Parecer do Conselho Consultivo da PGR |
Nº Convencional: | PGRP0002971 |
Parecer: | P000282008 |
Nº do Documento: | PPA08052008002800 |
Descritores: | POLÍCIA POLÍCIA MUNICIPAL POLÍCIA ADMINISTRATIVA MEDIDAS DE POLÍCIA- ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL CRIME DE DESOBEDIÊNCIA IDENTIFICAÇÃO REVISTA FLAGRANTE DELITO FISCALIZAÇÃO PODER DE AUTORIDADE ARGUIDO DETENÇÃO AUTO DE NOTÍCIA INTERPRETAÇÃO DA LEI |
Livro: | 00 |
Pedido: | 02/25/2008 |
Data de Distribuição: | 02/26/2008 |
Relator: | MANUEL MATOS |
Sessões: | 01 |
Data da Votação: | 05/08/2008 |
Tipo de Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC |
Sigla do Departamento 1: | MAI |
Entidades do Departamento 1: | MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA |
Posição 1: | HOMOLOGADO |
Data da Posição 1: | 06/23/2008 |
Privacidade: | [01] |
Data do Jornal Oficial: | 12-08-2008 |
Nº do Jornal Oficial: | 155 |
Nº da Página do Jornal Oficial: | 35859 |
Indicação 2: | ASSESSOR: MARTA PATRÍCIO |
Conclusões: | 1.ª – As polícias municipais são, de acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa no espaço territorial correspondente ao do respectivo município; 2.ª – As polícias municipais exercem funções que se inserem nas atribuições dos municípios, actuando prioritariamente na fiscalização do cumprimento quer das normas regulamentares municipais, quer das normas de âmbito nacional cuja competência de aplicação ou de fiscalização esteja cometida ao município e ainda na aplicação efectiva das decisões das autoridades municipais (artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004); 3.ª – Nos termos do artigo 237, n.º 3, da Constituição da República, as polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais, exercendo, em cooperação com as forças de segurança, funções de segurança pública nos domínios contemplados no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 19/2004; 4.ª – As polícias municipais não constituem forças de segurança, estando-lhes vedado o exercício de competências próprias de órgãos de polícia criminal, excepto nas situações referidas no artigo 3.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 19/2004; 5.ª – A identificação e revista de suspeitos, medidas cautelares de polícia previstas no artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 19/2004, podem ser adoptadas pelos órgãos de polícia municipal unicamente em situação de flagrante delito; 6.ª – Os órgãos de polícia municipal podem proceder à revista de segurança no momento da detenção de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, desde que existam razões para crer que as pessoas visadas ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos de violência – artigos 251.º, n.º 1, alínea b), e 174.º, n.º 5, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP); 7.ª – Os agentes de polícia municipal podem exigir a identificação dos infractores quando necessário ao exercício das suas funções de fiscalização ou para a elaboração de autos para que são competentes (artigos 14.º, n.º 2, da Lei n.º 19/2004, e 49.º do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro; 8.ª – O não acatamento dessa ordem pode integrar a prática do crime de desobediência previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004, 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 40/2000, de 17 de Março, e 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal; 9.ª – As polícias municipais, no exercício das suas competências de fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária [artigos 4.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 19/2004, e 5.º, n.os 1, alínea d), e 3, alínea b), do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro], podem exigir aos agentes das contra-ordenações que verifiquem a respectiva identificação, podendo a sua recusa implicar o cometimento de um crime de desobediência, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do Código da Estrada e das disposições legais citadas na conclusão anterior; 10.ª – O infractor que tenha recusado identificar-se pode ser detido em caso de flagrante delito pelo agente de polícia municipal para ser apresentado ao Ministério Público e, eventualmente, ser submetido a julgamento sob a forma de processo sumário, nos termos dos artigos 255.º, n.º 1, alínea a), do CPP, e 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004; 11.ª – Os agentes das polícias municipais somente podem deter suspeitos no caso de crime público ou semi-público punível com pena de prisão, em flagrante delito, cabendo-lhes proceder à elaboração do respectivo auto de notícia e detenção e à entrega do detido, de imediato, à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal; 12.ª – Não sendo as polícias municipais órgãos de polícia criminal, está vedado aos respectivos agentes a competência para a constituição de arguido, a não ser nos inquéritos penais que podem desenvolver, conforme disposto no artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 19/2004; 13.ª – De acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea f), da Lei n.º 19/2004, e do artigo 249.º, n.os 1 e 2, alínea c), do CPP, os órgãos de polícia municipal devem, perante os crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, até à chegada do órgão de polícia criminal competente, competindo-lhes, nomeadamente, proceder à apreensão dos objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir a prova (artigo 178.º, n.º 1, do CPP); 14.ª – Os agentes de polícia municipal, relativamente às infracções às normas regulamentares cuja fiscalização lhes está cometida, que revistam natureza de contra-ordenações, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 48.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, podem ordenar a apreensão dos objectos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de tais ilícitos, ou que por eles foram produzidos, e bem assim quaisquer outros que forem susceptíveis de servir de prova; 15.ª – O regime jurídico quanto às atribuições e competências das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto é o que se encontra definido pela Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio. |
Texto Integral: | Senhor Ministro da Administração Interna, Excelência: I Como se dá nota em ofício[1] assinado por Vossa Excelência, «Têm sido transmitidas ao Ministério da Administração Interna dúvidas quanto ao entendimento que se deve seguir no que respeita a alguns poderes legalmente atribuídos às polícias municipais, hoje essencialmente definidos na Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio. É o que acontece com o poder de identificação e com o poder de detenção, relativamente aos quais não existe uma unanimidade de interpretação. E é, igualmente, o caso do poder de actuação dos agentes das polícias municipais quando verificada a desobediência devida a ordem ou mandato legítimos que eles próprios tenham regularmente comunicado. Por fim, têm surgido dúvidas acerca da possibilidade de as polícias municipais, na sequência de fiscalização realizada, por exemplo, em mercados e feiras, e da detecção de certos materiais (designadamente, contrafeitos), serem competentes para a sua apreensão». Tornando-se, por isso, «necessário analisar os poderes das polícias municipais, firmando um entendimento uniforme numa matéria de tal importância e sensibilidade», dignou-se Vossa Excelência solicitar a emissão pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de parecer sobre as questões que enuncia, «relativas ao sentido e ao alcance de algumas disposições sobre os poderes das polícias municipais fixados pela Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio»[2]. As questões, ordenadas por cinco grupos, são as seguintes: «I) Identificação de suspeitos 1) O artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2004, estabelece que: “Quando, por efeito do exercício dos poderes de autoridade previstos nos n.os 1 e 2, os órgãos de polícia municipal directamente verifiquem o cometimento de qualquer crime podem proceder à identificação e revista dos suspeitos no local do cometimento do ilícito, bem como à sua imediata condução à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competente.” Questões: a) A norma concede poder de identificação em caso de cometimento de qualquer crime, ainda que não seja em flagrante delito? b) Podem os agentes das polícias municipais proceder a revista de segurança? 