Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003088
Parecer: P000492009
Nº do Documento: PPA26052010004900
Descritores: ESTABELECIMENTO DE RESTAURAÇÃO E BEBIDAS
ACESSO
PERMANÊNCIA
PROIBIÇÃO
SEGURANÇA
LISTA NOMINAL
REGISTO INFORMÁTICO
PSP
GNR
DIREITO À LIBERDADE
PRIVAÇÃO DA LIBERDADE
RESTRIÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
RESERVA RELATIVA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
RESERVA DE JUIZ
REGRA DE CONDUTA
MEDIDA DE COACÇÃO
Livro: 00
Data Oficio: 12/16/2009
Pedido: 12/17/2009
Data de Distribuição: 12/17/2009
Relator: PEREIRA COUTINHO
Sessões: 01
Data da Votação: 05/26/2010
Tipo de Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Sigla do Departamento 1: MAI
Entidades do Departamento 1: MINISTRO
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 06/22/2010
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 15-07-2010
Nº do Jornal Oficial: 136
Nº da Página do Jornal Oficial: 38323
Indicação 2: ASSESSOR: SUSANA PIRES
Texto Integral:





Senhor Ministro da Administração Interna,
Excelência:

I
Dignou-se Vossa Excelência solicitar[1] a emissão de parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a sugestão, apresentada no âmbito do Ministério da Administração Interna, de, tendo em conta a «dificuldade prática da garantia efectiva de segurança dos estabelecimentos de restauração e bebidas», proceder à «criação de uma lista nominal de pessoas» - clientes ou frequentadores - «que tenha[m] cometido ilícitos nesses estabelecimentos e a quem possa ser vedado o acesso e a permanência» nesses espaços por perturbarem o seu funcionamento e provocarem desacatos.

Em concreto, enunciou Vossa Excelência as seguintes questões sobre as quais solicita a apreciação deste corpo consultivo:

«1 – É admissível, de acordo com a Constituição e a lei, a criação de uma lista nominal de pessoas a quem possa ser vedado o acesso e a permanência em estabelecimentos de restauração e de bebidas?

2 – Em caso afirmativo, quais são as condições a que deve obedecer a lista, que pessoas e que elementos de identificação podem constar dela, quem a pode elaborar e quem a pode consultar?
3 – Por fim, no caso de ser admissível a criação da lista, que consequências pode ter a inclusão de alguém no seu âmbito – pode ser efectivamente proibido o acesso e a permanência em estabelecimentos de restauração e de bebidas?»

Cumpre emitir parecer, que foi distribuído como urgente.

II

1. O Decreto-Lei n.º 234/2007, de 19 de Junho[2], regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 20/2008, de 27 de Novembro, é o diploma que actualmente estabelece «o regime jurídico a que fica sujeita a instalação e a modificação de estabelecimentos de restauração ou de bebidas, bem como o regime aplicável à respectiva exploração e funcionamento» (n.º 1 do artigo 1.º).

O Decreto-Lei distingue “estabelecimentos de restauração”, que define como sendo, «qualquer que seja a sua denominação, os estabelecimentos destinados a prestar, mediante remuneração, serviços de alimentação e de bebidas no próprio estabelecimento ou fora dele» (n.º 1 do artigo 2.º) e “estabelecimentos de bebidas”, que são «qualquer que seja a sua denominação, os estabelecimentos destinados a prestar, mediante remuneração, serviços de bebidas e cafetaria no próprio estabelecimento ou fora dele» (n.º 2 desse artigo). No mesmo artigo prevê-se ainda que qualquer destes dois tipos de estabelecimentos pode «dispor de salas ou espaços destinados a dança» (n.º 3).

Segundo o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 234/2007, «em toda a publicidade, correspondência, merchandising, e documentação» (n.º 1) é obrigatória a referência ao tipo e nome do estabelecimento e, segundo o n.º 2 do artigo, os nomes e marcas nominativas ou figurativas que cada um dos estabelecimentos adoptar não poderão ser iguais às de outros ou de tal forma semelhantes que possam induzir em erro ou suscitar confusão.
Dentro destas regras podem todos estes estabelecimentos adoptar «qualquer designação consagrada nacional ou internacionalmente pelos usos da actividade que exerçam, em função do serviço ou serviços que se destinem a prestar» (n.º 2 do artigo 11.º do Decreto Regulamentar n.º 20/2008). Esta regra geral já constava da disciplina anterior constante do Decreto Regulamentar n.º 38/97, de 25 de Setembro[3], mas este diploma acrescentava o enunciado de denominações que poderiam ser adoptadas, as quais dão uma ideia da grande variedade de tipos de estabelecimentos em causa. Assim, determinava o artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 38/97 que os estabelecimentos de restauração, para além da denominação de «restaurante», podiam usar, entre outras, as denominações de «marisqueira», «casa de pasto», «pizzeria», «snack bar», «eat-driver», «take away» ou «fast food». Os estabelecimentos de bebidas previa-se que podiam usar a denominação de «bar» ou outras, «nomeadamente “cervejaria”, “café”, “pastelaria”, “confeitaria”, “boutique de pão quente”, “cafetaria”, “casa de chá”, “gelataria”, “pub” ou “taberna” (artigo 2.º). Os estabelecimentos de restauração e de bebidas que dispusessem de salas ou espaços destinados a dança, poderiam usar as denominações de “clube nocturno”, “boîte”, “night-club”, “cabaret” ou “dancing”, para além da denominação de “discoteca”, esta só admitida desde que preenchessem determinados requisitos (artigo 3.º, n.os 1 e 2, na redacção que foi dada a este artigo pelo artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 4/99, de 1 de Abril).


2 . O regime de acesso a todos os estabelecimentos de restauração ou de bebidas, incluindo aqueles que disponham de salas ou espaços destinados a dança, encontra-se previsto no Decreto-Lei n.º 234/2007, cujo artigo 14.º estabelece o seguinte:
«Artigo 14.º
Acesso aos estabelecimentos
1 - É livre o acesso aos estabelecimentos de restauração ou de bebidas, salvo o disposto nos números seguintes.
2 - Pode ser recusado o acesso ou permanência nos estabelecimentos a quem perturbe o seu funcionamento normal, designadamente por:

a) Não manifestar a intenção de utilizar os serviços nele prestados ;
b) Se recusar a cumprir as normas de funcionamento impostas por disposições legais ou privativas do estabelecimento, desde que essas restrições sejam devidamente publicitadas;
c) Entrar nas áreas de acesso reservado.

3 - Nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas pode ser recusado o acesso a pessoas que se façam acompanhar por animais, salvo quando se tratar de cães de guia e desde que essa restrição esteja devidamente publicitada.
4 – O disposto no n.º 1 não prejudica, desde que devidamente publicitadas:

a) A possibilidade de afectação total ou parcial dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas à utilização exclusiva por associados ou beneficiários das entidades proprietárias ou da entidade exploradora;
b) A reserva temporária de parte ou da totalidade dos estabelecimentos.

5 – As entidades exploradoras dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas não podem permitir o acesso a um número de utentes superior ao da respectiva capacidade.»

Consagra-se no n.º 1 do artigo um princípio geral de livre acesso cujo desrespeito, fora das excepções permitidas, constitui contra-ordenação. É assim que, segundo a alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º, as infracções ao princípio geral inscrito no n.º 1 deste artigo bem como a falta de publicitação das restrições de acesso[4] previstas nos n.os 2 e 3 são puníveis com coima de € 125 a € 1000, no caso de se tratar de pessoa singular, e de € 500 a € 5000, no caso de se tratar de pessoa colectiva, sendo puníveis as infracções ao n.º 5 desse artigo 14.º, segundo a alínea b) do mesmo número e artigo, com coima de € 300 a € 3000, no caso de se tratar de pessoa singular, e de € 1250 a € 5000, no caso de se tratar de pessoa colectiva.

A fiscalização do disposto neste Decreto-Lei e no Decreto Regulamentar n.º 20/2008 compete em regra à ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica - que procederá à instrução dos processos de contra-ordenação, cabendo a aplicação das coimas à Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade (CACMEP), conforme se colhe dos artigos 20.º e 21.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 234/2007.


3. É neste quadro que se vão projectar os condicionamentos à liberdade de acesso que, na óptica do legislador, vieram a mostrar-se necessários por razões de segurança e ordem pública.

