Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003049
Parecer: P000162009
Nº do Documento: PPA28052009001600
Descritores: ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
ASSEMBLEIA REGIONAL DA MADEIRA
DEPUTADO REGIONAL
PROCESSO PENAL
AUDIÇÃO
AUTORIZAÇÃO PARLAMENTAR
PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO
INQUÉRITO
SEGREDO DE JUSTIÇA
MEIOS DE PROVA
ARGUIDO
INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
DIREITOS DE DEFESA DO ARGUIDO
IMUNIDADE PARLAMENTAR
ESTATUTO DOS DEPUTADOS
IRRESPONSABILIDADE PARLAMENTAR
INVIOLABILIDADE PARLAMENTAR
ESTATUTO POLÍTICO-ADMINISTRATIVO
RESOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA REGIONAL
ACTO POLÍTICO
PUBLICIDADE DO PROCESSO
FORTES INDÍCIOS
ACTO IMPUGNÁVEL
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE
PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DE PRESCRIÇÃO
Livro: 00
Numero Oficio: 122/09
Data Oficio: 03/13/2009
Pedido: 03/16/2009
Data de Distribuição: 04/27/2009
Relator: ESTEVES REMÉDIO
Sessões: 01
Data da Votação: 05/28/2009
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: RAM
Entidades do Departamento 1: GAB DA PRESIDÊNCIA DO GOVERNO REGIONAL DA MADEIRA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 06/16/2009
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 07-07-2009
Nº do Jornal Oficial: 129
Nº da Página do Jornal Oficial: 26472
Indicação 3: ASSESSOR: SUSANA PIRES
Conclusões:
1.ª – Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la (artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Penal);

2.ª – Um deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira não pode ser ouvido como arguido sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização quando houver fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos (artigo 23.º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira);

3.ª – A autorização é solicitada pelo juiz competente ao Presidente da Assembleia Legislativa em documento que deve conter:
a) a natureza e qualificação jurídica da infracção;
b) a afirmação expressa da existência de fortes indícios da prática pelo Deputado regional de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;
c) a data da prática do crime;
d) a indicação sucinta do facto e das circunstâncias da infracção;

4.ª – O juízo sobre a suficiência dos elementos referidos na conclusão anterior, designadamente sobre a existência de fortes indícios da prática do crime, cabe às autoridades judiciárias competentes e não é sindicável pela Assembleia Legislativa;

5.ª – A deliberação da Assembleia Legislativa que aprecia o pedido de autorização para um deputado regional ser ouvido como arguido reveste a natureza de acto político;

6.ª – A autorização referida nas conclusões 2.ª e 5.ª constitui uma condição de procedibilidade, pelo que a sua recusa, mesmo nos casos em que é obrigatória a decisão de autorização, obsta ao prosseguimento do processo;

7.ª – O pedido de autorização dirigido pelo juiz competente ao Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira determina, a partir da sua entrada na Assembleia Legislativa, a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, mantendo-se a suspensão caso a Assembleia delibere pelo não levantamento da imunidade e enquanto ao visado assistir tal prerrogativa [artigos 120.º, n.º 1, alínea a), 1.ª parte, do Código Penal, 11.º, n.º 7, do Estatuto dos Deputados, aprovado pela Lei n.º 7/93, de 1 de Março, e 10.º do Código Civil].

Texto Integral:





Senhor Procurador-Geral da República,
Excelência:

1

Face a divergências entre a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e o Tribunal Judicial do Funchal, dignou-se Vossa Excelência determinar ([1]), na sequência de expediente enviado pelo Representante da República na Região Autónoma da Madeira, a emissão de parecer urgente do Conselho Consultivo, cujo objecto se prende com a interpretação que, no âmbito do levantamento (ou não) de imunidade parlamentar, deve ser dada ao disposto nos n.os 2 e 6 do artigo 23.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira ([2]).

Não se enunciam questões concretas, mas resulta do expediente ([3]) que se pretende saber:

– por um lado, que elementos devem ou podem, num processo em segredo de justiça, ser transmitidos à Assembleia Legislativa para que esta se pronuncie sobre o pedido de autorização para um seu Deputado ser ouvido como arguido;
– por outro, quais as consequências de uma pronúncia negativa por parte da Assembleia, sendo certo que se trata de situação em que é obrigatória a decisão de autorização ([4]).

Cumpre emitir parecer ([5]).

2

Para enquadramento do objecto do parecer, importa tecer algumas considerações sobre o inquérito e a sua tramitação ([6]).

2.1. Adquirida notícia de um crime, por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia (obrigatória ou facultativa), o Ministério Público, verificados os pressupostos de legitimidade, deve abrir inquérito – artigos 241.º e ss. e 262.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP).

O inquérito constitui a primeira fase do processo penal e compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação (artigo 262.º, n.º 1, do CPP).

A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal (artigo 263.º, n.º 1, do CPP).

No sistema do Código de Processo Penal, o inquérito constitui uma fase decisiva do processo penal. Não constitui uma fase preparatória da abertura do processo, mas uma fase própria do processo penal, iniciada e dirigida pelo Ministério Público, normativamente regulada nos seus momentos essenciais e nos respectivos actos, termos e formas.

No complexo de actos que integram a fase do inquérito, o Ministério Público, coordenando, dirigindo, executando ou requerendo, leva a cabo vários actos e tarefas, todos pré-ordenados à finalidade do processo, o exercício da acção penal, entendida esta noção com o significado de decisão fundamentada de encerramento do inquérito: decisão de arquivamento ou de dedução de acusação ([7]).

Conforme o artigo 277.º do CPP, o Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito, logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento (n.º 1); o inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes (n.º 2).

Se durante o inquérito – estabelece o artigo 283.º do CPP – tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra aquele (n.º 1); consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança (n.º 2).

O inquérito compreende, pois, o conjunto de diligências necessárias à averiguação da existência de um crime, à descoberta dos seus autores e determinação da sua responsabilidade, integrando, por isso, tanto a investigação, como a guarda, conservação e documentação das provas.

2.2. Os meios de prova admitidos estão definidos na lei ([8]). Entre eles figuram as declarações do arguido (artigos 140.º a 144.º do CPP).

De entre os participantes processuais aos quais são atribuídos papéis diversificados e cujos actos ou impulsos determinam o andamento do processo, a lei ([9]) e a doutrina autonomizam a categoria dos sujeitos do processo, intervenientes processuais que não se limitam à prática ou à intervenção em actos singulares cujo conteúdo se esgota na própria actividade, mas aos quais pertencem «direitos (…) autónomos de conformação da concreta tramitação do processo como um todo, em vista da sua decisão final» ([10]).

O arguido é um dos sujeitos do processo com uma dimensão estatutária própria.

Assume a qualidade de arguido toda a pessoa contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal, conservando-se tal qualidade durante todo o processo (artigo 57.º do CPP).

A caracterização essencial do estatuto do arguido no processo penal consta do artigo 60.º do CPP: desde o momento em que uma pessoa adquire a qualidade de arguido é-lhe assegurado o exercício de direitos e deveres processuais, sem prejuízo da aplicação de medidas de coacção e garantia patrimonial e da efectivação de diligências probatórias, nos termos especificados na lei.

Ao conferir ao arguido a posição de sujeito do processo (com a consequente atribuição de direitos de co-determinação ou de conformação final do processo), o Código de Processo Penal assume e desenvolve as referências constitucionais, dando-lhes efectividade e consistência – o direito de defesa e o direito à presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 32.º, n.os 1 e 2, da Constituição), como direitos fundamentais simultaneamente de natureza pessoal e processual ([11]).

Reveste, por isso, importância a determinação normativa do momento e dos modos por que se assume, adquire ou reclama a qualidade processual de arguido. É o que, na terminologia da lei de processo, se designa por constituição de arguido (artigo 58.º).

O Código de Processo Penal (artigos 58.º e 59.º) rodeia de cuidado formal a constituição de arguido, determinando com rigor quer o momento e o modo de obtenção do estatuto, quer a obrigatoriedade para as autoridades judiciárias e para os órgãos de polícia criminal de explicitarem os direitos e os deveres inerentes a essa qualidade.

A constituição como sujeito processual constitui o pólo fundamental da qualidade de arguido, dela derivando, para a pessoa em causa, o exercício dos direitos e a imposição dos deveres processuais que lhe são próprios (artigo 61.º do CPP).

Por isso assume «grande importância o momento da constituição de arguido, pois que o retardamento dessa constituição pode significar a frustração de direitos de defesa que a lei pretendeu assegurar» ([12]). A constituição de arguido é um acto fundamental (com um preciso conteúdo material e uma forma autónoma) para o exercício do direito de defesa ([13]).