2) O artigo 14.º, n.º 2, da Lei n.º 19/2004, estabelece que: “Quando necessário ao exercício das suas funções de fiscalização ou para elaboração de autos para que são competentes, os agentes de polícia municipal podem identificar os infractores, bem como solicitar a apresentação de documentos de identificação necessários à acção de fiscalização, nos termos da lei.” Questões: a) Os agentes das polícias municipais podem, no exercício de funções de fiscalização, proceder à identificação de infractores? O não acatamento dá origem a crime de desobediência? b) As polícias municipais também podem proceder a identificação durante a realização de fiscalizações relativas ao cumprimento do Código da Estrada (Parecer CC PGR n.º 13/1996 [[3]])? E o não acatamento dá origem a crime de desobediência? II) Detenção e entrega imediata a autoridade judiciária ou entidade policial e imediata condução à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competente O artigo 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004, estabelece que: “Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal.” Questões: a) Os agentes das polícias municipais, nas situações do artigo 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, podem entregar o detido em situação de flagrante delito ao órgão de polícia criminal? Se há poder de detenção, podem as polícias municipais elaborar todo o expediente no momento da entrega, formalizando a detenção? b) E se não houver flagrante delito (artigo 3.º, n.º 4), os agentes das polícias municipais podem entregar o detido ao órgão de polícia criminal? Neste caso, é o órgão de polícia criminal que formaliza a detenção? c) Os agentes das polícias municipais também podem proceder directamente, sem intermediação de qualquer órgão de polícia criminal, à entrega a autoridade judiciária do detido em situação de flagrante delito? Neste caso, elaboram o auto e procedem à formalização da detenção (artigo 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004)? d) Os agentes das polícias municipais podem, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, quando verifiquem o cometimento de um crime, proceder directamente, sem intermediação de qualquer órgão de polícia criminal, à condução do suspeito a autoridade judiciária? Neste caso, elaboram o auto e procedem à formalização da detenção? e) Em qualquer dos casos, a entrega deve acontecer no local onde se verificou o crime (esperando pelo órgão de polícia criminal) ou pode ter lugar nas instalações destas forças de segurança? f) Os agentes das polícias municipais podem proceder à constituição de arguido? III) O artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004 estabelece que: “Quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos que tenham sido regularmente comunicados e emanados do agente de polícia municipal será punido com a pena prevista para o crime de desobediência.” Questões: a) A recusa de identificação por parte do suspeito de crime ou do infractor (artigo 14.º, n.º 2), quando solicitada, fá-lo incorrer em crime de desobediência (Parecer CC da PGR n.º 13/1996 [[4]])? b) Nesse caso, o suspeito pode ser detido como consequência dessa desobediência? IV) Relativamente à apreensão de material na sequência de fiscalizações: Questões: a) São as polícias municipais competentes para, na sequência de fiscalização realizada, por exemplo, em mercados e feiras, e da detecção de certos materiais (designadamente, contrafeitos), proceder à sua apreensão? b) Essa competência é exercida ao abrigo: – Do artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, por se tratar de factos estritamente conexos com a sua actividade? – Do artigo 4.º, n.º 1, alínea f), in fine: “…prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente”? – Da competência genérica de vigilância de espaços públicos e de fiscalização? – Do artigo 342.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial? – Do regime geral das contra-ordenações (art. 48.º e 48.º-A)? V) Em todos os casos, e ante o disposto na lei, algumas das soluções revestirão carácter diverso quando estiverem em causa as Polícias Municipais de Lisboa e Porto?». Enunciadas as questões, cumpre emitir parecer ao qual foi conferida urgência. II 1. O conceito de polícia tem sido encarado na doutrina numa perspectiva funcional ou material ou numa perspectiva orgânica ou institucional. Em sentido material, MARCELLO CAETANO define polícia como «o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir»[5]. Deste conceito, retira-se que a polícia é, antes de mais, um modo de actividade administrativa. Do mesmo conceito, decorre ainda, que a polícia é «actuação da autoridade, pois pressupõe o exercício de um poder condicionante de actividades alheias, garantido pela coacção sob a forma característica da Administração, isto é, por execução prévia»[6]. O objecto próprio da polícia é, para o autor que vimos seguindo, a prevenção dos danos sociais, que devem constar da lei. Estes elementos estão também presentes na definição de polícia, em sentido funcional, proposta por SÉRVULO CORREIA, que a considera como a «actividade da Administração Pública que consiste na emissão de regulamentos e na prática de actos administrativos e materiais que controlam condutas perigosas dos particulares com o fim de evitar que estas venham a ou continuem a lesar bens sociais cuja defesa preventiva através de actos de autoridade seja consentida pela Ordem Jurídica»[7]. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS acentuam a vertente da prevenção no conceito material de polícia, enquanto actividade administrativa que visa o «afastamento de perigos para interesses legalmente reconhecidos, podendo, em abstracto, distinguir-se consoante esses perigos sejam originados por condutas humanas ilícitas, por acidentes devido a causa humana ou por factos naturais»[8]. No modelo tradicional, vigente até à Constituição de 1976, a função da polícia encontrava-se muito associada a dois traços característicos. Ela apresentava-se como actividade administrativa autoritária, impositiva de restrições aos direitos dos particulares e, ao mesmo tempo, «destinada a prevenir e afastar os perigos de lesão para os bens sociais gerais que pudessem resultar do exercício de actividades individuais»[9]. O artigo 272.º, n.º 1, da Constituição da República, estabelece que «[a] polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos». Perante esta configuração constitucional, a concepção funcional de polícia adquiriu outra abrangência. A noção de polícia não se confina já a uma actividade de cariz negativo, de restrição de direitos, antes se alarga a intervenções vinculadas de protecção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Como sublinha VIEIRA DE ANDRADE as medidas de polícia nem sempre são, em si mesmas, medidas restritivas, referindo-se a situações em que a polícia tem obrigação de actuar, em que há um direito do cidadão à actuação da polícia, para protecção de direitos, liberdades e garantias[10]. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA sublinham igualmente a existência de uma obrigação de protecção pública dos direitos fundamentais, que funcionariam não só como limite, mas também como fim da actuação de polícia[11]. Em sentido institucional ou orgânico, polícia é «todo o serviço administrativo que, nos termos da lei, tenha como tarefa exclusiva ou predominante o exercício de uma actividade policial»[12], sendo tradicional distinguir-se, a propósito, entre autoridades de polícia e serviços de polícia. 