Com efeito, a lei revela desde há uns anos a esta parte acentuadas preocupações quanto a aspectos relacionados com a segurança destes estabelecimentos, em especial com a segurança daqueles que disponham de salas ou espaços destinados a dança. Assim, logo na fase de instalação deste último tipo de estabelecimentos, no procedimento de licenciamento, é obrigatória a consulta externa do governo civil competente para verificação de aspectos de segurança e ordem pública, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 234/2007. Por outro lado, segundo o n.º 1 do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, que regula a intervenção do governador civil no licenciamento do exercício de determinadas actividades, «[o] governador civil pode aplicar a medida de polícia de encerramento de salas de dança e estabelecimentos de bebidas, bem como a de redução do seu horário de funcionamento, quando esse funcionamento se revele susceptível de violar a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas»[5].

De diferente conteúdo são as medidas legislativas que reconhecem uma relação de complementaridade entre as actividades das forças e serviços integrados nos sistemas de segurança pública e de protecção civil do Estado e as actividades de segurança privada, que só podem ser exercidas nos termos do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro[6], diploma que no momento presente regula a matéria. Segundo o artigo 2.º deste Decreto-Lei a actividade de segurança privada compreende, no que releva para o presente parecer, os serviços de «vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou susceptíveis de provocar actos de violência no interior de edifícios ou locais de acesso vedado ou condicionado ao público, designadamente estabelecimentos, certames, espectáculos e convenções» (alínea a) do n.º 1 deste artigo 2.º). O diploma admite a segurança privada prestada a terceiros por entidades privadas (alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º) bem como serviços de autoprotecção organizados por quaisquer entidades em proveito próprio (alínea b) do mesmo número e artigo), neste caso com recurso exclusivo a trabalhadores vinculados por contrato de trabalho a essas mesmas entidades (artigo 3.º, n.º 1).

As actividades de segurança privada foram objecto de um primeiro tratamento normativo pelo Decreto-Lei n.º 282/86, de 5 de Setembro[7]. E foi em sede de regulação do exercício da actividade de segurança privada por um diploma posterior, o Decreto-Lei n.º 231/98, de 22 de Junho, que ficou previsto que «[o]s estabelecimentos de restauração e de bebidas, nomeadamente os recintos de diversão, bares, discotecas, boîtes, que disponham de salas ou de espaços destinados a dança, podem ser obrigados, nos termos e condições a fixar por Portaria conjunta dos Ministros da Administração Interna e da Economia, a dispor de um sistema de segurança privada que inclua meios electrónicos para vigilância e controlo da entrada, saída e permanência de pessoas, bem como para a prevenção da entrada de armas, substâncias, engenhos e objectos de uso e porte legalmente proibidos, no espaço físico onde é exercida a actividade» (artigo 5.º, n.º 2)[8].

A relevância dada à segurança nos estabelecimentos dotados de espaços destinados a dança fica bem marcada pelo facto de a matéria ter passado a ser objecto de tratamento separado e autónomo em diploma legislativo, que começou por ser o Decreto-Lei n.º 263/2001, de 28 de Setembro, o qual já estabelecia de forma imediata a obrigatoriedade de instalação de um sistema de segurança privada, mais tarde substituído pelo Decreto-Lei n.º 101/2008, de 16 de Junho, actualmente em vigor[9].

Com este Decreto-Lei o legislador entendeu reforçar as medidas de segurança anteriormente previstas. Estabelecem-se neste diploma não só maiores exigências de segurança como também «são agravadas as sanções previstas para o incumprimento das regras relativas aos sistemas de segurança privada dos estabelecimentos e, no caso das infracções mais graves, o governador civil territorialmente competente pode determinar o encerramento provisório do estabelecimento como medida cautelar» (Preâmbulo do diploma).

O Decreto-Lei estabelece a obrigatoriedade da adopção de um sistema de segurança privada pelos estabelecimentos de restauração ou de bebidas, independentemente da designação que adoptem, «que disponham de espaços ou salas destinados a dança ou onde habitualmente se dance» (artigo 1.º, n.º 1). Inclui esse sistema de segurança privada, conforme a lotação dessas estabelecimentos, ou ligação à central pública de alarmes[10] nos termos da lei (alínea a) daquele n.º 1, aplicável a estabelecimentos com lotação até 100 lugares), ou a presença de um ou de mais vigilantes no controlo de acesso e o estabelecimento de um sistema de controlo de entradas e saídas por vídeo (nos estabelecimentos com lotação entre 101 e 1000 lugares) a que acresce, nos estabelecimentos com lotação igual ou superior a 1001 lugares, o estabelecimento de um sistema de controlo de permanência por vídeo (alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 1.º). Os estabelecimentos com lotação superior a 100 lugares também devem, no que se refere ao controlo de entrada, incluir «equipamentos técnicos destinados à detecção de armas, objectos, engenhos ou substâncias de uso e porte legalmente proibido ou que ponham em causa a segurança das pessoas e bens» (artigo 2.º, n.º 1).

Também é obrigatória a afixação na entrada das instalações, em local bem visível, de um aviso como o seguinte teor: «A entrada neste estabelecimento é vedada às pessoas que se recusem a passar pelo equipamento de detecção de objectos perigosos ou de uso proibido», segundo o n.º 2 do citado artigo 2.º. E também é obrigatória, na entrada das instalações sob vigilância, a afixação em local bem visível de um aviso com os seguintes dizeres: «Para sua protecção, este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo‑se à gravação de imagens e som» (alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º). As gravações de imagem e som deverão, por sua vez, ser conservadas pelo prazo de 30 dias pelos proprietários e administradores ou gerentes de sociedades que explorem o estabelecimento (alínea c) do n.º 1 do artigo referido), findo o qual serão destruídas (alínea e)), além de que deverão ser entregues à autoridade judiciária competente, quando solicitadas, nos termos da legislação penal e processual penal (alínea d)).

As infracções ao disposto no diploma constituem contra-ordenações punidas com coima (artigo 6.º), mas poderá também o governador civil determinar a medida cautelar de encerramento provisório do estabelecimento e fixar o prazo dentro do qual deverão ser adoptadas as providências adequadas à regularização da situação «com a advertência de que o incumprimento da injunção constitui fundamento da aplicabilidade da medida acessória de encerramento do estabelecimento, nos termos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro» (n.os 1 e 2 do artigo 7.º), que é o diploma que contém o regime geral do ilícito de ordenação social.

Resulta do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 101/2008 - por remissão que no seu n.º 1 é feita para os artigos 31.º e 35.º do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro, sobre o exercício da actividade de segurança privada - que a fiscalização do cumprimento das suas normas (nos termos do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 35/2004, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 38/2008, de 8 de Agosto) e o levantamento dos autos de contra-ordenação, (nos termos do n.º 1 do artigo 35.º do mesmo Decreto-Lei n.º 35/2004) são assegurados pela Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, com a colaboração da Guarda Nacional Republicana, sem prejuízo das competências das forças e serviços de segurança e da Inspecção-Geral da Administração Interna. A instrução dos processos de contra-ordenação, nos termos do n.º 2 do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 35/2004, é da competência do secretário-geral do Ministério da Administração Interna, o qual a pode delegar nos termos da lei e sem prejuízo das competências próprias das forças de segurança. A aplicação das coimas e sanções acessórias compete ao Ministro da Administração Interna (n.º 3 do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 35/2004).

III
4. A acrescer ao regime vigente acabado de descrever nos seus traços gerais a presente consulta refere a hipótese da «criação de uma lista nominal de pessoas a quem possa ser vedado o acesso e a permanência em estabelecimentos de restauração e de bebidas».

Compreende-se que, por ter sido pensada no estádio inicial de formulação de uma proposta ou de uma mera hipótese de desenvolvimento normativo, a consulta se limite a indicar questões suscitadas de forma imediata pela possibilidade da sua concretização, omitindo precisões quanto ao âmbito e enquadramento da própria ideia inicial. Por essa razão, afigura-‑se conveniente uma clarificação do objecto do parecer que oriente a exposição da matéria.

Na abordagem do tema convirá distinguir três aspectos interligados sequencialmente, a saber: a ocorrência de ilícitos no acesso e no interior dos estabelecimentos, também eventualmente relacionados com a utilização dos serviços neles proporcionados[11]; a organização de uma lista de pessoas a quem possam ser imputados esses ilícitos; e, a terminar, a finalidade que se pretende seja reconhecida a essa lista e os respectivos efeitos.

