regime fiscal geral; estrita delimitação do exercício de poderes de autoridade (com consequente e excepcional sujeição ao regime de direito público); aplicação subsidiária do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro (regime jurídico do sector empresarial do Estado), e, em segunda linha, das normas aplicáveis às sociedades comerciais e do restante direito privado; sujeição das empresas públicas e de capitais públicos a fortes poderes de tutela e superintendência dos executivos camarários; sujeição ao regime jurídico das empreitadas de obras públicas e aos poderes de controlo financeiro sucessivo do Tribunal de Contas; limites da capacidade de endividamento do município aos empréstimos de médio e longo prazo contraídos apenas pelas empresas públicas municipais. ([21]) Diário da Assembleia da República, II série-A, n.º 1, de 16 de Setembro de 2006. Outros passos do procedimento legislativo: discussão na generalidade (DAR, I série, n.º 10, de 12 de Outubro de 2006); votação na generalidade (DAR, I série, n.º 11, de 13 de Outubro de 2006); Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território (DAR, II série-A, n.º 7, de 12 de Outubro de 2006); Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Orçamento e Finanças (DAR, II ‑série-A, n.º 8, de 14 de Outubro de 2006); Relatório da votação na especialidade e texto final da Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território (DAR, II série-A, n.º 17, de 16 de Novembro de 2006); na votação final global (DAR, I série, n.º 21, de 17 de Novembro de 2006), a proposta foi aprovada com votos a favor do PS e do CDS-‑PP, votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PSD, vindo a dar origem ao Decreto n.º 91/X (DAR, II série-A, de 11 de Dezembro de 2006). Os trabalhos parlamentares apresentam reduzido valor hermenêutico: por um lado, os relatórios das comissões limitam-se a acentuar aspectos de regime e a conformidade constitucional, legal e regimental da proposta; por outro, tendo esta sido objecto de discussão na generalidade em conjunto com a proposta de lei n.º 90/X (regime geral das taxas das autarquias locais) e com a proposta de lei n.º 92/X (lei das finanças locais), foi sobre esta última que se centrou o debate. A proposta de lei n.º 91/X foi objecto de alterações na discussão da especialidade, sendo a mais relevante, como veremos, relativa ao estatuto do gestor local, a que alude o artigo 47.º da Lei n.º 53-F/2006. ([22]) O regime jurídico do sector empresarial do Estado consta do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 300/2007, de 23 de Agosto, e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro. ([23]) Itálico acrescentado. ([24]) Dispunha: «Artigo 46.º 1 – É proibido o exercício simultâneo de funções a tempo inteiro ou parcial nas câmaras municipais e de funções executivas remuneradas nas empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas.Estatuto do gestor local 2 – A remuneração dos membros dos órgãos de administração das empresas referidas no artigo anterior estão limitadas ao índice remuneratório dos presidentes de câmara dos municípios de Lisboa e Porto.» ([25]) DAR, 2.ª série-A, n.º 1, de 16 de Setembro de 2006, p. 70. A mesma regra é realçada no Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território e no Relatório da Comissão de Orçamento e Finanças, identificados em nota anterior. ([26]) Alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro. ([27]) O Decreto-Lei n.º 71/2007 revogou o estatuto anterior, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 464/82, de 26 de Dezembro, cujos aspectos mais relevantes eram, no plano da consulta, os seguintes. O artigo 1.º considerava gestores públicos os indivíduos nomeados pelo Governo para os órgãos de gestão das empresas públicas ou para os órgãos das empresas em que a lei ou os respectivos estatutos conferissem ao Estado essa faculdade (n.º 1); não eram considerados gestores públicos os indivíduos designados, ainda que por nomeação do Governo, para o exercício de funções em conselhos gerais, comissões de fiscalização ou outros órgãos a que não coubessem funções de gestão, e bem assim os que houvessem sido designados em representação de interesses diversos dos do próprio Estado (n.º 2). O gestor público era nomeado e exonerado por despacho conjunto do Primeiro-Ministro, do Ministro das Finanças e do ministro da tutela, envolvendo a nomeação a atribuição de um mandato para o exercício de funções (artigo 2.º, n.os 1 e 2). O gestor público podia ser livremente exonerado pelas entidades que o haviam nomeado, sem prejuízo de, em certas condições, haver lugar a indemnização (artigo 6.º). As funções de gestor público, quando membro das comissões executivas, eram exercidas em regime de tempo inteiro, salvo se regime diverso houvesse sido autorizado expressamente por despacho conjunto do ministro da tutela e do Ministro das Finanças ou constasse do contrato do mandato de que resultava a prestação do serviço de gestor (artigo 10.º). Conforme o artigo 11.º, os gestores públicos ficavam impedidos de representação de interesses privados na administração de quaisquer empresas e da prestação de outros serviços em empresas concorrentes, fornecedoras, clientes ou por qualquer vínculo ligados àquelas de que fossem gestores, salvo por incumbência destas ou de entidades públicas (n.º 1); sem prejuízo do referido, em casos justificados podia ser autorizado pelo ministro da tutela ao gestor público o exercício de outras funções remuneradas ou não (n.º 2); era dispensada a autorização para o exercício de outras funções por parte de gestores públicos que não fossem membros de comissões executivas, sem prejuízo da sua sujeição ao disposto no n.