2. A actividade policial, enquanto actividade administrativa de prevenção de danos sociais, pode assumir diferentes perfis em função da especificidade dos bens ou interesses a acautelar. No domínio dos fins ou modalidades da actividade de polícia, a doutrina portuguesa continua, no essencial, a considerar a tipologia proposta por MARCELLO CAETANO[13], procedendo à distinção entre polícia administrativa propriamente dita e polícia judiciária e entre polícia administrativa geral ou de segurança pública e polícias administrativas especiais. Na síntese de JOÃO RAPOSO, pode afirmar-se que a polícia judiciária «é a modalidade de polícia que tem por objecto a prevenção dos crimes e a investigação daqueles que, não obstante, forem cometidos, com vista à repressão da criminalidade»[14], enquanto a polícia administrativa, em sentido restrito, se configura como uma modalidade de polícia que tem por objecto garantir a segurança de pessoas e bens, a ordem pública e os direitos dos cidadãos, numa prestação de carácter essencialmente preventivo. Perante o facto de em ambas as actividades de polícia se observarem prestações de índole preventiva e repressiva, houve a necessidade de ponderar um outro critério distintivo: o critério da dependência funcional. A actividade de polícia judiciária exerce-se na dependência funcional das autoridades judiciárias, sendo os respectivos corpos considerados órgãos de polícia criminal, enquanto a polícia administrativa actua sob a direcção da Administração Pública. Como refere CATARINA SARMENTO E CASTRO, «[a]s funções de polícia judiciária, ao contrário das de mera polícia administrativa, implicariam a investigação criminal bem como a perseguição e captura dos criminosos enquanto tarefa de coadjuvação das autoridades judiciárias, o que reforça o seu carácter repressivo»[15]. A polícia administrativa geral «visa a observância e a defesa da ordem jurídica globalmente considerada, com particular ênfase no domínio da ordem e segurança públicas»[16]. Ao lado da polícia administrativa geral – polícia de ordem e de segurança – admite ainda a doutrina a existência de polícias administrativas especiais que asseguram a protecção de um certo e determinado bem ou interesse social, definidos por lei. 3. Integrado no Título referente à Administração Pública, o citado artigo 272.º da Constituição consagra, como sublinham GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «princípios gerais aplicáveis a todos os tipos de polícias, de forma a abranger: (a) a polícia administrativa em sentido restrito; (b) a polícia de segurança; (c) a polícia judiciária». A definição de polícia é, acentuam os mesmos Autores, tendencialmente funcional e teleológica, pois acentua a forma de acção ou actividade da Administração destinada à defesa da legalidade democrática, da segurança interna e dos direitos dos cidadãos»[17]. O n.º 1 do preceito constitucional não alude explicitamente a uma das finalidades habitualmente apontadas à actividade policial administrativa: a defesa da «ordem pública», eventualmente por se constatar «a força expansiva» desse conceito, associado à «restrição de direitos fundamentais»[18], sustentando-se que a distinção feita «entre defesa da legalidade democrática e garantia da segurança interna mostra que a primeira não coincide com a função tradicional de defesa da “ordem pública”, que abrangia a defesa da tranquilidade (manutenção da ordem na rua, lugares públicos, etc), da segurança (prevenção de acidentes, defesa contra catástrofes, prevenção de crimes) e da salubridade (águas, alimentos, etc.)»[19]. Segundo os autores que vimos acompanhando, «[o] sentido mais consentâneo com o contexto global do preceito estará, porventura, ligado à ideia de garantia de respeito das leis em geral, naquilo que concerne à vida da colectividade»[20]. Certo é que a manutenção da ordem pública tem andado tradicionalmente ligada à ideia de polícia, nomeadamente à polícia de segurança, caracterizada, segundo MARCELLO CAETANO como «o ramo da actividade policial que visa a manutenção da ordem e tranquilidade públicas e vigia pela segurança das pessoas e propriedade, prevenindo a criminalidade e perseguindo os criminosos»[21]. De facto, como este Conselho Consultivo considerou no parecer n.º 9/96-B/complementar[22], o citado n.º 1 do artigo 272.º da Constituição não exclui a ordem pública, na apontada tradicional trilogia (tranquilidade, segurança e salubridade), dos escopos da actividade policial administrativa, afirmando-se a propósito: «Numa fórmula breve, pode de facto dizer-se que a polícia administrativa representa o “conjunto das intervenções da Administração que tendem a impor à livre acção dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade (-), orientando-se pelo escopo referencial de “prevenir os atentados à ordem pública”. E a ordem pública que a polícia tem funcionalmente por fim assegurar caracteriza-se em regra por três vectores: a) pelo seu carácter principalmente material, posto que se trata de evitar desordens visíveis; b) pelo seu carácter público, já que a polícia não tutela matérias do foro privado nem o próprio domicílio pessoal, salvo na medida em que as actividades que aí se desenrolem tenham reflexos no exterior (regulamentação do barulho causado por aparelhagens sonoras, higiene de imóveis); c) pelo seu carácter limitado, são três os itens tradicionais da ordem pública: tranquilidade (manutenção da ordem na rua, nos lugares públicos, luta contra o ruído); segurança (prevenção de acidentes e flagelos, humanos ou naturais); salubridade (salvaguarda da higiene pública).» 4. Por seu lado, no n.º 4 do artigo 272.º da Constituição contemplam- -se especificamente as polícias com funções de segurança interna, estabelecendo-se aí dois princípios que interessa pôr em evidência: o princípio da reserva de lei quanto à definição do regime das forças de segurança e o princípio da unidade de organização, segundo o qual a organização de cada uma dessas forças é única para todo o território nacional. Ao nível infraconstitucional, a lei de segurança interna, aprovada pela Lei n.º 20/87, de 12 de Junho[23], condensa o regime normativo essencial relativo à actividade policial nesse domínio. A segurança interna é aí definida como «a actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática» (artigo 1.º, n.º 1). O artigo 14.º, n.º 2, da mesma Lei enumera as forças e serviços de segurança interna. Exercem funções de segurança interna: – A Guarda Nacional Republicana; – A Polícia de Segurança Pública; – A Polícia Judiciária; – O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras; – Os órgãos dos sistemas de autoridade marítima e aeronáutica; – O Serviço de Informações e Segurança[24]. Trata-se de uma enumeração que é taxativa, pois só assim será «compatível com uma definição hermética dos órgãos e competências, concordante com o pendor garantista do artigo 272.º da Constituição», só assim se realizando «o princípio da conformidade legal em sentido estrito (…), corolário da reserva de lei imposta pela norma contida no n.º 4 daquele preceito constitucional»[25]. III A actividade policial desenvolve-se através da adopção de medidas de polícia.Para MARCELLO CAETANO, as «medidas de polícia» configuram-se como «providências limitativas da liberdade de certa pessoa ou do direito de propriedade de determinada entidade, aplicadas pelas autoridades administrativas independentemente da verificação e julgamento de transgressão ou contravenção ou da produção de outro acto concretamente delituoso, com o fim de evitar a produção de danos sociais cuja prevenção caiba no âmbito das atribuições da polícia»[26]. Assim, prossegue o mesmo Autor, «bastará que o perigo assuma proporções graves para, independentemente da produção de facto delituoso, a polícia poder tomar as precauções permitidas por lei a título de defesa da segurança pública»[27]. Dispensando a economia da consulta maiores desenvolvimentos sobre esta temática, cumprirá salientar que, na construção apontada, as medidas de polícia surgem, por vezes, como providências com um conteúdo dotado de uma particular agressividade relativamente à esfera de liberdade dos cidadãos[28]. No entanto, como se reconhece no parecer n.º 161/2004[29], tais providências assumem uma natureza essencialmente preventiva. Lê-se no mesmo parecer: «Mesmo “quando assumam natureza repressiva (v. g., dispersão pela força de uma assuada), não revestem natureza sancionatória ou punitiva”. A “aplicação de sanções exige um procedimento justo, de acordo com as pertinentes regras constitucionais, e um juízo sancionatório que não cabe nas funções constitucionais da polícia”x. «As medidas de polícia “não devem exceder ‘a mera prevenção’ de comportamentos ilícitos e, portanto, nunca sancioná-los”. Têm sempre apenas uma “função de garantia”: “ou da legalidade democrática, ou da segurança interna, ou dos direitos dos cidadãos, pelo que ‘previnem’ apenas em geral”. Continua a existir, assim, um “denominador comum entre todas as suas funções: o carácter preventivo e o da natureza de garantia”. “São medidas preventivas e não sancionatórias” x1»[30]. Uma outra nota tem, a propósito, de ser salientada. De acordo com o n.