Como ficou visto, o princípio geral é o da liberdade de acesso (n.º 1 do já transcrito artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 234/2007) que tem por destinatários passivos os responsáveis pelo estabelecimentos. A estes é consentido oporem-se a essa liberdade recusando o acesso ou a permanência a quem perturbe o funcionamento normal, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 14.º, aplicável a quem, designadamente, não manifestar a intenção de utilizar os serviços prestados nos estabelecimentos (alínea a)), se recusar a cumprir as normas de funcionamento (alínea b)), ou entrar nas áreas de acesso reservado (alínea c)) num quadro de relacionamento que começa por ser um quadro contratual de direito privado. No entanto, extravasando desse quadro, poderão verificar-se situações em que são lesados valores como a segurança de pessoas e bens, tutelados pelo direito sancionatório público.

Nas considerações que na consulta antecedem o enunciado das questões a tratar, faz-se alusão a «clientes ou frequentadores cuja principal actividade é provocar desacatos» e a pessoas «que tenha[m] cometido ilícitos nesses estabelecimentos e a quem possa ser vedado o acesso e permanência». Não se terá assim em vista uma vigilância e uma intervenção relativas a uma pluralidade indiscriminada de indivíduos. Pressupõe-se uma actuação pontual e sobretudo preventiva, no sentido de ser uma actuação dirigida a pessoa ou pessoas previamente assinaladas, anterior a qualquer ameaça de perturbação da ordem, de forma a que se torne desnecessária, tanto quanto possível, a posterior imposição coactiva da ordem pelas forças policiais.

É neste contexto que vem colocada a sugestão da criação de uma lista nominal, da qual constarão as pessoas «que tenham cometido ilícitos nesses estabelecimentos», cujo valor é meramente instrumental da tomada de medidas e da prossecução de finalidades de interesse público.

Nesta ordem de ideias, nos desenvolvimentos que vão seguir-se parte-se da suposição de que não se terá em vista a criação e manutenção de uma pluralidade de listas elaborada para cada estabelecimento por iniciativa e no interesse de cada um dos respectivos responsáveis, mas sim de uma lista aplicável indistintamente a vários estabelecimentos. Mais se pressupõe que essa hipotética lista será criada e mantida pelas forças de segurança por só elas disporem dos poderes legais e dos meios necessários para vedarem ou proibirem o acesso e permanência, sem prejuízo de que, para efeitos de elaboração da lista, sejam tidos em conta dados de facto e outros elementos fornecidos pelos responsáveis pelo funcionamento dos estabelecimentos.


5. Feitas estas observações, passemos a abordar, tendo em conta o que é preceituado pela ordem jurídica presentemente em vigor, a temática respeitante à referida lista nominal de pessoas e vejamos muito sucintamente os requisitos a que deverá obedecer esse documento quanto à sua criação, às regras da sua utilização, às propriedades e exigências que o seu conteúdo deve satisfazer e, finalmente, quanto aos direitos que podem exercer os titulares desses dados, ou seja, as pessoas que sejam identificadas ou identificáveis através deles[12].

A organização de uma lista de nomes de pessoas envolve uma operação de tratamento de dados que cai sob a alçada da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, Lei da Protecção de Dados Pessoais[13], quer sejam utilizados meios total ou parcialmente automatizados, quer os dados pessoais se encontrem em ficheiros manuais ou a estes sejam destinados e nesse caso sejam tratados por meios não automatizados (artigo 4.º, n.º 1)[14].

No “tratamento” estão incluídas operações diversas tais como a recolha, o registo, a organização, a conservação, a alteração, a consulta, a transmissão, o apagamento ou a destruição de dados (alínea b) do artigo 3.º). “Dados pessoais” são qualquer informação relativa a uma pessoa identificada ou identificável, entendendo-se que é identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação, de entre outros indicadores (alínea a) do artigo 3.º); o nome da pessoa, que é um elemento identificador, é assim claramente, um dado pessoal.

O artigo 6.º da Lei n.º 67/98 estabelece as circunstâncias em que é legítimo o tratamento de dados. A regra é a de que o tratamento só pode ser efectuado se o titular dos dados, ou seja, a pessoa à qual se referem os dados, tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento (corpo do artigo), mas esse consentimento não é exigido se o tratamento for necessário para «[e]xecução de uma missão de interesse público ou no exercício de autoridade pública em que esteja investido o responsável pelo tratamento ou um terceiro a quem os dados sejam comunicados» (alínea d) do artigo 6.º).

Os dados pessoais só podem ser «recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas» e não poderão ser «posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades» (alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º). Devem ainda ser «adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e posteriormente tratados» (alínea c)), exactos e, se necessário, actualizados (alínea d)) e só poderão ser conservados por forma que permita a identificação dos seus titulares, ou seja, das pessoas identificadas ou identificáveis através deles, «durante o período necessário para a prossecução das finalidades da recolha ou do tratamento posterior» (alínea f) do mesmo número e artigo). Os responsáveis pelo seu tratamento e pessoas que tenham conhecimento dos dados pessoais tratados no exercício das suas funções ficam obrigados a sigilo profissional «mesmo após o termo das suas funções» (artigo 17.º, n.º 1).

A Lei n.º 67/98 consagra o direito do titular a ser informado do tratamento respeitante aos seus dados pessoais (artigo 10.º), bem como lhe confere o direito de acesso, que lhe permite controlar a exactidão das informações constantes dos ficheiros que lhe digam respeito, desencadeando os procedimentos de rectificação e actualização dos mesmos (artigo 11.º). No entanto, «a obrigação de informação pode ser dispensada, mediante disposição legal ou deliberação da CNPD, por motivos de segurança do Estado e prevenção ou investigação criminal» (n.º 5 do artigo 10.º) e o direito de acesso será exercido em princípio através da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) «[n]o caso de tratamento de dados pessoais relativos à segurança do Estado e à prevenção ou investigação criminal» (n.º 2 do artigo 11.º).

O artigo 8.º da Lei n.º 67/98 dispõe[15] sobre a informação relativa a suspeitas de actividades ilícitas, infracções penais e contra-ordenações. O legislador começa, no n.º 1 deste artigo, por regular a criação e manutenção de «registos centrais», no sentido de registos da responsabilidade de uma única entidade, com vocação para abranger toda uma categoria de pessoas às quais seja comum uma determinada qualidade ou situação – o registo criminal, no contexto presente, será um exemplo típico - «relativos a pessoas suspeitas de actividades ilícitas, infracções penais, contra-ordenações e decisões que apliquem penas, medidas de segurança, coimas e sanções acessórias». Estes registos, que só serviços públicos poderão criar e manter, terão de ser objecto de previsão e regulação em diploma legal sujeito a prévio parecer da CNPD. No n.º 2, que se aplica a registos não centrais, procede a Lei à previsão do tratamento de dados pessoais que terá de ser autorizado pela Comissão quando «for necessário à execução de finalidades legítimas do seu responsável, desde que não prevaleçam os direitos liberdades e garantias do titular dos dados». No n.º 3 regula-se o caso mais específico de utilização dos dados para fins de investigação policial, interessando destacar que o respectivo tratamento deverá limitar-se ao necessário, entre outras finalidades, «para o exercício de competências previstas no respectivo estatuto orgânico ou noutra disposição legal».

A lista da qual constem os dados pessoais de pessoas que tenham cometido ilícitos nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas não constitui um registo central e por essa razão, em aplicação do n.º 2 deste artigo, não terá de ser prevista e regulada em diploma legal. Bastará que, em aplicação do n.º 3, sejam conferidas competências para fins de investigação policial à entidade que organize a lista nos termos do respectivo estatuto orgânico ou de outra disposição legal.


6. As forças de segurança colocadas na dependência do Ministério da Administração Interna – designadamente a Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR) – têm poderes para proceder ao tratamento de dados pessoais, nomeadamente para elaborarem listagens de pessoas, conforme resulta do direito vigente, embora esses poderes lhes tenham sido reconhecidos em diplomas anteriores à Lei n.º 67/98.

Segundo a Lei n.º 53/2007, de 31 de Agosto, que aprova a orgânica da PSP, esta força de segurança tem por missão genérica «assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos» (n.º 2 do artigo 1.º) e, de entre as suas atribuições, assinalam-se as de «[g]arantir a ordem e a tranquilidade públicas e a segurança e a protecção de pessoas e bens» (alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º), «[p]revenir a criminalidade em geral, em coordenação com as demais forças e serviços de segurança» (alínea c) do mesmo número e artigo), e em matéria afim da que é objecto do parecer, «[g]arantir a segurança nos espectáculos, incluindo os desportivos, e noutras actividades de recreação e lazer, nos termos da lei» (alínea l) do n.º 2 do mesmo artigo).

