Parecer do Conselho Consultivo da PGR |
Nº Convencional: | PGRP00003185 |
Parecer: | P000382011 |
Nº do Documento: | PPA10102013003800 |
Descritores: | ARRENDAMENTO RURAL DENÚNCIA DE CONTRATO REFORMA AGRÁRIA EXPROPRIAÇÃO DIREITO DE RESERVA AUDIÊNCIA PRÉVIA ANULAÇÃO CONTENCIOSA CASO JULGADO RATIFICAÇÃO EXECUÇÃO DE ACTO ADMINISTRATIVO CADUCIDADE RENOVAÇÃO |
Livro: | 00 |
Numero Oficio: | 1197/2011/1604 |
Data Oficio: | 11/24/2011 |
Pedido: | 11/25/2011 |
Data de Distribuição: | 06/26/2013 |
Relator: | PAULO DÁ MESQUITA |
Sessões: | 01 |
Data da Votação: | 10/10/2013 |
Tipo de Votação: | UNANIMIDADE |
Sigla do Departamento 1: | MAMAOT |
Entidades do Departamento 1: | SECRETÁRIO DE ESTADO DAS FLORESTAS E DESENVOLVIMENTO RURAL |
Posição 1: | HOMOLOGADO |
Data da Posição 1: | 03/20/2014 |
Privacidade: | [01] |
Data do Jornal Oficial: | 07-04-2014 |
Nº do Jornal Oficial: | 68 |
Nº da Página do Jornal Oficial: | 9480 |
Indicação 2: | ASSESSOR: MARIA JOSÉ RODRIGUES |
Conclusões: | 1. Tendo a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA transitado em julgado e anulado o despacho de 15-8-2003 do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas do XVII Governo Constitucional sobre a Herdade dos Machados é inadmissível a ratificação desse ato administrativo. 2. O Estado-Administração está proibido de praticar qualquer ato incompatível com a sentença transitada em julgado proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA, nomeadamente, um ato administrativo que pretenda produzir efeitos retroativos declarando que existiu um motivo de cessação dos contratos de arrendamento rural em data anterior à prolação da decisão judicial (7-2-2011). 3. O Estado-Administração tem de proceder a uma reavaliação integral da pertinência e admissibilidade de uma eventual iniciativa de denúncia dos contratos de arrendamento rural objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA que, no momento da reapreciação administrativa, ainda vigorem entre o Estado e os rendeiros. 4. O artigo 44.º, n.º 2, da Lei de Bases do Desenvolvimento Agrário (LBDA) aprovada pela Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, prescreve que os rendeiros de unidades de exploração agrícola entregues ao abrigo do Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio, ou legislação subsequente, que não adquiriram a respetiva propriedade mantêm inalterados os respetivos direitos como arrendatários. 5. A relação entre o Estado e os rendeiros cujos contratos foram objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA é regulada pela legislação relativa ao arrendamento rural de terrenos expropriados no âmbito da reforma agrária que, atualmente, consta do Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril. 6. A remissão empreendida pelo Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, quanto às regras sobre o prazo de duração dos contratos de arrendamento rural para o Regime Geral do Arrendamento Rural deve considerar-se que atualmente é empreendida para o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro. 7. A renovação e denúncia dos contratos de arrendamento rural objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA que não cessaram por facto superveniente à mesma é, atualmente, regulada pelos artigos 9.º e 19.º do Regime Geral do Arrendamento Rural aprovado pelo Decreto-Lei n.º 294/2009. 8. A regra de caducidade prevista no artigo 1025.º do Código Civil não se aplica aos contratos de arrendamento rural previstos no Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, cuja suscetibilidade de renovação sucessiva não é condicionada por nenhum prazo geral e abstrato. 9. A Casa Agrícola Santos Jorge, SA não tem direito à entrega de terrenos referidos no despacho de 14-3-1991 do Secretário de Estado da Alimentação do XI Governo Constitucional relativamente aos quais, à data desse ato administrativo, existiam contratos de arrendamento rural celebrados ao abrigo do regime sobre a reforma agrária (Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio, ou legislação subsequente), enquanto os referidos contratos subsistirem em vigor. |
Texto Integral: | Senhor Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural Excelência: I. RELATÓRIO O presente processo iniciou-se no dia 25-11-2011 com a entrada na Procuradoria-Geral da República de solicitação de parecer ao Conselho Consultivo, formulada por Sua Excelência o Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, em que o assunto foi identificado nos seguintes termos: «Execução de despacho ministerial de atribuição de reserva de 14/3/91. Requerimento da Casa Agrícola Santos Jorge S.A. — Herdade dos Machados — Moura, representada pelo Advogado José António Fernandes de Barros»[1]. Sobre o pedido de consulta foi proferido, no dia 16-12-2011, o seguinte despacho de Sua Excelência o Procurador-Geral da República: «Solicite-se ao Senhor Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural que sejam especificadas as questões jurídicas que pretendem ver esclarecidas em parecer»[2]. Em 12-6-2012, o Chefe de Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, por ofício de 12-6-2012, comunicou a Sua Excelência o Procurador-Geral da República: «Na sequência do vosso ofício supra identificado informamos que as questões jurídicas que se pretendem ver esclarecidas no âmbito do presente processo, em parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República são as seguintes: 1) Denúncia dos contratos de arrendamento; 2) Execução do Despacho Ministerial de 15/08/2003; 3) Oposição à denúncia dos contratos; 4) Caducidade dos contratos de arrendamento; 5) Indemnização pela privação de uso e fruição de reserva até à sua devolução final.»[3] Em 21-6-2012, na sequência desse ofício, foi proferido despacho de Sua Excelência o Procurador-Geral da República em que determinou a distribuição do processo à relatória originária e solicitou informações complementares sobre a questão ao Auditor Jurídico no Ministério da Agricultura[4]. Em 27-6-2012 foi dado cumprimento ao despacho de Sua Excelência o Procurador-Geral da República, na parte relativa ao pedido de informações ao Sr. Auditor Jurídico no Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território por ofício do Secretário da Procuradoria-Geral da República, identificando o assunto como «Execução de despacho ministerial de atribuição de reserva de 14/3/91 — Herdade dos Machados»[5]. Em 27-7-2012 deu entrada e foi junto ao presente processo ofício do Secretário-Geral Adjunto do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, em que sobre o assunto «Execução de despacho ministerial de atribuição de reserva de 14/3/91 — Herdade dos Machados» se diz que «no âmbito do pedido de informação sobre o assunto em epígrafe, junto a V. Ex.ª alguns documentos sobre a reserva de exploração da Herdade dos Machados atribuída à Casa Agrícola Santos Jorge, S.A.». Sobre esse ofício entrado em 27-7-2012 foi proferido, o seguinte despacho da relatora a quem, então, o processo se encontrava distribuído: «Junte-se ao PA. que continuará a aguardar resposta ao ofício anteriormente expedido. «Lx, 1/8/2012» Por ofício de 12-12-2012 do Secretário da Procuradoria-Geral da República foi solicitado novamente ao Auditor Jurídico no Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território informação sobre o assunto identificado como «Execução de despacho ministerial de atribuição de reserva de 14/3/91 — Herdade dos Machados»[6]. Em 4-1-2013, deu entrada na Procuradoria-Geral da República ofício do Auditor Jurídico no Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território em que, sendo o assunto em epígrafe referido como «Execução de despacho ministerial de atribuição de reserva de 14/3/91 — Herdade dos Machados», se informa: «Com referência ao ofício n.º 26958/2012 (Proc. N.º 38/2011 – CC), de 12-12-2012, tenho a honra de informar que o ofício n.º 14527/2012, de 27/06, de V. Ex.ª, foi por determinação nossa enviado ao Senhor Chefe de Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural (of. N.º 1854/2012/NC, de 4-07), tendo-nos sido enviadas cópias dos elementos que diretamente o Senhor Secretário-Geral do MAMAOT enviou a V. Ex.ª (através do of. N.º 2015/2012/NC).» Em 11-1-2013, foi proferido novo despacho da relatora originária em que determinou o envio de ofício ao Chefe de Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, a «solicitar de novo informações complementares sobre as questões jurídicas enunciadas no vosso ofício acima referenciado com vista à sua definição»[7]. Em 20-6-2013, foi proferido despacho de Sua Excelência a Procuradora-Geral da República, em que se determinou redistribuição de processos pendentes no Conselho Consultivo, na sequência do qual o presente processo foi redistribuído ao novo relator[8]. II. Fundamentação § II.1 Objeto do parecer e enquadramento metodológico § II.1.1 As balizas do parecer e a função do Conselho Consultivo § II.1.1.1 Tendo presente que a solicitação prévia à distribuição do parecer à relatora originária, determinada por Sua Excelência o Procurador-Geral da República em 16-12-2011, foi objeto de resposta da entidade consulente de 12-6-2012, entende-se que o pedido de consulta se encontra balizado pela documentação remetida a este Conselho e pelos termos empregues no recorte formulado pela entidade consulente em 12-6-2012[9]. No presente caso a consulta estabelece as balizas do parecer por duas vias essenciais: 1. Identifica a «matéria de facto» sobre a qual deve incidir a avaliação do Conselho Consultivo; 2. Elenca as questões sobre as quais se pretende a pronúncia do Conselho Consultivo. O Conselho Consultivo nesta sede relativa à emissão de «parecer restrito a matéria de legalidade» a solicitação do Governo, nos termos da alínea a) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público, carece de legitimidade para o desenvolvimento de qualquer investigação autónoma sobre a «matéria de facto», a qual, aliás, não lhe foi solicitada pelo órgão de soberania competente. Por outro lado, reportando-se a consulta a aspetos jurídicos relevantes para eventuais atos do Governo, o parecer vai centrar-se exclusivamente nas dimensões jurídicas relativas às competências desse órgão de soberania. A «matéria de facto» enunciada pelo consulente vem densificada num conjunto de documentos que constituem os únicos elementos probatórios remetidos e podem servir inferências epistemológicas sobre os factos juridicamente relevantes para o objeto do parecer[10]. Consequentemente, seria impertinente desenvolver quaisquer induções, deduções ou abduções relativas a processos causais que estejam para além dos documentos remetidos (ainda que com eles conexos). O enquadramento jurídico das questões suscitadas será da responsabilidade do Conselho Consultivo, de acordo com uma matriz conformada pelos princípios da legalidade e objetividade. § II.1.1.2 As questões suscitadas na consulta não se relacionam com especulações jurídicas mas com o exercício de competências estaduais de órgãos concretos. Importa começar por reiterar as considerações formuladas no parecer n.º 45/2012, de 15 de janeiro de 2013[11], que se aplicam ao presente: «O Conselho Consultivo pode ser convocado, no exercício de função consultiva facultativa, para se pronunciar sobre condições de ação que podem envolver a sistematização de regras advenientes da interpretação jurídica da lei trabalhando sobre dados de facto ligados ao passado, supondo muitas vezes um prévio trabalho teórico de natureza jurídica que, contudo, não afasta a exclusividade da responsabilidade do decisor quanto a eventuais opções precetivas suportadas no parecer. «Daí que a entidade consulente, quando os pareceres não são obrigatórios nem vinculativos, assuma um papel insubstituível de redução da complexidade em dois momentos em que decide com plena independência: (1) Ao estabelecer o objeto da pronúncia sobre uma determinada questão técnica; (2) Ao extrair as consequências, após o parecer, da opinião expendida em termos de medidas com impacto na ordem jurídica. «Isto é, o exercício da função consultiva envolve mecanismos de responsabilizações múltiplas, do próprio órgão consultivo através das suas estruturas argumentativas e corolários extraídos das mesmas, e do consulente ao estabelecer o objeto daquela pronúncia exclusivamente técnica em que, para empregar as palavras de LUHMANN, se estabelece um território em que “a extensão e a coordenação das diversas responsabilidades não podem ser realizadas isoladamente sem considerar o contexto estrutural e programático da atividade decisória”. «Nessa medida, o parecer não pode abrir-se a múltiplos universos epistemológicos sem específica delimitação de uma pergunta sobre concretizadas questões jurídicas, que são as únicas sobre as quais podem incidir os pareceres facultativos do Conselho Consultivo. Interrogações que têm implicadas possibilidades abstratas de mais do que uma solução, daí a dúvida que determina a solicitação de parecer. Existe, assim, um esquema insuperável de problema / solução em que a identificação do problema jurídico numa fase primária, em que se estabelecem balizas inequívocas sobre o objeto da consulta, é uma responsabilidade do consulente. «Como se destacou no parecer n.