2.3. A aquisição de qualidade processual de arguido determina a atribuição de um complexo de direitos e a sujeição a determinados deveres processuais.

O n.º 1 do artigo 61.º do CPP enumera, entre os primeiros, os direitos de presença em actos processuais; de audiência (ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que deva ser tomada decisão que o possa afectar) ([14]); de silêncio sobre a imputação dos factos; de escolher ou solicitar a nomeação de defensor e de ser por este assistido; de intervenção no inquérito e instrução, oferecendo provas e requerendo diligências; de informação e de recurso.

O arguido goza de tais direitos em qualquer fase do processo.

O elenco dos direitos estatutários do arguido reconduz-se afinal à concretização instrumental no processo do direito fundamental a todas as garantias de defesa. Procura-se, deste modo, alcançar a concretização de um consistente direito de defesa, dando-se ao arguido «uma real possibilidade de influenciar a decisão final, através da sua concepção própria tanto sobre a questão-de-facto como sobre as questões-de-direito que no processo se discutem» ([15]).

No exercício do direito de audiência o arguido pronuncia-se sobre os factos que lhe são imputados através das declarações que entenda dever prestar. Esta intervenção constitui um relevante elemento ou instrumento do direito de defesa, pois permite ao arguido apresentar, desde logo, quer esclarecimentos eficazes, precisos e verosímeis, quer elementos de prova que permitam afastar a indiciação da sua responsabilidade.

Às declarações (interrogatório) do arguido referem-se os artigos 140.º a 144.º do CPP, integrados, como se disse, nas disposições respeitantes aos meios de prova.

As regras gerais relativas às declarações do arguido, conjugadas com as normas próprias do seu estatuto, revelam a dupla natureza que as mesmas revestem no processo: por um lado, oferecem ao arguido a possibilidade de exercer o seu direito de defesa, por outro, constituem um meio de prova ([16]).

O arguido pode esclarecer a sua posição perante os factos, fornecendo os elementos que entender convenientes para se defender das imputações que lhe são feitas. Mas, em vez disso, pode optar pelo exercício do direito ao silêncio, não respondendo – em qualquer fase do processo [artigos 61.º, n.º 1, alínea d), e 343.º, n.º 1, do CPP] – a perguntas que lhe sejam feitas sobre os factos que lhe são imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar, sem que o seu silêncio o possa desfavorecer ou ser interpretado como presunção de culpa ([17]).

O interrogatório do arguido constitui um acto essencial do inquérito, cuja imposição está consagrada no artigo 272.º do CPP:


«Artigo 272.º
Primeiro interrogatório e comunicações ao arguido

1 – Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la.
2 – ……………………………………………………………….
3 – ……………………………………………………………….
4 – …..…………………………………………………………..»

O interrogatório como arguido de pessoa contra quem corre o inquérito constitui, pois, uma diligência processual de carácter obrigatório, salvo se não for possível notificá-la.

E a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal ([18]).

3

A circunstância de, na situação que motivou a consulta, o visado ter a qualidade de Deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira introduz, no processo penal, particularidades decorrentes do regime das imunidades parlamentares.

As imunidades parlamentares são prerrogativas conferidas aos deputados com vista a assegurar-lhes a protecção e independência necessárias ao exercício das suas funções ([19]).

As imunidades visam, em última análise, preservar dignidade e a independência do parlamento perante os outros órgãos do Estado ou quaisquer autoridades. Existem para defender os deputados de acções ou omissões provindas do exterior e descrevem-se negativamente através da subtracção dos actos por eles praticados ao juízo ou procedimento a que, porventura, estariam sujeitos se de outras pessoas se tratasse ([20]).

No seio das imunidades parlamentares é possível distinguir as situações de irresponsabilidade das de inviolabilidade (também designadas, respectivamente, imunidades penais substanciais e imunidades penais processuais ou imunidades em sentido estrito) ([21]).

A irresponsabilidade parlamentar significa que os deputados não incorrem em responsabilidade criminal, civil e disciplinar por causa dos votos e opiniões que emitam no exercício das suas funções. Reveste carácter absoluto, permanente e perpétuo, ficando os deputados libertos, para sempre, das acções civis, penais e administrativas que, em virtude de votos ou opiniões expressos no exercício das suas funções, pudessem contra eles ser dirigidas ([22]).

A inviolabilidade ou imunidade em sentido estrito traduz-se na não sujeição dos deputados a detenção, prisão, mera audição (como declarante ou como arguido) ou julgamento por quaisquer outros actos, salvo nos casos especificados na Constituição ou na lei e com as formalidades nelas previstas.

O fundamento das imunidades reside na necessidade de protecção do parlamento e, reflexamente, do deputado, face à eventual utilização da via penal com o propósito de perturbar o funcionamento da assembleia ou alterar a composição resultante da vontade popular ([23]).

Esse fundamento – dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, em relação à Assembleia da República (AR) – acha-se, no essencial, «em duas razões: (a) defender o deputado contra qualquer perseguição ou intimidação das autoridades, garantindo assim a sua liberdade física, moral e política; (b) impedir que outros órgãos do Estado possam influir sobre a composição da AR, através da prisão de deputados» ([24]).

Assim, a imunidade não consiste em isentar o deputado da possibilidade de ser detido, preso, ouvido ou julgado, mas apenas proibir que o seja sem autorização da assembleia, que, deste modo, poderá «verificar se no caso há algum indício de que se verificam as razões que justificam estas imunidades», a defesa do deputado contra perseguição ou intimidação e a preservação da composição da assembleia ([25]).

Ao contrário da irresponsabilidade parlamentar, a imunidade em sentido estrito apresenta um carácter limitado, provisório e temporário – é válida apenas para as acções de natureza penal e estende-se tão-só pelo período de duração do mandato.

4

Reside na Constituição da República Portuguesa a matriz das imunidades parlamentares (tal como dos direitos e regalias de que gozam os Deputados).

4.1. Na versão originária da Constituição, regia sobre a matéria o artigo 160.º:
«Artigo 160.º
(Imunidades)

1. Os Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.
2. Nenhum Deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime punível com pena maior e em flagrante delito.
3. Movido procedimento criminal contra algum Deputado e indiciado este por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior, a Assembleia decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso, para efeito de seguimento do processo.»

Na 1.ª revisão constitucional (1982) aditou-se, no n.º 3, o advérbio «definitivamente» a seguir à expressão «e indiciado este».

Na 2.ª revisão constitucional (1989) o texto do artigo foi objecto de adaptações em resultado das reformas operadas no Código Penal e no Código de Processo Penal: no n.º 2, em vez de «pena maior», passou a falar-se em «pena de prisão superior a três anos», e no n.º 3 a expressão «e indiciado este definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior» foi substituída por «e acusado este definitivamente, salvo no caso de crime punível com a pena referida no número anterior».

Dispunha então o artigo 14.º do Estatuto dos Deputados ([26]) que os Deputados não podiam, sem autorização da Assembleia da República, ser jurados, peritos ou testemunhas nem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos, excepto, neste último caso, quando presos em flagrante delito ou quando suspeitos de crime a que correspondesse pena superior a três anos (n.º 1); a autorização ou a recusa eram precedidas de audição do Deputado (n.º 2).

4.2. Na 4.ª revisão constitucional (1997) as alterações foram mais significativas, tendo sido conferida ao agora artigo 157.º a sua actual redacção:
«Artigo 157.º
(Imunidades)

1. Os Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.
2. Os Deputados não podem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização, no segundo caso, quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos.
3. Nenhum Deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime doloso a que corresponda a pena de prisão referida no número anterior e em flagrante delito.
4. Movido procedimento criminal contra algum Deputado, e acusado este definitivamente, a Assembleia decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo, sendo obrigatória a decisão de suspensão quando se trate de crime do tipo referido nos números anteriores.»