º 2 do artigo 272.º da Constituição, «As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário». Consagram-se neste preceito dois importantes princípios no domínio das medidas de polícia: o princípio da tipicidade legal e o princípio da proibição do excesso. Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «[o] princípio da tipicidade legal significa que os actos de polícia, além de terem um fundamento necessário na lei, devem ser medidas ou procedimentos individualizados e com conteúdo suficientemente definido na lei, independentemente da natureza dessas medidas: quer sejam regulamentos gerais emanados das autoridades de polícia, decisões concretas e particulares (autorizações, proibições, ordens), medidas de coerção (utilização da força, emprego de armas) ou operações de vigilância, todos os procedimentos de polícia estão sujeitos ao princípio da precedência da lei e da tipicidade legal»[31]. O princípio da proibição do excesso traduz a subordinação das medidas de polícia aos «requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade». Manifestação do princípio constitucional essencial em matéria de «actos públicos potencialmente lesivos de direitos fundamentais», aquele princípio diz-nos que «eles só devem ir até onde seja imprescindível para assegurar o interesse público em causa, sacrificando no mínimo os direitos dos cidadãos». Nesta sede, como afirmam os Autores que estamos a citar, «isto significa que o emprego de medidas de polícia deve ser sempre justificado pela estrita necessidade e que não devem nunca utilizar-se medidas gravosas quando medidas mais brandas seriam suficientes para cumprir a tarefa»[32]. A lei de segurança interna dedica um capítulo às medidas de polícia, referindo-se-lhes expressamente o artigo 16.º. De acordo com o n.º 2 deste preceito, os estatutos e diplomas orgânicos das forças e serviços de segurança tipificam as medidas de polícia aplicáveis nos termos e condições previstos na Constituição e na lei. No desenvolvimento da actividade de segurança interna, a aplicação de tais medidas será determinada pelas autoridades de polícia (n.º 1). O mesmo preceito enumera ainda algumas das medidas de polícia de entre as quais se destacam as de vigilância policial de pessoas, edifícios e estabelecimentos por período de tempo determinado [n.º 2, alínea a)] e a exigência de identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial [n.º 2, alínea b)]. IV 1. As polícias municipais obtiveram consagração na lei fundamental na sequência da IV Revisão Constitucional, sendo dois os preceitos que se lhes referem explicitamente: os artigos 165.º, n.º 1, alínea aa), e 237.º, n.º 3.O primeiro preceito consagra o princípio da reserva relativa de competência da Assembleia da República para legislar sobre o regime e forma de criação das polícias municipais. O artigo 237.º, n.º 3, estabelece que: «3 – As polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais». No quadro das atribuições e competências das autarquias locais, a Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, estabelece que os municípios dispõem de atribuições no domínio de polícia municipal [artigo 13.º, n.º 1, alínea p)]. E no artigo 30.º do mesmo diploma, sob a epígrafe «Polícia municipal», prevê-se que «Os órgãos municipais podem criar polícias municipais nos termos e com intervenção nos domínios a definir por diploma próprio». 1.1. Refira-se que o Código Administrativo de 1940 já conferia às câmaras municipais atribuições de polícia (artigo 44.º, n.º 6), já que lhes pertencia, de acordo com o disposto no artigo 50.º, n.º 13, deliberar «Sobre a criação e sustentação de uma polícia municipal e instalação de postos ou construção de quartéis destinados ao serviço de polícia urbana ou rural». Em desenvolvimento dessa previsão normativa, dispunha o artigo 163.º, § 2.º, do mesmo Código: «A fim de fiscalizar o cumprimento das posturas e regulamentos policiais e coadjuvar a autoridade policial do concelho no exercício das suas funções, é permitido às câmaras instituir um serviço de polícia municipal, a cargo de guardas e graduados requisitados à polícia de segurança pública, ou de zeladores ou guardas campestres, cujos autos de notícia farão fé em juízo nos termos estabelecidos no Código de Processo Penal para os levantados por agentes de autoridade». Nos concelhos de Lisboa e Porto, os serviços de polícia municipal eram confiados a um corpo privativo militarizado (§ 3.º do mesmo preceito). 1.2. Posteriormente, foi editada a Lei n.º 32/94, de 29 de Setembro, cujo artigo 14.º revogou expressamente o artigo 163.º do Código Administrativo[33]. Versando sobre as atribuições dos municípios em matéria de polícia administrativa, o artigo 1.º do diploma estabelecia que no exercício de funções de polícia administrativa, cabia aos municípios fiscalizar, na área da sua jurisdição, o cumprimento das leis e dos regulamentos que disciplinam matérias relativas às atribuições das autarquias e à competência dos seus órgãos. O artigo 3.º dispunha que os municípios, nos termos desse diploma, podiam criar «serviços especialmente vocacionados para o desempenho das suas atribuições em matéria de polícia administrativa» (n.º 1), competindo à assembleia municipal «aprovar a criação do serviço municipal de polícia, mediante proposta da câmara municipal» (n.º 2). As competências dos serviços municipais de polícia estavam previstas no artigo 4.º. Na opinião de CATARINA SARMENTO E CASTRO, «a fiscalização é a nota dominante das competências que são atribuídas a estes serviços: fiscalização das condições de utilização das licenças, do exercício da actividade cinegética, do cumprimento das deliberações municipais e das normas relativas ao trânsito»[34]. Segundo a mesma Autora, «só a IV Revisão, ao permitir às polícias municipais o desempenho de tarefas relativas à “garantia da tranquilidade pública e da protecção das comunidades”, abriu caminho ao exercício de tarefas municipais que vão além da mera actividade de polícia administrativa»[35]. A criação das polícias municipais radica num princípio de descentralização administrativa, consagrado no artigo 267.º, n.º 2, da Constituição, «baseado, quer na ideia de interesses caracteristicamente próprios localizados (-), quer na ideia de que se devem aproximar da comunidade os serviços»[36]. 1.3. A Lei n.º 140/99, de 28 de Agosto, encarregou-se de estabelecer o regime e a forma de criação das polícias municipais, revogando a Lei n.º 32/94. Concretizando-se a previsão constitucional de criação das polícias municipais, visou-se, como se consigna na exposição dos motivos da respectiva proposta de lei[37], proceder a uma actualização do modelo policial português a pautar-se por um «policiamento de proximidade», incrementando-se «a relação de proximidade entre o agente e o cidadão», por forma a que se «aumente o sentimento de segurança». O modelo orienta-se ainda, refere-se na mesma exposição, «por uma filosofia de complementaridade e subsidiariedade entre as forças e os serviços de segurança e as polícias municipais». 1.4. As soluções normativas constantes deste diploma transitaram para o actual regime sobre a forma e criação das polícias municipais definido pela Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio[38], devendo referir-se que sob a vigência da Lei n.º 140/99 foram editados os seguinte dois diplomas de que importa dar conta: o Decreto-Lei n.º 39/2000, de 17 de Março, e o Decreto-Lei n.º 40/2000, da mesma data. O primeiro diploma estabelece as regras a observar na deliberação da assembleia municipal que crie, para o respectivo município, o serviço de polícia municipal, bem como os regimes de transferências financeiras e de carreiras de pessoal. O Decreto-Lei n.º 40/2000 regula as condições e o modo do exercício de funções de agente de polícia municipal. 