º 1. ([28]) Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março, que aprova o EGP (itálicos acrescentados). ([29]) Supra, n.º 3. ([30]) Pedro Gonçalves, Regime Jurídico das Empresas Municipais, Almedina, 2007, p. 81. ([31]) J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 4.ª reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra 1997, p. 106. ([32]) Baptista Machado, Introdução ao Direito…, cit., p. 106. ([33]) O próprio Estatuto consagra no artigo 22.º, n.º 4, in fine, uma destas adaptações em relação aos sectores empresariais regionais e locais. ([34]) No ponto n.º 9 retomaremos a análise desta expressão. ([35]) Pedro Gonçalves, Regime Jurídico das Empresas Municipais, Almedina, 2007, p. 149. ([36]) Não é considerado gestor local quem seja eleito para a mesa da assembleia geral, comissão de fiscalização ou outro órgão a que não caibam funções de gestão ou administração (artigo 3.º do EGP). ([37]) Cf. Pedro Gonçalves, Regime Jurídico das Empresas Municipais, cit., p. 152. Quanto às entidades empresariais locais, a designação dos membros dos órgãos de administração é regulada pelos estatutos (artigo 38.º, n.º 3, da Lei n.º 53-F/2006). ([38]) Pedro Gonçalves, Regime Jurídico das Empresas Municipais, cit., p. 151. ([39]) Neste sentido, em termos gerais, Pedro Gonçalves, Regime Jurídico das Empresas Municipais, cit., pp. 153-156. ([40]) Neste sentido, cf., por último, o já referido Parecer do Conselho Consultivo n.º 99/2006, de 18 de Janeiro de 2007. ([41]) Sobre o alcance do operador linguístico «sem prejuízo de», v. Baptista Machado, Introdução ao Direito…, cit., p. 107 e nota. ([42]) Neste sentido, em termos gerais, Pedro Gonçalves, Regime Jurídico das Empresas Municipais, cit., pp. 149-150, nota. ([43]) Foi no uso desta faculdade que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou o Decreto Legislativo Regional n.º 12/2008/A, de 19 de Maio, que estabelece o Estatuto do Gestor Público Regional. Ao artigo 20.º do Estatuto do Gestor Público aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março, corresponde, com grande proximidade literal, o artigo 17.º do Decreto Legislativo Regional n.º 12/2008/A, cujo n.º 4 estipula: «4 – Sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 19.º [equivalente ao n.º 6 do artigo 22.º do EGP], é ainda cumulável com o exercício de funções executivas o exercício de funções na empresa mãe ou em outras relativamente às quais a própria empresa ou a sua empresa mãe exerçam directa ou indirectamente influência dominante nos termos referidos na parte final do n.º 1 do artigo 14.º do presente diploma.» ([44]) Para além das participações directas, o Estado detém um conjunto assinalável de participações indirectas, maioritariamente integradas em grupos económicos ou holdings como a Parpública – Participações Públicas, SGPS, S.A., a AdP – Águas de Portugal, S.A. ou a Caixa Geral de Depósitos, S.A. ([45]) Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª ed., cit., p. 220. ([46]) Diogo Freitas do Amaral, ob. cit., pp. 222-223 (realce acrescentado). ([47]) José Augusto Quelhas Lima Engrácia Antunes, “Os Poderes nos Grupos de Sociedades – O Papel dos Accionistas e dos Administradores na Formação e na Direcção da Empresa de Grupo”, em Problemas do Direito das Sociedades, Almedina, pp. 152-153; cf. também, do mesmo Autor, Os Grupos de Sociedades – Estrutura e Organização Jurídica da Empresa Plurissocietária, 2.ª edição, Almedina, p. 52. ([48]) Para mais desenvolvimentos, v. José Engrácia Antunes, “Os Poderes nos Grupos de Sociedades…”, cit., pp. 154-155. ([49]) Para algumas explicitações, v. António Carlos Santos/Maria Eduarda Gonçalves/Maria Manuel Leitão Marques, Direito Económico, 5.ª edição, Almedina, pp. 188-189. ([50]) Nos termos do Código das Sociedades Comerciais consideram-se sociedades coligadas as sociedades em relação de simples participação, as sociedades em relação de participações recíprocas, as sociedades em relação de domínio, e as sociedades em relação de grupo (artigo 482.º). Uma sociedade está em relação de simples participação com outra quando uma delas é titular de quotas ou acções da outra em montante igual ou superior a 10% do capital desta, mas entre ambas não existe nenhuma das outras relações previstas no artigo 482.º (artigo 483.º, n.º 1). Segundo o artigo 486.º, duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham certos requisitos, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante (n.º 1); presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente, detém uma participação maioritária no capital, dispõe de mais de metade dos votos ou tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização [n.º 2, alíneas a), b), c)]. Às sociedades em relação de grupo reportam-se os artigos 488.º a 508.º A lei prevê, neste caso, as situações de domínio total, inicial ou superveniente (artigos 488.º e 489.º), de contrato de grupo paritário (artigo 492.º) e de contrato de subordinação (artigo 493.º). ([51]) José Engrácia Antunes, Os Grupos de Sociedades – Estrutura e Organização Jurídica da Empresa Plurissocietária, cit., pp. 299-300. ([52]) O mesmo sucede com o artigo 16.º do EGP, onde se prevê que, para o exercício das funções de gestor, «podem ser designados, em regime de comissão de serviço, trabalhadores da própria empresa, da empresa mãe, ou de outras relativamente às quais aquela ou a sua empresa mãe exerçam directa ou indirectamente influência dominante nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro». ([53]) Abstraímos das entidades com natureza empresarial a que se referem o artigo 3.º, n.º 2, e o capítulo VII da mesma lei. ([54]) Supra, nota 2. ([55]) Baptista Machado, Introdução ao Direito…, cit., pp. 185-186. |