Parecer do Conselho Consultivo da PGR |
Nº Convencional: | PGRP00002864 |
Parecer: | P000102007 |
Nº do Documento: | PPA29032007001000 |
Descritores: | SUCESSÃO LEGÍTIMA HERDEIRO ESTADO REPÚDIO HERANÇA JACENTE HERANÇA VAGA ACÇÃO ESPECIAL DE LIQUIDAÇÃO DE HERANÇA CUSTAS JUDICIAIS TAXA DE JUSTIÇA ENCARGOS PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE PRINCÍPIO DA VANTAGEM OU DO PROVEITO PROCESSUAL ISENÇÃO DE CUSTAS MINISTÉRIO PÚBLICO REPRESENTAÇÃO DO ESTADO |
Livro: | 00 |
Numero Oficio: | 412 |
Data Oficio: | 01/31/2007 |
Pedido: | 02/01/2007 |
Data de Distribuição: | 02/16/2007 |
Relator: | FERNANDO BENTO |
Sessões: | 01 |
Data da Votação: | 03/29/2007 |
Tipo de Votação: | UNANIMIDADE |
Sigla do Departamento 1: | MFAP |
Entidades do Departamento 1: | SE TESOURO E FINANÇAS |
Posição 1: | HOMOLOGADO |
Data da Posição 1: | 06/11/2007 |
Privacidade: | [01] |
Data do Jornal Oficial: | 09-07-2007 |
Nº do Jornal Oficial: | 130 |
Nº da Página do Jornal Oficial: | 19547 |
Indicação 2: | ASSESSOR: SUSANA PIRES |
Área Temática: | DIR CONST/DIR CIV*DIR SUC/DIR PROC CIV |
Legislação: | CPC876 ART15 ART16 ART17 ART20 ART99 E SS ART305 A ART319 ART427 N2 ART446 A ART455 ART1103 E SS ART1132 A 1134 ART1451 E SS ART1507-A E SS; CONST76 ART1 ART27 N1 ART62 N1 ART219 N1 N2; CCIV66 ART89 ART91 ART93 ART94 ART141 ART152 ART156 ART166 ART2024 ART2026 ART2027 ART2028 ART2031 ART2032 ART2046 ART2047 ART2048 ART2049 ART2050 ART2059 N1 ART2068 ART2070 ART2071 ART2131 ART2132 ART2134 ART2135 ART2137 N1 ART2152 A ART2154 ART2155 ART2179; CCIV867 ART1969 N6 ART2006 ART2007 ART2008; D19126 DE 16/12/1930; DL496/77 DE 25/11; CL DE 08/11/1876 ART691 A ART694; CCJ96 ART1 ART2 N1 ART5 A ART12 ART13 A ART21 ART22 ART23 ART24 ART25 ART26 ART29; EMP98 ART1 ART2 ART3 ART5 ART80 A) B) |
Direito Comunitário: | |
Direito Internacional: | |
Direito Estrangeiro: | |
Jurisprudência: | |
Documentos Internacionais: | |
Ref. Complementar: |
Conclusões: | 1.ª - No âmbito da acção especial regulada nos artigos 1132.º a 1134.º do Código de Processo Civil, o Ministério Público, litigando em nome próprio, está isento de custas e, consequentemente, do pagamento de taxas de justiça inicial e subsequente [artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código das Custas Judiciais]; 2.ª - As custas judiciais desse processo, relativas à administração e à liquidação do património hereditário, constituem um encargo da herança, caso esta, na falta de outros sucessíveis, venha a ser declarada vaga para o Estado (artigo 2068.º do Código Civil); 3.ª - Tal encargo, gozando de privilégio creditório em relação às dívidas do falecido, será pago pelo produto da liquidação do activo da herança, logo a seguir às despesas com o funeral e sufrágios (artigo 2070.º, n.º 2, do Código Civil); 4.ª - O património do Estado não responde por esse encargo, mesmo que o produto da liquidação do activo hereditário se mostre insuficiente para o seu pagamento integral (artigo 2071.º do Código Civil). |
Texto Integral: | Senhor Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Excelência: I Por ofício de 31 de Janeiro de 2007 ([1]), solicitou Vossa Excelência que este Conselho Consultivo emitisse parecer sobre se, no âmbito da acção especial de liquidação de herança em benefício do Estado prevista nos artigos 1132.º a 1134.º do Código de Processo Civil, o Estado está ou não obrigado ao pagamento de taxa de justiça inicial e de taxa de justiça subsequente. Tal pedido surge na sequência da factualidade seguinte: 1) A Procuradoria da República junto das Varas Cíveis de Lisboa, por ofício de 15 de Maio de 2006, solicitou à Direcção-Geral do Património o pagamento prévio da taxa de justiça inicial, no valor de 44,50 euros, tendo em vista a propositura de acção especial de liquidação, em benefício do Estado Português, da herança jacente de Lúcia Aurélia Lourença de Campos; 2) O activo conhecido da herança é constituído pelo saldo de uma conta bancária, no montante de 350,65 euros, desconhecendo-se a existência de encargos sobre a mesma; 3) Tendo em consideração o reduzido valor do activo da herança, entendeu a Direcção-Geral do Património não se justificar a propositura da acção de liquidação, tendo disso informado o competente magistrado do Ministério Público; 4) Em 17 de Outubro de 2006, o Ministério Público solicitou, de novo, o pagamento da taxa de justiça inicial, esclarecendo que a posição assumida pela Direcção-Geral do Património consubstanciava um autêntico repúdio da herança, procedimento esse que, contendendo com o disposto no artigo 2154.º do Código Civil, era ilegal, na medida em que o Estado Português não podia repudiar a herança quando esta lhe era deferida a título de sucessão legítima; 5) Mais referiu o Ministério Público ser seu entendimento que, a não se instaurar a acção de liquidação prevista nos artigos 1132.º e seguintes do Código de Processo Civil, o montante do depósito bancário correspondente ao activo da herança deveria ser declarado abandonado a favor do Estado Português, uma vez decorrido o prazo de 15 anos sem que a respectiva conta seja movimentada, nos termos do disposto no Decreto n.º 10634, de 20 de Março de 1925, conjugado com o Decreto-Lei n.º 187/70, de 30 de Abril; 6) Relativamente a este assunto foi, na Direcção-Geral do Património, elaborada a Informação n.º 2006-SDGI-438, na qual, após análise jurídica das questões suscitadas, se conclui no sentido de que o Estado não deverá ser obrigado ao pagamento de taxa de justiça inicial ou subsequente no âmbito da referida acção de liquidação de herança jacente; 7) Sem prejuízo de tal conclusão, e atendendo à complexidade da matéria em causa e às posições divergentes eventualmente existentes sobre a mesma, sugeriu-se na mesma informação que fosse solicitada a emissão de parecer a este corpo consultivo, sugestão essa que mereceu despacho favorável em 29 de Janeiro de 2007. Cumpre, pois, emitir o solicitado parecer. Cabe, contudo, consignar que a posição assumida por este Conselho sobre as questões que lhe são colocadas não vincula os tribunais, os quais, como se sabe, são independentes e apenas estão sujeitos à lei, sendo as suas decisões obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas, prevalecendo, nos termos estabelecidos na Constituição, sobre as de quaisquer outras autoridades II 1. De acordo com o disposto no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte. Quando um cidadão falece, sobrevive-lhe o respectivo património, integrando um complexo de direitos e obrigações mais ou menos extenso, a que cumpre dar destino. Diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertencem [artigo 2024.º do Código Civil (CC)]. No nosso actual ordenamento jurídico, estabelece-se que a sucessão é deferida por lei, por testamento ou por contrato (artigo 2026.º do CC). Há sucessão contratual quando, por contrato, alguém renuncia à sucessão de pessoa viva, ou dispõe da sua própria sucessão ou da sucessão de terceiro ainda não aberta. Os contratos sucessórios apenas são admitidos nos casos previstos na lei (artigo 2028.º do CC). Há sucessão testamentária quando, por acto unilateral e revogável, determinada pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles (artigo 2179.º do CC). A sucessão legal é legítima ou legitimária, conforme possa ou não ser afastada pela vontade do seu autor (artigo 2027.º do CC). Uma vez que a questão subjacente à consulta se enquadra no âmbito da sucessão legítima, será sobre esta que iremos, de seguida, centrar a nossa atenção. 2. Se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte, são chamados à sucessão desses bens os seus herdeiros legítimos, sendo considerados como tais o cônjuge, os parentes e o Estado (artigos 2131.º e 2132.º do CC). A ordem por que são chamados tais herdeiros é, conforme disposto no artigo 2133.º do CC, a seguinte: (1) cônjuge e descendentes; (2) cônjuge e ascendentes; (3) irmãos e seus descendentes; (4) outros colaterais até ao 4.º grau; (5) Estado. Os herdeiros de cada uma das classes preferem aos das classes imediatas, sendo que, dentro de cada classe, os parentes de grau mais próximo preferem aos de grau mais afastado (artigos 2134.º e 2135.º do CC). Se os sucessíveis da mesma classe chamados simultaneamente à herança não puderem ou não quiserem aceitar, são chamados os imediatos sucessores ([2]) (artigo 2137.º, n.º 1, do CC). Na falta de cônjuge e de todos os parentes sucessíveis (descendentes, ascendentes, irmãos e seus descendentes e outros colaterais até ao 4.º grau), é chamado à herança o Estado, o qual terá, relativamente à mesma, os direitos e obrigações de qualquer outro herdeiro ([3]), sem, contudo, lhe ser permitido repudiá-la (artigos 2152.º a 2154.º do CC). 