Na versão vigente, o Estatuto dos Deputados ([27]) continua a distinguir a irresponsabilidade da inviolabilidade: à primeira dedica o artigo 10.º (que reproduz o n.º 1 do artigo 157.º da Constituição); à segunda consagra o artigo subsequente, que repete e desenvolve outras normas deste artigo 157.º:
Artigo 11.º
Inviolabilidade

1 – Nenhum Deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos e em flagrante delito.
2 – Os Deputados não podem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização, no segundo caso, quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 3 anos.
3 – Movido procedimento criminal contra um Deputado e acusado este definitivamente, a Assembleia decide, no prazo fixado no Regimento, se o Deputado deve ou não ser suspenso para efeito do seguimento do processo, nos termos seguintes:
a) A suspensão é obrigatória quando se tratar de crime do tipo referido no n.º 1;
b) A Assembleia pode limitar a suspensão do Deputado ao tempo que considerar mais adequado, segundo as circunstâncias, ao exercício do mandato e ao andamento do processo criminal.
4 – ……………………………………………………………….
5 – O pedido de autorização a que se referem os números anteriores é apresentado pelo juiz competente em documento dirigido ao Presidente da Assembleia da República e não caduca com o fim da legislatura, se o Deputado for eleito para novo mandato.
6 – As decisões a que se refere o presente artigo são tomadas pelo Plenário, precedendo audição do Deputado e parecer da comissão competente.
7 – O prazo de prescrição do procedimento criminal suspende-se a partir da entrada, na Assembleia da República, do pedido de autorização formulado pelo juiz competente, nos termos e para os efeitos decorrentes da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal, mantendo-se a suspensão daquele prazo caso a Assembleia delibere pelo não levantamento da imunidade e enquanto ao visado assistir tal prerrogativa.»

Do regime actual das imunidades dos Deputados à Assembleia da República, interessa, na óptica da consulta, destacar alguns aspectos.

Nenhum Deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia da República, salvo por crime doloso a que corresponda pena de prisão de limite máximo superior a três anos e em flagrante delito. No essencial, esta específica imunidade permanece idêntica desde a versão originária da Constituição.

Antes da revisão constitucional de 1997, os Deputados não podiam, sem autorização da Assembleia da República, ser ouvidos como arguidos, salvo quando presos em flagrante delito ou quando suspeitos de crime a que correspondesse pena superior a três anos. Esta imunidade não tinha consagração constitucional, mas constava do artigo 14.º, n.º 2, do Estatuto dos Deputados ([28]).

Presentemente, os Deputados não podem ser ouvidos como arguidos sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização quando houver fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos. A imunidade passou a constar da própria Constituição (artigo 157.º, n.º 2) ([29]).

Como vemos, antes da revisão de 1997, a Constituição não explicitava a necessidade de autorização da Assembleia da República para a audição como arguido de deputado suspeito da prática de crime doloso punível com pena de prisão com limite máximo superior a três anos. Desde 1997 a Constituição consagra expressamente, também nesse caso, a exigência de autorização, mas a decisão de autorização é obrigatória.

4.3. Os trabalhos preparatórios da 4.ª revisão constitucional ([30]) trazem alguma luz sobre esta alteração de regime.

Nenhum dos projectos de revisão apresentados continha proposta de alteração do então artigo 160.º (actual artigo 157.º) da Constituição ([31]).

O actual n.º 2 do artigo 157.º da Constituição (que obtém tradução no n.º 2 do artigo 23.º do EPARAM) foi introduzido no decurso da revisão de 1997 e resulta da constitucionalização do n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto dos Deputados vigente na altura, harmonizado na sua redacção com o que agora dispõe o n.º 4 do mesmo preceito constitucional (n.º 3 do anterior artigo 160.º), na parte em que, de forma expressa, se exige sempre a autorização da Assembleia para a audição de Deputado como declarante ou como arguido, sendo, todavia, obrigatória a decisão de autorização, no segundo caso, quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos.

De facto, a discussão centrou-se no n.º 3 do anterior artigo 160.º (actual n.º 4 do artigo 157.º) e a alteração de que foi objecto reflectiu-se, com vista à harmonização de regimes, no actual n.º 2 do artigo 157.º

No decurso dos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, o n.º 3 do artigo 160.º ([32]) foi objecto de proposta de alteração do Deputado Mota Amaral (PSD), no sentido de substituir a expressão «salvo no caso de crime punível com a pena referida no número anterior» por «excepto se se tratar de crime punível com pena prevista no número anterior, caso em que a suspensão [será] obrigatória» ([33]).

O Deputado justificou assim a proposta:

«Portanto, o regime estabelecido no preceito seria com toda a clareza o seguinte: o Deputado contra o qual é movido um procedimento criminal e acusado definitivamente, só pode ser levado a tribunal para julgamento se a Assembleia assim o decidir, a não ser que se trate de crime punível com pena superior a três anos, porque nessa altura a suspensão é obrigatória e a Assembleia não terá então a possibilidade de decidir se sim ou não. No caso de se tratar de crime com pena de prisão superior a três anos, o Deputado tem obrigatoriamente de ser suspenso e tem de ser levado a tribunal.

«Julgo que essa solução equilibra os dois universos que estão em causa: um é a garantia da liberdade dos Deputados; o outro é a garantia da responsabilidade dos Deputados e a sua submissão à jurisdição ordinária em caso de crimes especialmente graves. Nessa altura, a Assembleia não poderia de forma nenhuma negar a possibilidade de o Deputado ser levado a tribunal, que o condenaria ou ilibaria, mas esse é já outro aspecto.»

Outros parlamentares se pronunciaram sobre a proposta.

O Deputado José Magalhães (PS), após ter afirmado que repugnava a solução de que o processo avançasse «com suspensão automática e sem mediação de uma deliberação parlamentar», acrescentou ([34]):

«A aclaração deste ponto pode ter algum relevo, mas, digo-vos, a haver alguma aclaração, seria de uma doutrina que coincide com aquela que, por exemplo, eu considero que já flúi desta norma constitucional, ou seja, tem que haver mediação parlamentar, um juízo do Plenário com a intervenção da Comissão de Assuntos Constitucionais, com a possibilidade de alegação perante ela por parte do Deputado […].

«[…]

«E nesse sentido é uma mediação obrigatória, uma intervenção necessária, mas uma intervenção, diria eu, vinculada, traduzida a fazer uma espécie de acertamento ou de verificação em concreto se se trata de um crime com as características x, de que esse crime está fora do manto constitucional, de que o Deputado está a ser incriminado e bem incriminado, de que o procedimento respeita as regras constitucionais e de que ele tem que ser suspenso, o que deve acontecer nos termos constitucionais e dentro dos seus limites. Ou seja, é um juízo certificativo de acertamento, de verificação e que pode, naturalmente, culminar num “não”, se o juízo do Parlamento for de que não é uma situação coberta pela norma constitucional, que é, portanto, uma situação em que há imunidade ou em que há um erro ou um vício de aplicação da lei e o procedimento é ele próprio ilegal e inconstitucional.»

O Deputado Mota Amaral (PSD) precisou, a dado passo, que «a suspensão deve ser obrigatória nesse caso, mas, no entanto, terá que passar por uma decisão da Assembleia»; «trata-se da existência de uma intervenção da Assembleia, ou seja, que a Assembleia também se possa pronunciar, ultrapassando-se essa interpretação que permite caminhar para um julgamento automático, independentemente da suspensão que só pode ser feita pela própria Assembleia» ([35]).

O Deputado Luís Marques Guedes (PSD) frisou que se devia «deixar claro que a boa doutrina actual é a doutrina que, em qualquer circunstância, não permite ser posta de parte a mediação que a Assembleia da República tem de fazer neste tipo de circunstâncias, uma vez que o que está aqui em causa, convém não esquecermos isto, não é nenhum direito ou prerrogativa dos Deputados, é a dignidade do órgão de soberania Assembleia da República». A decisão desta será «uma decisão vinculada, mas a Assembleia tem que escrutinar, de facto, as circunstâncias que estão presentes no caso e aí, vinculadamente, decide pela suspensão» ([36]).

Mais tarde, na apreciação em plenário da Assembleia da República, o tema voltou a ser abordado.

O Deputado Mota Amaral (PSD) declarou ([37]):

«Movido procedimento criminal contra algum Deputado e dada a acusação definitiva, o juiz terá de suster o processo e submetê-lo à Assembleia da República, para que se pronuncie sempre previamente ao seguimento do mesmo processo.

«Em nome do princípio da separação de poderes, que é um princípio fundamental de um Estado de direito democrático, um Deputado não pode, excepto em caso de especial gravidade, ser entregue aos tribunais. Fora de tal caso, é ao próprio Parlamento que caberá avaliar a situação e, se assim o entender, suspender o deputado das suas funções para que seja julgado. A excepção resultará, como disse, da gravidade do crime de o Deputado seja acusado.

«Com efeito, tratando-se de crime punível com pena superior a três anos, a decisão de suspensão do mandato do Deputado pela Assembleia da República, tendo embora de existir na mesma, será então obrigatória. A clarificação do texto constitucional resultante da proposta de alteração por mim apresentada na CERC, que mereceu consenso, é duplamente vantajosa por assegurar a efectiva responsabilidade dos Deputados, como cidadãos portugueses iguais aos outros, que todos são, sem prejudicar, e reforçando mesmo, a prerrogativa parlamentar face ao poder judicial.»