A Lei n.º 63/2007, de 6 de Novembro, que aprova a orgânica da GNR[16], adopta no que respeita à definição da missão e das atribuições desta força de segurança, ressalvadas as diferenças quanto a matérias específicas, formulações muito aproximadas daquelas que são utilizadas na lei orgânica da PSP, designadamente quanto à garantia da ordem e tranquilidade pública e à segurança e protecção de pessoas e bens (alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º), quanto à prevenção da criminalidade (alínea c) do mesmo número e artigo) e quanto à segurança nos espectáculos e actividades de recreação e lazer (alínea f) do n.º 2 do artigo 3.º).

A listagem de pessoas que tenham provocado perturbações da ordem, acções delituosas ou ilícitos de vária ordem nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas constitui um registo de dados pessoais e a esse título constitui também tratamento de dados pessoais. É assim instrumento para a «execução de finalidades legítimas do seu responsável», ou seja, da PSP e da GNR, sem que se possa entender que prevaleçam neste contexto direitos, liberdades e garantias do titular dos dados (n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 67/98) e insere-se, no que respeita à sua utilização em prevenção e investigação policial, no «exercício de competências previstas no respectivo estatuto orgânico» (n.º 3 do mesmo artigo 8.º), além de ser necessária para a execução de uma missão de interesse público ou para o exercício de autoridade pública em que, nos termos da alínea d) do artigo 6.º desta Lei, está investido o responsável pelo tratamento, ou seja, a autoridade policial.

A PSP e a GNR estão assim legitimadas, em abstracto, para criar e manter os referidos registos.

Essa possibilidade legal obteve concretização com a entrada em vigor do Decreto Regulamentar n.º 5/95, de 31 de Janeiro, aplicável à PSP, e do Decreto Regulamentar n.º 2/95, de 25 de Janeiro, aplicável à GNR, emitidos ao abrigo do artigo 44.º da Lei n.º 10/91, de 29 de Abril, que regulava a matéria da protecção de dados pessoais antes de ser revogada pela Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro.

Os dois decretos regulamentares, de redacção em larga medida coincidente, têm por objecto as duas bases de dados do denominado Sistema de Informações Operacionais de Polícia, abreviadamente SIOP/PSP e SIOP/GNR, de que cada uma das duas forças de segurança dispõe. A finalidade destas bases de dados é a de «organizar e manter actualizada a informação necessária ao exercício das missões» (n.º 2 do artigo 1.º dos dois diplomas) de cada uma das duas forças.

No articulado é feita distinção entre tipologia da informação recolhida nos ficheiros e dados pessoais objecto de tratamento.

A informação diz respeito a matéria relacionada com situações e factos de relevância policial, interessando, porque tem conexão mais próxima com a matéria do parecer, referir a alínea e) do n.º 3 do artigo 2.º, de igual redacção nos dois diplomas. Segundo esta alínea, o SIOP integra informação sobre «[i]dentificação de vítimas, detidos, arguidos ou promotores no que concerne à suspeita da prática ou à prática de actos ilícitos penais contra as pessoas, contra o património, contra a paz e a humanidade, contra a vida em sociedade e contra o Estado».

Para além de dados pessoais de identificação pormenorizados quando as pessoas que integram os ficheiros «estiverem sob suspeita de participação em infracções penais» (alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º dos dois diplomas), abrangem os ficheiros «as decisões judiciais que, por força da lei, sejam comunicadas» à PSP ou à GNR (alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º dos dois diplomas) e também «[a] participação ou a suspeita de participação [«ou indícios de participação», no decreto respeitante à GNR] em actividades ilícitas, bem como dados relativos a sinais físicos particulares, objectivos e inalteráveis, as alcunhas, a indicação de que a pessoa em causa está armada, é violenta, o motivo pelo qual a pessoa em causa se encontra assinalada e a atitude a tomar» (alínea c) do mesmo número e artigo nos dois decretos regulamentares).

PSP e GNR, como se verifica, têm ao seu dispor e em conformidade com a lei, os suportes informáticos para o tratamento dos dados pessoais, com base nos quais poderá ser organizada uma lista de pessoas que tenham cometido ilícitos nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas. Por outro lado, de acordo com o n.º 3 do artigo 4.º de cada um dos diplomas, «os dados pessoais constantes da base de dados […] podem ainda ser recolhidos a partir de informações colhidas [pela PSP ou pela GNR] no exercício da sua missão». Não está portanto excluído que dados a recolher nos ficheiros possam provir de informações constantes de participações ou queixas apresentadas pelos responsáveis por aqueles estabelecimentos e bem assim de informações colhidas directamente no terreno pelos elementos das forças de segurança.


7. É possível e legal a organização de uma lista de pessoas que tenham cometido ilícitos nos estabelecimentos como acaba de se ver. Mas refere-se na consulta que se tratará de uma lista nominal de «pessoas a quem “possa” ser vedado o acesso e permanência» (questão 1 com itálico nosso) e é perguntado se, quanto à inclusão de pessoas nessa lista, «”pode” ser efectivamente “proibido” o acesso e a permanência em estabelecimentos de restauração e de bebidas» (questão 3 com itálicos nossos). Abre-se aqui uma problemática ainda não abordada e que tem de ser enfrentada.

Os proprietários e responsáveis pelos estabelecimentos, porque têm de respeitar o princípio legal de liberdade de acesso aos estabelecimentos por parte dos seus utentes ou frequentadores, não gozam da prerrogativa de lhes recusar previamente o acesso ou permanência apenas com fundamento em que se encontram mencionados em uma lista que os assinala como causadores de distúrbios. O n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 234/2007, já transcrito, tem em vista casos de perturbação actual e pontual, caso por caso, do funcionamento normal. O preceito faculta efectivamente a recusa de acesso ou permanência, mas com base na ocorrência de factos concretos justificativos; não tem por pressuposto uma proibição que possa efectivar-se em abstracto, fundamentada na mera referenciação de determinadas pessoas em uma listagem.

Diga-se aliás que é proibida ao pessoal de vigilância privada que, conforme se disse no n.º 3 deste parecer, alguns destes estabelecimentos são obrigados a ter ao seu serviço nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 101/2008, «a prática de actividades que tenham por objecto a prossecução de objectivos ou o desempenho de funções correspondentes a competências exclusivas das autoridades judiciárias ou policiais» (alínea b) do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 35/2004 já referido, sobre o exercício da actividade de segurança privada). Compatível com esta proibição é apenas o dever das entidades de segurança privada de colocarem os seus meios humanos e materiais à disposição e sob o comando das forças ou serviços de segurança quando estes intervenham em locais onde também actuem entidades de segurança privada (n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei citado).

Passemos então a abordar a questão suscitada pela hipótese ou sugestão de proibição de acesso e permanência em estabelecimentos de restauração ou de bebidas, aplicável em consequência de determinadas pessoas terem sido referenciadas em lista elaborada para esse efeito, desde já adiantando que essa proibição sai fora do enquadramento contratual estabelecido pelo fornecimento de serviços de restauração e de bebidas e implica o exercício de poderes de autoridade e de intervenção das entidades responsáveis pela ordem e segurança públicas legitimadas para intervir em situações de perturbação da ordem, recorrendo à força se necessário. Estes são atributos que não estão ao alcance dos proprietários e responsáveis pelos estabelecimentos em causa.


8. O artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa estabelece o seguinte, nos n.os 1 e 2:

«Artigo 27.º
(Direito à liberdade e à segurança)
1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
3. ….……………………………………………………………
4. ………………………………………………………………
5…..…………………………………………………………….»

Basicamente o direito à liberdade significa, segundo J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, «direito à liberdade física, à liberdade de movimentos, ou seja, direito de não ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar»[17], ou também, por outras palavras, «liberdade de movimentos corpóreos, de “ir e vir”, a liberdade ambulatória ou de locomoção»[18]. Foi a partir da revisão constitucional de 1982 que o n.º 2 do artigo 27.º da Constituição passou a referir também a privação parcial da liberdade, tornando aplicável a esta regime idêntico ao da privação total. Privação parcial da liberdade equivalerá a restrições ao direito à liberdade que não suprimem ou eliminam a possibilidade de opções de movimentação e de permanência do cidadão em espaço ou local da sua escolha, mas que condicionam ou limitam o campo, que de outra forma se manteria aberto e ilimitado, das opções do sujeito.