3. A origem histórica deste regime sucessório do Estado remonta ao direito romano ([4]). Em Portugal, as Ordenações não deferiam à Fazenda Nacional, desde logo, as heranças na falta de outros sucessíveis. Nessas situações, a herança era entregue ao mamposteiro-mor dos cativos e só quando este não quisesse aceitá-la se determinava que o juiz dos órfãos nomearia curador à mesma, sem se declarar, contudo, que era o Estado o sucessor (Ordenações Manuelinas, Livro I, Título LXIX, § 1.º; Ordenações Filipinas, Livro I, Título 90, § 1.°). Todavia, essa seria a realidade, conforme se poderá depreender da disposição constante do Livro IV, Título 94, das Ordenações Filipinas, em que, aludindo-se à sucessão do cônjuge, caso inexistissem «herdeiros até ao décimo grau», se refere expressamente que «nestes casos não terão que fazer em tais bens os nossos Almoxarifes». No âmbito do Código Civil de Seabra, aprovado pela Carta de Lei de 1 de Julho de 1867, já se passou a prever expressamente que, na falta de outros sucessíveis testamentários ou legítimos (descendentes, ascendentes, irmãos e seus descendentes, cônjuge, outros transversais até 10.º grau ([5])), a sucessão seria deferida ao Estado (artigos 1969.º, n.º 6.º, e 2006.º). Mais se estabeleceu em tal diploma que os direitos e obrigações do Estado relativamente à herança seriam os mesmos que os de qualquer outro herdeiro (artigo 2007.º), não podendo aquele tomar posse da herança sem precedência de sentença que declarasse o seu direito, nos termos do código de processo (artigo 2008.º). Em conjugação com tais disposições, o Código de Processo Civil de 1876 ([6]) viria, nos seus artigos 691.º a 694.º, estabelecer uma forma de processo tendente à liquidação, em benefício do Estado, da herança jacente em caso de inexistência de outros sucessíveis. Eram os seguintes os traços essenciais dessa acção: a) Aberta a sucessão, se não fossem conhecidos os herdeiros, se o Ministério Público contestasse a legitimidade dos que se apresentassem como tais, ou se todos os herdeiros conhecidos tivessem repudiado a herança, deveria proceder-se, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, de algum credor ou interessado, ao arrolamento e arrecadação da herança, nomeando-se, se necessário, administrador provisório (artigo 691.º); b) Em seguida, seriam os herdeiros incertos citados por éditos, para deduzirem a sua habilitação (§ 1.º do artigo 691.º); c) Havendo habilitações, seguir-se-iam os termos do processo ordinário, decidindo-se, a final, pela sua procedência ou improcedência (§ 3.º do artigo 691.º); d) Em caso de improcedência das habilitações, ou caso não comparecesse qualquer herdeiro a habilitar-se, seria a herança declarada vaga para o Estado (§§ 2.º e 4.º do artigo 691.º); e) Declarada vaga a herança, proceder-se-ia seguidamente à sua liquidação, avaliando-se e vendendo-se os bens em hasta pública, pagando-se as dívidas e adjudicando-se ao Estado o remanescente (artigo 693.º); f) Para o efeito de reclamarem os seus créditos, eram citados pessoalmente os credores conhecidos, e editalmente os desconhecidos (§ 2.º do artigo 693.º). 4. Este regime processual, destinado a declarar a herança jacente vaga para o Estado e a proceder à sua subsequente liquidação, viria a manter-se, nos seus tratos essenciais, até hoje, encontrando-se presentemente o processo respectivo regulado nos artigos 1132.º a 1134.º do Código de Processo Civil, com a redacção seguinte: «ARTIGO 1132.º (Citação dos interessados incertos no caso de herança jacente) 1. No caso de herança jacente, por não serem conhecidos os sucessores, por o Ministério Público pretender contestar a legitimidade dos que se apresentarem, ou por os sucessores conhecidos haverem repudiado a herança, tomar-se-ão as providências necessárias para assegurar a conservação dos bens e em seguida são citados, por éditos, quaisquer interessados incertos para deduzir a sua habilitação como sucessores dentro de 30 dias depois de findar o prazo dos éditos. 2. Qualquer habilitação pode ser contestada não só pelo Ministério Público, mas também pelos outros habilitandos nos 15 dias seguintes ao prazo marcado para o oferecimento dos artigos de habilitação. 3. À contestação seguem-se os termos do processo ordinário ou sumário, conforme o valor. ARTIGO 1133.º (Liquidação no caso de herança vaga) 1. A herança é declarada vaga para o Estado se ninguém aparecer a habilitar-se ou se decaírem todos os que se apresentem como sucessores. 2. Feita a declaração do direito do Estado, proceder-se-á à liquidação da herança, cobrando-se as dívidas activas, vendendo-se judicialmente os bens, satisfazendo-se o passivo e adjudicando-se ao Estado o remanescente. 3. O Ministério Público proporá, no tribunal competente, as acções necessárias à cobrança coerciva de dívidas activas da herança. 4. Os fundos públicos e os bens imóveis só são vendidos quando o produto dos outros bens não chegue para pagamento das dívidas; pode ainda o Ministério Público, relativamente a quaisquer outros bens, cujo valor não seja necessário para pagar dívidas da herança, requerer que sejam adjudicados em espécie ao Estado. ARTIGO 1134.º (Processo para a reclamação e verificação dos créditos) 1. Os credores da herança, que sejam conhecidos, são citados pessoalmente para reclamar os seus créditos, no prazo de 15 dias, procedendo-se ainda à citação edital dos credores desconhecidos. 2. As reclamações formam um apenso, observando-se depois o disposto nos artigos 866.º a 868.º. Podem também ser impugnadas pelo Ministério Público, que é notificado do despacho que as receber. 3. Se, porém, o tribunal for incompetente, em razão da matéria, para conhecer de algum crédito, será este exigido, pelos meios próprios, no tribunal competente. 4. Se algum credor tiver pendente acção declarativa contra a herança ou contra os herdeiros incertos da pessoa falecida, esta prosseguirá no tribunal competente, habilitando-se o Ministério Público para com ele seguirem os termos da causa, mas suspendendo-se a graduação global dos créditos no processo principal até haver decisão final. 5. Se estiver pendente acção executiva, suspendem-se as diligências destinadas à realização do pagamento, relativamente aos bens que o Ministério Público haja relacionado, sendo a execução apensada ao processo de liquidação, se não houver outros executados e logo que se mostrem julgados os embargos eventualmente deduzidos, aos quais se aplicará o disposto no número anterior. 6. O requerimento executivo vale, no caso da apensação prevista no número anterior, como reclamação do crédito exigido. 7. É admitido a reclamar o seu crédito, mesmo depois de findo o prazo das reclamações, qualquer credor que não tenha sido notificado pessoalmente, uma vez que ainda esteja pendente a liquidação. Se esta já estiver finda, o credor só tem acção contra o Estado até à importância do remanescente que lhe tenha sido adjudicado.» A alteração mais significativa que viria a ocorrer no referido regime processual operou-se ao nível da legitimidade activa: enquanto inicialmente, para além do Ministério Público, qualquer credor ou mero interessado poderia desencadear o processo, passou a legitimidade, para tal, a caber, em exclusivo, ao Ministério Público ([7]). III 5. Os processos estão sujeitos a custas, compreendendo estas a taxa de justiça e os encargos [artigo 1.º do Código das Custas Judiciais (CCJ) ([8])]. O regime geral da tributação em custas, nas acções de natureza cível, encontra-se definido nos artigos 446.º a 455.º do Código de Processo Civil. Como regra, as custas serão suportadas pela parte que a elas houver dado causa (princípio da causalidade), entendendo-se como tal a parte vencida, na proporção em que o for. Nos casos em que, pela natureza da acção, não haja lugar a vencimento por qualquer das partes, as custas serão, por força do disposto no artigo 446.º do CPC, suportadas por quem do processo tirou proveito (princípio da vantagem ou do proveito processual) ([9]). 6. A regra da sujeição ao pagamento de custas processuais comporta excepções de natureza subjectiva e objectiva. Em termos subjectivos, para além de outros casos previstos em legislação especial ([10]), apenas estão isentos de custas (artigo 2.º, n.º 1, do CCJ): a) O Ministério Público, nas acções, procedimentos e recursos em que age em nome próprio, na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei; b) As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa; c) As instituições particulares de solidariedade social; d) Qualquer cidadão, associação ou fundação que seja parte activa em processos destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, nos termos do n.