O Deputado José Magalhães (PS) clarificou a sua posição ([38]):

«A doutrina tinha verdadeiramente passado horas de tortura a interpretar o actual n.º 3, que passará a n.º 4 [do artigo 160.º, agora artigo 157.º], interrogando-se sobre o que é que aconteceria movido procedimento criminal contra algum Deputado, nas circunstâncias em que é possível. Iria ele a juízo sem que a Assembleia se pronunciasse nestes casos, obrigatoriamente, sem qualquer mediação? Ou haveria algum instante de mediação parlamentar, desde logo porque pode haver erro, pode haver abuso, pode haver lapso, pode haver outras coisas que da vida humana são absolutamente inarredáveis? Uma parte da doutrina, curiosamente – doutrina que, de resto, eu respeito –, era adepta da teoria de que, para evitar um mal pior – o que seria uma subtracção a juízo – se deveria entender que a condução a juízo seria automática e sem mediação parlamentar.

«Francamente, Sr. Presidente, essa solução pareceu-nos, na CERC – e a contribuição do Sr. Deputado Mota Amaral ajudou seguramente a clarificar este ponto –, excessiva, mas simultaneamente deu outra, de que era inaceitável. E a solução que aqui vem é aquela em que a intervenção parlamentar é obrigatória, mas há um juízo vinculado se ocorrerem estas circunstâncias que o preceito, ele próprio, tipifica.»

Como acabámos de ver, na 4.ª revisão constitucional o regime das imunidades foi modificado ou, pelo menos, «aclarado», no sentido de fazer intervir a Assembleia da República para, após a acusação definitiva de um Deputado, o processo poder seguir para julgamento. Ficou claro que, para haver suspensão do Deputado, terá sempre de haver intervenção da Assembleia.

Mas ficou igualmente claro que, «em caso de especial gravidade», isto é, «tratando-se de crime punível com pena superior a três anos, a decisão de suspensão do mandato do Deputado pela Assembleia da República, tendo embora de existir na mesma, será então obrigatória» (Mota Amaral). Nestes casos, «o Deputado tem obrigatoriamente que ser suspenso e tem de ser levado a tribunal», não podendo a Assembleia «de forma nenhuma negar a possibilidade de o Deputado ser levado a tribunal» (Mota Amaral); «a intervenção parlamentar é obrigatória, mas há um juízo vinculado se ocorrerem [as] circunstâncias que o preceito, ele próprio, tipifica» (José Magalhães).

Este regime, expresso no n.º 4 do artigo 157.º da Constituição, originou o afeiçoamento do n.º 2 do mesmo artigo de onde passou a constar a mesma ideia de que os Deputados não podem ser ouvidos como arguidos sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos.

5

O artigo 231.º, n.º 7, da Constituição, preceitua que o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos.

O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (doravante Estatuto ou EPARAM) foi aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho ([39]). É dele que consta o regime das imunidades parlamentares dos Deputados à Assembleia Legislativa da RAM, sem embargo de se constatar que esse regime tem tido como fonte inspiradora o tratamento que, na Constituição, é dado aos Deputados à Assembleia da República ([40]) ([41]).

5.1. Na versão inicial do Estatuto, o artigo 20.º, na esteira do artigo 160.º da Constituição, vigente à data, dispunha:

«Art. 20.º – 1 – Os deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.
2 – Nenhum deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia Legislativa Regional, salvo por crime punível com pena superior a três anos e em flagrante delito.
3 – Movido procedimento criminal contra algum deputado, e acusado este definitivamente, salvo no caso de crime punível com a pena referida no número anterior, a Assembleia Legislativa Regional decidirá se o deputado deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo.»

O Regimento da Assembleia Legislativa Regional então em vigor ([42]) repartia a disciplina da matéria em foco por três preceitos: o artigo 10.º para a irresponsabilidade dos Deputados (acolhendo o texto do n.º 1 do transcrito artigo 20.º do EPARAM); o artigo 12.º, n.º 1, segundo o qual os Deputados não podiam, sem autorização da Assembleia, ser ouvidos como arguidos, excepto quando presos em flagrante delito ou quando suspeitos de crime a que correspondesse pena superior a três anos; e o artigo 11.º para a inviolabilidade ou imunidades em sentido estrito, onde se estipulava:
«Artigo 11.º
Inviolabilidade

1 – Nenhum deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime punível com pena superior a três anos e em flagrante delito.
2 – Movido procedimento criminal contra algum deputado e indiciado este definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com a pena referida no número anterior, a Assembleia decidirá se o deputado deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo.
3 – As deliberações previstas no presente artigo serão tomadas por escrutínio secreto e maioria absoluta dos deputados presentes, precedendo parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
4 – ……………………………………………………………..»

5.2. O regime das imunidades consta hoje do artigo 23.º do EPARAM ([43]) ([44]):
«Artigo 23.º
Imunidades

1 – Os deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.
2 – Os deputados não podem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização, no segundo caso, quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos.
3 – Nenhum deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia Legislativa Regional, salvo por crime doloso a que corresponda a pena de prisão referida no número anterior e em flagrante delito.
4 – Movido procedimento criminal contra um deputado e acusado este definitivamente, a Assembleia Legislativa Regional decide se o deputado deve ou não ser suspenso para efeito do seguimento do processo, nos termos seguintes:
a) A suspensão é obrigatória quando se tratar de crime referido no n.º 3;
b) A Assembleia Legislativa Regional pode limitar a suspensão do deputado ao tempo que considerar mais adequado, segundo as circunstâncias, ao exercício do mandato e ao andamento do processo criminal.
5 – A autorização a que se referem os números anteriores é solicitada pelo juiz competente em documento dirigido ao Presidente da Assembleia Legislativa Regional.
6 – As decisões a que se refere o presente artigo são tomadas por escrutínio secreto e maioria absoluta dos deputados presentes, precedendo parecer da comissão competente.»

Existe, como vemos, uma grande proximidade entre o artigo 23.º do EPARAM e o artigo 157.º da Constituição: os n.os 1, 2, 3 e 4, alínea a), do artigo 23.º reproduzem, com adaptações de circunstância, os quatro números do artigo 157.º da Constituição; todavia, não têm correspondência no texto constitucional a alínea b) do n.º 4 nem os n.os 5 e 6.

Ao objecto da consulta interessam, sobretudo, como de início afirmámos, os n.os 2 e 6 do artigo 23.º do Estatuto.

A primeira destas disposições tem natureza material e define o próprio conteúdo da imunidade parlamentar.

A segunda tem natureza procedimental e a sua inserção no Estatuto justificar-se-á pela sua conexão instrumental com o processo decisório inerente às deliberações da Assembleia Legislativa Regional sobre o levantamento ou não da imunidade. O n.º 6 do artigo 23.º do EPARAM reproduz o n.º 3 do artigo 11.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira de 1993, cujos artigos 10.º e 11.º dispunham, respectivamente, sobre irresponsabilidade e inviolabilidade.

6

Importa agora indagar a natureza jurídica do acto que, no campo das imunidades, confere ou nega a autorização de prosseguimento do processo.

As formas típicas dos actos da Assembleia da República são a lei constitucional, a lei orgânica, a lei, a moção e a resolução (artigo 166.º da Constituição).

As deliberações da Assembleia da República sobre imunidades revestem a forma de resoluções (n.º 5 do mesmo artigo 166.º) ([45]).

A resolução constitui a forma dominante dos actos políticos da Assembleia da República, entendidos os actos políticos como volições primárias – e, por isso, situadas no mesmo nível dos actos legislativos –, provenientes de um órgão de soberania ou de um “órgão supremo do Estado”, de natureza individual e concreta, semelhantes, ao nível do seu conteúdo, aos actos administrativos ([46]).

Na definição de Freitas do Amaral ([47]), o acto administrativo é o «acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta».

Afonso Queiró ([48]) acentua a distinção entre estes dois tipos de actos:

«Tal como sucede com os actos administrativos, os actos políticos referem-se a uma situação concreta e momentânea e em regra a indivíduos determinados […].

«O que distingue os actos políticos dos actos administrativos é representarem o exercício de faculdades directamente conferidas pela Constituição, sem sujeição à lei ordinária, fora, portanto, de qualquer propósito de traduzir, no que respeita ao seu conteúdo, uma actuação concreta, uma volição prévia do legislador ordinário (-). O conteúdo dos actos políticos não é fixado ou demarcado por norma de legislação ordinária. Aqueles actos cuja prática seja prevista na Constituição mas cujo conteúdo seja determinado ou circunscrito pelas leis ordinárias não são actos políticos.»