º 4/1992 - Complementar B, de 21-9-2000, as diferentes aceções da função consultiva, mesmo quanto a órgãos consultivos que não estão vinculados a pronunciar-se apenas sobre os aspetos estritamente jurídicos, compreendem uma destrinça de responsabilidades funcionais entre entes, consulente e consultivo, centradas na delimitação do respetivo objeto. «Acresce que as funções consultivas da Procuradoria-Geral da República integram-se numa linhagem com precedentes na atribuição ao Conselho de Estado (criado pela Carta Constitucional de 1826) de funções consultivas em 1850 e na conversão em 1870 da ala administrativa desse órgão do Estado «no Supremo Tribunal Administrativo, mas com supressão das funções consultivas». «Enquadramento que implica a restrição do parecer aos aspetos jurídicos previamente identificados ou decorrentes do tratamento daqueles, excluindo dimensões político-administrativas ou financeiras sobre fins e objetivos.» Existe, assim, uma clara componente funcional no que concerne a pareceres do Conselho Consultivo que, de acordo com o n.º 1 do artigo 43.º do EMP, incidam «sobre disposições de ordem genérica», os quais sendo homologados passarão a valer «como interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinam a esclarecer». Prevendo-se, no caso de o «objeto da consulta interessar a dois ou mais Ministérios que não estejam de acordo com a homologação do parecer» que a decisão compete ao Primeiro-Ministro (n.º 2 do artigo 43.º do EMP). Se no caso de competências do Governo é importante definir qual o membro do Governo competente para a específica matéria administrativa, por maioria de razão, numa consulta formulada pelo Governo deve ser ponderado o tratamento das questões suscitadas tendo presente as competências próprias do executivo nesse subsistema jurídico-normativo. Nessa medida cruzando-se o tema da consulta com vertentes relativas a competências jurisdicionais e tendo presente que não incumbe ao Conselho Consultivo, nesta sede, pronunciar-se sobre os temas sujeitos a reserva judicial, a abordagem, tanto quanto possível, vai ter por referência as competências do Governo e os limites advenientes, em face das específicas questões suscitadas, dos imperativos decorrentes da separação e interdependência de poderes na ordem constitucional portuguesa. Pelo que, vão excluir-se as temáticas relativas às ponderações da competência judicial naquilo que sejam cindíveis das competências do Governo. A competência decisória para apreciar os requerimentos dirigidos ao Governo, ou órgãos dependentes, é da entidade consulente e este órgão consultivo apenas se deve pronunciar sobre disposições de ordem genérica em matéria de legalidade cuja apreciação lhe foi solicitada pelo órgão de soberania competente, já que se trata de um parecer facultativo que deve apenas incidir sobre «as questões indicadas na consulta», atentas as disposições dos artigos 37.º, alínea a) e 43.º, n.º 1, do EMP conjugadas com as dos artigos 98.º, n.º 1, e 99.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA). Pelo que não se vai empreender qualquer abordagem que não tenha sido expressamente solicitada pela entidade consulente sobre os requerimentos dirigidos pelos particulares aos órgãos administrativos. § II.1.1.3 Como se destacou, a consulta apresenta-se balizada pelas questões identificadas pelo consulente sobre as quais se pretende a pronúncia do Conselho Consultivo relativamente a uma «matéria de facto» pré-fixada. Pressuposto que implica a insusceptibilidade de pronúncia pela hipotética «indemnização pela privação de uso e fruição de reserva até à sua devolução final», na medida em que, desde logo, falece a este órgão competência para investigação factual de que depende o estabelecimento de enunciados sobre os quais poderia desenvolver-se uma eventual valoração jurídica. Com efeito, a análise de eventual responsabilidade geradora de deveres de indemnização tem de ser ponderada tendo por base exclusivamente a matéria de facto que se pode extrair em termos imediatos dos elementos fornecidos pelo consulente, já que ainda que se pretendesse abordagens jurídicas de situações hipotéticas competiria ao órgão de soberania consulente estabelecer o enunciado sobre o qual pretendia uma apreciação jurídica deste ente consultivo. O tratamento jurídico a empreender por este órgão consultivo tem de ser reconduzido a um universo empírico previamente selecionado que não se confunde com uma reflexão exaustiva sobre hipotéticos factos envolvidos nas relações e negociações entre os envolvidos no procedimento administrativo (que não são conhecidos por este órgão consultivo). O desenvolvimento de cursos causais hipotéticos e a especulação sobre factualidades virtuais, num encadeamento de ses apenas limitado pela imaginação do narrador, afigura-se, nesta perspetiva, incompatível com a tarefa solicitada: Estrita apreciação de uma determinada matéria de facto atomisticamente recortada, e o próprio enquadramento jurídico-institucional do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República[12]. Contexto compreensivo que reconduz a análise da problemática da responsabilidade civil a parâmetros epistemologicamente sustentáveis e confina o âmbito suscetível de análise jurídica. Em síntese, a concretização de hipotética responsabilidade extracontratual depende de matéria de facto cuja fixação se afigura inviável nesta sede. Enunciação da matéria de facto provada que deve ser necessariamente precedida de alegações fácticas e de admissões e produções probatórias num quadro em que a ponderação imparcial se integra num procedimento com interação dialética. § II.1.2 A estrutura do parecer O desenvolvimento do parecer vai determinar que se omita a abordagem de temas claramente prejudicados pela interpretação preconizada quanto a alguns dos pressupostos para uma decisão do Estado – Administração sobre as matérias recortadas. A estrutura do parecer vai ser determinada pelo escopo da consulta e elementos disponibilizados ao Conselho Consultivo, desdobrando-se pelas seguintes partes: § II.2 Matéria de facto objeto do parecer; § II.3 As condições de ação da Administração relativas à eventual denúncia dos contratos objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, no processo n.º 157/04.1 BEBJA, em 7-2-2 § II.3.1 Efeitos da anulação do despacho de 15-8-2003 do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas do XVII Governo Constitucional; § II.3.2 A problemática da eventual denúncia dos contratos objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA; § II.3.3 O problema da eventual caducidade dos contratos objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, no processo n.º 157/04.1 BEBJA, em 7-2-2011; § II.3.4 Os contratos de arrendamento rural relativos às parcelas objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, no processo n.º 157/04.1 BEBJA, em 7-2-2011 e as relações do Estado com a Casa Agrícola Santos Jorge, SA. Depois da fundamentação, serão enunciadas as conclusões do parecer visando responder às questões colocadas na consulta que não sejam prejudicadas pelas primeiras respostas. § II.2 Matéria de facto objeto do parecer Tendo presente a prova documental remetida pela entidade consulente, a necessidade de uma apreciação tempestiva[13], o contexto operativo de análise probatória e a matéria relevante para a resposta à consulta, poderemos considerar provados os seguintes factos: 1. Através da Portaria n.º 740/75, de 13 de dezembro, o Ministro da Agricultura e Pescas do VI Governo Provisório determinou a expropriação a (...) da Herdade dos Machados com a área de 6101,0825 hectares, prédio inscrito na matriz cadastral sob o artigo 1, secção I, até artigo 8, secção J, do concelho de Moura, freguesia de Santo Agostinho. 2. Em 25-6-1979 foi aprovada a Resolução n.º 229-B/79 do Conselho de Ministros do IV Governo Constitucional com o seguinte teor: «Considerando que, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 660/74, de 25 de Novembro, a gestão da Casa Agrícola Santos Jorge, S. A. R. L., passou a ser conduzida por uma comissão administrativa, conforme despacho ministerial publicado no Diário do Governo, 2.ª série, de 27 de Junho de 1975, ficando a orientação técnica da exploração agrícola da Herdade dos Machados subordinada ao Centro Regional da Reforma Agrária de Beja; Considerando que pela Resolução n.º 155/79, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 114, de 18 de Maio, foi resolvido pelo Conselho de Ministros prorrogar a intervenção do Estado na Casa Agrícola Santos Jorge, S. A. R. L., até 31 de Julho de 1979; «Considerando que para o efeito do Decreto n.º 907/76, de 31 de Dezembro, e por despacho dos Ministros das Finanças e do Plano e da Agricultura e Pescas, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 159, de 12 de Julho de 1979, foi nomeada uma comissão interministerial para, nos termos daquele diploma e após prévia audição de todas as partes interessadas, nomeadamente os trabalhadores, apresentar relatório sobre a empresa, visando a cessação da intervenção do Estado na mesma, o que foi feito; «Considerando que não foram detetadas quaisquer irregularidades atribuídas à administração da Casa Agrícola Santos Jorge, S. A. R. L., e que os titulares desta empresa se declaram dispostos a retomar a sua gestão, apesar da amputação feita ao seu património em consequência da aplicação da Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro, desde que lhe sejam proporcionados os apoios adequados e a concessão de crédito que, devidamente fundamentado, se justificar para o normal funcionamento da empresa; «Considerando que se admite que a empresa tem viabilidade económica e que o seu saneamento financeiro só poderá operar-se, no presente condicionalismo, em medidas excecionais quanto a prazos de reembolso e taxas de juro; «Considerando que estão em curso ações de entrega para exploração do património expropriado denominado “Herdade dos Machados” e que os titulares da Casa Agrícola Santos Jorge, S. A. R. L., aceitam ceder, a título oneroso, as infraestruturas restituíveis que se justifiquem necessárias à concretização das ações em curso; «Considerando que as atividades exercidas pela empresa se encontram abertas ao livre exercício da iniciativa económica privada, nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 46/77, de 8 de Julho: «O Conselho de Ministros, reunido em 25 de Julho de 1979, resolveu: «1 - Determinar a cessação da intervenção do Estado na gestão da Casa Agrícola Santos Jorge, S. A. R. L., e a sua restituição aos respetivos titulares, conforme previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 422/79, de 29 de Maio. «2 - Levantar a suspensão da administração da sociedade, determinada aquando da intervenção do Estado, pelo que os respetivos membros ficam a ser havidos como destinatários de todos os comandos e injunções estabelecidos na presente resolução, dando por findas as funções da comissão administrativa e exonerados os seus respetivos membros. «3 - Restituir à empresa o seu património em todos os seus elementos ativos e passivos, não abrangidos pelos limites e condicionalismos restritivos fixados pela Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro, neles se incluindo a reserva que ao abrigo da mesma lei lhe for atribuída. «A entrega física da reserva e de mais capitais de exploração que a devem acompanhar terá caráter prioritário. «4 […] 3. Depois da anulação, por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de um despacho do Secretário de Estado da Estruturação Agrária que entregara uma reserva de propriedade aos anteriores titulares do direito de propriedade da «Herdade dos Machados» e uma reserva de arrendamento à Casa Agrícola Santos Jorge, esta com 342,2000 hectares, por despachos do Secretário de Estado da Estruturação Agrária e do Ministro da Agricultura, respetivamente, de 31-05-1984 e de 10-12-1985, voltaram a atribuir-se as duas reservas anteriormente anuladas e majorou-se a reserva de exploração da Casa Agrícola Santos Jorge em mais 157,6605 hectares. 