º 3 do artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa, salvo em caso de manifesta improcedência do pedido; e) Os sinistrados em acidente de trabalho e os portadores de doença profissional nas causas emergentes do acidente ou da doença, quando representados ou patrocinados pelo Ministério Público; f) Os familiares dos trabalhadores referidos na alínea anterior a que a lei confira direito a pensão, nos casos em que do acidente ou da doença tenha resultado a morte do trabalhador e se proponham fazer valer ou manter os direitos emergentes do acidente ou da doença, quando representados ou patrocinados pelo Ministério Público; g) Os agravados que, não tendo dado causa ou expressamente aderido à decisão recorrida, a não acompanhem; h) Os funcionários de justiça quanto às custas do processado inútil a que deram causa, se o juiz, em despacho fundamentado, lhes relevar a falta. Em termos objectivos, e sem prejuízo do que se dispuser em lei especial ([11]), verifica-se isenção de custas (artigo 3.º, n.º 1, do CCJ): a) Nos processos de adopção; b) Nos processos de jurisdição de menores, se as custas devessem ficar a seu cargo; c) Nos processos de liquidação e partilha de bens de instituições de previdência social e de organismos sindicais; d) Na fase arbitral dos processos de expropriação por utilidade pública, sendo, todavia, os encargos com a remuneração e transporte dos árbitros e com a deslocação do tribunal suportados pelo expropriante; e) Nas reclamações para a conferência julgadas procedentes sem oposição; f) Nos recursos com subida diferida que não cheguem a subir por desinteresse ou desistência do recorrente; g) Nas remições obrigatórias; h) Nos depósitos e levantamentos a realizar pelas partes, que constituam actos normais da tramitação específica da respectiva forma de processo, bem como nos levantamentos nas cauções, nos inventários e nas execuções; i) Nos incidentes de verificação do valor para efeito de contagem, no que respeita à taxa de justiça. 7. Para o cálculo das custas atende-se ao valor da causa, definido segundo as regras da lei de processo (artigos 305.º a 319.º do CPC), com as especialidades consignadas nos artigos 5.º a 12.º do CCJ, sendo o montante da taxa de justiça calculado nos termos dos artigos 13.º a 21.º do CCJ, com referência à tabela anexa ao mesmo Código. No que respeita concretamente à acção especial de liquidação de herança em benefício do Estado, tal valor corresponderá ao dos bens a liquidar ([12]). 8. A taxa de justiça é paga gradualmente pelo autor, requerente, exequente, réu, requerido ou executado que deduza oposição e recorrido que alegue (artigo 22.º do CCJ), compreendendo, em regra, duas prestações sucessivas: a taxa de justiça inicial e a taxa de justiça subsequente (artigos 22.º a 26.º do CCJ). A taxa de justiça inicial é devida pela promoção de acções e recursos, bem como de determinados incidentes, estando sujeita a autoliquidação e devendo o documento comprovativo do seu pagamento ser entregue ou remetido ao tribunal com a apresentação: (a) da petição ou requerimento do autor, exequente ou requerente; (b) da oposição do réu ou requerido; (c) das alegações e contra-alegações de recurso e, nos casos de subida diferida, das alegações no recurso que motivou a subida ou da declaração no interesse da subida (artigos 23.º e 24.º do CCJ). A taxa de justiça subsequente é de montante igual ao da inicial, sendo também autoliquidada, devendo o documento comprovativo do seu pagamento ser entregue ou remetido ao tribunal no prazo de 10 dias a contar: (a) da notificação para a audiência final; (b) nos recursos, da notificação do despacho que mande inscrever o processo em tabela (artigos 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, do CCJ). A omissão do pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente dá lugar à aplicação das sanções previstas na lei de processo (artigo 28.º do CCJ), consequências essas que são: (a) a recusa da petição inicial pela secretaria, conforme estabelecido no artigo 474.º, alínea f), do CPC; (b) o desentranhamento da contestação, dentro do circunstancialismo previsto no artigo 486.º-A do CPC; (c) em sede de audiência, a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta, no condicionalismo previsto no artigo 512.º-B do CPC; (d) em matéria de recursos, o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentado pela parte em falta, conforme previsto no artigo 690.º-B do CPC. . 9. O artigo 29.º do Código das Custas Judiciais estabelece, todavia, em termos subjectivos e objectivos, diversos casos de dispensa do pagamento prévio das taxas de justiça inicial e subsequente. É a seguinte a redacção desse preceito: «Artigo 29.º Dispensa de pagamento prévio de taxas de justiça inicial e subsequente 1 - Estão dispensados do pagamento prévio das taxas de justiça inicial e subsequente: a) O Estado, incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados; b) As Regiões Autónomas; c) As autarquias locais e as associações e federações de municípios; d) As instituições de segurança social e as instituições de previdência social de inscrição obrigatória; e) As pessoas e entidades referidas na alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º; f) Os interessados que vão a juízo apresentar-se à falência; g) As pessoas representadas por defensor oficioso, curador especial ou pessoa idónea; h) Os funcionários de justiça nos recursos de decisões que os sancionem. 2 - No que respeita às entidades referidas nas alíneas a) a d) do número anterior, a dispensa de pagamento prévio apenas se aplica aos processos que corram termos nos tribunais administrativos e tributários e, nos restantes casos, aos processos em que aquelas entidades litiguem na qualidade de réu, requerido ou executado. 3 - Salvo nos recursos, não há lugar ao pagamento prévio de taxa de justiça inicial e subsequente: a) Nas execuções, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 23.º, e salvo nos apensos declarativos e incidentes previstos no artigo 14.º; b) Nas acções sobre o estado das pessoas; c) Nos processos de jurisdição de menores; d) Nas expropriações; e) Nos inventários cuja herança seja deferida a incapazes, ausentes em parte incerta ou pessoas colectivas; f) Nas acções cíveis declarativas e arrestos processados conjuntamente com a acção penal; g) Nos pedidos de reforma da decisão quanto a custas e multa; h) Nas reclamações da conta. 4 - Não há lugar ao pagamento prévio de taxa de justiça subsequente nos inventários, nas falências e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 25.º.» IV 10. Ao Ministério Público compete, de acordo com o disposto no artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar. Desenvolvendo tal normativo constitucional, o Estatuto do Ministério Público ([13]) estabelece, no seu artigo 1.º, que o Ministério Público representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática, nos termos da Constituição, do respectivo Estatuto e da lei. A competência do Ministério Público e o respectivo regime de intervenção processual encontram-se regulados nos artigos 3.º e 5.º do mesmo Estatuto, cujo teor é o seguinte: «Artigo 3.º 1 - Compete, especialmente, ao Ministério Público: Competência a) Representar o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais, os incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta; b) Participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania; c) Exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade; d) Exercer o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social; e) Assumir, nos casos previstos na lei, a defesa de interesses colectivos e difusos; f) Defender a independência dos tribunais, na área das suas atribuições, e velar para que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e as leis; g) Promover a execução das decisões dos tribunais para que tenha legitimidade; h) Dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades; i) Promover e realizar acções de prevenção criminal; j) Fiscalizar a constitucionalidade dos actos normativos; l) Intervir nos processos de falência e de insolvência e em todos os que envolvam interesse público; m) Exercer funções consultivas, nos termos desta lei; n) Fiscalizar a actividade processual dos órgãos de polícia criminal; o) Recorrer sempre que a decisão seja efeito de conluio das partes no sentido de fraudar a lei ou tenha sido proferida com violação de lei expressa; p) Exercer as demais funções conferidas por lei. 2 - A competência referida na alínea f) do número anterior inclui a obrigatoriedade de recurso nos casos e termos da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional. 3 - No exercício das suas funções, o Ministério Público é coadjuvado por funcionários de justiça e por órgãos de polícia criminal e dispõe de serviços de assessoria e de consultadoria.» «Artigo 5.º 1 - O Ministério Público tem intervenção principal nos processos: Intervenção principal e acessória a) Quando representa o Estado; b) Quando representa as Regiões Autónomas e as autarquias locais; c) Quando representa incapazes, incertos ou ausentes em parte incerta; d) Quando exerce o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social; e) Quando representa interesses colectivos ou difusos; f) Nos inventários exigidos por lei; g) Nos demais casos em que a lei lhe atribua competência para intervir nessa qualidade. 