Jorge Miranda afirma que, no conjunto dos actos jurídico-públicos – os actos do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais, no exercício de um poder público e sujeitos a normas de direito público – avultam os actos jurídico-constitucionais.

Numa definição formal, são jurídico-constitucionais os actos cujo estatuto pertence, a título principal, ao direito constitucional; os actos regulados (não apenas previstos, embora não integralmente regulados) por normas da Constituição; e os actos provenientes de órgãos constitucionais e com a sua formação sujeita a normas constitucionais. Em termos materiais, reconduzem-se «a actos de relevância constitucional, ou a actos de concretização imediata da Constituição, ou a actos de realização e de garantia das normas constitucionais» ([49]).

Na tipologia dos actos jurídico-constitucionais, o mesmo Autor refere, atendendo à vontade, os actos livres e os actos devidos ([50]).

Mário Esteves de Oliveira, ao enunciar os actos que, cabendo na função política do Estado, traduzem o exercício de competências políticas, refere, em primeiro lugar, «os chamados “actos auxiliares de direito constitucional”, que se destinam a pôr, manter, modificar ou fazer cessar o funcionamento de um órgão ou regime (ou parte dele) constitucionais» (é o caso da nomeação ou exoneração do Primeiro-Ministro ou da dissolução da Assembleia da República); em segundo lugar, «aqueles actos que respeitam às relações entre os diversos órgãos de soberania e que traduzem a influência que cada um deles pode exercer no funcionamento do outro» (por ex., a promulgação, a referenda ou uma autorização legislativa); e, por último, os actos concernentes às relações internacionais do Estado ([51]).

No campo das imunidades, o acto da Assembleia da República que autoriza (ou não) o prosseguimento do procedimento configura, a nosso ver, um acto jurídico-constitucional, um acto devido, de natureza política ([52]).

O artigo 41.º do EPARAM não contempla a forma que devem revestir os actos decisórios da Assembleia Legislativa relativos ao artigo 23.º (imunidades), mas tais actos – chamemos-lhes resoluções ou, em termos mais gerais, deliberações – não poderão deixar de ter, materialmente, natureza idêntica à das resoluções adoptadas pela Assembleia da República para os efeitos do artigo 157.º da Constituição.

Encontramo-nos, pois, também aqui, perante actos de natureza política.

O acto que aprecia o pedido de autorização representa o exercício de uma faculdade directamente conferida pela Constituição (ou pelo Estatuto autonómico), sendo a Constituição (ou o Estatuto) que lhe modelam os respectivos requisitos, nomeadamente o objecto.

Trata-se de um acto de relação entre dois órgãos de soberania (Assembleia da República e tribunal) ou entre um órgão de soberania (tribunal) e um órgão constitucional (Assembleia Legislativa Regional, enquanto “órgão supremo” da RAM), que representa, na prática, um condicionamento do poder judicial por parte do parlamento (nacional ou regional). Este acto tem um alcance mais profundo do que aquele que deriva dos seus meros efeitos processuais, na medida em que se concebe como instrumento de afirmação e independência do poder legislativo ([53]).

Todavia, o condicionamento há-de manter-se nos limites resultantes de uma correcta interpretação da norma que o prevê, com respeito, designadamente, pela sua teleologia. Assim, residindo o fundamento da imunidade na defesa da dignidade do parlamento e do mandato do Deputado, o acto que se pronuncia sobre o pedido de autorização não pode invadir a esfera de atribuições e competências das autoridade judiciárias, antes se deve limitar a examinar se se verificam os pressupostos de que depende o levantamento da imunidade, não podendo a Assembleia, em caso algum, apreciar a culpa ou a inocência do Deputado.

A identificação desses pressupostos ou circunstâncias depende da imunidade que estiver em causa e do facto de a deliberação da Assembleia ter ou não carácter vinculado.


7

A primeira questão consiste em saber que elementos de prova devem ou podem, num processo de inquérito em segredo de justiça, ser transmitidos à Assembleia Legislativa da RAM para que esta se pronuncie sobre o pedido de audição de um seu Deputado como arguido ([54]).

7.1. O n.º 2 do artigo 23.º do EPARAM prescreve que os deputados não podem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização, no segundo caso, quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos.

O Código de Processo Penal utiliza designações diversas para qualificar elementos probatórios.

Define suspeito como «toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar» [artigo 1.º, n.º 1, alínea e)].

Para a aplicação das medidas de coação mais gravosas, exige a existência de «fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos» [artigos 200.º, n.º 1, 201.º, n.º 1, e 202.º, n.º 1, alínea a)]

No domínio da acusação e da pronúncia utiliza-se a expressão indícios suficientes, como tal considerados «sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança» (cf. artigos 283.º, n.º 2 e 308.º).

Se quisermos ver nas denominações indícios, fortes indícios e indícios suficientes gradações de exigência quanto ao valor dos elementos de prova, poderemos dizer que a expressão fortes indícios se situa num patamar intermédio, a sugerir, no campo das imunidades parlamentares, a exigência de elementos de prova seguros e consistentes.

O apontado nível de exigência pode justificar que a audição do deputado seja precedida de uma investigação mais aturada, que permita uma maior comprovação dos indícios, e traduz a solução encontrada pelo legislador (constitucional e estatutário) no sentido de harmonizar as exigências de justiça com o respeito pelo prestígio e dignidade das instituições e funções parlamentares.

7.2. Sobre a publicidade do processo e segredo de justiça rege o artigo 86.º do CPP ([55]), de que importa reter algumas das estatuições.

O processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei (n.º 1). A publicidade tem as implicações mencionadas nos n.os 6 e 7.

O juiz de instrução pode, mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido e ouvido o Ministério Público, determinar, por despacho irrecorrível, a sujeição do processo, durante a fase de inquérito, a segredo de justiça, quando entenda que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos ou participantes processuais (n.º 2).

Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas (n.º 3).

O n.º 8 dispõe que o segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes, e implica as proibições de assistência à prática ou tomada de conhecimento do conteúdo de acto processual a que não tenham o direito ou o dever de assistir e de divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação [alíneas a) e b)].

A prescrição de que o segredo de justiça vincula os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes é reafirmada no n.º 9 para as situações em que a autoridade judiciária dê ou ordene ou permita que seja dado conhecimento a determinadas pessoas do conteúdo de acto ou de documento em segredo de justiça; também nestes casos, as pessoas referidas ficam vinculadas pelo segredo de justiça (n.º 10).

8

As imunidades visam proteger o parlamento e, reflexamente, os Deputados de uma eventual utilização da via penal com o propósito de perturbar ou afectar a dignidade, a composição e o funcionamento da assembleia.

8.1. As imunidades «valem (ora para a própria instauração do processo, ora para a prisão, ora para qualquer destes actos, umas vezes absolutamente, outras vezes enquanto não preceder autorização de quem de direito) como verdadeiros pressupostos (= obstáculos) processuais» ([56]).

A imunidade funciona como um obstáculo ao desenvolvimento normal do processo.

A autorização da Assembleia, quando devida, constitui, em termos dogmáticos, um pressuposto processual positivo, uma condição de prosseguimento do processo ou condição de procedibilidade ([57]). O prosseguimento do processo fica então dependente de decisão, obrigatória – condição de procedibilidade – do parlamento ([58]).

8.2. O EPARAM – como acontece com a Constituição em relação aos Deputados à Assembleia da República – prevê, no decurso de processo penal movido contra Deputado regional, a necessidade de autorização parlamentar em dois momentos distintos ([59]).

No primeiro, os Deputados não podem ser ouvidos como arguidos sem autorização da Assembleia Legislativa Regional, sendo obrigatória a decisão de autorização quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos (artigo 23.º, n.º 2).

No segundo, movido procedimento criminal contra um Deputado e acusado este definitivamente, a Assembleia Legislativa Regional decide se o deputado deve ou não ser suspenso para efeito do seguimento do processo, sendo a suspensão obrigatória quando se tratar do tipo de crime antes referido (artigo 23.º, n.º 4).

Estas prescrições estatutárias têm correspondência nos n.os 2 e 4 do artigo 157.º da Constituição.

O sentido das alterações face ao regime anterior filiou-se – como resulta dos trabalhos preparatórios da 4.ª revisão constitucional – no propósito de deixar claro que, mesmo nas situações de maior gravidade (quando estiver em causa a prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão de limite máximo superior a três anos), há lugar à mediação da Assembleia.

Isto é, a autorização da Assembleia é sempre devida (acto devido). Todavia, nas situações de especial gravidade (aferida pela moldura penal do crime), o Estatuto não só impõe a autorização da Assembleia Legislativa como fixa o sentido da decisão: a decisão de autorização é obrigatória. O acto é, não só devido, como também vinculado.