4. Em 12-10-1989 foi proferido um despacho do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação do XI Governo Constitucional de indeferimento do pedido de alteração e demarcação da reserva de exploração da Casa Agrícola Santos Jorge. 5. Em 14-3-1991, na sequência da Informação n.º 37/91 da Direção Regional de Agricultura do Alentejo (DRAAL), o Secretário de Estado da Alimentação, então em funções, do XI Governo Constitucional proferiu o seguinte despacho: «1- Concordo. Quanto à questão de sobreposição confirmo o despacho do senhor MAPA de 12-10-1989 exarado na Informação AJ n.º 325/89. «Reconheço o direito às duas reservas de propriedade conforme o proposto. «2- De igual modo reconheço o direito às 4 reservas de exploração requeridas, no entanto, só atribuo a área que não colide com direitos de arrendamento por força do art. 29.º, ficando dependente de acordo, conforme aquele normativo, a atribuição da restante área. «3- Remeta-se à DRAAlen que deverá informar os interessados.» 6. Em 22-5-2002 foi elaborada uma nota por assessora do então Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas que culmina na seguinte conclusão: «4. Ora, como, nos termos da lei em vigor, a execução do direito de reserva depende da manifestação da vontade dos rendeiros no sentido de passarem a contratar com o ex-titular do prédio, o que não se verifica, eventualmente pelas razões expostas no número anterior, parece-nos conveniente, tendo em vista a aceleração da regularização desejável da situação fundiária, a promoção de uma reunião pelos serviços regionais competentes de Évora com os rendeiros localizados na área de reserva da Casa Agrícola Santos Jorge, com vista ao esclarecimento da impossibilidade de venda pelo Estado das respetivas áreas arrendadas e, findo o prazo do arrendamento, da consequente caducidade dos respetivos direitos de rendeiro.» 7. Sobre a nota de 22-5-2002 recaiu o seguinte despacho do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas do XV Governo Constitucional: «Concordo com a sugestão feita no n.º 4 desta nota. Que seja comunicada à D. Regional a forma como deve proceder. 3/06/2002.» 8. Em 15-8-2003 foi proferido o seguinte despacho do Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas do XV Governo Constitucional: «A informação n.º 83/2003-JC de 11 de julho de 2003, da DRAAL, levanta a questão de saber se deverá haver lugar a renovação de contratos de arrendamento celebrados entre o Estado e agricultores, que incidam sobre áreas de reserva em prédios expropriados / nacionalizados no âmbito da reforma agrária, tendo em conta, designadamente, a articulação da duração dos contratos de arrendamento com o período exigido por lei para efeitos de acesso às ajudas comunitárias. «Ora, estando em causa um direito de reserva de exploração — cuja execução está condicionada a acordo entre os titulares do direito e os rendeiros do Estado ou, em alternativa, à libertação dos lotes arrendados por denúncia dos respetivos contratos — e na sequência do meu despacho de 01.09.2002 exarado sobre a informação n.º 69/2002-JC de 13 de agosto de 2002, da DRAAL, deverá ser dada prioridade à execução do direito de reserva, isto é, à entrega ao seu titular, no respeito pelas normas em vigor. «Com efeito, tratando-se de direito de reserva de exploração já consolidado, há que criar as condições necessárias à sua execução. «Para tanto, e sendo que não tem sido possível alcançar os acordos necessários à devolução das áreas de reserva, não haverá lugar à renovação dos contratos, mas à sua denúncia, nos termos do artigo 18, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 355/88, de 25 de outubro.» 9. Em 30.1.2004, invocando o cumprimento do despacho de 15-8-2003, a Direção de Gestão e Estruturação Fundiária da Direção Regional de Agricultura do Alentejo remeteu cartas a uma pluralidade de agricultores que exploravam parcelas da Herdade dos Machados, comunicando-lhes a denúncia dos respetivos contratos de arrendamento rural com efeitos «para o fim do período de renovação em curso, 31.8.2005». 10. Essas comunicações determinaram a interposição de ação administrativa especial por Antónia Chapuça Guerreiro e mais 36 pessoas visando, nomeadamente, a anulação do despacho de 15-8-2003 a qual veio a ser autuada e registada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja com o n.º 157/04.1BEBJA. 11. Em 8-6-2004 foi elaborada a informação n.º 213/04 por consultora jurídica da Auditoria Jurídica do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, tendo como assunto o processo n.º 157/04.1 BEBJA e dirigida ao titular da pasta: «1- Com os elementos de que dispusemos elaborámos a contestação que ora juntamos e que submetemos à apreciação de V. Ex.ª. «2- Somos a realçar, porém, que a impugnação feita pelos AA pode vir a ser atendida pelo Tribunal na medida em que é suscetível de controvérsia que seja possível denunciar os contratos de arrendamento em causa para se entregar as respetivas parcelas a título de reserva de exploração, quando é certo que o despacho atributivo desta última faz depender a entrega de parcelas arrendadas à obtenção de acordo como os arrendatários nos termos do artigo 29.º da Lei n.º 46/90, de 22-8. «3- Também se afigura que a ausência de audiência prévia dos interessados pode ser interpretada pelo tribunal como um vício juridicamente relevante uma vez que em bom rigor com o mecanismo da oposição à denúncia (e posterior a esta) não se pode atacar a legalidade do ato mas antes o prejuízo decorrente para os arrendatários de uma tal denúncia. «4- Não obstante o acima dito, se V. Ex,.ª entender ser de manter o ato, e concordar com a nossa contestação, deverá ordenar a sua remessa ao tribunal sob registo postal, acompanhado do processo instrutor, até 14 de junho de 2004. «É o que cumpre informar.» 12. Sobre a informação n.º 213/04 recaiu o seguinte despacho manuscrito do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas do XV Governo Constitucional: «Face ao conteúdo da presente informação e à sensibilidade dos interesses em presença não [tendo a palavra não sido sublinhada com dois traços] deve ser enviada contestação ao Tribunal. 14/06/2004.» 13. Em 24-11-2005 foi elaborada a informação n.º 343/05 por consultora jurídica da Auditoria Jurídica do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas dirigida ao titular da pasta, que culmina no ponto 20 que se passa a transcrever: «Nestes termos, em conclusão, somos do parecer que poderá V. Ex.ª, querendo: «a) Revogar o despacho ministerial de 15-08-2003 com fundamento em erro nos pressupostos de facto por a reserva de exploração não se encontrar consolidada, por violação do art. 29.º da Lei n.º 109/88, na redação da Lei n.º 46/90, de 22-08, e por falta de audiência prévia dos interessados nos termos do art. 100.º e ss. do C.P.A. e tendo em conta o disposto no art. 64.º do C.P.T.A. que, a nosso ver, não limita a revogação pela entidade administrativa dos atos judicialmente impugnados ao prazo para a apresentação da respetiva contestação. «b) Suspender a respetiva execução até que o tribunal decida a ação intentada pelos rendeiros uma vez que embora a Administração possa deter o privilégio da execução prévia não está adstrita ao dever de executar o ato se, como sucede no caso, se lhe afigura que o despacho em questão poderá ser anulado judicialmente. «É o que cumpre informar.» 14. Sobre a informação n.º 343/05 recaiu o seguinte despacho do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas do XVII Governo Constitucional: «Face ao exposto determino a suspensão da execução do despacho MADRP de 15 de agosto de 2003, até ao trânsito em julgado da decisão judicial. Dê-se conhecimento aos interessados e à DRAAL.» 15. A Casa Agrícola Santos Jorge formulou requerimento solicitando a sua admissão como interveniente principal espontânea no processo n.º 157/04.1BEBJA, tendo contestado a ação por exceção e impugnação, mas o pedido de intervenção principal foi indeferido pelo tribunal, por despacho transitado em julgado. 16. No processo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja com o n.º 157/04.1BEBJA foi proferida sentença em 7-2-2011 que culmina na seguinte decisão: «Em conformidade com a fundamentação de facto e de direito que vimos de analisar, o Tribunal julga a ação procedente e, em consequência, anula o despacho de 15-8-2003 e as denúncias dos contratos de arrendamento dos autores, efetuadas nos termos das cartas datadas de 30.1.2004.» 17. A referida sentença transitou em julgado. 18. A sentença compreende entre os factos provados que os 36 Autores que persistiram na ação (houve uma desistência admitida pelo tribunal) eram, à data da sentença, rendeiros por força de arrendamento rural de parcelas devidamente discriminadas do prédio rústico “Herdade dos Machados”, tendo como fonte contratos celebrados em 1-9-1982 (factos provados 1 a 36). 19. Entre a matéria de facto julgada provada ressaltam, ainda, as seguintes passagens: «42) Na informação n.º 37/91, de 25.2.1991, vertida no processo de reserva de Herdeiros de (...) e da Casa Agrícola Santos Jorge, a Direção Regional da Agricultura do Alentejo, no âmbito da Lei n.º 46/90, de 22.8, propôs a atribuição de duas áreas de reserva de propriedade aos antigos proprietários e quatro reservas de exploração […]. «43) Em 14.3.1991 foi deferida a atribuição das referidas reservas, nos termos seguintes: «1 – Concordo. Quanto à questão da sobreposição confirmo o despacho do senhor MAPA de 12.10.1989 exarado na informação n.º AJ n.º 325/89. Reconheço o direito às duas reservas de propriedade, conforme proposto. «2 – De igual modo reconheço o direito às 4 reservas de exploração requeridas, no entanto atribuo a área que não colide com direitos de arrendamento por força do art 29º, ficando dependente de acordo conforme aquele normativo, a atribuição da restante área. «44) Em 31.3.1993 a Casa Agrícola requereu que lhe fossem entregues as parcelas livres existentes na “Herdade dos Machados” e pediu a recolocação dos rendeiros que se encontravam na área escolhida pela sociedade para constituição da sua reserva […]. «45) Por despacho de 30.4.1993, o Ministro deferiu o pedido de entrega das parcelas livres desde que situadas na área da reserva. A alteração de localização das áreas arrendadas só é possível mediante anuência dos respetivos rendeiros. Assim deve a DRAAL diligenciar junto dos mesmos as recolocações a que se refere o presente requerimento […]. «46) Em 18.5.1993, a maioria dos Autores reclamou contra a constituição das reservas de propriedade e das reservas de exploração, nos termos que constam do dc. N.º 41 junto com a petição inicial […]. «47) Os serviços da demandada responderam que os rendeiros não devem recear a ação dos serviços, porquanto eventuais recolocações só terão lugar se eles, rendeiros, assim o desejarem ou simplesmente autorizarem […]. «48) Em 31.8.2000 a Casa Agrícola solicitou à entidade demandada que denunciasse os contratos de arrendamento que tinha com os autores, para que pudesse ficar com a sua reserva livre e desonerada […]. «49) A 26.10.2000 o Ministro da Agricultura proferiu o seguinte despacho: Indefiro o presente requerimento porquanto na legislação em vigor compete ao MADRP decidir acerca das datas de eventuais denúncias de contratos de arrendamento rural em que o Estado é um dos outorgantes. Para além de a lei não o obrigar e do requerido constituir uma forma de pressão inaceitável, não me parece oportuno proceder a qualquer denúncia […]. «50) Em 1.9.2002, a propósito da resolução do contrato de arrendamento de (...), sobre a informação n.º 69/2002-JC, de 13.8.2002, o Ministro proferiu o despacho seguinte: visto. «1.º Promover de imediato a desocupação dos lotes face à resolução dos contratos de arrendamento pelo Estado. «2.º Se se tratar de lotes fora da área da reserva, diligenciar junto dos rendeiros localizados dentro da área abrangida pelo direito de reserva, no sentido da troca, tendo em vista a execução do direito de reserva; «3.º Se tal não for possível, abrir concurso público para adjudicação dos lotes, podendo haver lugar, se assim for requerido, a reversão, conforme informação da auditoria jurídica n.