Na jurisprudência constitucional portuguesa, acolhendo a doutrina germânica, distingue-se, a este respeito, entre privação da liberdade e limitação ou restrição da liberdade, como se pode ler no Acórdão n.º 479/94 do Tribunal Constitucional[19], nos termos que se passam a transcrever:

«Segundo Maunz-Dürig, a privação da liberdade (Freiheitsentziehung) existe quando alguém, contra a sua vontade, é confinado, coactivamente, através do poder público, a um local delimitado, de modo que a liberdade corporal-espacial de movimento lhe é subtraída. Local delimitado (eng umgrenzter Ort) pode ser o espaço de um edifício ou um acampamento. Haverá ainda privação da liberdade quando a pessoa detida puder deixar o estabelecimento prisional para trabalhar sob vigilâncias das autoridades prisionais.

A mera limitação de liberdade (Freiheitsbeschränkung) existe quando alguém é impedido, contra a sua vontade, de aceder a um certo local que lhe seria jurídica e facticamente acessível ou de permanecer num certo espaço. A liberdade de movimentação não é, assim, em contraposição à privação da liberdade, subtraída, mas apenas limitada numa certa direcção (cf. Grundgesetz, Kommentar, § 104, 6 e 12).

A privação da liberdade traduz-se numa perturbação do âmago do direito à liberdade física, à liberdade de alguém se movimentar e circular sem estar confinado a um determinado local, sendo a essência do direito atingida por um determinado tempo (que pode ser, aliás, de duração muito reduzida).

A limitação ou restrição da liberdade (que não implique a sua privação) concretiza-se através de uma perturbação periférica daquele direito, mantendo-se, no entanto, a possibilidade de exercício das faculdades fundamentais que o integram.»

À luz destas considerações, a proibição de acesso ou de permanência em estabelecimentos de restauração ou de bebidas constitui, na terminologia utilizada no transcrito n.º 2 do artigo 27.º da Constituição, uma privação parcial do direito à liberdade constitucionalmente consagrado ou, noutra formulação, uma limitação ou restrição desse mesmo direito.

Porque estamos colocados no âmbito da matéria respeitante a direitos, liberdades e garantias, incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, uma primeira consequência desta posição é a de que a disciplina normativa da proibição referida terá de constar de lei parlamentar ou de decreto-lei do Governo, emanado ao abrigo de autorização legislativa[20].
9. As medidas de privação total ou parcial da liberdade são restrições do direito à liberdade consagrado no n.º 1 do artigo 27.º da Constituição[21].

A restrição imediatamente evidente é aquela que consiste no cumprimento e execução da pena de prisão ou de medida de segurança privativa da liberdade – trata-se nesse caso de uma privação total da liberdade, decretada por sentença judicial, referida no n.º 2 do artigo 27.º, que é um preceito de contornos abertos à previsão legal de condutas punidas com penas de prisão ou a que sejam aplicáveis medidas de segurança.

O n.º 3 do artigo 27.º, por sua vez, adita[22] a esta restrição à liberdade o enunciado fechado e exaustivo de excepções à regra de que a privação total ou parcial da liberdade só pode ter lugar em execução de pena de prisão ou medida de segurança, ditada por sentença judicial condenatória. Conforme expressivamente se afirma no acórdão n.º 479/94 do Tribunal Constitucional[23], «as restrições ao direito à liberdade que se traduzam na sua privação total ou parcial não podem ser outras que as ali [refere-se aos n.os 2 e 3 do artigo 27.º da Constituição] expressamente previstas, sendo vedado à lei criar outras restrições para além daquelas – princípio da tipicidade constitucional das medidas privativas da liberdade».

Não quer isso dizer que esteja vedada pela Lei Fundamental a imposição da proibição de acesso e de permanência em determinados locais, que poderão ser estabelecimentos de restauração ou de bebidas. O facto de a lei vigente não prever alguma pena principal ou acessória com esse conteúdo não significa de forma nenhuma que esteja impedida de a estatuir, se o legislador entender necessária ou conveniente essa medida. O que se passa é que, não cabendo esta proibição no enunciado fechado - contido no n.º 3 - das excepções à regra da jurisdicionalização da privação (total ou parcial) da liberdade contida no n.º 2 do artigo 27.º da Constituição, essa proibição só será admissível se for determinada por sentença judicial condenatória ou por decisão judicial que aplique medida de segurança, nos termos daquele n.º 2. E para que isto seja praticável tornar-se-á necessária previsão normativa de conteúdo incriminatório da conduta em causa, contida em lei da Assembleia da República ou em decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa, dado que a temática se situa na matéria de reserva relativa de competência legislativa, designadamente na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição - «[d]efinição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos»[24] - independentemente de ser também aplicável, como se disse, a alínea b) do mesmo número e artigo.
Neste contexto, a circunstância de a proibição de que vimos falando constituir uma privação parcial da liberdade não legitima o afastamento ou a cedência das regras expostas nos n.os 2 e 3 do artigo 27.º; é vedado à lei criar outras restrições, designadamente privações parciais da liberdade, para além daquelas que são admitidas e reguladas por esses preceitos constitucionais. Como referem J. J. Canotilho / Vital Moreira, (ob. cit. na nota 17 supra, pág. 479), «[a] distinção entre privação total da liberdade (nomeadamente a prisão, que aliás pode revestir diversos graus de intensidade de confinamento) e a privação parcial (por exemplo, a proibição de entrada em determinados locais, proibição de residência em determinada localidade ou região) só tem relevo constitucional na medida em que a diferente gravidade de uma e outra deve ser tomada em conta na sua justificação sob o ponto de vista da proporcionalidade».

Do mesmo passo a reserva de lei imposta em aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, a que aludimos, acompanha-se de uma reserva de decisão judicial, que implica «a proibição de medidas administrativas de privação da liberdade (ressalvado o caso da prisão disciplinar militar)», conforme mencionam também os autores citados (ob. cit., na nota 17 supra, pág. 480). Proibidas que são medidas administrativas de privação da liberdade, torna-se patente o monopólio da primeira palavra, monopólio do juiz ou reserva absoluta de jurisdição, porque «compete ao juiz não só a última e decisiva palavra mas também a primeira palavra referente à definição do direito aplicável a certas relações jurídicas»[25], por força da exigência de intervenção de sentença judicial condenatória contida no n.º 2 do artigo 27.º da Constituição.
10. No Código Penal não se encontram previstas penas ou medidas de segurança que tenham por conteúdo privações parciais da liberdade.

No entanto, em legislação avulsa e em área temática afim daquela em que se situa o parecer, podem apontar-se exemplos da previsão de privação parcial da liberdade decretada pelo tribunal. Assim, a Lei n.º 5/2006, de 5 de Fevereiro, que aprova o regime jurídico das armas e suas munições, prevê no artigo 91.º, n.º 1, que, a título de pena acessória, possa «ser temporariamente interdita a frequência, participação ou entrada em estabelecimento de ensino, recinto desportivo, estabelecimentos ou locais de diversão, locais onde ocorra manifestação cultural, desportiva ou venatória, feira ou mercado, campo ou carreira de tiro» a quem for condenado pela prática de determinados crimes. A Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho, que estabelece o regime jurídico do combate à violência nos espectáculos desportivos institui no artigo 35.º a pena acessória de privação do direito de entrar em recintos desportivos «por um período de 1 a 3 anos, se pena acessória mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal» (n.º 1 do artigo).

Por sua vez, podem os tribunais, em aplicação do disposto no Código Penal e no Código de Processo Penal, impor medidas que, embora não se confundam com penas ou medidas de segurança, têm como efeito privações parciais da liberdade. Com efeito, o tribunal pode impor ao condenado o cumprimento de «regras de conduta de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade», segundo o que dispõe o artigo 52.º, n.º 1, do Código Penal. Neste artigo 52.º, sob a expressa menção de que se trata de enumeração não taxativa, contém-se um elenco de regras de conduta e nele se insere a imposição de «[n]ão frequentar certos meios ou lugares» (alínea b) do n.º 2 do artigo 52.º), na qual se pode incluir, nos termos que a decisão do tribunal concretizar, a imposição de não frequentar estabelecimentos de restauração ou de bebidas.