No caso presente – existindo fortes indícios da prática por Deputado regional de crime doloso punível com pena de prisão de limite máximo superior a três anos – a Assembleia está obrigada a autorizar o seu interrogatório como arguido. Trata-se, atenta a gravidade do crime, de uma decisão vinculada, em que a margem de enunciação da Assembleia se restringe à verificação das circunstâncias que determinam a obrigatoriedade da decisão de autorização, não podendo «de forma alguma negar a possibilidade de o Deputado ser levado a tribunal» ([60]).

É neste ponto que se impõe a concretização dos elementos a transmitir pelas autoridades judiciárias à Assembleia Legislativa Regional.

A autorização resultará de impulso do Ministério Público, o titular da direcção do inquérito, e é solicitada pelo juiz competente em documento dirigido ao Presidente da Assembleia Legislativa (artigo 23.º, n.º 5, do EPARAM) ([61]).

A lei (o Estatuto ou o Regimento) ([62]) não indica quaisquer particularidades a que deva obedecer a solicitação.

Não será porventura desajustado buscar algum arrimo no elenco das especificações que devem constar do mandado de detenção (artigo 258.º do CPP) ou do mandado de detenção europeu (artigo 3.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto).

Não se ignoram as divergências (mas também não se pretende tomar sobre elas posição) existentes quanto à necessidade (ou não) de, no mandado, se proceder a uma descrição pormenorizada dos factos ([63]).

Do que se trata é de, num contexto algo diverso, extrair do conteúdo destes instrumentos – e só nesta medida os invocamos – alguma sugestão que possa ser utilizada na definição do que deve constar do pedido de autorização por forma a restringir ou esbater espaços de fricção entre o Tribunal e a Assembleia Regional.

Vejamos.

A questão coloca-se no âmbito do relacionamento entre um órgão de soberania (o Tribunal) e um órgão do Estado, um órgão jurídico-‑constitucional da Região Autónoma da Madeira.

A autorização parlamentar para o interrogatório de um Deputado é sempre necessária, mas a decisão de autorização pode ser facultativa ou obrigatória.

A formulação do pedido de autorização deve, neste quadro e em termos gerais, ser suficientemente fundamentada, de modo a habilitar a Assembleia com elementos que lhe permitam comprovar a verificação das circunstâncias que justificam o levantamento da imunidade parlamentar.

Assim, afigura-se-nos que o pedido de autorização deve conter, desde logo, a afirmação da existência de fortes indícios de que o Deputado tenha praticado um determinado crime, tal como a qualificação deste, para efeitos de aferição da respectiva moldura penal; deve igualmente mencionar a data da prática dos factos, elemento de relevo para se apreciar a aplicação do regime das imunidades; deverá, por fim, conter a indicação do facto e das circunstâncias da infracção.

A concretização desta última especificação ([64]) cabe às autoridades judiciárias, mas com certeza que não se poderá ir além de uma alusão sucinta quer porque a investigação se encontrará em curso e os factos se podem apresentar ainda algo imprecisos, quer porque, estando o inquérito em segredo de justiça, existem restrições no acesso à prova.

Do mesmo modo, o juízo sobre a valoração da prova, a afirmação da existência de fortes indícios da prática do crime pelo Deputado regional cabe, em exclusivo, às autoridades judiciárias: ao Ministério Público que é o titular do inquérito e ao juiz de instrução criminal, a quem compete a formulação do pedido.

Como resulta da natureza das coisas, do princípio da separação de poderes e do fundamento material da intervenção parlamentar, a concreta ponderação dos elementos a fornecer e o juízo valorativo sobre a natureza dos indícios são insindicáveis pela Assembleia Legislativa Regional. A intervenção desta não visa controlar (internamente) o exercício de específicas competências por parte das autoridades judiciárias, mas sim garantir (externamente) a dignidade da Assembleia e que outros órgãos do Estado não interfiram indevidamente no exercício da função parlamentar ou na sua composição.

9

A segunda questão prende-se, no plano normativo, com a articulação do disposto nos n.os 2 e 6 do artigo 23.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira. Trata-se de equacionar as consequências da recusa, pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, de autorização de audição como arguido de um seu Deputado nos casos em que é obrigatória a decisão de autorização.

A decisão de autorização de audição como arguido de Deputado regional, prevista no artigo 23.º, n.º 2, do EPARAM, é obrigatória quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos.

No caso em presença, a deliberação reveste, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do EPARAM carácter vinculado, pelo que, sem prejuízo da existência de situação anómala (v. g., erro, abuso, vício ou lapso), a Assembleia Legislativa da RAM não pode negar a autorização para o Deputado ser ouvido como arguido.

A deliberação da Assembleia é tomada por escrutínio secreto e maioria absoluta dos deputados presentes, precedendo parecer da comissão competente (n.º 6 do artigo 23.º).

Ora, apesar do carácter obrigatório e vinculado da decisão de autorização, pode suceder que, na contingência de um processo de votação, a autorização seja recusada pela Assembleia Legislativa da RAM. E a recusa pode ocorrer seja qual for a forma de votação, mesmo que se admita que possa ser facilitada pela votação por escrutínio secreto prevista no n.º 6 do artigo 23.º do Estatuto ([65]) ([66]).

Às situações de recusa expressa podem juntar-se aquelas em que a Assembleia pretende que lhe sejam fornecidos elementos de prova que as autoridades judiciárias consideram não poder nem dever facultar.

Nestes casos, têm de ser equacionadas as consequências desse acto negativo sobre o processo e o procedimento criminal.

Afirmada, nos termos da lei, pelas autoridades judiciárias competentes a necessidade do acto a autorizar, isto é, a necessidade da constituição como arguido e interrogatório de Deputado regional, o processo não pode prosseguir enquanto a condição de procedibilidade (autorização parlamentar) não for preenchida ou não cessar a causa que a determina.

Tal como a Assembleia Legislativa não pode sindicar o juízo das autoridades judiciárias sobre a existência de fortes indícios da prática, por Deputado regional, de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, também as autoridades judiciárias não podem questionar a deliberação da Assembleia Legislativa que nega a autorização para o interrogatório do Deputado em causa, ainda que seja obrigatória a decisão de autorizar.

Tal acto não é judicialmente impugnável nem na jurisdição comum nem na jurisdição administrativa [cf. artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais].

Encontramo-nos, na verdade, perante um acto de natureza política, uma emanação do exercício de funções políticas por parte da Assembleia Legislativa, sendo no plano político que as consequências de uma recusa não fundamentada e ilegal devem ser apreciadas.

10

Não podendo o processo prosseguir, e enquanto a situação se mantiver, importa ver quais as consequências que o decurso do tempo possa ter relativamente ao procedimento criminal.

O Código Penal regula nos artigos 118.º a 121.º a prescrição do procedimento criminal.

Definidos os prazos de prescrição a contar da prática do crime (artigo 118.º) e delimitados os momentos relevantes para efeitos de início da contagem do prazo (artigo 119.º), o artigo 120.º enuncia, para além de outros especialmente previstos, os casos de suspensão do procedimento criminal.

A prescrição suspende-se, designadamente, durante o tempo em que o procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal [artigo 120.º, n.º 1, alínea a), 1.ª parte].

A autorização prevista no n.º 2 do artigo 23.º do EPARAM para que um Deputado regional possa ser ouvido no inquérito como arguido – como, a propósito do que então dispunha o n.º 1 do artigo 14.º do Estatuto dos Deputados, se afirmou no Parecer n.º 77/96 – «constitui uma condição subjectiva de procedibilidade, no sentido de circunstância que deve verificar-‑se num dado caso concreto para que possa ter lugar (iniciar-se ou continuar) o procedimento criminal».

Qualificada como condição de procedibilidade prevista expressamente na lei, integra-se no conceito de autorização legal com reflexos no procedimento criminal, prevista no referido artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal: sem a autorização o procedimento criminal não pode continuar, porque de tal pressuposto depende a determinação processual da qualidade de arguido e as declarações deste, actos que, no caso, são obrigatórios.

A não verificação da condição ou pressuposto – a falta de autorização – determina, pois, ex vi legis, a suspensão da prescrição do procedimento criminal.

O EPARAM não prevê qual o acto ou momento a partir do qual se deve considerar suspensa a prescrição.

Trata-se de omissão que, nos termos gerais (artigo 10.º do Código Civil) deve ser preenchida por aplicação, com as devidas adaptações, do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do Estatuto dos Deputados: o prazo de prescrição do procedimento criminal suspende-se a partir da entrada, na Assembleia Legislativa Regional, do pedido de autorização formulado pelo juiz competente, nos termos e para os efeitos decorrentes da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal, mantendo-se a suspensão daquele prazo caso a Assembleia delibere pelo não levantamento da imunidade e enquanto ao visado assistir tal prerrogativa.