2. A Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, procedeu à «revisão da lei quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais», revogando a citada Lei n.º 140/99, contendo, pois, tal diploma o quadro normativo vigente sobre esta matéria. As alterações introduzidas pela Lei n.º 19/2004 ao anterior regime jurídico das polícias municipais «não configuram, minimamente, consoante se regista na nota justificativa do projecto de lei que esteve na sua base[39], qualquer inversão ou revolução legislativa neste regime, antes procuram aprofundar os mecanismos legais necessários a uma instalação e funcionamento eficiente destes departamentos autárquicos». Na sua estrutura sistemática, a Lei n.º 19/2004 é constituída por quatro capítulos, com as seguintes epígrafes: Capítulo I Das atribuições dos municípios; Capítulo II Das polícias municipais; Capítulo III Dos agentes de polícia municipal; Capítulo IV Disposições finais e transitórias. O artigo 1.º do diploma enuncia a natureza e o âmbito das polícias municipais nos seguintes termos: «Artigo 1.º 1 – As polícias municipais são serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, com as competências, poderes de autoridade e inserção hierárquica definidos na presente lei. Natureza e âmbito 2 – As polícias municipais têm âmbito municipal e não são susceptíveis de gestão associada ou federada.» A criação das polícias municipais continua a competir à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, formalizando-se a respectiva deliberação «pela aprovação do regulamento da polícia municipal e do respectivo quadro de pessoal», dependendo a sua eficácia de ratificação por resolução do Conselho de Ministros (artigo 11.º). A matéria relativa às atribuições, funções, competências e competência territorial destes serviços municipais, particularmente implicada nesta consulta, encontra-se fixada nos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º desta Lei, nos seguintes termos: «Artigo 2.º 1 – No exercício de funções de polícia administrativa, é atribuição prioritária dos municípios fiscalizar, na área da sua jurisdição, o cumprimento das leis e regulamentos que disciplinem matérias relativas às atribuições das autarquias e à competência dos seus órgãos. Atribuições 2 – As polícias municipais cooperam com as forças de segurança na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais. 3 – A cooperação referida no número anterior exerce-se no respeito recíproco pelas esferas de actuação próprias, nomeadamente através da partilha da informação relevante e necessária para a prossecução das respectivas atribuições e na satisfação de pedidos de colaboração que legitimamente forem solicitados. 4 – As atribuições dos municípios previstas na presente lei são prosseguidas sem prejuízo do disposto na legislação sobre segurança interna e nas leis orgânicas das forças de segurança. Artigo 3.º Funções de polícia 1 – As polícias municipais exercem funções de polícia administrativa dos respectivos municípios, prioritariamente nos seguintes domínios: a) Fiscalização do cumprimento das normas regulamentares municipais; b) Fiscalização do cumprimento das normas de âmbito nacional ou regional cuja competência de aplicação ou de fiscalização caiba ao município; c) Aplicação efectiva das decisões das autoridades municipais. 2 – As polícias municipais exercem, ainda, funções nos seguintes domínios: a) Vigilância de espaços públicos ou abertos ao público, designadamente de áreas circundantes de escolas, em coordenação com as forças de segurança; b) Vigilância nos transportes urbanos locais, em coordenação com as forças de segurança; c) Intervenção em programas destinados à acção das polícias junto das escolas ou de grupos específicos de cidadãos; d) Guarda de edifícios e equipamentos públicos municipais, ou outros temporariamente à sua responsabilidade; e) Regulação e fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal na área de jurisdição municipal. 3 – Para os efeitos referidos no n.º 1, os órgãos de polícia municipal têm competência para o levantamento de auto ou o desenvolvimento de inquérito por ilícito de mera ordenação social, de transgressão ou criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativas. 4 – Quando, por efeito do exercício dos poderes de autoridade previstos nos n.os 1 e 2, os órgãos de polícia municipal directamente verifiquem o cometimento de qualquer crime podem proceder à identificação e revista dos suspeitos no local do cometimento do ilícito, bem como à sua imediata condução à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competente. 5 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal. Artigo 4.º Competências 1 – As polícias municipais, na prossecução das suas atribuições próprias, são competentes em matéria de: a) Fiscalização do cumprimento dos regulamentos municipais e da aplicação das normas legais, designadamente nos domínios do urbanismo, da construção, da defesa e protecção da natureza e do ambiente, do património cultural e dos recursos cinegéticos; b) Fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária, incluindo a participação de acidentes de viação que não envolvam procedimento criminal; c) Execução coerciva, nos termos da lei, dos actos administrativos das autoridades municipais; d) Adopção das providências organizativas apropriadas aquando da realização de eventos na via pública que impliquem restrições à circulação, em coordenação com as forças de segurança competentes, quando necessário; e) Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal; f) Denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas, e competente levantamento de auto, bem como a prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente; g) Elaboração dos autos de notícia, autos de contra-ordenação ou transgressão por infracções às normas referidas no artigo 3.º; h) Elaboração dos autos de notícia, com remessa à autoridade competente, por infracções cuja fiscalização não seja da competência do município, nos casos em que a lei o imponha ou permita; i) Instrução dos processos de contra-ordenação e de transgressão da respectiva competência; j) Acções de polícia ambiental; l) Acções de polícia mortuária; m) Garantia do cumprimento das leis e regulamentos que envolvam competências municipais de fiscalização. 2 – As polícias municipais, por determinação da câmara municipal, promovem, por si ou em colaboração com outras entidades, acções de sensibilização e divulgação de matérias de relevante interesse social no concelho, em especial nos domínios da protecção do ambiente e da utilização dos espaços públicos, e cooperam com outras entidades, nomeadamente as forças de segurança, na prevenção e segurança rodoviária. 3 – As polícias municipais procedem ainda à execução de comunicações, notificações e pedidos de averiguações por ordem das autoridades judiciárias e de outras tarefas locais de natureza administrativa, mediante protocolo do Governo com o município. 4 – As polícias municipais integram, em situação de crise ou de calamidade pública, os serviços municipais de protecção civil. [[40]] Artigo 5.º Competência territorial 1 – A competência territorial das polícias municipais coincide com a área do município. 2 – Os agentes de polícia municipal não podem actuar fora do território do respectivo município, excepto em situações de flagrante delito ou em emergência de socorro, mediante solicitação da autoridade municipal competente. Artigo 6.º Dependência orgânica e coordenação 1 - A polícia municipal actua no quadro definido pelos órgãos representativos do município e é organizada na dependência hierárquica do presidente da câmara. 2 - A coordenação entre a acção da polícia municipal e as forças de segurança é assegurada, em articulação, pelo presidente da câmara e pelos comandantes das forças de segurança com jurisdição na área do município. 3 - A aplicação da presente lei não prejudica o exercício de quaisquer competências das forças de segurança.» V 1. De acordo com a Constituição da República e em conformidade com o disposto no artigo 1.º da Lei n.º 19/2004, as polícias municipais devem ser encaradas, antes de mais, como serviços municipais que actuam num espaço territorialmente delimitado, correspondente ao do município a que pertencem[41].Outra nota essencial que se deve consignar a respeito destes serviços tem que ver com o perfil que o artigo 237.