As regras de conduta, e nelas incluída em concreto, se estabelecida na decisão, a imposição de não frequentar certos meios ou lugares, podem ser impostas quando, nos termos do artigo 52.º do Código Penal, o juiz determina a mera suspensão da execução da pena de prisão, mas o regime contido neste artigo é também aplicável em outros circunstancialismos, por remissão que para ele é feita em outros preceitos do Código Penal. Assim, desde logo também quando a suspensão da pena é acompanhada de regime de prova (artigos 53.º e 54.º, n.º 3), ou quando é suspensa a execução da medida de segurança de internamento de inimputáveis (artigo 98.º, n.º 3) ou a execução da pena de prisão em que tiver sido condenado agente imputável, portador de anomalia psíquica sem perigosidade, posterior à prática do crime (artigo 106.º, n.º 2). Podem ser impostas regras de conduta por aplicação do artigo 52.º quando a pena de prisão é substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º, n.º 6), bem como quando o condenado é colocado em liberdade condicional (artigo 64.º, n.º 1). A aplicabilidade do regime estabelecido pelo artigo 52.º também ocorre quando são aplicadas medidas de segurança não privativas da liberdade a reincidentes ou a delinquentes inimputáveis mas em relação aos quais se verifiquem os pressupostos da reincidência, salvo a imputabilidade (artigo 102.º, n.º 1).

No Código de Processo Penal estabelece-se que pode ser imposta ao arguido, a título de medida de coacção, a obrigação de «não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas ou não frequentar certos lugares ou certos meios» (alínea d) do n.º 1 do artigo 200.º). A aplicação da regra de conduta de «não frequentar certos meios ou lugares» também está prevista nos casos de suspensão provisória do processo (artigo 281.º, n.º 2, alínea g), deste Código).

Poderia pôr-se a hipótese de organização de listas das pessoas a quem tivessem sido judicialmente impostas estas medidas. Trata-se de um aspecto que, no entanto, se situa para além do objecto da presente consulta, na qual as questões colocadas se situam no campo definido pela aplicação do Decreto-Lei n.º 234/2007 e pela execução das normas nele contidas no respeitante ao relacionamento entre particulares e entre estes e as autoridades policiais. Por essa razão limitar-nos-emos às breves observações que se seguem.

Enquanto, relativamente aos casos de aplicação de pena com o alcance de privação parcial da liberdade de que demos exemplos, seria materialmente possível a criação de uma lista das pessoas condenadas, o controlo do cumprimento de regras de conduta com este alcance, mediante utilização de listas de indivíduos aos quais tivessem sido aplicadas estas regras, seria, senão impraticável, pelo menos dificilmente exequível e sem garantias de cobrir todos os casos.

Com efeito, poderia admitir-se a organização dessas listas com base em informação colhida através de acesso aos dados constantes do registo criminal. Tanto a PSP como a GNR podem aceder à informação sobre identificação criminal e têm acesso directo ao ficheiro central informatizado do registo criminal (artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 381/98, de 27 de Novembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 288/2009, de 8 de Outubro, que regulamenta e desenvolve o regime da identificação criminal aprovado pela Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto).

Sucede porém que as obrigações ou regras de conduta não são objecto de registo criminal, pelo menos com o pormenor que permita verificar se terá sido imposta a obrigação de não frequentar determinado estabelecimento de restauração ou de bebidas ou algum tipo de estabelecimento dessa espécie. No registo criminal são inscritas «as decisões que apliquem penas e medidas de segurança, as que determinem o seu reexame, substituição, suspensão, prorrogação da suspensão, revogação e as que decidirem a sua extinção» (artigo 5.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 57/98, na redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro); não estão incluídas no preceito transcrito as regras de conduta. Quanto a estas, quando muito, é feita menção genérica da sua imposição, sem a sua descrição ou concretização, em reprodução do que consta dos boletins do registo criminal recebidos dos tribunais, sobre o conteúdo dos quais dispõe o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 381/98.


11. Pergunta-se na consulta se é admissível «a criação de uma lista nominal de pessoas a quem possa ser vedado o acesso e a permanência em estabelecimentos de restauração e de bebidas» (1.ª questão) e também, em sede de consequências que pode ter a inclusão de alguém no âmbito dessa lista, se «pode ser efectivamente proibido o acesso e permanência em estabelecimentos de restauração e de bebidas» (3.ª questão).

A administração pode aplicar medidas sancionatórias – nomeadamente no âmbito do ilícito contra-ordenacional e do ilícito disciplinar – mas resulta das considerações anteriores que lhe está constitucionalmente vedado aplicar medidas de privação, ainda que parcial, do direito à liberdade[26]. Não podem, portanto, os órgãos administrativos proibir a alguma pessoa o acesso e a permanência em estabelecimento de restauração ou de bebidas com base apenas no facto de essa pessoa estar referenciada em uma lista de que disponham as autoridades policiais hipoteticamente encarregadas de dar aplicação a essa proibição. Muito menos será permitido aos particulares – no caso, proprietários ou responsáveis pelos estabelecimentos – impor essa proibição.

A previsão em lei da Assembleia da República ou em decreto-lei autorizado e a previsão de punição por via de decisão judicial constituem a via compatível com a Constituição para tornar legalmente admissível a proibição de acesso ou permanência em estabelecimentos de restauração ou de bebidas e para proceder à aplicação desta proibição, quer haja quer não haja uma lista de pessoas que tenham cometido ilícitos nesses estabelecimentos.

A resposta às duas questões colocadas flui do que acaba de ser referido. É admissível que possam ser organizadas, criadas e mantidas pelas autoridades policiais listas de pessoas que tenham provocado distúrbios e desacatos em estabelecimentos de restauração ou de bebidas em termos que perturbem o respectivo funcionamento e que ponham em causa a segurança de pessoas e bens. Essas listas, elaboradas com base nos dados de facto directamente presenciados pelas autoridades policiais ou em informações por elas colhidas, ou com base em participações ou queixas dos responsáveis pelos estabelecimentos ou de cidadãos que se tenham considerado lesados, serão instrumentos auxiliares do cumprimento das missões de que estão incumbidas as forças de segurança dependentes do Ministério da Administração Interna, nomeadamente a PSP e a GNR, colocando ao dispor destas informações relevantes para a sua actuação e intervenção no terreno em reposição da ordem e restabelecimento da segurança de pessoas e bens, quando necessário, e para efeitos de prevenção e investigação criminal em geral.

É claro que os agentes da autoridade poderão impedir ou vedar o acesso ou a permanência a quem produzir alterações da ordem à entrada daqueles espaços ou no interior dos mesmos. No entanto, a inclusão de alguma pessoa em alguma dessas listas não pode constituir fundamento válido, só por si, para que, a quem nelas tiver sido incluído possa ser vedado o acesso e permanência nos estabelecimentos por decisão tanto dos agentes da autoridade como dos proprietários ou responsáveis pelo funcionamento dos mesmos estabelecimentos.

A resposta à segunda questão – «condições a que deve obedecer a lista, que pessoas e que elementos de identificação podem constar dela, quem a pode elaborar e quem a pode consultar» – está assim prejudicada porque pressupõe, nos próprios termos em que é formulada, uma resposta afirmativa à questão anterior sobre a admissibilidade de uma lista de pessoas a quem possa ser vedado o acesso e a permanência em estabelecimentos de restauração e de bebidas. A essa questão anterior foi dada resposta negativa, como acabou de se dizer. A lista referida, como se disse, não é instrumento de aplicação de uma proibição, não pode ser utilizada par vedar acesso ou permanência, as suas finalidades estão limitadas ao campo da sua utilização para informação das autoridades policiais na sua actuação em geral e para fins de prevenção e de investigação criminal.