2 - Em caso de representação de região autónoma ou de autarquia local, a intervenção principal cessa quando for constituído mandatário próprio. 3 - Em caso de representação de incapazes ou de ausentes em parte incerta, a intervenção principal cessa se os respectivos representantes legais a ela se opuserem por requerimento no processo. 4 - O Ministério Público intervém nos processos acessoriamente: a) Quando, não se verificando nenhum dos casos do n.º 1, sejam interessados na causa as Regiões Autónomas, as autarquias locais, outras pessoas colectivas públicas, pessoas colectivas de utilidade pública, incapazes ou ausentes, ou a acção vise a realização de interesses colectivos ou difusos; b) Nos demais casos previstos na lei.» 11. O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei (artigo 219.º, n.º 2, da CRP). No artigo 2.º do respectivo Estatuto, determina-se que o Ministério Público goza de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local, nos termos nele estabelecidos, caracterizando-se tal autonomia pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas em tal diploma. Por força do disposto no artigo 80.º, alíneas a) e b), do mesmo Estatuto, compete ao Ministro da Justiça transmitir ao Ministério Público, por intermédio do Procurador-Geral da República, instruções de ordem específica nas acções cíveis e nos procedimentos tendentes à composição extrajudicial de conflitos em que o Estado seja interessado, bem como autorizar o Ministério Público, ouvido o departamento governamental de tutela, a confessar transigir ou desistir nas acções cíveis em que o Estado seja parte. 12. Quando, no respectivo Estatuto, se determina que o Ministério Público representa o Estado, importa precisar qual o sentido em que o termo Estado ali é utilizado. Com efeito, na linguagem jurídica, tal termo é usado, umas vezes, numa acepção lata e, noutras, numa acepção restrita ([14]). Na acepção lata, o Estado é uma comunidade que, em determinado território, prossegue com independência e através de órgãos constituídos por sua vontade a realização de ideais e interesses próprios (Estado-Colectividade). Na acepção restrita, o Estado é a pessoa colectiva pública que, no seio da comunidade acima referida, e para efeitos internos, prossegue, sob a direcção do Governo, a actividade administrativa (Estado-Administração). Quando, no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do respectivo Estatuto, se refere que o Ministério Público representa «o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais», está a utilizar-se o termo Estado na sua acepção restrita, no sentido de Estado-Administração. O mesmo sucede quando, no artigo 80.º do Estatuto, se conferem ao Ministro da Justiça os poderes de transmitir ao Ministério Público instruções de ordem específica nas acções cíveis e procedimentos em que o Estado seja interessado e de autorizar o Ministério Público a confessar, transigir ou desistir nas acções cíveis em que o Estado seja parte ([15]). É nesse sentido, de Estado-Administração, que, no artigo 20.º do CPC, se determina que o «Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio». Em regra, quando a lei civil ou processual civil pretendem referir-se ao Estado-Administração, utilizam o termo Estado [vide, a título meramente exemplificativo, para além do artigo 20.º, os artigos 86.º, n.º 1, 115.º, n.º 1, 411.º, n.º 1, 413.º, n.º 1, 414.º, 822.º, alínea b), 823.º, n.º 1, 930.º, n.º 1, 1133.º, 1134.º, n.º 7, 1468.º, 1507.º-A e 1507.º-C, n.º 2 do CPC, e os artigos 166.º, n.º 2, 501.º, 705.º, alíneas a) e b), 736.º, n.º 1, 738.º, n.º 2, 744.º, 747.º, n.º 1, alínea a), 748.º, n.º 1, alínea a), 829.º-A, n.º 3, 853.º, n.º 1, alínea c), 1304.º, 1324.º, n.º 3, 1345.º, 1455.º, n.º 2, 1527.º, 2033.º, 2046.º, 2049.º, n.º 3, 2132.º, 2133.º, n.º 1, alínea e), 2152.º a 2155.º do Código Civil]. Já, porém, quando o Estatuto confere ao Ministério Público competência para representar outros interesses, pessoais ou patrimoniais, ou de defesa «do próprio ordenamento jurídico, actuando a dimensão ética deste, sendo a consciência legal do Estado enquanto suporte jurídico da comunidade integrante» ([16]), se entende que o Ministério Público actua em representação do Estado-Colectividade. Quando actua em defesa de interesses que relevam do Estado-Colectividade, estando os mesmos subjectivados relativamente a pessoas conhecidas, o Ministério Público litigará processualmente em representação directa das mesmas (como sucede, e.g., no âmbito da defesa de incapazes e ausentes determinados e conhecidos – cfr. artigos 15.º e 17.º do CPC). Quando tais interesses se reportam a pessoas indeterminadas ou desconhecidas, o Ministério Público litigará processualmente em representação de incertos (artigo 16.º do CPC). Sempre que patrocine processualmente outros interesses do Estado-Colectividade ([17]), o Ministério Público litigará em nome próprio. É o que sucede, v.g., com a actividade pelo mesmo prosseguida e prevista nos artigos 11.º, n.º 4, 12.º, n.º 3 (1ª parte), 26.º-A, 59.º, 107.º, n.º 1, 117.º, n.º 1, 186.º, 258.º, 284.º, n.º 4, 411.º, n.º 1, 451.º, n.º 2, 549.º, n.º 4, 732.º-A, n.º 2, 947.º, n.º 2, 1005.º, alínea a), 1020.º, alínea a), 1082.º, n.º 2, 1099.º, n.º 1, 1103.º, 1123.º, 1327.º, n.º 1, alínea b), 1426.º, n.º 1, 1439.º, n.º 2, 1440.º, 1442.º, 1451.º, 1467.º e 1507.º-C, n.º 1, alínea a), do CPC. 13. No nosso ordenamento jurídico, era tradicional o Estado Português estar isento de custas processuais. Assim, o Código das Custas Judiciais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, dentro dessa tradição, estabelecia, no seu artigo 2.º, n.º 1, alínea a), a isenção de custas relativamente ao Estado, isenção essa que era estendida aos serviços e organismos personalizados. Tal isenção reportava-se ao Estado na acepção de Estado-Administração ([18]). Também o Ministério Público, quando litiga em nome próprio, em representação de interesses do Estado-Colectividade postos por lei a seu cargo, tem tradicionalmente sido isento de custas. Assim, o referido Código, no seu artigo 2.º, n.º 1, alínea b), estabelecia, dentro dessa tradição, a isenção de custas relativamente ao Ministério Público. Este regime de isenções foi significativamente modificado pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, o qual, alterando a redacção do artigo 2.º do CCJ, excluiu a isenção de custas de que beneficiava o Estado Português, na acepção de Estado-Administração, continuando, todavia, a mantê-la em relação ao Ministério Público, quando este litigue em nome próprio, na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei (isto é, quando prossegue interesses do Estado-Colectividade). V 14. No nosso sistema jurídico, quando existem acervos patrimoniais em situação de perigo, pelo facto de não haver quem providencie pela sua administração, ou por não estar determinado quem é o respectivo titular, é de regra atribuir-se directamente ao Ministério Público legitimidade para intentar os procedimentos e as acções judiciais necessárias ao conjuramento desse perigo. Dispõe-se, v.g., nos artigos 89.º a 91.º do CC que, quando haja necessidade de prover acerca da administração dos bens de quem desapareceu sem que dele se saiba parte e sem ter deixado representante legal ou procurador, deve o tribunal nomear-lhe um curador provisório, tendo o Ministério Público legitimidade para intentar a acção respectiva e os procedimentos cautelares que se mostrem indispensáveis em relação a quaisquer bens do ausente. A acção a intentar, nestes casos, segue a tramitação prevista nos artigos 1451.º e seguintes do CPC. São citados para a mesma, quando conhecidos, os detentores ou possuidores dos bens, o cônjuge, os herdeiros presumidos do ausente e quaisquer pessoas conhecidas que tenham interesse na conservação dos bens, sendo ainda citados, por éditos, quaisquer interessados. Em caso de procedência, é proferida sentença nomeando um curador provisório dos bens do ausente, a quem esses bens são entregues, após relacionados, ficando o mesmo a administrá-los como se fosse mandatário geral do ausente (artigos 93.º e 94.