º, n.º 3, da Constituição, lhes confere: as polícias municipais são instituídas para cooperarem na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais. Como salientam JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, as polícias municipais «[s]ão complementares, e não substitutivas da polícia e das forças de segurança (artigo 272.º), cujas competências não podem afectar (artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio[[42]]). E instrumentais em face das atribuições dos municípios»[43]. As polícias municipais partilham com as forças de segurança o regime constitucional aplicável ao exercício de funções de polícia, designadamente os princípios da legalidade e da proporcionalidade previstos no artigo 272.º, n.º 2, da Constituição. No entanto, as polícias municipais não são forças de segurança, como se deduz, desde logo, pela sua previsão em preceito inserido na Constituição no título dedicado ao «Poder local», referente à «Descentralização administrativa». Por outro lado, como já se assinalou, as forças de segurança têm uma organização única para todo o território nacional (artigo 272.º, n.º 4, da Constituição), constituindo o seu regime matéria de reserva absoluta da Assembleia da República, o que obriga a que as forças de segurança sejam taxativamente delimitadas. A este propósito, e coerentemente, impõe- -se referir que as polícias municipais não figuram no elenco das forças e serviços de segurança constante do artigo 14.º, n.º 2, da Lei n.º 20/87 (lei de segurança interna). Como pondera JOÃO RAPOSO, a actividade de segurança interna constitui monopólio do Estado, «não podendo ser confiada a outras entidades públicas descentralizadas (as regiões autónomas e as autarquias locais) e, muito menos, transferida para entidades privadas»[44]. 2. De acordo com a sua actual lei quadro, as polícias municipais, enquanto serviços autárquicos e no exercício de funções de polícia administrativa dos respectivos municípios, hão-de actuar, prioritariamente, nos domínios da fiscalização do cumprimento das normas regulamentares municipais e das normas de âmbito nacional ou regional cuja competência de aplicação ou de fiscalização caiba ao município, competindo-lhes também zelar pela aplicação efectiva das decisões das autoridades municipais (artigo 3.º, n.º 1). Estas constituem as funções nucleares destas organizações de polícia que têm, subsequentemente, expressão nas competências que lhes são deferidas, em especial, nas alíneas a), b), c), g), i), j), l) e m) do n.º 1 do artigo 4.º do mesmo diploma, correspondentes a atribuições legalmente cometidas aos municípios. Muito embora as polícias municipais não possam caracterizar-se como forças de segurança e impedindo o n.º 3 do artigo 237.º da Constituição a sua participação «nas actividades gerais de segurança interna, no sentido amplo consagrado no art. 272.º, n.º 1»[45], certo é que da análise daquele preceito, resulta, como pondera a Autora que vimos acompanhando, «a caracterização como matéria de segurança pública, logo também de segurança interna, das tarefas que possam ser realizadas no âmbito da protecção das comunidades locais e da garantia da tranquilidade. Entendidas como contributo para a protecção de pessoas e bens, e para a paz e repouso “da cidade”, estas funções de polícia participam de uma ideia de segurança pública»[46]. Nesta perspectiva, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 19/2004, as polícias municipais cooperam com as forças de segurança na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais, vertente que tem expressão nas funções de vigilância dos espaços públicos ou abertos ao público, designadamente de áreas circundantes de escolas, de vigilância nos transportes urbanos locais e na adopção das providências organizativas apropriadas aquando da realização de eventos na via pública que impliquem restrições á circulação que lhes são cometidas pela sua lei quadro [cfr. artigos 3.º, n.º 2, alíneas a) e b), e 4.º, n.º 1, alínea d)]. As polícias municipais, sendo polícias administrativas locais, podem, assim, actuar no âmbito da segurança interna, exercendo algumas tarefas de segurança pública. Todavia essa actuação encontra-se delimitada no n.º 3 do artigo 237.º da Constituição e é subsidiária. As polícias municipais intervêm na manutenção da tranquilidade pública e da protecção das comunidades locais, em cooperação com as forças de segurança[47], não dispondo, em regra, de competências no domínio da prevenção e da investigação criminal. Neste sentido, as polícias municipais não se integram no conceito de polícia judiciária, não constituindo órgãos de polícia criminal (OPC), sem prejuízo, como se verá, do exercício de limitadas competências nesse domínio. 3. Os órgãos de polícia criminal, de acordo com a definição contida na alínea c) do artigo 1.º do Código de Processo Penal (CPP), são «todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código». Trata-se de uma definição «relativamente pobre porque apenas utiliza dois referentes: um quanto à natureza da entidade (policial) e outro funcional (execução de actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código). Acresce que leis avulsas qualificam por vezes certas entidades como órgãos de polícia criminal, sem que as mesmas tenham estas características»[48]. Segundo GERMANO MARQUES DA SILVA, os órgãos de polícia criminal «não são senão os órgãos das diversas corporações de polícia enquanto exercem a polícia criminal»[49], que define como a «actividade dos vários órgãos de polícia enquanto tem por objecto actos processuais ordenados por uma autoridade judiciária ou directamente determinados pela lei processual penal»[50]. Tratando da delimitação do conceito de órgão de polícia criminal, PAULO DÁ MESQUITA refere que «a lei processual, ao invés de operar uma definição fechada de órgãos de polícia criminal, procedeu a um reenvio aberto que tem por referente a repartição clássica entre funções de polícia judiciária e polícia administrativa, pois “a caracterização é de ordem finalística: a polícia judiciária é uma actividade auxiliar quando levada a cabo pela Administração Pública”»[51]. Para este Autor, se o conceito de autoridade judiciária está limitado no CPP [artigo 1.º, alínea b)], e o de autoridade de polícia criminal «tem de ser completado pelas leis orgânicas dos órgãos de polícia criminal» [artigo 1.º, alínea d)], «o conceito de órgão de polícia criminal é aberto e tem de ser completado pelas leis orgânicas ou estatutos dos diferentes organismos (secretarias judiciais, polícias, inspecções-gerais, outras entidades públicas a quem seja reconhecida competência para levar a cabo “quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados pelo CPP”)»[52]. Na mesma linha, se bem vemos, JOSÉ MANUEL DAMIÃO DA CUNHA, considera que o conceito de “órgão de polícia criminal” do CPP «traduz a ideia de que o que releva é, não a qualidade do órgão/agente que pratica o acto, mas sim o tipo de acto ou actividade que é realizado. Isto que, do ponto de vista do CPP, é uma solução coerente, não significa, nem poderia significar, que o grau e a qualidade de intervenção e a ligação das diversas polícias às autoridades judiciárias sejam sempre os mesmos[53]. Com efeito, prossegue o Autor, «o grau de ligação (embora sempre funcional) dependerá de outras questões, nomeadamente do tipo de criminalidade que cada polícia processa ou então da competência que lhe é atribuída»[54]. Este entendimento encontra-se acolhido, a nosso ver, na lei de organização da investigação criminal, aprovada pela Lei n.º 21/2000, de 10 de Agosto[55], cujo artigo 3.º dispõe que são órgãos de polícia criminal de competência genérica: (a) a Polícia Judiciária; (b) a Guarda Nacional Republicana; e (c) a Polícia de Segurança Pública (n.º 1), sendo órgãos de polícia criminal de competência específica todos aqueles a quem a lei confira esse estatuto (n.º 2)[56]. 4. No artigo 3.º, n.º 5, da Lei n.º 19/2004 é explicitamente vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal. No entanto, inovando relativamente à anterior lei quadro (Lei n.