º 007/97, de 13.1.97 […] «51) A 11.7.2003 e na sequência de um pedido de renovação do contrato de arrendamento solicitado pelo rendeiro (...), a DRAAL pediu ao Ministro que se pronunciasse, em termos abstratos sobre os contratos existentes, nomeadamente porque a denúncia pelo senhorio do CAR deve ser feita com a antecedência mínima de dezoito meses, relativamente ao termo do contrato ou da sua renovação. (…) Por outro lado, este agricultor é rendeiro no prédio rústico “Herdade dos Machados”, onde há um duplo contencioso fundiário, os direitos de reserva e reversão que os seus titulares têm vindo a exercer sempre que possível» […] 20. Relativamente à fundamentação de direito na sentença ressaltam as seguintes passagens na delimitação do respetivo objeto: «Como preliminar, para que não haja dúvidas sobre a apreciação que segue, o Tribunal considera que o objeto da presente ação, de impugnação de ato administrativo, é o despacho de 15.8.2003 […] e as denúncias efetuadas pela Direção Regional de Agricultura do Alentejo, em 30.1.2004, em execução do despacho do Ministro. «Em face do objeto da causa, trazido a juízo pelos autores, o tribunal não interpreta a alegação do art. 86 da petição inicial como vício imputável ao ato impugnado. Na verdade, não se discute aqui o direito de reserva da Casa Agrícola Santos Jorge. Nos autos está em causa a legalidade da denúncia dos contratos de arrendamento rural dos autores. «Também, não obstante a contradição entre a alegação do art. 88 da petição inicial e, nomeadamente, a do artigo 93 da mesma peça processual, o Tribunal conhecerá da alegada violação, pelo despacho impugnado, de 15.8.2003, do disposto no art. 140.º, n.º 1, als. a) e b) do Código de Procedimento Administrativo, no art. 29.º, n.º 7 da Lei n.º 46/90, de 22.8, do abuso de direito / fraude à lei, da preterição do direito de audiência prévia.» 21. Passando à análise jurídica da matéria de facto, mas ainda no recorte das questões relevantes, na sentença prossegue-se na identificação de elementos que não relevam para os problemas relativos à legalidade do despacho de 15-8-2003 e denúncia dos contratos de arrendamento rural dos autores: «Os autores celebraram os contratos de arrendamento rural ao abrigo do disposto no DL n.º 111/78, de 27.5 (diploma que estabeleceu as normas para a regulamentação da entrega para exploração de terras expropriadas) e na Portaria n.º 797/81, de 12.9, por as parcelas dadas de arrendamento pertencerem a prédios expropriados / nacionalizados no âmbito da reforma agrária. […] «O que significa que o regime substantivo dos contratos de arrendamento rural dos Autores é o previsto no DL n.º 385/88, de 25.10. «Do mesmo modo, podemos dizer que os contratos de arrendamento dos autores, que consubstanciaram a entrega de parcelas do prédio rústico expropriado denominado “Herdade dos Machados” aos autores se regem pela legislação do arrendamento rural. […] «Com o despacho de 14.3.1991, a entidade demandada, nomeadamente reconheceu o direito a quatro reservas de exploração (à Casa Agrícola Santos Jorge). «Contudo, nos termos do despacho de 14.3.1991, apenas foi atribuída a área onde não se encontravam rendeiros do Estado, beneficiários do direito de exploração atribuído por ato administrativo proferido ao abrigo do DL n.º 111/78, de 27.5 (cf. art 29.º da Lei n.º 109/88, de 26.9.1988, na redação dada pela Lei n.º 46/90, de 22.8). «A restante área não foi atribuída / entregue. «Tal atribuição ficou condicionada a acordo com os rendeiros do Estado. «Ou seja, o despacho de 14.3.1991 reconheceu o direito de reserva de exploração, mas apenas atribuiu e entregou, ao titular da reserva de exploração (Casa Agrícola Santos Jorge), a área onde não se encontravam rendeiros do Estado, beneficiários do direito de exploração. «O despacho de 30.4.1993 apenas permitiu a entrega das parcelas livres na área da reserva de exploração. «O despacho de 26.10.2000 indeferiu a pretensão da Casa Agrícola Santos Jorge, de denúncia dos contratos de arrendamento que o Estado tinha com os autores. «Os despachos de 14.3.1991, e 30.4.1993, de 26.10.2000 foram proferidos em obediência à previsão legal constante do art. 29.º da Lei n.º 109/88, de 26.9.1988, na redação dada pela Lei n.º 46/90, de 22.8. «Nenhum dos três despachos — 14.3.1991 — 30.4.1993 — 26.10.2000 — consubstancia um ato constitutivo do direito de exploração dos ora autores. «O direito de exploração dos autores resultou-lhes da celebração dos contratos de arrendamento rural repetimo-lo, ao abrigo do DL n.º 111/78, de 27.5 (diploma que estabeleceu as normas para a regulamentação da entrega para exploração de terras expropriadas). […] «Assim sendo, o despacho de 15.8.2003 pode padecer de ilegalidade, mas, não segue o regime da revogação previsto no art. 140.º e no art. 141.º, ambos, do Código de Procedimento Administrativo.» 22. De seguida, o tribunal, ainda em sede de delimitação do objeto da sentença, concluiu: «Não cabe neste momento saber se a área de reserva de exploração englobou ou não as parcelas e as explorações dos autores, consoante a leitura jurídica do disposto no artigo 29.º, n.º 7, da LBRA [Lei n.º 109/88, de 26-9, na redação revista pela Lei n.º 46/90, de 22-8). Tal foi decidido pelo despacho de 14.3.1991 que não se conhece ter sido impugnado judicialmente.» 23. Passando a abordar a alegação dos autores no sentido de que o despacho de 15-8-2003 padeceria dos vícios de fraude à lei e abuso de direito, o tribunal concluiu: «Compulsando os factos provados, resulta que a entidade demandada atuou a coberto das normas legais aplicáveis à denúncia dos contratos de arrendamento rural, máxime aquela que se encontra fixada no art. 18.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 385/88, de 25.10, dentro dos prazos impostos pela mesma, com observância das formalidades exigidas e no cumprimento dos respetivos ditames. «A entidade demandada limitou-se a exercer um direito que dispunha, manifestando a vontade de não renovar os contratos e dirigindo essa manifestação de vontade às contrapartes, aqui autores, dentro do prazo que a lei lhe faculta para esse fim (18 meses relativamente ao termo de renovação em curso). «O que aliás poderia ter sido utilizado por parte dos ora autores, enquanto arrendatários, se entendessem exercer direito idêntico, conforme lhes permite o art. 18.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 385/88, de 25.10. «Tendo a denúncia sido efetuada com a antecedência legalmente prescrita, relativamente ao termo da renovação do contrato a iniciar ulteriormente, tal denúncia é válida e eficaz. «Improcede pois o alegado vício de fraude à lei e abuso de direito.» 24. De seguida, o acórdão passou a analisar a alegação dos autores no sentido de que teria ocorrido violação dos artigos 100.º, n.º 1, e 103.º do Código de Procedimento Administrativo por preterição da audiência prévia: «Resulta da matéria de facto provada — nos n.ºs 51, 52, 53 do probatório — que o despacho impugnado foi proferido a coberto do pedido apresentado pela DRAAL, em 11.7.2003, ao Ministro para que se pronunciasse sobre os contratos de arrendamento rural existentes no prédio rústico “Herdade dos Machados”, onde há um duplo contencioso fundiário. «O despacho de 15.8.2013 determinou a denúncia dos contratos de arrendamento entre o Estado e os rendeiros colocados na área da reserva de exploração da “Herdade dos Machados”. «A DRAAL notificou aquele despacho aos ora Autores por carta de 31.1.2004, informando-os, ainda, que os respetivos contratos de arrendamento não seriam renovados no termo do prazo em curso (31.8.2005), «Apenas com esta sequência factual podemos conceder razão aos Autores quando afirmam que a Administração não os ouviu, na qualidade de interessados, antes de denunciar (parcialmente) os respetivos contratos de arrendamento rural. […] «Os autores tinham o direito de ser notificados, em sede de audiência prévia, para efeito de se poderem pronunciar sobre o projeto de decisão de denúncia parcial dos respetivos contratos de arrendamento rural. O que não sucedeu. «O que significa que, in casu, não foi cumprida a formalidade de audiência prévia. «E tal incumprimento nem mesmo se degrada em formalidade não essencial porque o tribunal, no âmbito dos seus poderes de cognição e num juízo de prognose póstuma do ato, não pode concluir, sem margem para dúvidas, que a decisão tomada era a única concretamente possível […] «No caso sub judice não se aplica, pelo exposto, o princípio do aproveitamento do ato administrativo, pelo que o incumprimento do disposto no artigo 100.º e segs. do Código de Procedimento Administrativo tem efeitos invalidantes. «Assim, as denúncias parciais dos contratos de arrendamento rural dos autores padecem de vício de forma, por falta de cumprimento do princípio da audiência prévia consignado no art. 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e arts. 8.º e 100.º e segs. do Código de Procedimento Administrativo.» 25. De seguida, o aresto apreciou a alegação também formulada pelos autores de que as denúncias operadas pela DRAAL seriam ilegais por usurpação de poderes, tendo concluído que no caso o vício seria de incompetência concluindo: «O despacho de 15.8.2003 é da autoria do Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas. «Assim, as denúncias notificadas aos autores deviam ser da autoria do Sr. Ministro. «Tendo sido proferidas nos termos que resultam provados nos autos padecem de vício de incompetência em razão da matéria, por o Chefe de Divisão subscritor das mesmas não ter competências para proceder à denúncia (parcial) dos contratos de arrendamento dos autores.» 26. A sentença de 7-2-2011 transitou em julgado sem que tivesse sido interposto qualquer recurso. 27. Em 4-3-2011, a Casa Agrícola Santos Jorge, SA formulou um requerimento dirigido ao Ministro da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas, através de advogado agindo em sua representação, em que, depois de desenvolver considerandos sobre a sua interpretação relativa ao sentido da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1BEBJA, defende determinadas vias sobre o subsequente desenvolvimento da ação do Estado[14]: «1.7 Face à decisão judicial proferida, decorridos 8 anos após a prolação do despacho de 15/08/2003 e tendo em consideração o interesse público e o caráter urgente previsto na lei para a execução do despacho de atribuição da reserva proferido em 14/0391 quando já decorreram 20 anos, entendemos que a Administração deverá urgentemente desencadear os mecanismos necessários para entregar a reserva à requerente. «1.8 Segundo bem cremos, para sanar este contencioso fundiário e rapidamente se proceder à entrega da reserva, haverá duas soluções possíveis, sem prejuízo de se encontrarem outras que possam ser mais rápidas e eficazes. «2. Novo despacho ministerial para denúncia dos contratos «2.1. O Sr. Ministro da Agricultura, em princípio, poderia proferir novo despacho de denúncia dos contratos para o termo de renovação em curso, aproveitando a mesma fundamentação do despacho de 15/08/2003, a que o Tribunal deu cobertura legal. «2.2. Acontece porém que os contratos de arrendamento tiveram início em 01/09/82 e por imperativo legal caducam em 31/08/2012 (decorridos 30 anos de vigência), não sendo por isso já possível respeitar o prazo legal da denúncia, art. 18.º n.º 1 alínea b) do Dec.-Lei 385/88 de 25/10. «2.3 Assim sendo, caducando os contratos em 01/09/2012 já não é possível com a antecedência legal proceder à denúncia, pelo que se não nos afigura possível por esta via entregar a reserva. «3. Ratificação do ato anulado «3.1. Tendo o tribunal considerado que o despacho de 15/08/2003 se encontrava devidamente fundamentado e que assiste ao Estado o direito de denunciar os contratos com vista à entrega da reserva, o Sr. Ministro da Agricultura no exercício dos seus poderes, poderá nos termos do art. 137 do CPA proceder à ratificação-sanação do ato anulado, ferido de anulabilidade, respeitando em conformidade a decisão judicial e o caso julgado. «3.2. O despacho anulado pelo tribunal, procedendo-se previamente à audiência prévia dos destinatários nos termos do art. 100 do CPA e ratificado o vício de incompetência do Sr. Chefe de Divisão, por falta de legitimidade para enviar as cartas de denúncia aos rendeiros, ficará convertido em ato válido. «3.3 Como na reforma do ato se mantém a parte nuclear do despacho de 15/09/2003 que não estava afetada de ilegalidade, os efeitos da ratificação e conversão do despacho primitivo, retroagem à data da prolação do ato, art. 137 nº 4 do CPA. […] «3.4. O ato de ratificação por ser definitivo e executório é impugnável contenciosamente. «3.5. No nosso entendimento, no caso de eventualmente vir a ser requerida a sua suspensão e eficácia, a Administração tem legitimidade para opor-se à suspensão invocando o interesse público decorrente do disposto no art. 14 nº 2 da Lei 109/88 e que serviu de fundamento ao despacho. «4. Declaração Ministerial prévia da caducidade dos contratos de arrendamento «4.1. Os contratos de arrendamento tiveram início em 01/09/82 e caducam em 01/09/2012 nos termos do disposto nos arts. 17 do Dec.