º do CC). Ao intentar uma acção judicial desta natureza, o Ministério Público actua em nome próprio, prosseguindo uma multiplicidade de interesses que a comunidade pretende acautelar e preservar. Por um lado, tendo presente a função social da propriedade, a comunidade tem interesse em evitar o abandono, a deterioração e a destruição dos bens, por falta de quem os guarde e administre. Por outro, a situação de abandono dos bens é propiciadora de apropriações ilícitas e de outros desmandos, susceptíveis de porem em causa a harmonia social e a ordem pública. A comunidade tem, pois, interesse em evitar que tal aconteça, protegendo o património do ausente e, reflexamente, a garantia que do mesmo decorre para os eventuais credores deste. Sucede, também, que, em regra, as situações de abandono dos bens pelo ausente sem que se saiba do seu paradeiro se devem a razões alheias à vontade do mesmo. Não é, com efeito, normal que uma pessoa desapareça sem dar notícias, deixando o seu património sem ter quem dele cuide. As mais das vezes ocorre, até, que a situação de ausência encobre um falecimento ainda não comprovado da pessoa desaparecida. Perante situações destas, a comunidade é chamada a proteger os bens dos seus cidadãos que, por qualquer razão, se encontram impossibilitados de exercer a respectiva administração, desse modo pondo em acção princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico- -constitucional, como são o da solidariedade entre os membros da comunidade nacional e o da segurança relativa aos respectivos bens (artigos 1.º e 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa). Foram análogos interesses da comunidade nacional que determinaram a atribuição ao Ministério Público de legitimidade para requerer a justificação da ausência, com a instituição da curadoria definitiva dos bens do ausente (artigos 99.º e seguintes do CC e 1103.º e seguintes do CPC). Foram, também, razões de interesse comunitário que levaram à atribuição ao Ministério Público de legitimidade para intentar acções de inabilitação quando, devido a anomalia psíquica, surdez-mudez, cegueira ou prodigalidade, as pessoas se mostrem incapazes de reger convenientemente o seu património (artigos 152.º, 156.º e 141.º do CC). Foram, outrossim, interesses da comunidade que justificaram a atribuição ao Ministério Público de legitimidade para, após a extinção de uma pessoa colectiva, intentar a acção visando dar destino aos respectivos bens (artigo 166.º do CC), mediante a sua atribuição a outra pessoa colectiva ou ao Estado, assegurando, tanto quanto possível, a realização dos fins da pessoa colectiva extinta, pela forma prescrita nos artigos 1507.º- -A e seguintes do Código de Processo Civil. Em todos esses casos, o Ministério Público litiga em nome próprio, na prossecução de interesses do Estado-Colectividade colocados por lei a seu cargo, estando consequentemente isento de custas. 15. Uma vez aberta a sucessão pelo falecimento de determinada pessoa, são chamados à titularidade das relações jurídicas patrimoniais do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade (artigo 2032.º do CC). O domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela respectiva aceitação, retrotraindo os respectivos efeitos ao momento da morte do seu autor (artigos 2050.º e 2031.º do CC). Aberta a sucessão com o falecimento do seu autor, a herança respectiva fica em situação de jacência enquanto não for aceite nem declarada vaga para o Estado (artigo 2046.º do CC). Os sucessíveis chamados à herança, se ainda a não tiverem aceitado nem repudiado, podem providenciar pela administração dos bens integrados na mesma, se do retardamento das providências respectivas puderem resultar quaisquer prejuízos (artigo 2047.º do CC). Caso, todavia, tal se torne necessário para evitar a perda ou a deterioração dos bens, por não haver quem legalmente os administre, poderá o Ministério Público intentar acção judicial para nomeação de curador à herança jacente, sendo a essa curadoria aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto sobre a curadoria dos bens do ausente (artigo 2048.º do CC), e podendo, como preliminar ou como incidente de tal acção, caso os bens se encontrem em situação de abandono, requerer a sua arrecadação judicial, mediante competente arrolamento (artigo 427.º, n.º 2, do CPC). Embora tratando-se de uma herança ainda jacente, que poderá ser objecto de repúdio pelos sucessíveis que a ela foram chamados, o Ministério Público, quando intenta tal acção, não está a representar o Estado-Administração, enquanto potencial sucessor legítimo. O Ministério Público actua, nesses casos, em nome próprio, prosseguindo o interesse da comunidade em que os bens não fiquem ao abandono, diligenciando pela sua arrecadação e pela nomeação de um curador que os administre, seja qual for o destino que posteriormente venham a ter (entrega aos herdeiros, em caso de aceitação; venda para pagamento de dívidas da herança; eventual entrega de qualquer remanescente ao Estado, caso venha a ser chamado à sucessão). Está, pois, isento de custas. 16. O sucessível chamado à herança dispõe de um prazo de 10 anos para a aceitar, contado desde que o mesmo teve conhecimento de haver sido a ela chamado (artigo 2059.º, n.º 1, do CC). Um prazo tão alargado para o exercício desse direito pode revelar- -se nefasto para os demais sucessíveis a ela chamados, para os credores sociais e para os próprios interesses da comunidade, sem excluir, por último, os interesses do Estado-Administração, caso, por repúdio dos demais sucessíveis, a herança lhe venha a ser deferida. Daí que, no artigo 2049.º do CC, se atribua ao Ministério Público, bem como a qualquer interessado, legitimidade para a propositura da acção cominatória de aceitação ou repúdio da herança, caso o sucessível a ela chamado, sendo conhecido, a não aceite nem repudie dentro dos 15 dias seguintes. Trata-se da acção regulada nos artigos 1467.º e 1468.º do CPC, no âmbito da qual as pessoas chamadas à herança são, sucessivamente, notificadas para declararem se a aceitam ou repudiam, julgando-se a mesma aceite caso não seja, dentro do prazo para o efeito assinalado, apresentado documento comprovativo de repúdio. Também nesta acção o Ministério Público litiga em nome próprio, prosseguindo o interesse da comunidade em não deixar arrastar por muito tempo a situação de jacência da herança, independentemente de qual o concreto destino que a mesma venha a ter (entrega a qualquer dos sucessíveis a ela chamados que a aceite; venda para pagamento dos respectivos encargos; eventual entrega ao Estado, em acção própria, do remanescente, em caso de repúdio dos demais sucessíveis). Estará, pois, isento de custas. VI 17. Aberta a sucessão, caso não sejam conhecidos os sucessíveis, ou se estes, chamados à herança, a tiverem repudiado, é esta deferida ao Estado (Estado-Administração ou Fazenda Nacional). Conforme se referiu acima, o Estado tem, relativamente à herança, os mesmos direitos e obrigações que teria qualquer outro herdeiro, operando-se a respectiva aquisição ope legis, sem necessidade de aceitação, não podendo haver lugar a repúdio (artigos 2152.º a 2154.º do CC). A lei não permite, todavia, ao Estado-Administração que tome imediata posse dos bens da herança, como sucede com os outros herdeiros, logo que verificado o repúdio por parte dos demais sucessíveis conhecidos e uma vez que se desconheça a existência de outros sucessíveis. Por razões de segurança jurídica relacionadas com a protecção dos interesses de eventuais sucessíveis desconhecidos, assim como dos credores da herança, por um lado, e para salvaguarda dos interesses patrimoniais do próprio Estado, por outro, entendeu o legislador, para permitir àquele entrar na posse dos bens da herança, impor a efectuação obrigatória de um apertado controlo judicial prévio, através do processo previsto nos artigos 2155.º do CC e 1132.º a 1134.º do CPC, denominado acção de liquidação da herança vaga em benefício do Estado. Tal processo, para cuja propositura é conferida legitimidade ao Ministério Público, estrutura-se em três fases, que se passam a analisar de seguida. 18. Numa primeira fase, a que se reporta o artigo 1132.º, n.º 1, do CPC, haverá que tomar todas as providências necessárias para assegurar a conservação dos bens da herança, arrolando-se os mesmos e entregando-se a depositário idóneo (fase conservatória). Estas providências são requeridas pelo Ministério Público em benefício da própria herança jacente, enquanto património autónomo de destino ainda incerto. Desconhecendo-se, então, quem irá suceder nos bens da herança e se o activo desta é ou não suficiente para suportar o passivo, as providências conservatórias promovidas pelo Ministério Público, visando a guarda e administração desses bens, radicam no interesse comunitário de proteger tal património autónomo até que o seu destino legal seja judicialmente definido. Ao promovê-las, o Ministério Público não adopta posição diversa, na substância, da que assume ao promover, em nome próprio, prosseguindo interesses da comunidade, a acção prevista no artigo 2048.º, n.º 1, do CC (nomeação de curador à herança jacente). Não existe, pois, fundamento justificativo para, no decurso desta fase processual, sujeitar o Ministério Público ao pagamento de custas. 