A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa de suspensão – artigo 120.º, n.º 3, do Código Penal.

Apesar de tudo, pode suceder – como reconhecem Gomes Canotilho e Vital Moreira – que nos casos cobertos pela imunidade, o julgamento do Deputado nunca venha a ser efectuado, se ele for sucessivamente eleito e a Assembleia não retirar a imunidade ([67]).

11

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª – Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la (artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Penal);

2.ª – Um deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira não pode ser ouvido como arguido sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização quando houver fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos (artigo 23.º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira);

3.ª – A autorização é solicitada pelo juiz competente ao Presidente da Assembleia Legislativa em documento que deve conter:
a) a natureza e qualificação jurídica da infracção;
b) a afirmação expressa da existência de fortes indícios da prática pelo Deputado regional de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;
c) a data da prática do crime;
d) a indicação sucinta do facto e das circunstâncias da infracção;

4.ª – O juízo sobre a suficiência dos elementos referidos na conclusão anterior, designadamente sobre a existência de fortes indícios da prática do crime, cabe às autoridades judiciárias competentes e não é sindicável pela Assembleia Legislativa;

5.ª – A deliberação da Assembleia Legislativa que aprecia o pedido de autorização para um deputado regional ser ouvido como arguido reveste a natureza de acto político;

6.ª – A autorização referida nas conclusões 2.ª e 5.ª constitui uma condição de procedibilidade, pelo que a sua recusa, mesmo nos casos em que é obrigatória a decisão de autorização, obsta ao prosseguimento do processo;

7.ª – O pedido de autorização dirigido pelo juiz competente ao Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira determina, a partir da sua entrada na Assembleia Legislativa, a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, mantendo-se a suspensão caso a Assembleia delibere pelo não levantamento da imunidade e enquanto ao visado assistir tal prerrogativa [artigos 120.º, n.º 1, alínea a), 1.ª parte, do Código Penal, 11.º, n.º 7, do Estatuto dos Deputados, aprovado pela Lei n.º 7/93, de 1 de Março, e 10.º do Código Civil].

ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 28 DE MAIO DE 2009.

Fernando José Matos Pinto Monteiro - Alberto Esteves Remédio (Relator) -João Manuel da Silva Miguel - Maria de Fátima da Graça Carvalho -Manuel Pereira Augusto de Matos - José Luís Paquim Pereira Coutinho -Fernando Bento - António Leones Dantas - Maria Manuela Flores Ferreira - José David Pimentel Marcos.