-Lei 158/91 de 26/04 e art. 1025 do C.C., normas consideradas de interesse e ordem pública e dotadas de aplicação obrigatória e imperativa. «4.2. O Sr. Ministro da Agricultura poderá optar pela declaração imediata da caducidade dos contratos de arrendamento e interpelar desde já os arrendatários para devolverem em 01/09/2012 as áreas objeto dos arrendamentos. «Em face do exposto e tendo em consideração que: «a) O despacho de atribuição da reserva se encontra por executar quando são decorridos quase 20 anos; «b) O protelamento da entrega da reserva vem causando à requerente graves e irreparáveis prejuízos impedindo-a desde 1975 de refazer as suas explorações agrícolas; «c) O protelamento da entrega da reserva vem também causando prejuízo ao Estado, uma vez que como contrapartida da privação da fruição da área da reserva terá de indemnizar a requerente, Dec.-Lei 199/88 de 31/05 na redação dos Dec.-Lei 199/91 de 29/05 e 38/95 de 04/02 e Portaria 197-A/95 de 17/03; «d) A execução do despacho de atribuição da reserva é prioritário e de grave urgência para a realização do interesse público (art 14 nº 2 da Lei 109/88). «Vem requerer a V. Ex.ª se digne com urgência desencadear os mecanismos necessários que entender mais adequados com vista à entrega da reserva à requerente, em execução do Despacho Ministerial de 14/03/91.» 28. Em 3-8-2011 foi elaborada a informação n.º 769/2011/INC, por consultor jurídico do Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, sobre o requerimento elaborado pela Casa Agrícola Santos Jorge, SA, a qual culminou nas seguintes conclusões: «1. Não é possível fazer retroagir as denúncias a 2003, porquanto os atos contenciosamente anuláveis foram praticados ao abrigo de um regime legal (arrendamento rural, ou agrícola) alterado em 2009. «2. Tal retroação, aliás, tampouco teria qualquer utilidade pois a anulação dos atos também se fundou na falta de audiência prévia e esta, a realizar-se implicaria a prolação de novos atos definitivos: a audiência é prévia por anteceder o ato definitivo. «3. Também não é possível a declaração de caducidade dos contratos de arrendamento rural, por via do disposto no art. 17.º do Dec.-Lei n.º 158/91, pois este preceito aplica-se aos contratos de concessão em exploração e não aos contratos aqui em causa. «4. Resta a possibilidade de proceder à denúncia dos contratos para o fim do período de renovação atualmente em vigor, nos termos já referidos na informação nº 176/2011 (cópia junta) e aqui novamente abordados (parágrafos 24 a 30).» 29. A informação n.º 769/2011/INC precedeu a decisão de se solicitar parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (o procedimento subsequente encontra-se descrito supra no § I). § II.3 As condições de ação da Administração relativamente à eventual denúncia dos contratos objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA § II.3.1 Efeitos da anulação do despacho de 15-8-2003 do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas do XVII Governo Constitucional § II.3.1.1 A ponderação das condições de ação do Estado no caso presente é, antes do mais, conformada pela força de caso julgado da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA. Neste ponto existe uma coordenada jurídico-constitucional diretamente estabelecida no artigo 205.º, n.º 2, da Constituição: As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades. Pelo que, tendo a consulta como objeto as condições de ação da Administração num caso em que já foi proferida uma sentença judicial transitada em julgado, são impertinentes abordagens autónomas sobre os problemas jurídicos apreciados e decididos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA. Por outras palavras, na análise do problema jurídico-prático suscitado na consulta as matérias apreciadas e decididas por tribunal através de sentença transitada em julgado não podem ser objeto de valoração autónoma sobre o dever ser da atuação administrativa. Ilustre-se com a vexata quaestio do vício da falta de audiência prévia que, segundo a sentença, afetou o despacho de 15-8-2003, tendo ficado decidido por decisão judicial transitada em julgado que o vício não «se degrada em formalidade não essencial» e no caso «não se aplica […] o princípio do aproveitamento do ato administrativo, pelo que o incumprimento do disposto no artigo 100.º e segs. do Código de Procedimento Administrativo tem efeitos invalidantes». Em síntese, a relação do Estado com os arrendatários relativa aos contratos de arrendamento rural objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA é, em, primeira linha, regulada pelo caso julgado da sentença que, para empregar a fórmula adotada no acórdão n.º 86/2004 do Tribunal Constitucional, «é um valor constitucionalmente tutelado». § II.3.1.2 Primeiro pressuposto que decorre da sentença transitada em julgado: O despacho de 15-8-2003 do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas do XVII Governo Constitucional foi anulado contenciosamente. Plano em que as especificações jurídicas se afiguram nucleares, o tribunal não anulou um ato instrumental do despacho ministerial (deixando, eventualmente em aberto os efeitos em atos subsequentes), foi o próprio despacho ministerial que foi anulado contenciosamente. A anulação contenciosa de um ato administrativo integra-se num sistema de sancionamento de vícios estabelecido pela lei, em que é assumida no plano normativo a essencial ponderação de valores antinómicos relativos à eliminação e aproveitamento de atos, ou efeitos imediatos e mediatos dos vícios de violação da lei (regulação que, na ordem jurídica portuguesa, apresenta traços comuns em vários procedimentos jurídicos). Modelo em que o princípio da forma e os valores da eficácia, celeridade ou verdade material são equacionados legislativamente no esquema e amplitude das sanções e, em particular, na abrangência da sanção mais drástica, a nulidade. Neste domínio, o princípio do aproveitamento dos atos foi ponderado pelo tribunal e a decisão desse órgão de soberania foi no sentido de que se impunha a eliminação do ato, pelo que a Administração não pode recuperar essa questão sob pena de violação do caso julgado. A ratificação do ato anulado contenciosamente é inadmissível legalmente por força das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 137.º com a alínea b) do n.º 1 do artigo 139.º, ambas do Código de Procedimento Administrativo. Deve, nessa medida, ser rejeitada a proposta de ratificação dos atos anulados contenciosamente[15], já que a ratificação constitui uma via de sanação ou supressão da ilegalidade, com efeitos ex tunc, expressamente proibida quando já foi decretada a anulação contenciosa do ato. Independentemente da prescrição decorrente dos artigos 137.º, n.º 2, e 139.º, n.º 1, alínea b), do CPA, a ratificação de ato anulado contenciosamente colidiria, ainda, com imperativos constitucionais, nomeadamente, consagrados no artigo 205.º, n.º 2, da Constituição. Nesta sede, tendo presente a pluralidade de argumentos desenvolvidos no procedimento administrativo que culminou na consulta, tentaríamos reduzir a complexidade ilustrando a ideia matricial com a seguinte metáfora: A ratificação é uma terapia para atos doentes que ainda subsistem na ordem jurídica à data dessa intervenção, consequentemente, a sua viabilidade depende de a morte do ato ainda não ter sido declarada[16]. Importa, ainda, referir que a anulação do despacho de 15-8-2003 decorreu de um vício que afetou diretamente esse ato e não se reporta à problemática distinta dos efeitos à distância das invalidades (em atos distintos do ato viciado), que no caso incidiria na dependência que o ato de notificação tem relativamente ao despacho ministerial. Desde já podemos acrescentar que se trata de uma dependência absoluta, a notificação não podia sobreviver sem o despacho que se notifica. Pelo que, as notificações operadas apresentavam-se insuscetíveis de produzir efeitos por força da eliminação na ordem jurídica do ato que as legitimava, o despacho ministerial de 15-8-2003. Acresce que o próprio ato de notificação foi anulado contenciosamente por um vício autónomo da mácula originária que afetou o despacho ministerial, no caso incompetência da entidade notificante[17]. Estando os eventuais juízos de conveniência administrativa e prossecução de objetivos sobre o interesse público vinculados ao respeito da legalidade e das decisões judiciais, a análise subsequente será conformada pela ideia base de que não é admissível repristinar o despacho de 15-8-2003, nem os atos subsequentes de denúncia de contratos de arrendamento rural abrangidos pela sentença proferida no processo n.º 157/04.1 BEBJA. § II.3.1.3 Concluindo-se pela inviabilidade da ratificação dos atos anulados contenciosamente[18], na medida em que constituiria uma intervenção com inadmissíveis efeitos retroativos, podia colocar-se como via alternativa (subjacente a algumas propostas formuladas ao Estado) a possibilidade de repetição do procedimento a partir do momento anterior ao vício originário (omissão de audiência prévia), cumprindo as exigências formais e, desde já, prescrevendo que o resultado final em termos materiais deveria ser o mesmo, embora apenas com efeitos ex nunc, para futuro. Para o efeito, segundo essa tese, bastaria notificar aos interessados o texto do despacho de 15-8-2003 como um projeto de decisão. Tal via de reparação dos vícios formais e repetição dos atos materiais praticados com efeitos apenas para o futuro colide, nomeadamente, com três obstáculos inultrapassáveis: 1.º A anulação do ato administrativo implica que o mesmo não produza efeitos jurídicos e, consequentemente, as autoridades administrativas estão obrigadas a proceder a uma valoração autónoma (e conformada, nomeadamente, pelo princípio da legalidade) sobre os pressupostos de facto e de direito (os quais, inclusive, podem envolver dados novos por comparação com 2003) de uma eventual decisão sobre a matéria em causa; 2.º A obrigatoriedade da audiência prévia prescrita pelo artigo 100.º do CPA, independentemente da vinculatividade constitucional estabelecida pelo n.º 5 do artigo 267.º da Constituição, tem subjacente uma dimensão dialógica do procedimento administrativo, incompatível com uma perspetiva de que a referida audição constitui mera formalidade em que a argumentação de facto e de direito e as eventuais propostas do particular serão irrelevantes para a decisão final. 3.º Os pressupostos de facto conformadores do despacho de 15-8-2003 integram, nomeadamente, o elemento temporal que, como é óbvio, se apresenta distinto decorridos dez anos, sendo certo que um contrato que segundo sentença transitada em julgado está em vigor à data da respetiva prolação apenas pode cessar supervenientemente. Em face do exposto, a Administração tem de proceder a uma reavaliação integral da pertinência e admissibilidade de uma eventual iniciativa de denúncia dos contratos de arrendamento rural objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA que, no momento da reapreciação administrativa, ainda vigorem entre o Estado e os rendeiros. A eventual audiência prévia de interessados, em face do disposto pelo artigo 100.º, n.