19. Sempre se deverá referir, todavia, que, mesmo que o Ministério Público, ao promover tal actividade conservatória dos bens da herança, actuasse na veste de mero representante do Estado-Administração, patrocinando em exclusivo os interesses privados deste enquanto potencial sucessor legítimo, nem assim o mesmo deveria estar sujeito ao pagamento de custas processuais e das correspondentes taxas de justiça inicial e subsequente. Com efeito, vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio de que o património dos herdeiros não responde pelos encargos da herança ([19]), embora, caso a mesma não seja aceite a benefício de inventário ou de providência judicial análoga, recaia sobre o herdeiro o ónus de provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos (artigo 2071.º do CC). De acordo com o disposto no artigo 2068.º do CC, a herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido e pelo cumprimento dos legados. Tais encargos são, conforme preceituado no artigo 2070.º, n.º 2, do CC, satisfeitos pela ordem de preferência seguinte ([20]): a) Em primeiro lugar, serão pagas as despesas com o funeral e os sufrágios do de cujus; b) Seguidamente, serão pagas as despesas com a testamentaria, com a administração e com a liquidação da herança; c) Em terceiro lugar, serão pagas as dívidas do falecido; d) Em quarto lugar, responderão os bens da herança pelo cumprimento dos legados. A adopção, pelo tribunal, de quaisquer medidas tendentes à conservação e guarda dos bens da herança, nomeando-lhes depositário, integra-se no conceito de administração da herança. Assim, as despesas daí decorrentes (custas judiciais, englobando o encargo com a remuneração do depositário) constituem despesas com a administração da herança. Essas despesas, beneficiando de privilégio creditório relativamente às dívidas pessoais do de cujus, serão graduadas antes destas, na sentença de verificação do passivo a efectuar ulteriormente no processo, para pagamento pelo produto da venda dos bens da herança. Assim, quando, no artigo 1133.º, n.º 2, do CPC, se preceitua que, uma vez declarada a herança vaga, se procederá à liquidação da mesma, cobrando-se as dívidas activas, vendendo-se judicialmente os bens, satisfazendo-se o passivo e adjudicando-se ao Estado o remanescente, a lei está a determinar, de modo imperativo, que os referidos encargos deverão ser objecto de pagamento no próprio processo, no âmbito da liquidação do património hereditário, apenas se adjudicando ao Estado, enquanto sucessor, algum remanescente que porventura resulte após satisfação de todos os encargos da herança. Não sendo o Estado-Administração (Fazenda Nacional), enquanto sucessor legítimo, responsável pelos encargos da herança, não podendo ser-lhe imputadas quaisquer despesas decorrentes da administração da mesma até receber o remanescente da respectiva liquidação, segue-se, como lógico corolário, que, se os bens da herança não forem suficientes para pagar as despesas judiciais com tal administração, não incumbirá à Fazenda Nacional proceder a tal pagamento. Vigorando no nosso ordenamento processual, em matéria de custas, o princípio da causalidade, a exigência da antecipação do seu pagamento, através da taxa de justiça inicial e subsequente, só poderá ser feita a quem, a final, possa vir a ser responsabilizado por elas. Trata-se de garantir antecipadamente o pagamento de algo que a parte pode ser condenada a pagar no futuro. Ora, se o Estado não pode vir a ser responsabilizado, a final, pelas custas decorrentes de determinada actividade processual, seria, de todo, incompreensível exigir-lhe o seu pagamento antecipado e faseado. Tratar-se-ia de uma incoerência normativa evidente, em que o legislador, por certo, não terá pretendido incorrer. Resulta daí que, quando, nos artigos 22.º e seguintes do CCJ, se estabelece, como regra, a obrigação de pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente, as disposições respectivas tenham que ser interpretadas, por imperativo lógico, como referindo-se apenas aos casos em que as partes e outros intervenientes processuais ali referidos possam vir a ser juridicamente responsabilizados, a final, pelo pagamento das custas do processo. 20. Em seguida, o tribunal procede, no mesmo processo, à citação edital de quaisquer interessados incertos para deduzirem a sua habilitação como sucessores (artigo 1132.º, n.º 1, do CPC). É a chamada fase das habilitações ([21]). Nesta fase, destinada à habilitação de sucessíveis desconhecidos, a posição do Ministério Público não difere substancialmente daquela que assume quando intenta a acção cominatória de aceitação ou repúdio da herança em relação a sucessíveis conhecidos (artigo 2049.º do CC e artigos 1467.º e 1468.º do CPC). Em qualquer dos casos, está a prosseguir o interesse comunitário de pôr fim à socialmente anómala e indesejável situação de jacência da herança. Se algum sucessível até então desconhecido comparecer a habilitar--se, abre-se no processo um incidente que é objecto de tributação autónoma (artigo 16.º, n.º 1, do CCJ), no âmbito do qual, tendo em conta o disposto no artigo 23.º do CCJ, não há lugar ao pagamento de taxa de justiça inicial ([22]), e, consequentemente, ao de taxa de justiça subsequente (artigo 25.º do CCJ). Uma vez que a qualidade de herdeiro, testamentário ou legítimo, carece de prova documental idónea (artigos 2204.º a 2223.º do Código Civil, em matéria de testamento, e artigos 2.º, 3.º e 211.º do Código do Registo Civil, em matéria de casamento e de parentesco), o que sucederá normalmente é que, sendo apresentada tal prova, a habilitação é julgada procedente sem oposição, e, caso essa prova não seja feita, a habilitação será julgada improcedente, haja ou não oposição. Em qualquer dos casos, as custas do incidente serão, a final, da responsabilidade do requerente, por força do disposto no artigo 453.º, n.º 1, do CPC. Se qualquer outro interessado não isento de custas (v.g., outro habilitando) deduzir oposição que venha a ser julgada improcedente, será o mesmo onerado, a final, com as custas do incidente, segundo as regras gerais. Caso a habilitação seja julgada procedente, com ela findará esta acção especial sem que o Estado chegue a ser chamado à sucessão, perfilando-se a mesma como uma fórmula processual análoga, relativamente a sucessíveis desconhecidos, à acção especial prevista nos artigos 1467.º e 1468.º do CPC no tocante a sucessíveis conhecidos, que o Ministério Público propõe em nome próprio. Em qualquer dos casos o Ministério Público, prosseguindo interesses da comunidade em que o acervo hereditário se não mantenha indefinidamente em situação de jacência, diligencia processualmente para que os sucessíveis definam a sua posição em relação à mesma, em ordem à sua aceitação ou repúdio. 21. Caso ninguém se habilite, ou se as habilitações forem julgadas improcedentes, a herança é judicialmente declarada vaga para o Estado (artigo 1133.º do CPC), cessando a respectiva situação de jacência (artigo 2046.º do CC). Sucede, todavia, que a sentença que declara a herança vaga para o Estado, sendo proferida contra sucessíveis incertos, editalmente citados, não poderá ser oposta, como caso julgado, a qualquer sucessível que não tenha tido efectiva intervenção no processo respectivo ([23]). Poderá, assim, qualquer sucessível nessas condições, a todo o tempo ([24]), reclamar a herança declarada vaga para o Estado. Ora, uma tal eventualidade aconselha a que, por razões de segurança jurídica, o património hereditário seja perfeitamente determinado e avaliado, com pagamento imediato do respectivo passivo, em ordem a que fique rigorosamente definido aquilo que o Estado recebe e aquilo que lhe poderá vir a ser exigido por um sucessível desconhecido nas referidas condições. Entendeu, por via disso, o legislador ser de evitar, uma vez declarada a herança vaga para o Estado, que este entrasse de imediato na sua posse efectiva, o que possibilitaria a confusão do património hereditário com o património estadual. Para tanto, consignou-se legalmente (artigos 2155.º do CC e 1133.º, n.º 2, do CPC) a manutenção da autonomia total do património hereditário, em ordem à liquidação da herança, enquanto terceira fase estrutural do processo a prosseguir obrigatoriamente. Tal liquidação visa, em primeiro lugar, realizar meios para proceder ao pagamento dos encargos da herança. Caso, após tal pagamento, haja remanescente, será este, só então, judicialmente adjudicado ao Estado. Dispõe-se, com efeito, no artigo 1133.º, n.º 2, do CPC que, após declaração da respectiva vacatura, «proceder-se-á à liquidação da herança, cobrando-se as dívidas activas, vendendo-se judicialmente os bens ([25]), satisfazendo-se o passivo e adjudicando-se ao Estado o remanescente». Contrariamente ao que se passa noutras formas processuais destinadas à liquidação de patrimónios (caso, v.g., da liquidação judicial de sociedades ([26]) e do processo especial de insolvência ([27])), nesta fase do processo não haverá lugar à nomeação de um liquidatário. Entendeu o legislador por bem confiar o papel de liquidatário da herança ao Ministério Público ([28]), pelo que, havendo dívidas activas, ao mesmo competirá propor, no tribunal competente, as acções necessárias à sua cobrança (artigo 1133.