º 140/99), ressalvam-se no mesmo preceito as competências, típicas de órgãos de polícia criminal, contempladas nos dois números anteriores, a saber: – Competência para o «desenvolvimento de inquérito» por ilícito criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativas em que intervenha o município (n.º 3); e – Competência para procederem à identificação e revista de suspeitos pela prática de qualquer crime (n.º 4). VI 1. Assinalando-se a sua imprecisão terminológica, a expressão «desenvolvimento de inquérito por ilícito criminal» pretenderá significar que as polícias municipais detêm atribuições para desenvolver acções de investigação, próprias de órgãos de polícia criminal, relativamente a determinados crimes[57].Importa, no entanto, deixar claro que o exercício pelos órgãos de polícia municipal de competências nesse domínio encontra um «limite eminentemente funcional»[58] e residual. O universo das infracções de natureza criminal no âmbito do qual os serviços de polícia municipal podem vir a actuar processualmente, na veste de órgãos de polícia criminal, circunscreve-se a um conjunto de factos especificamente delimitado. Assim, nos termos do citado artigo 3.º, n.º 3, da sua lei quadro, os órgãos de polícia municipal podem desencadear a instauração de inquérito e, sob a direcção do Ministério Público, participar na investigação que aí se desenvolva (cfr. artigos 55.º, 262.º e 263.º do CPP), por ilícitos criminais detectados no exercício das suas funções de fiscalização e de aplicação efectiva das decisões administrativas municipais, que o n.º 1 do mesmo preceito lhes comete. Além disso, nos termos da mesma disposição, aqueles ilícitos criminais deverão ser integrados, «por factos conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativas». A norma contemplará essencialmente, segundo julgamos, as condutas que se traduzam no desrespeito de decisões administrativas municipais, criminalmente tuteladas, abrangendo, nomeadamente, o desrespeito de actos que determinem medidas de tutela da legalidade urbanística, que os artigos 100.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro[59], e 106.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro[60], tipificam como crime de desobediência[61]. Terá entendido o legislador que, pela sua especial proximidade ou imediação com os factos ilícitos compreendidos na previsão do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004, e pela sua ligação às entidades administrativas autoras daqueles actos, os órgãos de polícia municipal podem desempenhar com maior eficácia as tarefas de coadjuvação da autoridade judiciária – Ministério Público – na investigação desses delitos[62], libertando os demais órgãos de polícia criminal dessa tarefa. Esta solução constitui, ao mesmo tempo, uma nítida manifestação dos objectivos de complementaridade e subsidiariedade entre as forças e serviços de segurança e as polícias municipais que estiveram na base da instituição, em 1999, destes serviços[63]. Refira-se que esse conjunto de infracções de natureza criminal em cuja investigação os serviços de polícia municipal podem ser chamados a participar é muito mais delimitado do que aquele que decorria do texto do n.º 3 do artigo 3.º do projecto de lei n.º 366/IX, que esteve na base da Lei n.º 19/2004, onde se exigia, tão-só, uma conexão com as funções e exercício das respectivas competências[64]. Detendo as polícias municipais competências para desenvolver actos de inquérito relativamente a determinados ilícitos criminais, os respectivos órgãos assumem aí o estatuto que a lei processual penal confere aos órgãos de polícia criminal. Assim, coadjuvam o Ministério Público nos inquéritos criminais em que legalmente possam intervir, actuando aí sob a sua directa orientação e realizando as diligências de investigação de que sejam incumbidos, podendo aí praticar também os actos cautelares necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova (cfr. artigos 55.º, 263.º e 270.º do CPP). 2. Para além da delimitada intervenção no «desenvolvimento de inquérito por ilícito (…) criminal», os órgãos de polícia municipal, de acordo com o disposto nos artigos 3.º, n.º 3, e 4.º, n.º 1, alíneas a), b), g), i) e m), intervêm na fiscalização do cumprimento das normas regulamentares municipais e daquelas normas de âmbito nacional cuja competência de fiscalização esteja cometida ao respectivo município, devendo tomar conta de todos os eventos ou circunstâncias susceptíveis de implicar responsabilidade pelas correspondentes contra-ordenações e participar na instrução do respectivo processo (cfr. artigo 48.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro[65]. Será este um dos domínios mais relevantes, desde logo em termos quantitativos, da intervenção da polícia municipal, tanto mais que as infracções aos regulamentos e posturas municipais são, em larga medida, sancionadas no âmbito do direito de mera ordenação social (cfr. artigo 55.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro – lei das finanças locais). O mesmo se passa com um significativo conjunto de normas de âmbito nacional cuja competência de aplicação e de fiscalização cabe aos municípios[66]. 3. Segundo o n.º 4 do artigo 3.º da Lei n.º 19/2004, quando os órgãos de polícia municipal, no exercício dos seus poderes de autoridade, «directamente verifiquem o cometimento de qualquer crime podem proceder à identificação e revista dos suspeitos no local do cometimento do ilícito, bem como à sua imediata condução à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competente». Sem correspondência na anterior lei quadro, esta disposição constitui também uma manifestação da natureza complementar e subsidiária da actuação dos órgãos de polícia municipal relativamente à das forças e serviços de segurança revelada, agora, no domínio das medidas cautelares e de polícia. As medidas cautelares e de polícia que o Código de Processo Penal contempla nos artigos 248.º a 253.º «têm uma finalidade bem específica e delineada; são medidas que os órgãos de polícia criminal devem (têm de) tomar para assegurar os meios de prova sempre que tiverem tido notícia de um crime»[67]. Visam, como assinala ANABELA MIRANDA RODRIGUES, «através da tomada imediata de providências pelos órgãos de polícia criminal sem prévia autorização da autoridade judiciária competente, acautelar a obtenção de meios de prova que, de outra forma, poderiam irremediavelmente perder-se, provocando danos irreparáveis na obtenção das finalidades do processo. E isto, quer devido à natureza perecível de certos meios de prova, quer ainda dado o carácter urgente dos actos a praticar»[68]. O preceito em análise contempla duas sub-espécies de medidas cautelares e de polícia: a identificação e a revista dos suspeitos de qualquer crime que os órgãos de polícia municipal directamente verifiquem, a realizar no local do cometimento do ilícito. A Lei n.º 19/2004 comete ainda às polícias municipais a prática de actos cautelares para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal. Trata-se de competência expressamente contemplada no artigo 4.º, n.º 1, alínea f). Os poderes de identificação e revista conferidos aos órgãos de polícia municipal no citado artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2004, hão-de ser exercidos no quadro do desempenho das funções de fiscalização e de aplicação efectiva das decisões das autoridades municipais, ou no exercício das demais funções de autoridade e de segurança pública, referenciadas nos n.os 1 e 2 do mesmo preceito, respectivamente. A atribuição a estes serviços municipais de competência para a prática destes «actos de iniciativa própria», de natureza cautelar e urgente, que a lei processual penal comete aos órgãos de polícia criminal, radicará no facto de tais serviços não deixarem de se integrar numa estrutura de natureza policial – polícia municipal – com responsabilidades na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais, sendo óbvio que o conhecimento ou a suspeita de factos criminais, que vão determinar a adopção daqueles actos, decorre, em grande parte, da execução de tarefas policiais[69]. Estas competências encontram o necessário apoio no artigo 237.º, n.