º 1, do CPA, apenas se justificará no caso de se considerar que se encontra concluída a instrução e está identificado o sentido provável de uma eventual decisão administrativa. § II.3.2 A problemática da eventual denúncia dos contratos objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA § II.3.2.1 Da análise empreendida até este passo resulta que a admissibilidade da denúncia pelo Estado dos contratos de arrendamento rural objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA não pode ser equacionada em termos retroativos. Sublinhado esse fator estruturante, devemos passar à análise das três primeiras questões suscitadas na consulta nos seguintes termos: «1) Denúncia dos contratos de arrendamento; «2) Execução do Despacho Ministerial de 15/08/2003; «3) Oposição à denúncia dos contratos». A segunda questão, em termos estritos, já foi analisada acima, no sentido de que o despacho de 15-08-2003 tendo sido anulado contenciosamente por decisão transitada em julgado é insuscetível de produzir efeitos. Subsistem, assim, a primeira e terceira questões que iremos abordar em conjunto, atendendo a que a «oposição à denúncia» é indissociável da admissibilidade da denúncia, devendo a análise do problema ter como bússola a formulação adotada pela entidade consulente sobre o tema da consulta: «Execução de despacho ministerial de atribuição de reserva de 14/3/91. Requerimento da Casa Agrícola Santos Jorge S.A. — Herdade dos Machados — Moura, representada pelo Advogado José António Fernandes de Barros». No que concerne à ponderação da subsequente ação do Estado afigura-se nuclear que, sem embargo do desaparecimento do despacho de 15-8-2003 do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas do XVII Governo Constitucional da ordem jurídica, se reflita sobre os respetivos pressupostos fáctico-jurídicos, que foram três: 1- O direito de reserva de exploração da Casa Agrícola Santos Jorge, SA relativamente às parcelas em que ainda vigoram contratos de arrendamento rural já está «consolidado»; 2- Pelo que «há que criar as condições necessárias à sua execução»; 3- Não tendo «sido possível alcançar os acordos necessários à devolução das áreas de reserva, não haverá lugar à renovação dos contratos, mas à sua denúncia». O despacho de 15-8-2003 não tem a força jurídica de caso decidido, atenta a sua anulação contenciosa. Por outro lado, a decisão judicial estabelece limites ao que o Estado pode fazer na sua relação com os rendeiros (ao determinar a fonte do respetivo direito e a sua vigência à data da prolação da sentença), mas não incidiu, pelo menos no dispositivo, na questão de mérito sobre o que o Estado deve fazer, nem determinou de forma exaustiva o que o Estado pode fazer relativamente aos contratos de arrendamento. § II.3.2.2 No plano material, o anulado despacho de 15-8-2003 do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas do XVII Governo Constitucional compreendeu uma rotura com pronúncias precedentes de membros de Governos anteriores sobre o sentido do despacho de 14-3-1991 do Secretário de Estado da Alimentação do XI Governo Constitucional. Com efeito, as pretensões da Casa Agrícola Santos Jorge, SA à entrega dos terrenos arrendados tinham sido no passado rejeitadas com base numa ideia antagónica à que está subjacente ao despacho de 15-8-2003. Embora não tenha sido transmitida ao Conselho Consultivo a documentação do procedimento administrativo entre os despachos de 14-3-1991 e a reapreciação pelo XVII Governo Constitucional, podemos referenciar o que consta da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA, em que, nomeadamente, se refere: «O despacho de 30.4.1993 apenas permitiu a entrega das parcelas livres na área da reserva de exploração. «O despacho de 26.10.2000 indeferiu a pretensão da Casa Agrícola Santos Jorge, de denúncia dos contratos de arrendamento que o Estado tinha com os autores. «Os despachos de 14.3.1991, de 30.4.1993, de 26.10.2000 foram proferidos em obediência à previsão legal constante do art. 29.º da Lei n.º 109/88, de 26.9.1988, na redação dada pela Lei n.º 46/90, de 22.8.» Acrescente-se que, com base na análise do despacho de 14-3-1991[19], se pode concluir em sentido similar ao realizado pela sentença: O despacho de 14-3-1991 do Secretário de Estado da Alimentação do XI Governo Constitucional reconheceu o direito de reserva de exploração, mas apenas atribuiu ao titular da reserva de exploração os terrenos onde não se encontravam rendeiros do Estado. O único pressuposto de facto e de direito que se apresenta incontornável para o Estado decorre, assim, da sentença proferida no processo n.º 157/04.1 BEBJA na parte em que decretou que os 36 Autores em 7-2-2011 eram rendeiros das parcelas devidamente discriminadas na decisão judicial[20], por força de contratos de arrendamento rural, celebrados em 1-9-1982 e sucessivamente renovados. Os contratos de arrendamento implicam direitos de uso e fruição dos rendeiros que, enquanto os contratos subsistirem, não podem ser atingidos por pretensões de terceiros incompatíveis com aqueles direitos. Quadro compreensivo que permite uma conclusão intercalar: O arrendatário rural cujo contrato foi reconhecido pela sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA e não cessou vigência por força de facto superveniente a 7-2-2011 tem os direitos e deveres inerentes ao respetivo contrato de arrendamento rural. § II.3.2.3 Enunciadas algumas das principais coordenadas do caso concreto, importa abordar, sinteticamente, o regime jurídico-legal conformador da relação do Estado com os rendeiros de parcelas abrangidas pelo despacho de 14-3-1991 do Secretário de Estado da Alimentação do XI Governo Constitucional cujos contratos de arrendamento rural foram sendo sucessivamente renovados. O despacho de 14-3-1991 refere expressamente o artigo 29.º da Lei de Bases da Reforma Agrária (aprovada pela Lei n.º 109/88, de 26 de setembro), com a redação conferida pela Lei n.º 46/90, de 22 de agosto, que, com a epígrafe Reservas em áreas entregues para exploração, dispunha: «1 - A atribuição de reservas ou a declaração da não expropriabilidade de prédio ou de prédios rústicos em áreas na posse de beneficiários do direito de exploração atribuído por ato administrativo proferido ao abrigo do Decreto-Lei n.º 111/78 e legislação complementar ou sequente são condicionadas à prévia celebração de um contrato de arrendamento rural entre esses beneficiários do direito de exploração e os titulares do direito de reserva. «2 - O disposto no número anterior é aplicável aos casos de agricultores autónomos que tenham sido investidos na exploração de determinada área nacionalizada ou expropriada pelas comissões de gestão transitória ou pelos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, de acordo com o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 407-A/75, de 30 de Julho, e com o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 406-A/75, de 29 de julho, e legislação sequente. «3 - Se o contrato referido nos números anteriores não for apresentado no prazo de um mês após a notificação das partes para esse efeito, os serviços competentes do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação devem notificá-las para celebrarem um contrato de arrendamento, nos termos da Lei do Arrendamento Rural, sujeito às seguintes cláusulas especiais: «a) O prazo é de 10 anos e fica garantido ao arrendatário o direito a três renovações de três anos cada; «b) O início do contrato conta-se a partir da data da efetiva entrega da reserva e o seu termo reporta-se ao final do ano agrícola; «c) Na falta de acordo entre as partes, a renda é fixada em 75%, 80%, 85%, 90% e 95% dos valores máximos permitidos por lei, respetivamente para o primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto anos, e de 100% para o sexto ano e seguintes; «d) Os direitos e os deveres do arrendatário são os decorrentes da legislação relativa ao arrendamento rural, sem prejuízo de outra situação mais favorável já adquirida. «4 - A notificação das partes a que se refere o número anterior inicia-se pela do beneficiário do direito de exploração, que deverá assinar o contrato no prazo de 10 dias, findo o qual é notificado o reservatário para o mesmo efeito e com idêntico prazo. «5 - A recusa da assinatura dos contratos a que se refere o número anterior produz os seguintes efeitos: «a) Se a recusa for do beneficiário do direito de exploração, é extinto esse direito de exploração, sem prejuízo do seu direito à indemnização pelas benfeitorias necessárias e úteis que fez na respetiva área, as quais serão determinadas segundo o regime legal das expropriações por utilidade pública, com as necessárias adaptações, ou por acordo dos interessados reduzido a escrito; «b) Se a recusa for do reservatário, extingue-se o direito à reserva sobre a parte abrangida pelo direito de exploração, sem prejuízo do direito à respetiva indemnização, nos termos da lei especial aplicável. «6 - São salvaguardados os direitos de domínio resultantes de desanexações operadas ao abrigo do n.º 2 do artigo 50.º da Lei n.º 77/77. «7 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos arrendatários cujo direito de exploração foi atribuído ou restabelecido por ato administrativo proferido ao abrigo das disposições do capítulo IV da Lei n.º 77/77 e legislação sequente, ainda que com os mesmos tenha sido celebrado contrato nos termos do Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio, nem às áreas que excedam a pontuação estabelecida para o direito de reserva. «8 - Com a atribuição das reservas caducam todos os contratos de arrendamento ou quaisquer outros direitos de exploração constituídos pelo Estado sobre as áreas de reserva.» Esse diploma e norma vieram a ser revogados pelo artigo 45.º da Lei de Bases do Desenvolvimento Agrário (LBDA) aprovada pela Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, cujo artigo 44.º, com a epígrafe Áreas expropriadas e nacionalizadas, prescreve: «1 - As áreas expropriadas e nacionalizadas ao abrigo das leis que regularam o redimensionamento das unidades de exploração, efetuadas na zona de intervenção da reforma agrária, poderão ser revertidas, através de portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do Ministro da Agricultura, desde que se comprove que regressaram à posse dos anteriores titulares ou à dos respetivos herdeiros. «2 - A reversão poderá ainda ter lugar nos casos em que as áreas referidas no número anterior se encontrem a ser exploradas por rendeiros e estes declarem não querer exercer o direito que lhes é conferido pelo Decreto-Lei n.º 349/91, de 19 de Setembro, devendo contudo os seus direitos como arrendatários ficar expressamente salvaguardados.» O artigo 44.º, n.º 2, da LBDA articula-se com o regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 349/91 na parte em que regula o regime de entrega a título de propriedade dos prédios expropriados no âmbito da política de redimensionamento das unidades de exploração agrícola aplicável a pequenos agricultores e cooperativas beneficiárias de entrega em exploração ao abrigo do Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio, ou legislação subsequente. Artigo 44.º, n.º 2, da LBDA que compreende um comando normativo com direta aplicação ao caso concreto objeto de consulta[21]: Os rendeiros das unidades de exploração agrícola entregues ao abrigo do Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio, ou legislação subsequente, que não adquiriram (por opção pessoal, falta de requisitos legais ou outro fator) a respetiva propriedade mantêm inalterados os respetivos direitos como arrendatários. Prescrição que implica a seguinte conclusão sobre o caso concreto: A relação entre o Estado e os rendeiros cujos contratos foram objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA é regulada pela legislação relativa ao arrendamento rural. § II.3.2.4 Relativamente à problemática da denúncia dos contratos de arrendamento rural abrangidos pela sentença proferida no processo n.º 157/04.1 BEBJA está assente que os mesmo tinham sido renovados automática e sucessivamente, pelo menos, até 7-2-2011. Pelo que, a derradeira questão que importará apreciar é a de saber qual o regime em matéria de denúncia pelo proprietário que se aplica aos contratos que subsistem em vigor na data da prolação do presente parecer. A matéria é regulada pelo Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, cuja vigência, tal como a do já referido Decreto-Lei n.º 349/91, foi expressamente ressalvada pelo artigo 45.º da LBDA. O artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 158/91 prevê várias tipologias de contratos de entrega para exploração de prédios expropriados ou nacionalizados, contudo, no caso objeto do parecer constitui um dado assente derivado da força de caso julgado que se trata de contratos de arrendamento rural. Com efeito, a sentença proferida no processo n.º 157/04.1 BEBJA decretou que os 36 Autores em 7-2-2011 eram rendeiros com base em contratos de arrendamento rural, celebrados em 1-9-1982 e renovados automaticamente. O regime legal aplicável a estes arrendamentos é matéria que foi apreciada por este Conselho Consultivo no parecer n.º 39/2011, de 1-3-2012[22], que nesta parte se passa a transcrever: «[Cumpre] analisar se a remissão operada pelo Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, para o Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro, deve ter-se como efetuada para a lei do arrendamento rural atualmente em vigor, uma vez que foi, entretanto, aprovado o Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, que revogou o diploma de 1988. «Apesar de o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, remeter expressamente para o Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro, essa remissão deve considerar-se feita para a “lei geral do arrendamento rural” que esteja em vigor à data, na linha do que se defendeu supra quanto à remissão operada pelas leis da reforma agrária para o Código de Expropriações (remissão móvel e não fixa). «No entanto, a remissão é de afastar quando da aplicação da lei geral resultar uma solução contrária ao disposto na legislação especial, como, aliás, resulta expressamente do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril. «Por sua vez, o artigo 39.