º, n.º 3, do CPC), procedendo ao depósito dos montantes que apurar à ordem do processo de liquidação. Os credores da herança serão citados pessoalmente, se conhecidos, e editalmente, se desconhecidos, para reclamarem os seus créditos (artigo 1134.º, n.º 1, do CPC). Uma vez proferida sentença reconhecendo e graduando o passivo, deverá proceder-se ao pagamento deste pelo produto da liquidação do activo. 22. Todas as despesas judiciais com a liquidação da herança, que não sejam da responsabilidade de terceiros ([29]), constituirão encargo da própria herança ([30]), conforme decorre do artigo 2068.º do CC, gozando de prioridade de pagamento relativamente às dívidas pessoais do de cujus (artigo 2070.º, n.º 2, do CC), nos termos já acima referidos a propósito das despesas judiciais com a administração da herança (cfr. ponto n.º 19 supra). Caso o valor do activo liquidado não seja suficiente para pagamento de todo o passivo reconhecido, pagar-se-ão, em primeiro lugar, as despesas com o funeral e sufrágios do autor da sucessão. Havendo remanescente, proceder-se-á, de seguida, ao pagamento das despesas com a administração e liquidação da herança, nelas se englobando as custas judiciais do processo. Havendo ainda remanescente, serão pagas, seguidamente, as dívidas do falecido, dando-se, por fim, cumprimento aos legados. Se o produto da liquidação do activo se revelar insuficiente para satisfazer todos os encargos da herança, proceder-se-á a rateio entre os diversos credores, dentro da ordem de precedência acima referida ([31]), nada se adjudicando ao Estado. Embora anteriormente declarada vaga a favor deste, a herança, sendo insolvente, não determinará, nesse caso, qualquer atribuição patrimonial para o mesmo. Numa tal eventualidade, toda a actividade processual levada a cabo com a liquidação da herança terá sido prosseguida no interesse exclusivo do património autónomo respectivo, tendo em vista a satisfação, nalguns casos parcial, dos respectivos credores. Ao promover a liquidação da herança, nos termos expostos, e ao actuar, no decurso da mesma, como liquidatário, o Ministério Público prosseguiu, em tal situação, interesses alheios ao Estado--Administração, velando pelo interesse comunitário em que fosse dado o destino legal àquele património autónomo, que acaba liquidado exclusivamente em benefício dos credores. Caso exista remanescente, após paga a totalidade dos encargos, o mesmo será adjudicado ao Estado. Trata-se, tendencialmente, do produto líquido final da herança, que, por razões de segurança jurídica, transitará para o património do Estado-Administração sem ser acompanhado de qualquer encargo. Tal remanescente está, todavia, sujeito ainda a uma dupla ordem de contingências. Em primeiro lugar, poderá qualquer credor da herança, caso não tenha sido citado pessoalmente no processo, reclamar o pagamento do seu crédito, em acção autónoma dirigida contra o Estado, até à importância do remanescente a este adjudicado (artigo 1134.º, n.º 7, do CPC). Para além desse remanescente, o Estado nunca responderá, com o seu próprio património, pelos encargos da herança. Em segundo lugar, poderá qualquer sucessível editalmente citado, que não tenha tido efectiva intervenção no processo, exercer o seu direito à sucessão, reclamando do Estado o montante do remanescente que lhe foi adjudicado (cfr. ponto n.º 21 supra e notas n.os 23 e 24). VII 23. Concluída a análise da estrutura do processo de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, verificamos que, para além de as normas processuais civis pertinentes (artigos 1132.º a 1134.º do CPC) atribuírem directamente ao Ministério Público a legitimidade para nele intervir como parte principal, em nenhum momento se referenciando que tal intervenção será efectuada em representação do Estado, na acepção de Estado-Administração, a actividade processual nele desenvolvida pelo Ministério Público, nas suas diversas fases (conservatória, de habilitações e de liquidação) visa a prossecução de um núcleo complexo de interesses, públicos e privados, com relevo para a comunidade, e não de interesses patrimoniais exclusivos do Estado-Administração. Tais interesses comunitários prosseguidos pelo Ministério Público poderão, inclusivamente, vir a conflituar com os do Estado-Administração, devendo, por força da lei, prevalecer sobre estes. Com efeito, são razões de ordem pública que determinam, imperativamente, a atribuição da herança vaga ao Estado, sendo vedado a este repudiá-la, expressa ou tacitamente. Na palavra de INOCÊNCIO GALVÃO TELES, poderá, de algum modo, dizer-se do Estado que é um herdeiro forçado, no sentido de que herda mesmo contra a vontade ([32]). Como são razões de ordem pública que, relativamente à herança declarada vaga, impõem a sua liquidação judicial prévia, só se adjudicando ao Estado o remanescente, caso exista, após o pagamento do passivo da herança, dentro das precedências legalmente estabelecidas, nele se incluindo as custas judiciais com a sua administração e liquidação. Não está, pois, na disponibilidade do Estado-Administração intentar ou não intentar a acção especial prevista nos artigos 1132.º a 1134.º do CPC. Como, no decurso da mesma, não está na sua disponibilidade pôr-lhe termo, designadamente mediante desistência do pedido ou transacção. Trata-se, como acentuava ALBERTO DOS REIS ([33]), de uma relação jurídica de natureza indisponível. A vontade das partes não pode, pois, sobrepor-se ao interesse público que o ordenamento jurídico visa tutelar com tal acção. Resulta do exposto que o Ministério Público, na prossecução dos múltiplos interesses comunitários postos por lei a seu cargo, está juridicamente vinculado à propositura da referida acção, ainda que o Estado-Administração, por razões de conveniência prática (v.g., evitar as despesas com o processo), não estivesse interessado em que a mesma fosse intentada. Havendo outros interesses comunitários a cargo do Ministério Público, não poderá este, postergando-os, passar a assumir exclusivamente os interesses do Estado-Administração, deixando de propor a acção no exclusivo interesse deste. Para poder propor tal acção com autonomia em relação ao Estado-Administração, forçoso era que fosse atribuída ao Ministério Público legitimidade para a intentar em nome próprio, em representação do Estado-Colectividade, sem necessidade de recorrer ao pagamento prévio de quaisquer preparos (presentemente denominados taxas de justiça) ou custas processuais. Com efeito, caso tal pagamento lhe fosse exigível, não dispondo o Ministério Público de dotação orçamental própria para a ele acorrer, sempre o mesmo ficaria condicionado, na propositura da acção, pela disponibilidade ou não, por parte do Estado-Administração, em efectuar esse pagamento, o que seria, de todo, irrazoável. Tratar-se-ia, na prática, de subordinar a prossecução imperativa pelo Ministério Público de determinados interesses comunitários à ponderação casuística dos interesses patrimoniais do Estado-Administração. 24. Sendo, por outro lado, as despesas com a conservação e liquidação da herança um encargo desta, saindo precípuas, por imperativo legal, do produto obtido no decurso da liquidação a efectuar judicialmente, com precedência sobre as dívidas do falecido, e não respondendo o património pessoal do sucessor pelo seu pagamento, por que razão haveria o Estado, como sucessor meramente eventual, de ser obrigado a proceder ao pagamento, por antecipação, de parte dessas custas, na forma de taxa de justiça inicial ou subsequente? Tratar-se-ia de cobrar antecipadamente a alguém, que ainda não dispõe de qualquer garantia de que virá a ser chamado à sucessão, parte de uma dívida que juridicamente nunca lhe poderia ser imputada caso tal sucessão se viesse a concretizar, o que, conforme acima se salientou, se mostraria, de todo, indefensável. Por isso mesmo, não estando consagrada já qualquer isenção de custas, neste tipo de acções, antes da vigência do Código das Custas Judiciais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, na sua redacção inicial (cfr., a título exemplificativo, o artigo 3.º, n.os 1 e 2, do CCJ aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44329, de 8 de Maio de 1962), sempre as mesmas saíram precípuas do produto da liquidação das heranças declaradas vagas, nunca tendo sido exigido ao Ministério Público, que se saiba, desde a instituição, no âmbito do Código de Processo Civil de 1876, desta forma especial de processo, o pagamento prévio de qualquer preparo. Pretender fazer-se uma tal exigência de preparos neste tipo de acções, em que, como repetidamente se acentuou, se desconhece, à partida, se o Estado irá ser efectivamente chamado à sucessão, seria, aliás, incoerente e paradoxal, quando em confronto com os casos em que, sendo o mesmo instituído herdeiro testamentário, carece de recorrer ao processo de inventário. Com efeito, quando o Estado é constituído herdeiro testamentário, havendo lugar a inventário judicial, o mesmo, embora não isento de custas, está, como qualquer pessoa colectiva, dispensado do pagamento de taxas de justiça inicial e subsequente [artigo 29.