([1]) Despacho de 27 de Abril de 2009.
([2]) O referido artigo 23.º, com a epígrafe imunidades, preceitua nos n.os 2 e 6:
«2 – Os deputados não podem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização, no segundo caso, quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos».
«6 – As decisões a que se refere o presente artigo são tomadas por escrutínio secreto e maioria absoluta dos deputados presentes, precedendo parecer da comissão competente.»
([3]) Maxime, de parecer de Fevereiro de 2009 da Comissão de Regimento e Mandatos da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
([4]) Está em causa a eventual prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.os 1 e 2, alínea a), do Código Penal, a que corresponde a pena de 2 a 8 anos de prisão.
([5]) Como em situações similares, em que a sua actividade de consulta jurídica pode contender com decisões judiciais, interessa frisar que as tomadas de posição do Conselho Consultivo não vinculam os tribunais, que, enquanto órgãos de soberania, «são independentes e apenas estão sujeitos à lei» (artigo 203.º da Constituição da República Portuguesa).
([6]) Cf., sobre este ponto, o Parecer do Conselho Consultivo n.º 77/96, de 14 de Novembro de 1996, ponto II (Procuradoria-Geral da República, Pareceres, volume V, pp. 151-171).
([7]) O inquérito pode ainda ser encerrado nas hipóteses previstas nos artigos 280.º (arquivamento em caso de dispensa de pena) e 281.º (suspensão provisória do processo).
([8]) O Título II do Livro III (artigos 128.º a 170.º) é dedicado aos meios de prova, nele se dispondo, sucessivamente, sobre prova testemunhal, declarações do arguido, do assistente e das partes civis, acareação, reconhecimento, reconstituição do facto, prova pericial e prova documental.
([9]) O Livro I do Código de Processo Penal tem por epígrafe Dos sujeitos do processo.
([10]) Jorge de Figueiredo Dias, “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, Jornadas de Direito Processual – O Novo Código de Processo Penal, Livraria Almedina, Coimbra, p. 9.
([11]) Cf. Figueiredo Dias, loc. cit., p. 27.
([12]) Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 4.ª edição, Editorial Verbo, 2000, p. 287.
([13]) Cf., por ex., Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, 16.ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, p. 169.
([14]) Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 4.ª ed., cit., p. 296.
([15]) Figueiredo Dias, loc. cit., p. 28.
([16]) Cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, Coimbra Editora, Limitada, p. 440.
([17]) Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 4.ª, cit., p. 297.
([18]) Acórdão n.º 1/2006 do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Novembro de 2005 (Diário da República, 1.ª série-A, n.º 1, de 2 de Janeiro de 2006).
([19]) Cf. Luís Barbosa Rodrigues, entrada «Imunidade parlamentar», Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. V, Lisboa, 1993, p. 174; Carla Amado Gomes, As Imunidades Parlamentares no Direito Português, Coimbra Editora, 1998, p. 19; e os Pareceres do Conselho Consultivo n.º 77/96, citado no ponto anterior, e n.º 53/98, de 7 de Outubro de 1998 (Diário da República, 2.ª série, n.º 111, de 13 de Maio de 1999).
([20]) Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, Coimbra Editora, 2006, p. 476.
([21]) Cf. Carla Amado Gomes, As Imunidades Parlamentares…, cit., pp. 32 e ss., e o Parecer do Conselho Consultivo n.º 53/98, ponto IV-1.1.
([22]) Cf. Plácido Fernández-Viagas Bartolomé, La inviolabilidad e inmunidad de los Diputados y Senadores, Editorial Civitas, Madrid, 1990, p. 21.
([23]) Cf. os Pareceres do Conselho Consultivo n.os 77/96 e 53/98; e Plácido Fernández-‑Viagas Bartolomé, La inviolabilidad e inmunidad…, cit., pp. 142 e ss.; no mesmo sentido, Carla Amado Gomes, As Imunidades Parlamentares…, cit., p. 42.
([24]) Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, p. 639. Cf. ainda Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, cit., pp. 476 e ss.
([25]) Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição…, 3.ª ed., cit., p. 639.
([26]) Lei n.º 7/93, de 1 de Março, alterada pela Lei n.º 24/95, de 18 de Agosto.
([27]) Lei n.º 7/93, de 1 de Março, alterada pelas Leis n.os 24/95, de 18 de Agosto, 55/98, de 18 de Agosto, 8/99, de 10 de Fevereiro, 45/99, de 16 de Junho, 3/2001, de 23 de Fevereiro, 24/2003, de 4 de Julho, 52-A/2005, de 10 de Outubro, e 43/2007, de 24 de Agosto. Foi ainda alterada pelas Leis n.os 44/2006 e 45/2006, de 25 de Agosto, mas estas leis só entram em vigor no 1.º dia útil da próxima legislatura.
([28]) Lei n.º 7/93, de 1 de Março, na redacção originária.
([29]) Cf. também o artigo 11.º, n.º 2, do Estatuto dos Deputados, na redacção actual.
([30]) Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro.
([31]) Cf. Projecto de Revisão Constitucional 1/VII – CDS-PP [Diário da Assembleia da República (DAR), 2.ª série-A, n.º 21/VII/1-Suplemento, de 1 de Fevereiro de 1996, pp. 324-(2) a (14)]; Projecto de Revisão Constitucional 2/VII – PSD [DAR, 2.ª série-A n.º 27/VII/1-Supl., de 7 de Março de 1996, pp. 484-(2) a (10)]; Projecto de Revisão Constitucional 3/VII – PS [DAR, 2.ª série-A, n.º 27/VII/1-Supl., de 7 de Março de 1996, pp. 484-(10) a (28)]; Projecto de Revisão Constitucional 4/VII – PCP [DAR, 2.ª série-A n.º 27/VII/1-Supl., cit., pp. 484-(29) a (44)]; Projecto de Revisão Constitucional 5/VII – PSD [DAR, 2.ª série-A, n.º 27/VII/1-Supl., cit., pp. 484-(44) a (60)]; Projecto de Revisão Constitucional 6/VII – PSD [DAR, 2.ª série-A, n.º 27/VII/1-Supl., cit., pp. 484-(61) a (68)]; Projecto de Revisão Constitucional 7/VII – PS [DAR, 2.ª série-A, n.º 27/VII/1-Supl., cit., pp. 484-(68) a (73)]; Projecto de Revisão Constitucional 8/VII – PS [DAR, 2.ª série-A, n.º 27/VII/1-Supl., cit., pp. 484-(73) a (82)]; Projecto de Revisão Constitucional 9/VII – PSD [DAR, 2.ª série-A, n.º 27/VII/1-Supl., cit., pp. 484-(82) a (87)]; Projecto de Revisão Constitucional 10/VII – PEV [DAR; 2.ª série-A, n.º 27/VII/1-Supl., cit., pp. 484-(87) a (96)]; e Projecto de Revisão Constitucional 11/VII – PCP [DAR, 2.ª série-A, n.º 27/VII/1-Supl., ainda de 7 de Março de 1996, pp. 484-(97) a (103)].
([32]) O n.º 3 do artigo 160.º dispunha:
«3. Movido procedimento criminal contra algum Deputado, e acusado este definitivamente, salvo no caso de crime punível com a pena referida no número anterior [pena de prisão superior a três anos], a Assembleia decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo.»
([33]) DAR, 2.ª série-RC, n.º 104, de 18 de Junho de 1997, p. 3083.
([34]) DAR, 2.ª série-RC, n.º 104, cit., p. 3084.
([35]) DAR, 2.ª série-RC, n.º 104, cit., p. 3085.
([36]) DAR, 2.ª série-RC, n.º 104, cit., p. 3085.
([37]) DAR, 1.ª série, n.º 101, de 25 de Julho de 1997, p. 3806.
([38]) DAR, 1.ª série, n.º 101, de 25 de Julho de 1997, p. 3806.
([39]) Alterada pelas Leis n.os 130/99, de 21 de Agosto, e 12/2000, de 21 de Junho.
([40]) Em Espanha, a idoneidade dos estatutos autonómicos para o estabelecimento das imunidades foi afirmada pelo Tribunal Constitucional (cf. Plácido Fernández-Viagas Bartolomé, La inviolabilidad e inmunidad de los Diputados y Senadores, cit., p. 189 e ss.). Em Itália, a própria Constituição prescreve (artigo 122.º) que os conselheiros regionais não podem ser perseguidos pelas opiniões e pelos votos emitidos no exercício das suas funções.
([41]) O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, com as alterações das Leis n.os 9/87, de 26 de Março, 61/98, de 27 de Agosto, e 2/2009, de 12 de Janeiro, contém uma disposição de carácter remissivo do seguinte teor:
«Artigo 97.º
Direitos, regalias e imunidades dos deputados
O Estatuto dos Deputados à Assembleia da República é aplicável aos deputados à Assembleia Legislativa no que se refere aos direitos, regalias e imunidades constitucional e legalmente consagrados, com as necessárias adaptações e de acordo com as especificidades consagradas no presente Estatuto e no respectivo regime legal de execução.»
([42]) Aprovado pela Resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 1/93/M, de 28 de Abril de 1993 (Diário da República, 1.ª série-B, n.º 99, de 28 de Abril de 1993).
([43]) Redacção da Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto.
([44]) A versão actual do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira [aprovada pela Resolução desta Assembleia n.º 2/2009/M (Diário da República, 1.ª série, n.º 10, de 15 de Janeiro de 2009)] deixou de regular as imunidades, matéria a que alude tão-só quando se refere à Comissão de Regimentos e Mandatos, à qual compete pronunciar-se sobre o levantamento das imunidades, nos termos do artigo 23.º do Estatuto da Região [artigo 39.º, alínea b)].
([45]) Neste sentido, expressamente, Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., p. 547.
([46]) Cf. Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, 1976, p. 72 e ss., e “A função administrativa”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXIV, n.os 1, 2 e 3, Janeiro-Setembro 1977, p. 1 e ss.; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 195/94, de 1 de Março (Diário da República, 2.ª série, n.º 110, de 12 de Maio de 1994); e o Parecer do Conselho Consultivo n.º 50/2003-C, de 26 de Setembro de 2003.
([47]) Curso de Direito Administrativo, com a colaboração de Lino Torgal, vol. II, Almedina, 2001, p. 210.
([48]) Lições de Direito Administrativo, cit., pp. 74-75.
([49]) Jorge Miranda, Funções, órgãos e actos do Estado, Lisboa, 1990, pp. 125-127.
([50]) Funções, órgãos e actos do Estado, cit., p. 144, indicando o Autor, como exemplos de actos devidos, a promulgação obrigatória e o parecer do Conselho de Estado.
([51]) Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1980, p. 19. V. ainda Jorge de Sousa, “Poderes de cognição dos tribunais administrativos relativamente a actos praticados no exercício da função política”, Julgar, n.º 3, Setembro/Dezembro 2007, pp. 119-142.
([52]) Neste sentido, Alfonso Fernández-Miranda Campoamor, “La inmunidad parlamentaria en la actualidad”, Revista de Estúdios Políticos, n.º 215, Setembro-‑Outubro 1977, pp. 207 e ss., espec. pp. 224-229.
([53]) Cf. Alfonso Campoamor, loc. cit., p. 228.
([54]) A concretização de imunidades parlamentares tem, no âmbito do Ministério Público, sido objecto de intervenção hierárquica visando a uniformização de procedimentos (cf. o ofício da Procuradoria-Geral da República n.º 825, de 21 de Setembro de 1999, e a Circular n.º 1/2003, de 29 de Abril).
([55]) Redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.
([56]) Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, volume I, Coimbra Editora, 1970, pp. 109-110. Eduardo Correia [Direito Criminal, vol. I (Reimpressão), Livraria Almedina, Coimbra, p. 191] fala, a este propósito, de excepções processuais.
([57]) Cf. os Pareceres n.os 77/96, pontos III e IV, e 53/98, ponto IV. Em Espanha, a autorização para proceder é unanimemente considerada como uma condição de procedibilidade (cf. Plácido Fernández-Viagas Bartolomé, La inviolabilidad e inmunidad de los Diputados y Senadores, cit., p. 109).
([58]) Cf. Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., p. 481.
([59]) Deixamos de lado um terceiro momento, relativo à detenção ou prisão de Deputado, a qual não pode ser levada a cabo sem autorização da Assembleia, salvo tratando-se de crime doloso a que corresponda a pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos e em flagrante delito (artigos 23.º, n.º 3, do EPARAM, 157.º, n.º 3, da Constituição, e 11.º, n.º 1, do Estatuto dos Deputados).
([60]) Nestes termos, o Deputado Mota Amaral (supra, 4.3.).
([61]) Cf., em relação aos Deputados à Assembleia da República, o artigo 11.º, n.os 2 e 5, do Estatuto dos Deputados.
([62]) À semelhança do que sucede com a Constituição, o Estatuto dos Deputados ou o Regimento da Assembleia da República.
([63]) Cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, cit., 16.ª ed., pp. 567-568; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 4.ª edição, Editorial Verbo, 2008, pp. 275-276; e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal…, cit., 2.ª ed., pp. 684-686.
([64]) A que aludem a alínea c) do n.º 1 do artigo 258.º do CPP e a alínea e) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto.
([65]) O artigo 101.º do Regimento da Assembleia Legislativa da RAM prevê que as votações se possam realizar por uma das seguintes formas: por levantados e sentados (forma usual de votar); por votação nominal; por escrutínio secreto (com listas ou com esferas brancas e pretas); e por processo e registo electrónico.
([66]) O artigo 94.º, n.º 1, do Regimento da Assembleia da República prevê as formas de votação seguintes: por levantados e sentados (forma normal de votar); por recurso ao voto electrónico; por votação nominal; e por escrutínio secreto. Nem a Constituição, nem o Estatuto dos Deputados, nem o Regimento impõem, nesta matéria, uma particular forma de votação (o n.º 6 do artigo 11.º do Estatuto dos Deputados limita-se a prever que as decisões sobre inviolabilidades ou imunidades são tomadas pelo Plenário, precedendo audição do Deputado e parecer da comissão competente).
([67]) Cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., cit., p. 640. No mesmo sentido, Carla Amado Gomes, As Imunidades…, cit., p. 106, nota 230. Também, no âmbito dos trabalhos da 4.ª revisão constitucional, o Deputado José Magalhães (PS) reconheceu: «Os casos cobertos pela imunidade estão cobertos pela imunidade e pode perfeitamente acontecer que alguém, favorecido por reeleições sucessivas, nunca venha a ser julgado por uma determinada infracção coberta» (DAR, 2.ª série-RC, n.º 104, p. 3084).