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, estabelece que “[O] novo regime apenas se aplica aos contratos existentes a partir do fim do prazo do contrato, ou da sua renovação, em curso”, pelo que, aparentemente, a resposta à questão colocada supra não pode deixar de ser positiva. «Assim, deve concluir-se que o Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, se aplica aos contratos de arrendamento rural celebrados no âmbito da reforma agrária, desde que se verifiquem as condições referidas no artigo 39.º, n.º 2, alínea a) daquele diploma, e apenas se não contrariar o disposto no Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril.» Reafirmando-se a leitura empreendida no parecer n.º 39/2011, de 1-3-2012, sobre a remissão operada pelo Decreto-Lei n.º 158/91 para o regime de arrendamento rural, no caso presente apresenta-se fundamental o artigo 9.º do Regime Geral do Arrendamento Rural aprovado pelo Decreto-Lei n.º 294/2009 que, com a epígrafe Prazo do arrendamento, prescreve: «1 - Os contratos relativos a arrendamentos agrícolas são celebrados por um prazo mínimo de sete anos. «2 - Quando, nos contratos referidos no número anterior, não tenha sido fixado prazo ou o prazo fixado seja inferior a sete anos, considera-se que os mesmos são celebrados de acordo com o disposto no número anterior. «3 - Os arrendamentos agrícolas são renováveis automaticamente por sucessivos períodos de, pelo menos, sete anos, enquanto o mesmo não seja denunciado nos termos do presente decreto-lei. «4 - Os arrendamentos florestais não podem ser celebrados por prazo inferior a 7 nem superior a 70 anos, considerando-se modificados para estes limites os prazos divergentes que hajam sido fixados. «5 - Os arrendamentos de campanha não podem celebrar-se por prazos superiores a seis anos, considerando-se reduzido a este limite o prazo superior que haja sido fixado, e presumem-se de um ano caso não tenha sido estabelecido prazo. «6 - Salvo cláusula contratual ou o acordo expresso dos contraentes, os contratos de arrendamento florestal e de campanha não se renovam automaticamente no termo do prazo do contrato. «7 - Pode ser convencionada, por iniciativa do arrendatário e reduzida a escrito, a alteração da data da cessação do contrato, nas seguintes circunstâncias: «a) Quando o arrendatário realizar, com autorização do senhorio, investimentos de desenvolvimento, melhoria ou reconversão cultural ou obras de beneficiação no prédio; «b) Quando no decurso de um contrato de arrendamento agrícola ou florestal, ocorram circunstâncias imprevistas e anormais, alheias a qualquer das partes, que causem a perda de mais de um terço das plantações das culturas permanentes ou da plantação florestal exploradas e ponham seriamente em causa o retorno económico dessa exploração.» A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, proferida em 7-2-2011, considerou que as cartas de denúncia, embora remetidas nos prazos legais, ao visarem a denúncia dos contratos a partir de 31-8-2005, não produziram efeitos o que implicou, consequentemente, sucessivas renovações trianuais desses contratos, em 1-9-2005 e 1-9-2008. Consequentemente, em 31-8-2011, atingiu-se a data do termo do contrato após a última renovação a que se reportava o caso julgado o que, consequentemente, implica que, por força da aplicação das disposições conjugadas dos artigos 9.º, n.º 3, e 32.º, n.º 2, alínea a), do Regime Geral do Arrendamento Rural aprovado pelo Decreto-Lei n.º 294/2009, se deve considerar que os contratos se renovaram por um período de mais 7 anos (cujo termo se atinge em 31-8-2018). Já no que se reporta à denúncia, atualmente encontra-se regulada no artigo 19.º do Regime Geral do Arrendamento Rural que, com a epígrafe Cessação por oposição à renovação e por denúncia, prescreve: «1 - O contrato de arrendamento cessa por oposição à renovação ou por denúncia de uma das partes, mediante comunicação escrita. «2 - A oposição à renovação ou a denúncia do contrato de arrendamento inclui obrigatoriamente todo o seu objeto. «3 - O senhorio ou o arrendatário podem opor-se à renovação do contrato de arrendamento, com a antecedência de um ano relativamente ao termo do prazo do arrendamento ou da sua renovação, sem prejuízo do disposto no n.º 9. «4 - No caso dos contratos de arrendamento agrícola por senhorio emigrante, pode este denunciar o contrato, com a antecedência de um ano, a partir do terceiro ano do contrato de arrendamento ou da sua renovação, sem possibilidade de oposição por parte do arrendatário, exceto no caso previsto no n.º 9, desde que satisfaça, cumulativamente, as seguintes condições: «a) Ter sido ele quem arrendou o prédio ou o tenha adquirido por sucessão; «b) Necessitar de regressar ou ter regressado definitivamente a Portugal há menos de um ano; «c) Querer explorar diretamente o prédio arrendado. «5 - O arrendatário pode denunciar o contrato, sem possibilidade de oposição por parte do senhorio, nos casos de abandono da atividade agrícola ou florestal, ou quando o prédio ou prédios objeto do arrendamento, por motivos alheios à sua vontade, não permitam o desenvolvimento das atividades agrícolas ou florestais de forma economicamente equilibrada e sustentável. «6 - No caso previsto no número anterior, o arrendatário deve notificar o senhorio com a antecedência de um ano. «7 - O senhorio que haja invocado os fundamentos referidos no n.º 4 fica obrigado, salvo caso de força maior, à exploração direta, por si ou por membro do seu agregado familiar, durante um prazo mínimo de cinco anos. «8 - Em caso de inobservância do disposto no número anterior, o arrendatário cujo contrato foi denunciado tem direito a uma indemnização igual ao quíntuplo das rendas relativas ao período de tempo em que o arrendatário esteve ausente, e à reocupação do prédio, se assim o desejar, iniciando-se outro contrato, ao qual se aplica o disposto no n.º 1 do artigo 31.º «9 - O arrendatário pode opor-se à efetivação da oposição à renovação ou da denúncia, desde que reúna, cumulativamente, as seguintes condições: «a) Tenha mais de 55 anos e resida ou utilize o prédio há mais de 30 anos; «b) O rendimento obtido do prédio constitua a fonte principal ou exclusiva de rendimento para o seu agregado familiar. «10 - Em caso de cessação do contrato por oposição à renovação ou denúncia do senhorio o arrendatário tem direito a ser indemnizado: «a) Pelas benfeitorias realizadas, nos termos previstos no artigo 23.º; «b) Pelas plantações e melhoramento fundiários que hajam tornado o prédio mais produtivo, realizados com o consentimento do senhorio. «11 - O arrendatário tem ainda direito a uma indemnização correspondente a 1/12 da renda anual por cada ano de contrato, não podendo o valor da indemnização ser inferior a um ano de renda, nos casos previstos no n.º 4. § II.3.3 O problema da eventual caducidade dos contratos objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, no processo n.º 157/04.1 BEBJA, em 7-2-2011 Uma das questões diretamente suscitadas pela entidade consulente reporta-se ao problema da «caducidade dos contratos de arrendamento», plano em que, tendo sempre presente o espectro funcional deste Conselho Consultivo[23], apenas se pode emitir uma pronúncia à luz dos dados documentais transmitidos e que sejam relevantes para as condições de ação da Administração relativamente à matéria em causa. Por outro lado, o presente parecer incide apenas sobre os contratos de arrendamento rural referidos na sentença no processo n.º 157/04.1 BEBJA, em 7-2-2011, relativamente aos quais, e até à data da emissão deste parecer, o Estado não empreendeu nenhuma interpelação dos arrendatários nem praticou qualquer ato administrativo relativo à cessação da respetiva vigência (pelo que a pronúncia não se reporta a casos em que, nomeadamente por acordo, os contratos de arrendamento rural já cessaram vigência e foram objeto de ato administrativo que o determinou ou reconheceu). Pelo que, o Conselho Consultivo tem de apreciar a eventual caducidade pelo decurso do tempo de contratos celebrados entre o Estado e indivíduos particulares com atenção a que, por força de sentença transitada em julgado: 1- Os contratos devem ser classificados como contratos de arrendamento rural; 2- Os contratos de arrendamento rural foram celebrados em 1-9-1982 ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio, e na Portaria n.º 797/81, de 12 de setembro, por as parcelas dadas de arrendamento pertencerem a prédios expropriados / nacionalizados no âmbito da reforma agrária; 3- Os contratos de arrendamento rural foram sucessivamente renovados e não cessaram por ato voluntário e válido de uma das partes ou outro facto relevante antes de 7-2-2011. Plano em que, sem necessidade de retornar à respetiva fundamentação, reiteram-se as conclusões 6.ª e 7.ª do parecer deste Conselho Consultivo n.º 39/2011, de 1-3-2012: «6. O Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, nada estabelece nem quanto ao prazo de duração dos contratos de arrendamento rural, nem quanto à respetiva caducidade, remetendo, supletivamente, para o regime geral do arrendamento rural, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro, que se encontrava em vigor à data. Essa remissão deve ter-se como efetuada para o Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, que revogou o diploma de 1988 (remissão móvel). «7. Apesar de o artigo 42.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, remeter, por sua vez, para o Código Civil, o disposto no artigo 1025.º não se pode aplicar aos contratos de arrendamento rural previstos no Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, porque essa solução – à qual se chega por dupla remissão – contraria as regras sobre caducidade constantes do Decreto-Lei n.º 294/2009 e do próprio Decreto-Lei n.º 158/91, que apenas determina a aplicação da regra de caducidade prevista no artigo 1025.º do Código Civil aos contratos de concessão de exploração e não aos arrendamentos.» § II.3.4 Os contratos de arrendamento rural relativos às parcelas objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, no processo n.º 157/04.1 BEBJA, em 7-2-2011 e as relações do Estado com a Casa Agrícola Santos Jorge, SA § II.3.4.1 Relativamente às relações do Estado com a Casa Agrícola Santos Jorge, SA, sem embargo de o âmbito subjetivo da sentença, à partida, não envolver a referida pessoa coletiva privada, que não era parte no processo, a vinculação do Estado Administração às prescrições judiciais tem efeitos colaterais em terceiros eventualmente interessados[24]. Por outro lado, não se pode olvidar que ocorreu um pedido de intervenção principal espontânea da Casa Agrícola Santos Jorge, SA no processo n.º 157/04.1 BEBJA, sobre o qual este Conselho apenas tem conhecimento da sua menção no relatório da sentença, já que os requerimentos formulados pela Casa Agrícola no processo e o(s) despacho(s) judicial(is) que recaiu(iram) sobre aqueles não integraram os elementos documentais remetidos pela entidade consulente[25]. O caso julgado judicial na parte em que conforma a relação do Estado com terceiros que não eram partes no processo n.º 157/04.1 BEBJA, compreende-se, mais do que por via da delimitação do âmbito subjetivo da decisão judicial, pelo recorte negativo do respetivo âmbito objetivo, as questões que não foram objeto da sentença. Com efeito, a «sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga», na fórmula do artigo 673.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, mantida inalterada no artigo do código de 2013. Nesse plano, a fundamentação da sentença, para onde remete o dispositivo, é clara no sentido de que o alegado «direito de reserva da Casa Agrícola Santos Jorge» não integra a pronúncia pois a decisão judicial visou, exclusivamente, «a legalidade da denúncia dos contratos de arrendamento rural dos autores». Acima já se demonstrou a fonte do direito dos arrendatários e a força do caso julgado nessa matéria, de qualquer modo, poderia questionar-se se existiria um direito colidente da Casa Agrícola Santos Jorge, SA. Cumpre, assim, retornar à problemática do eventual direito da Casa Agrícola Santos Jorge, SA, que teria sido determinante da opção que culminou no despacho de 15-8-2013 anulado contenciosamente. § II.3.4.2 Fundamental na argumentação apresentada pela Casa Agrícola Santos Jorge que veio a ser acolhida no despacho de 15-8-2003, entretanto anulado pelo tribunal, é a tese de que a cessação dos contratos de arrendamento rural é imposta pelo disposto no artigo 14.