º, n.º 3, alínea e), e n.º 4, do CCJ em vigor]. Ora, tendo-se conhecimento já, aquando da propositura do inventário, que o Estado é herdeiro testamentário, sendo chamado à herança isoladamente (inventário-arrolamento) ou em conjunto com os demais herdeiros (inventário-partilha), constata-se que a lei estabeleceu a seu favor a dispensa do pagamento de taxa de justiça inicial e de taxa de justiça subsequente. Exigir-se, no processo especial previsto nos artigos 1132.º a 1134.º do CPC, em que, à partida, nem se sabe se a herança irá, ou não, ser declarada vaga para o Estado, o pagamento antecipado das taxas de justiça inicial e subsequente traduzir-se-ia numa solução de todo ilógica e contraditória, em que só um legislador por demais incauto poderia incorrer. VIII Em face do exposto, extraem-se as seguintes conclusões: 1.ª - No âmbito da acção especial regulada nos artigos 1132.º a 1134.º do Código de Processo Civil, o Ministério Público, litigando em nome próprio, está isento de custas e, consequentemente, do pagamento de taxas de justiça inicial e subsequente [artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código das Custas Judiciais]; 2.ª - As custas judiciais desse processo, relativas à administração e à liquidação do património hereditário, constituem um encargo da herança, caso esta, na falta de outros sucessíveis, venha a ser declarada vaga para o Estado (artigo 2068.º do Código Civil); 3.ª - Tal encargo, gozando de privilégio creditório em relação às dívidas do falecido, será pago pelo produto da liquidação do activo da herança, logo a seguir às despesas com o funeral e sufrágios (artigo 2070.º, n.º 2, do Código Civil); 4.ª - O património do Estado não responde por esse encargo, mesmo que o produto da liquidação do activo hereditário se mostre insuficiente para o seu pagamento integral (artigo 2071.º do Código Civil). ([1]) Ofício n.º 412, com entrada na Procuradoria-Geral da República em 7 de Fevereiro de 2007. ([2]) Isto sem prejuízo dos regimes relativos ao direito de acrescer e ao direito de representação que, por não interessarem à economia do parecer, se não abordarão. ([3]) Sobre a querela que existiu acerca da natureza, juris imperii ou juris successionis, do direito do Estado aos bens por morte dos respectivos titulares, cfr., entre outros, CUNHA G0NÇALVES, Tratado de Direito Civil, Volume X, Coimbra Editora, Coimbra, 1936, págs.423 a 426; CUNHA GONÇALVES, Direitos de Família e Direito das Sucessões, Edições Ática, 1955, págs. 386 e 387; INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Sucessões – Noções Fundamentais, 2.ª Edição, Centro de Estudos de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1973, pág. 226; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Sucessões, 5.ª Edição, Coimbra Editora, 2000, págs. 441 e 442; PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, 1998, pág. 249; RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões II, Coimbra Editora, 1980, págs. 37 e 38. ([4]) CUNHA GONÇALVES, ob. cit., pág. 423. ([5]) Com o Decreto n.º 19126, de 16 de Dezembro de 1930, passaram a ser considerados sucessores legítimos apenas os colaterais até 6.º grau. Tal regime foi mantido na versão original do Código Civil de 1966, só vindo a ser alterado pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, que restringiu a sucessão legítima aos colaterais até 4.º grau. ([6]) Aprovado pela Carta de Lei de 8 de Novembro de 1876. ([7]) Cfr., relativamente ao circunstancialismo em que tal alteração foi gizada, ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, Volume II – Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, pág. 296. ([8]) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, tendo sido objecto de múltiplas alterações, a última das quais decorrente da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro. ([9]) Para maiores desenvolvimentos sobre estes princípios, cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3ª Edição – Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, págs. 198 a 210; JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, págs. 176 a 180; SALVADOR DA COSTA, Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, 6ª Edição, Almedina, 2004, págs. 35 a 45. ([10]) Cfr., em matéria de isenções constantes de diplomas legais avulsos, SALVADOR DA COSTA, ob. cit., págs. 72 a 74. ([11]) Vide, em matéria de isenções objectivas constantes de legislação avulsa, SALVADOR DA COSTA, ob. cit., págs. 94 e 95. ([12]) ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, Coimbra Editora, págs. 660 e 661. ([13]) Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, com as alterações decorrentes das Leis n.os 2/90, de 20 de Janeiro, 23/92, de 20 de Agosto, 10/94, de 5 de Maio, 33-A/96, de 26 de Agosto, 60/98, de 27 de Agosto (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 20/98, de 2 de Novembro), e n.º 42/2005, de 29 de Agosto. ([14]) Cfr., no tocante às diversas acepções do termo Estado, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10.ª Edição, Tomo I, Coimbra Editora, 1973, págs. 185 e 186; FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, 3.ª Edição, Vol. I, Almedina, 2006, págs. 221 e 222; MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo I, Lisboa, 1994/95, págs. 17 e 18; ANTÓNIO DA COSTA NEVES RIBEIRO, O Estado nos Tribunais, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1994, págs. 18 a 22, 45 a 50. ([15]) Cfr. ANTÓNIO DA COSTA NEVES RIBEIRO, ob. cit., págs. 46, 48 e 102. ([16]) Ibidem, págs. 179 a 256. ([17]) Não relevando, no caso, apurar se o Estado-Colectividade detém personalidade jurídica própria, diversa da do Estado-Administração, como a doutrina tradicional vinha sustentando, contra a opinião de FREITAS DO AMARAL (Polis – Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, 2.ª Edição, Volume 2, Verbo, 1998, págs. 1091 a 1098), ou se beneficia apenas de personalidade judiciária, como tal sendo representado pelo Ministério Público. ([18]) Cfr. SALVADOR DA COSTA, Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 56 e 57. ([19]) F. M. PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, Coimbra, 1992, págs. 85 e 271 a 273; RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões II, Coimbra Editora, 1980/1982, págs. 103 a 123; PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, 1998, pág. 124. ([20]) RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., págs. 103 a 109; F. M. PEREIRA COELHO, ob. cit., pág. 172; PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 122. ([21]) JOÃO ANTÓNIO LOPES CARDOSO, Partilhas Judiciais, Volume III, 4ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, págs. 480 a 485. ([22]) SALVADOR DA COSTA, Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, 6ª Edição, Almedina, 2004, pág. 193. ([23]) ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, Volume II – Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, pág. 299; JOÃO ANTÓNIO LOPES CARDOSO, ob. cit., págs. 485 e 486. ([24]) Sem prejuízo das regras da usucapião. ([25]) De acordo com o disposto no artigo 1133.º, n.º 4, do CPC, os fundos públicos e os bens imóveis só são vendidos quando o produto dos outros bens não chegue para o pagamento das dívidas, podendo ainda o Ministério Público, relativamente a outros bens, cujo valor não seja necessário para pagar dívidas da herança, requerer que sejam adjudicados em espécie ao Estado. ([26]) Artigo 1124.º do CPC. ([27]) Artigos 36.º, alínea d), 52.º, 53.º e 55.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. ([28]) Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, Volume II, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, pág. 300; JOÃO ANTÓNIO LOPES CARDOSO, ob. cit., pág. 487. ([29]) Serão, v.g., da responsabilidade dos reclamantes, no âmbito do concurso de credores, as custas relativas às reclamações de créditos julgadas improcedentes. ([30]) Como já salientava CUNHA GONÇALVES (Tratado de Direito Civil, VOLUME X, Coimbra Editora, Coimbra, 1936, págs. 431 e 432), sustentando, contra a opinião de DIAS FERREIRA (Código Civil Português Anotado, 2.ª Edição, Volume III, Coimbra – Imprensa da Universidade, 1898), a tributação da herança em custas. ([31]) ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, Volume II, Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, pág. 309. ([32]) Direito das Sucessões, Noções Fundamentais, 2.ª Edição, Centro de Estudos de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1973, págs. 240 e 241. ([33]) Processos Especiais, Volume II, Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, pág. 297. |