VI
Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª - A proibição de acesso e permanência em estabelecimentos de restauração ou de bebidas, que, em princípio, são espaços de livre acesso pelos respectivos utentes, constitui uma privação parcial do direito à liberdade consagrado no n.º 1 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa (CRP);

2.ª - Por assim ser, tal proibição só poderá ser imposta, em aplicação do disposto em lei da Assembleia da República ou de decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa, por sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou por aplicação judicial de medida de segurança, conforme se extrai da regra estabelecida no artigo 27.º, n.º 2, da CRP, conjugada com as excepções constantes do n.º 3 do mesmo artigo;

3.ª - Em consequência, está constitucionalmente vedado aos órgãos administrativos, neles incluídas as autoridades policiais, impor essa proibição;

4.ª - A Polícia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana - forças de segurança dependentes do Ministério da Administração Interna –– têm legitimidade para criar e manter, cada uma, uma lista de pessoas que tenham cometido ilícitos nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas, mas essas listas só poderão ser utilizadas para finalidades legítimas de informação necessária ao exercício das missões daquelas forças;

5.ª - Essas listas não constituirão fundamento válido, só por si, para que seja legalmente admissível vedar ou proibir a quem nelas tiver sido incluído o acesso ou a permanência nos estabelecimentos referidos.


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 26 DE MAIO DE 2010.

Fernando José Matos Pinto Monteiro – José Luís Paquim Pereira Coutinho (Relator) – Fernando Bento – António Leones Dantas – Maria Manuela Flores Ferreira – José David Pimentel Marcos – Alberto Esteves Remédio – Maria de Fátima da Graça Carvalho – Manuel Pereira Augusto de Matos – Paulo José Rodrigues Antunes (com declaração de voto em anexo)



Voto globalmente, e de um modo favorável, o parecer n.º 49/2009, mas com as seguintes declarações:

Quanto à 1.ª conclusão, choca-me que não seja possível proibir o acesso a estabelecimentos de restauração com base numa lista nominal de quem tenham cometido ilícitos por perturbarem o funcionamento (desacatos), com base no considerando de haver uma restrição parcial da liberdade.
O aí constante levaria a considerar a norma contida no art. 14.º n.º 2 do Dec-Lei n.º 234/07, de 19-VI – diploma publicado ao abrigo do art. 198.º al. a) da CRP (matéria não reservada à Assembleia da República) -, como inconstitucional, o que se afigura não ser o caso.
Parece-me que essa proibição de entrada, que pode ser imposta por quem explore estabelecimentos de restauração e de bebidas, foi admitida por dizer respeito a uma restrição parcial de liberdade que foi desprezada pelo legislador constitucional, o que levou a que o legislador ordinário pudesse mesmo vir a prevê-la, atendendo a motivos específicos.
No entanto, a mesma parece não ser de admitir precisamente devido à referida lista ser nominal, e ainda por outros motivos.
São conhecidos casos em a constituição de uma tal lista para proibir com base na inclusão de nome se encontra admitida, mas por lei.
Mesmo assim, foi já reconhecido que, mesmo nestes casos, pudesse vir a ocorrer a ofensa a direitos, liberdades e garantias, o que levou não só à correcção da dita lista, como mesmo à atribuição de direito a indemnização – confronte o decidido, mais precisamente com base precisamente na violação do direito ao nome, nos acórdãos da Relação de Lisboa de 11/1/96 e do S.T.J. de 24/10/02, publicados respectivamente, nas Col. de Jur. dos respectivos anos tomo I, pág. 81 e tomo III-Ac. S.T.J., pág. 110, sendo relatores respectivamente, os Exm.ºs Desembargador Adélio André e Conselheiro Pinto Monteiro.
Trata-se, pois, de matéria sensível em que a opção por uma lei parece ser a mais correcta, no quadro, aliás, do previsto no art. 35.º n.º 2 e 4 da C.R.P.
Tal parece ainda resultar do previsto no do art. 8.º n.º 2 da Lei n.º 67/98, de 26-10, em que se aponta para a necessidade de salvaguardar a prevalência de direitos, liberdades e garantias nesse tipo de situações.
Podendo tal relacionar-se com bases de dados constituídas na dependência das forças policiais, e sendo neste caso aplicável o disposto no n.º 3 do art. 8.º da Lei n.º 67/98, de 26-10, propendo para considerar também que tal apenas é possível após ser previsto em lei da competência exclusiva da Assembleia da República, por tal implicar com o regime dessas forças, nos termos previstos no art. 164.º al. u) da C.R.P.
Aliás, actualmente não se encontra expressamente prevista a intervenção das ditas forças no referido domínio – cfr., nomeadamente, os arts. 2º e 3.º da Lei n.º 53/07, de 31/8, e 3.º e 4.º da Lei n.º 63/07, de 6/11, relativas às orgânicas da P.S.P. e G.N.R.
Assim, a referida base de dados, referente às pessoas que cometeram ilícitos em estabelecimentos de restauração e bebidas, não se mostra constituída no âmbito das ditas forças de segurança, nem os seus agentes se encontram habitualmente à entrada daqueles ou no interior dos mesmos.
Mais me parece que, no quadro existente, é de concordar parcialmente com a 2.ª conclusão, e com as 3.ª, 4.ª e 5.ª conclusões do parecer.






[1] Em carta dirigida a Sua Excelência o Procurador-Geral da República, com data de 16 de Dezembro de 2009, sem referência de processo e sem número, que foi recebida na Procuradoria-Geral em 17 do mesmo mês e ano.
[2] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 209/2008, de 29 de Outubro, que deu nova redacção ao n.º 4 do seu artigo 2.º
[3] Diploma expressamente revogado pela alínea b) do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 234/2007.
[4] Dispõe o Decreto Regulamentar n.º 20/2008 no n.º 1 do artigo 16.º que junto à entrada devem afixar-se em local destacado várias indicações, entre outras, nos termos da alínea c) desse número, «qualquer restrição de acesso ou permanência no estabelecimento decorrente de imposição legal ou normas de funcionamento do próprio estabelecimento, designadamente relativas à admissão de menores e fumadores».
[5] O Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, que regula o funcionamento e a fiscalização de actividades diversas pelas câmaras municipais, anteriormente da competência dos governos civis, revogou as normas do Decreto-Lei n.º 316/95 que contrariassem o que nele se dispunha (artigo 54.º). O n.º 1 do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 316/95, transcrito no corpo do texto, não contraria o que se dispõe no Decreto-Lei n.º 310/2002 e, por essa razão, não será de considerar como revogado.
V. sobre esta matéria o Parecer deste corpo consultivo n.º 162/2003, de 18 de Dezembro de 2003, publicado no Diário da República, II série, n.º 74, de 27 de Março de 2004. Também nele se conclui que «a competência do governador civil para a aplicação das medidas previstas no n.º 1 do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95 em relação a salas de dança e estabelecimentos de bebidas não conflitua com a atribuição das competências de licenciamento dos aludidos estabelecimentos a entidades diversas» (conclusão 5.ª).
[6] O Decreto-Lei n.º 35/2004 foi entretanto objecto das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 198/2005, de 10 de Novembro, e pela Lei n.º 38/2008, de 8 de Agosto.
[7] O Decreto-Lei n.º 282/86 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 276/93, de 10 de Agosto, o qual veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 231/98, de 22 de Julho. Este último foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro, actualmente em vigor.
[8] A Portaria a que fazia menção o preceito transcrito veio a ser a Portaria n.º 26/99, de 16 de Janeiro, que tornou obrigatória a instalação de um sistema de segurança privada nestes estabelecimentos.
[9] O Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro, actualmente em vigor, que regula o exercício da actividade de segurança privada, também torna obrigatória, no n.º 3 do artigo 3.º, a instalação de um sistema de segurança nos estabelecimentos que vimos referindo.
[10] Sobre centrais públicas de alarme, através das quais é estabelecido contacto com a PSP ou com a GNR, v. o Decreto-Lei n.º 297/99, de 4 de Agosto.
[11] Um exemplo de ilícitos relacionados como o fornecimento e utilização de serviços é-nos dado pelo artigo 220.º, n.º 1, do Código Penal, no qual se estabelece que quem, com intenção de não pagar, «[s]e fizer servir de alimentos ou bebidas em estabelecimento que faça do seu fornecimento comércio ou indústria» (alínea a) do n.º 1) e se negar a solver a dívida contraída é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias, independentemente de, no contexto desta situação, se poderem gerar perturbações da ordem pública e lesões da segurança de pessoas e bens, também puníveis criminalmente.
[12] V. sobre esta matéria os Pareceres deste Conselho n.º 23/95, de 8 de Junho de 1995, homologado e publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Fevereiro de 1996, e, mais recentemente, n.º 62/2006, de 15 de Fevereiro de 2007, homologado e publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 74, de 16 de Abril de 2007; também mais desenvolvidamente, v. Catarina Sarmento e Castro, “Os ficheiros de crédito e a protecção de dados pessoais”, Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXXVIII, Coimbra, 2002, pág. 475 e segs., bem como, da mesma Autora, Direito da Informática, Privacidade e Dados Pessoais, Almedina, Coimbra, 2005.
[13] A Lei não foi objecto de alterações até à presente data e apenas os n.os 1 e 2 do seu artigo 27.º foram rectificados pela Declaração de Rectificação n.º 22/98, de 13 de Novembro de 1998, publicada no Diário da República, I Série-A, de 28 de Novembro de 1998.
[14] O n.º 1 deste artigo 4.º constitui aplicação do disposto no n.º 7 do artigo 35.º da Constituição, segundo o qual «[o]s dados pessoais constantes de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista nos números anteriores, nos termos da lei».
[15] A redacção do artigo 8.º da Lei n.º 67/98 é a seguinte:

«Artigo 8.º
Suspeitas de actividades ilícitas, infracções penais e contra-ordenações
1 - A criação e a manutenção de registos centrais relativos a pessoas suspeitas de actividades ilícitas, infracções penais, contra-ordenações e decisões que apliquem penas, medidas de segurança, coimas e sanções acessórias só podem ser mantidas por serviços públicos com competência específica prevista na respectiva lei de organização e funcionamento, observando normas procedimentais e de protecção de dados previstas em diploma legal, com prévio parecer da CNPD.
2 - O tratamento de dados pessoais relativos a suspeitas de actividades ilícitas, infracções penais, contra-ordenações e decisões que apliquem penas, medidas de segurança, coimas e sanções acessórias pode ser autorizado pela CNPD, observadas as normas de protecção de dados e de segurança da informação, quando tal tratamento for necessário à execução de finalidades legítimas do seu responsável, desde que não prevaleçam os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados.
3 - O tratamento de dados pessoais para fins de investigação policial deve limitar-se ao necessário para a prevenção de um perigo concreto ou repressão de uma infracção determinada, para o exercício de competências previstas no respectivo estatuto orgânico ou noutra disposição legal e ainda nos termos de acordo ou convenção internacional de que Portugal seja parte.»

Sobre este artigo 8.º, v. Amadeu Guerra, “A lei de protecção de dados pessoais”, em Direito da sociedade da informação, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, págs. 160-‑161, e Catarina Sarmento e Castro, Direito da Informática…., ob. cit. na nota 12 supra, pág. 99 e pág. 100 em nota de pé de página.
[16] Esta Lei foi objecto de rectificação nos termos da Declaração de Rectificação n.º 1-‑A/2008, de 4 de Janeiro de 2008.
[17] Cfr. destes Autores, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 478.
[18] Cfr. Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 300.
[19] Publicado no Diário da República, I Série–A, n.º 195, de 24 de Agosto de 1994, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28.º vol., pág. 21 e segs., acessível também no sítio http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
[20] Nos acórdãos n.os 185/96 e 83/2001, publicados, o primeiro, no Diário da República, I Série-A, de 28 de Março de 1996, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33.º vol., pág. 7 e segs., o segundo, no Diário da República, I Série-A, de 6 de Abril de 2001, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 49.º vol., pág. 41 e segs., o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade de normas contidas em regulamentos policiais de vários distritos, aprovados por despacho ministerial ou por despacho do governador civil ratificado ministerialmente, por estarem desprovidos de credencial parlamentar e não terem assumido a forma de decreto-lei, que, no caso, teria de ser emitido ao abrigo da necessária autorização legislativa. Constavam desses regulamentos, entre outras, normas que previam a interdição da frequência ou do estacionamento em locais públicos ou de livre acesso público, devidamente identificados, por pessoas que praticassem actos que pudessem ser entendidos como convites à prática da prostituição ou por mendigos, mediante determinação escrita e por períodos de duração determinada.
[21] V. sobre este ponto, J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 479, em anotação ao artigo 27.º, que aqui acompanhamos de perto.
[22] É a seguinte a redacção do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição:
«Artigo 27.º
(Direito à liberdade e à segurança)
1. ………………………………………………….
2. ………………………………………………………..
3. Exceptua-se […] a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:
a) Detenção em flagrante delito;
b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;
c) Prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;
d) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente;
e) Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;
f) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente;
g) Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários;
h) Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.»
[23] Publicado no Diário da República – I Série-A, de 24 de Agosto de 1994, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28.º vol., pág. 21 e segs.
[24] Regime idêntico será aplicável caso se entenda, contra o entendimento que julgamos ser o devido, que a proibição de acesso ou permanência de que vimos tratando não constitui uma forma de restrição da liberdade. Ainda que se entenda que não se trata de uma restrição da liberdade, o certo é que a proibição não deixará, nesse caso, de se inscrever na categoria mais abrangente do direito sancionatório; nessa medida, continuará a estar abrangida pela reserva relativa de competência legislativa parlamentar, constante das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, no respeitante a esta última alínea a título hipotético de sanção disciplinar aplicável aos administrados. Nestas duas alíneas do artigo 165.º se inclui «todo o direito sancionatório público», como se diz, no Acórdão n.º 430/91 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 282, de 7 de Dezembro de 1001, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 20.º vol., pág. 191 e segs., que declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade de normas do Decreto-Lei n.º 14/84, de 11 de Janeiro, mais tarde revogado pelo Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, que regulavam a medida de restrição ao uso de cheque aplicável pelo Banco de Portugal, cuja natureza foi sempre controvertida (v. também sobre o mesmo assunto, mas sustentando diferente orientação, o Acórdão n.º 160/91, do mesmo Tribunal, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 18.º vol., pág. 561 e segs.). O carácter sancionatório da proibição, por outro lado, exclui a sua qualificação como medida de polícia, dado que as medidas de polícia são medidas preventivas e não sancionatórias.
[25] Cfr. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 669. Quanto à prisão disciplinar militar, que é uma excepção à proibição de medidas administrativas privativas de liberdade, a alínea d) do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição, embora não consagre o monopólio da primeira palavra, consagra o monopólio da última palavra porque está garantida a possibilidade de recurso para o tribunal competente.
[26] Precisamente por essa razão poderá suscitar dúvidas de constitucionalidade a proibição de acesso às salas de jogos dos casinos, regulada pelo artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro (Lei do Jogo) - republicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, com as alterações nele introduzidas por este último diploma - que pode ser aplicada a quaisquer indivíduos por decisão do inspector-geral de jogos, por sua iniciativa, ou a pedido justificado das concessionárias, ou ainda dos próprios interessados. Deverá ter-se em conta, entre outros factores que não caberá aqui analisar, que os casinos são espaços de acesso reservado (artigo 29.º, n.º 2, do diploma citado) e que o acesso às salas de jogo está sujeito a restrições e condicionamentos (artigos 34.º a 41.º).
Sobre a permanência e proibição de entrada nos casinos e salas de jogo veja-se o Parecer do Conselho Consultivo n.º 44/98, de 24 de Setembro de 1998, homologado e publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 17 de Março de 1999, bem como os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, Proc.º n.º 0421/02, de 30 de Setembro de 2003; Proc.º n.º 044757, de 13 de Outubro de 2004; Proc.º n.º 0421/02, de 2 de Junho de 2004; Proc.º n.º 044572, de 23 de Junho de 2004; e Proc.º n.º 044798, de 12 de Novembro de 2003, acessíveis através das bases de dados da DGSI (hhtp:/www.dgsi.pt/jsta).
O Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 436/2000, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Novembro de 2000, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48.º vol., pág. 21 e segs., não julgou inconstitucional a norma da alínea d) do n.º 2 do artigo 36.º da Lei do Jogo, que veda a entrada nas salas de jogo, em certas circunstâncias, a empregados das concessionárias. No acórdão n.º 284/89, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 133 (S), de 12 de Junho de 1989, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º. vol., Tomo II, pág. 859 e segs., não foi julgada inconstitucional a proibição de entrada em casinos, determinada por condenação judicial em aplicação de legislação vigente em Macau, entendendo-se porém que a norma em causa padecia de inconstitucionalidade por estabelecer essa proibição como efeito necessário de uma condenação penal, violando por esta razão o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição.
Assinale-se que é escassa a jurisprudência constitucional sobre limitações de acesso a determinados locais; para além dos dois acórdãos acabados de referir, apenas serão de apontar sobre a matéria os acórdãos n.º 185/96 e 83/2001, já mencionados na nota 20.