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 109/88, de 26 de setembro, que prescreve que a «execução da decisão final proferida nos processos de reserva regulados pela presente lei é considerada prioritária e de grave urgência para a realização do interesse público». Sendo certo, por outro lado, que no n.º 3 do mesmo preceito se determina que o «despacho de atribuição do direito de reserva tem força probatória plena, nomeadamente para efeitos de inscrição no registo predial». Como se referiu na delimitação do objeto do parecer o mesmo apresenta-se conformado pelas perguntas formuladas pela entidade consulente e pelo acervo documental remetido, que delimita, nomeadamente, as matérias sobre as quais é possível formar inferências factuais. Relativamente às pretensões da Casa Agrícola Santos Jorge de cessação dos contratos ressalta que, seguindo os enunciados de facto da sentença proferida no processo n.º 157/04.1 BEBJA, terá sido proferido um despacho de 26.10.2000 que indeferiu a pretensão da Casa Agrícola Santos Jorge, SA de denúncia dos contratos de arrendamento que o Estado tinha com os autores naquela ação. Acrescente-se que a sentença compreende outras asserções que, embora não podendo produzir efeitos jurídicos vinculantes diretos quanto à Casa Agrícola Santos Jorge (mas são relevantes indiretamente na medida em que vinculam o Estado), se apresentam incompatíveis com as pretensões argumentativas que aquela pessoa coletiva privada reiterou posteriormente: «Nos termos do despacho de 14.3.1991, apenas foi atribuída a área onde não se encontravam rendeiros do Estado, beneficiários do direito de exploração atribuído por ato administrativo proferido ao abrigo do DL n.º 111/78, de 27.5 (cf. art 29.º da Lei n.º 109/88, de 26.9.1988, na redação dada pela Lei n.º 46/90, de 22.8)». Consequentemente o tribunal concluiu: «A restante área não foi atribuída / entregue» e a respetiva atribuição ficou condicionada «a acordo com os rendeiros do Estado». Existe um outro aspeto nuclear, que sendo, aparentemente, aceite de forma pacífica por todos os intervenientes, merece ser enfatizado: O despacho de 14-3-1991 do Secretário de Estado da Alimentação do XI Governo Constitucional, em face dos elementos fornecidos a este Conselho Consultivo, não foi revogado, anulado ou declarado nulo por qualquer ato administrativo ou judicial superveniente. Asserção confirmada pelos elementos documentais fornecidos a este Conselho Consultivo. Sem embargo, atentas as respetivas condicionantes epistemológico-jurídicas, este ente consultivo não pode afirmar com segurança que os vários atos administrativos com relevo nessa matéria tenham a força de caso decidido na apreciação de todas as pretensões da Casa Agrícola Santos Jorge relativas a prestações de facto do Estado. Em resumo, em face das perguntas formuladas e dos elementos de facto fornecidos a este Conselho Consultivo, não se afigura possível uma pronúncia sobre vertentes da relação jurídica entre o Estado e a Casa Agrícola Santos Jorge, SA que estejam para além dos aspetos analisados acima. Retornando ao que se sublinhou acima: O Conselho Consultivo não pode empreender uma pronúncia desenvolvida sobre uma hipotética «indemnização pela privação de uso e fruição de reserva até à sua devolução final», na medida em que falece a este órgão competência para investigação factual de que depende o estabelecimento de enunciados sobre os quais poderia desenvolver-se uma eventual valoração jurídica[26]. Pertinente será apenas sublinhar, com cautela epistémica, que, em face dos elementos probatórios fornecidos a este Conselho, não existe nenhum ato administrativo constitutivo de um direito da Casa Agrícola Santos Jorge e vinculante para o Estado no sentido de um dever de ação relativo à cessação unilateral dos contratos de arrendamento rural ainda vigentes em parcelas abrangidas pela reserva de exploração reconhecida por despacho de 14-3-1991. De qualquer modo, sendo o despacho de 14-3-1991 o ato constitutivo de direitos invocados pela Casa Agrícola Santos Jorge, SA, importa estabelecer uma conclusão conexa com a que se formulou sobre os direitos e deveres inerentes aos contratos de arrendamento rural: A Casa Agrícola Santos Jorge, SA não tem direito à entrega de terrenos referidos no despacho de 14-3-1991 do Secretário de Estado da Alimentação do XI Governo Constitucional relativamente aos quais existiam, à data desse ato administrativo, contratos de arrendamento rural enquanto os referidos contratos subsistirem em vigor (nomeadamente, por via de renovações automáticas sucessivas). III. Conclusões Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões: 1. Tendo a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA transitado em julgado e anulado o despacho de 15-8-2003 do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas do XVII Governo Constitucional sobre a Herdade dos Machados é inadmissível a ratificação desse ato administrativo. 2. O Estado-Administração está proibido de praticar qualquer ato incompatível com a sentença transitada em julgado proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA, nomeadamente, um ato administrativo que pretenda produzir efeitos retroativos declarando que existiu um motivo de cessação dos contratos de arrendamento rural em data anterior à prolação da decisão judicial (7-2-2011). 3. O Estado-Administração tem de proceder a uma reavaliação integral da pertinência e admissibilidade de uma eventual iniciativa de denúncia dos contratos de arrendamento rural objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA que, no momento da reapreciação administrativa, ainda vigorem entre o Estado e os rendeiros. 4. O artigo 44.º, n.º 2, da Lei de Bases do Desenvolvimento Agrário (LBDA) aprovada pela Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, prescreve que os rendeiros de unidades de exploração agrícola entregues ao abrigo do Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio, ou legislação subsequente, que não adquiriram a respetiva propriedade mantêm inalterados os respetivos direitos como arrendatários. 5. A relação entre o Estado e os rendeiros cujos contratos foram objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA é regulada pela legislação relativa ao arrendamento rural de terrenos expropriados no âmbito da reforma agrária que, atualmente, consta do Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril. 6. A remissão empreendida pelo Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, quanto às regras sobre o prazo de duração dos contratos de arrendamento rural para o Regime Geral do Arrendamento Rural deve considerar-se que atualmente é empreendida para o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro. 7. A renovação e denúncia dos contratos de arrendamento rural objeto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo n.º 157/04.1 BEBJA que não cessaram por facto superveniente à mesma é, atualmente, regulada pelos artigos 9.º e 19.º do Regime Geral do Arrendamento Rural aprovado pelo Decreto-Lei n.º 294/2009. 8. A regra de caducidade prevista no artigo 1025.º do Código Civil não se aplica aos contratos de arrendamento rural previstos no Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, cuja suscetibilidade de renovação sucessiva não é condicionada por nenhum prazo geral e abstrato. 9. A Casa Agrícola Santos Jorge, SA não tem direito à entrega de terrenos referidos no despacho de 14-3-1991 do Secretário de Estado da Alimentação do XI Governo Constitucional relativamente aos quais, à data desse ato administrativo, existiam contratos de arrendamento rural celebrados ao abrigo do regime sobre a reforma agrária (Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio, ou legislação subsequente), enquanto os referidos contratos subsistirem em vigor. ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 10 DE OUTUBRO DE 2013. Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita (Relator) – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão – Maria de Fátima da Graça Carvalho – Manuel Pereira Augusto de Matos – Fernando Bento – Maria Manuela Flores Ferreira – Lourenço Gonçalves Nogueiro [1] Ofício com a referência SEFDR/1197/2011/1604 Proc.º 16.02, de 24-11-2011. Foi remetido em anexo o original do mencionado processo «a título devolutivo». [2] Tendo sido remetido com data de 20-12-2011 ofício n.º 2674/2011, de 20-12-2011, do Secretário da Procuradoria-Geral da República a dar cumprimento ao despacho de Sua Excelência o Procurador-Geral da República. [3] Ofício entrado na Procuradoria-Geral da República em 21-6-2012. [4] Em 21-6-2012 o processo foi entregue à relatora originária, cf. Livro de Registos do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. [5] Ofício n.º 14527/2012, de 27-6-2012. [6] Ofício 26958/2012. [7] Nessa comunicação foi mencionado o ofício do Chefe de Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, de 12-6-2012, em que se respondeu à solicitação determinada por Sua Excelência o Procurador-Geral da República para que fossem «especificadas as questões jurídicas que se pretendem ver esclarecidas em parecer», resposta que determinou a primeira distribuição do parecer à relatora originária. [8] O processo foi apenas entregue ao novo relator em 5-7-2013, depois de o referido despacho de 20-6-2013 ter sido confirmado parcialmente por despacho de 4-7-2013. [9] Cf. supra § I. [10] Cf. supra § I. [11] Publicado no Diário da República II.ª Série, de 21-1-2013 (também acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf). [12] Supra § II.1.1. [13] Atento, nomeadamente, o tempo decorrido de pendência do processo no Conselho Consultivo, cf. supra § I. Importa referir que não foi enviada prova documental direta sobre alguns factos relacionados com o objeto do parecer, nomeadamente, a descrição e inscrições da «Herdade dos Machados» no Registo Predial, as cadernetas prediais e o contrato de arrendamento à Casa Agrícola Santos Jorge vigente à data da nacionalização. De qualquer modo, sendo conformadas as condições de ação do Estado sobre a matéria objeto do presente parecer por sentença judicial transitada em julgado remetida a este ente consultivo e tendo sido igualmente remetidos os elementos do procedimento administrativo superveniente a essa sentença, entende-se que os elementos originais sobre todos os atos administrativos que precederam o despacho de 15-8-2003 não se apresentam indispensáveis podendo este ente consultivo (na resposta à consulta concretamente formulada) basear-se na matéria de facto julgada provada pela sentença proferida no processo n.º 157/04.1BEBJA do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja. Com efeito, como resulta das considerações que constam do § II.1.1 e, ainda, da análise empreendida infra no § II.3.1, eventuais questões relativas à relação do Estado com a Casa Agrícola Santos Jorge que estejam para além dos limites à ação do Estado em matéria de cessação dos contratos de arrendamento objeto da sentença proferida no processo n.º 157/04.1BEBJA não integram o objeto do presente parecer. [14] Omitem-se os negritos que pontuam o original, atentas normas deste Conselho em matéria gráfica. [15] Formulada no âmbito do procedimento administrativo, cf. supra § II.2. [16] Ou de se tratar de um nado morto (cf. artigo 139.º, n.º 1, alínea a), do CPA). [17] Cf. supra pontos 16 e 25 do § II.2 [18] Proposta em requerimentos formulados pela Casa Agrícola Santos Jorge, SA. [19] Incluído entre os elementos documentais transmitidos a este Conselho, facto descrito supra sob o n.º 5 no § II.2 do presente parecer. [20] Nos pontos 1 a 36 do enunciado que consta da respetiva fundamentação de facto. [21] Que não incide, nomeadamente, sobre a (in)aplicabilidade do regime de aquisição da propriedade previsto no Decreto-Lei n.º 349/91 aos rendeiros da Herdade dos Machados abrangidos pelo despacho de 14-3-1991 do Secretário de Estado da Alimentação do XI Governo Constitucional. [22] Publicado no Diário da República II.ª Série, de 25-9-2012, que também se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf). [23] Supra § II.1.1. [24] Cf. supra § II.3.1.1. [25] Nessa medida, este Conselho não pode pronunciar-se de forma conclusiva sobre as implicações de uma decisão judicial que desconhece, atendendo a que, para o efeito, são relevantes os fundamentos do pedido do interveniente e do despacho que indeferiu a respetiva pretensão, em especial para a ponderação da componente relativa aos efeitos e força do eventual caso julgado formal estabelecido por esse despacho judicial. Caso julgado formal que, com determinados matizes, o Tribunal Constitucional já considerou que também era tutelado constitucionalmente (cf. acórdãos n.º 1009/96 e 262/98 do Tribunal Constitucional). [26] Cf. supra § I.1.1.3. |