º 3, da Constituição, podendo o respectivo exercício revelar-se essencial para a defesa da tranquilidade pública, para «a manutenção da tranquilidade “da cidade”, da sua paz», para «a garantia da calma e repouso das ruas», para a «prevenção e repressão das rixas e disputas, dos ruídos e das multidões indisciplinadas, dos ajuntamentos e tumultos nas ruas e lugares públicos, nomeadamente nocturnos, que perturbam o descanso das pessoas»[70]. Retomando a análise da disposição contida no artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2004, cumpre sublinhar que as medidas cautelares e de polícia aí contempladas hão-de ser executadas pelos órgãos de polícia municipal no âmbito dos poderes de autoridade decorrentes do exercício das funções de polícia administrativa ou, mais frequentemente, do desempenho das funções de vigilância desenvolvidas em coordenação com as forças de segurança, referidas nos n.os 1 e 2 do mesmo preceito, respectivamente. A adopção dessas medidas cautelares deverá respeitar os princípios constitucionais da tipicidade legal e da proibição do excesso, já caracterizados[71], devendo obedecer ainda, com as necessárias adaptações decorrentes do regime específico previsto no artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2004, às correspondentes normas processuais penais. A este propósito, cumprirá referir que as competências que os órgãos de polícia municipal exercitam neste domínio, ou seja, na identificação e revista de suspeitos, são equiparadas às dos órgãos de polícia criminal, como decorre do n.º 5 daquele preceito, inscrevendo-se numa actividade já ou com futura relevância processual, regida pelo Código de Processo Penal. 4. Tendo como necessário pressuposto o «cometimento de qualquer crime» (estando, portanto, excluída a sua utilização para fins de pura prevenção criminal), a pessoa visada pela ordem de identificação e pela revista é, de acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2004, o suspeito de crime que tenha sido cometido, ou seja, uma pessoa sobre quem recaia fundadas suspeitas da sua prática (artigo 250.º, n.º 1, do CPP)[72]. A actualidade do crime e a imediação dos agentes da autoridade em relação ao seu cometimento constituem outros dos pressupostos para o accionamento das medidas de polícia referidas. Efectivamente, nos termos do disposto no citado preceito, para a ordem de identificação e revista exige-se que os órgãos de polícia municipal «directamente verifiquem o cometimento de qualquer crime», expressão que se considera equivaler ao conceito jurídico-processual de flagrante delito. Mais adiante retomaremos o exame desta questão. Importa, por fim, salientar que a identificação e a revista se terão de realizar «no local do cometimento do ilícito», determinando ainda o mesmo preceito a «imediata condução à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal» dos suspeitos atingidos por tais medidas, aspectos que, mais uma vez, revelam claramente a natureza instrumental e subsidiária dos órgãos de polícia municipal na adopção destas medidas de polícia. VII 1. Coligidos os elementos legislativos e teóricos relativos à natureza e caracterização das polícias municipais, considerados mais relevantes na economia deste parecer, e examinadas algumas das competências que podem exercitar, nos termos da sua lei quadro, é chegado o momento de tentar dar resposta às questões que nos são colocadas. O primeiro grupo de questões incide sobre o tema da identificação de suspeitos no âmbito da previsão de dois preceitos da Lei n.º 19/2004: os artigos 3.º, n.º 4, e 14.º, n.º 2[73]. Pergunta-se se a norma contida no artigo 3.º, n.º 4, daquela Lei «concede o poder de identificação em caso de cometimento de qualquer crime, ainda que não seja em flagrante delito». Como manifestação do princípio da tipicidade legal, o preceito prescreve um específico condicionalismo que legitima a adopção das medidas cautelares de polícia aí contempladas e, designadamente, para a ordem de identificação. Exige-se que os órgãos de polícia municipal, por efeito do exercício dos seus poderes de autoridade aí referenciados, «directamente verifiquem o cometimento de qualquer crime». Antecipando o nosso entendimento, considerámos já que a expressão posta em destaque equivalerá ao conceito jurídico-processual de flagrante delito. Vejamos. O artigo 256.º, n.º 1, do CPP define flagrante delito como «todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer. No n.º 2 do mesmo preceito equipara-se ao flagrante delito «o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar». É costume distinguir-se nesse enunciado legal o flagrante delito, o quase flagrante delito e a presunção de flagrante delito. GERMANO MARQUES DA SILVA caracteriza estas figuras nos seguintes termos: «Flagrante delito é a actualidade do crime; o agente é surpreendido a cometer o crime. No quase flagrante o agente já não está a cometer, mas é surpreendido logo no momento em que findou a execução, mas ainda no local da infracção em momento no qual a evidência da infracção e do seu autor deriva directamente da própria surpresa. Na presunção de flagrante delito o agente é perseguido por qualquer pessoa, logo após o crime, ou é encontrado a seguir ao crime com sinais ou objectos que mostram claramente que o cometeu ou nele participou»[74]. Segundo o mesmo Autor, «[n]esta noção de flagrante valoriza-se a circunstância de o agente ser surpreendido na prática do crime ou com sinais que evidenciam a sua participação nele, o que facilita a prova e explica a permissão de detenção imediata por qualquer autoridade, entidade policial ou qualquer pessoa do povo e a submissão do agente a processo sumário, quando se verifiquem os pressupostos para adopção desta forma de processo especial; há uma relação de simultaneidade entre a actualidade da execução do crime e a sua constatação por terceiro. O quid proprium do flagrante delito consiste na actualidade e evidência probatória»[75]. Como já tivemos a oportunidade de referir, a aplicação das medidas de identificação e de revista por agentes da polícia municipal pressupõe o cometimento de um crime – qualquer crime – e, além disso, a sua actualidade e a imediação daqueles relativamente à sua prática. Ou seja, tais medidas, a adoptar pelos agentes daquela polícia no exercício (excepcional) de competências próprias de órgãos de polícia criminal, deverão ser adoptadas em situação de flagrante delito. A expressão textual «directamente verifiquem o cometimento de qualquer crime», contida no n.º 4 do artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2004, comporta o sentido proposto, com o que se respeitam as regras sobre a interpretação da lei consagradas no artigo 9.º do Código Civil, e, desde logo, a do seu n.º 2. De facto, esta interpretação é a única que se harmoniza com a natureza da polícia municipal e a dimensão das suas competências. A este propósito, convém lembrar que esta entidade não exerce, em regra, funções de polícia judiciária, nem integra, em princípio, um órgão de polícia criminal. Estando vedada aos órgãos de polícia municipal a realização de acções de investigação criminal, as competências para a aplicação das medidas cautelares previstas no citado artigo 3.º, n.º 4, da sua lei quadro somente poderá ter lugar em caso de flagrante delito. Antes de mais, tais competências poderão ser exercidas, como directamente decorre daquele preceito, na situação em que o respectivo agente é surpreendido a cometer o crime ou no caso em que é surpreendido logo no momento em que findou a execução, mas ainda no local da infracção, ou seja, nas situações de flagrante em que, no dizer de GERMANO MARQUES DA SILVA, «a evidência da infracção e do seu autor deriva directamente da própria surpresa», não havendo necessidade de realização de outras diligências de investigação. Mas, afigura-se-nos, a adopção dessas medidas de polícia pode ter lugar igualmente no quadro previsto no n.º 2 do artigo 256.º do CPP, ou seja, na situação em que o suspeito é perseguido logo após o crime ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar. Este entendimento encontra o necessário suporte, desde logo, na própria noção de flagrante delito e nos interesses prevenidos por tal figura, sendo, no caso da situação de perseguição do suspeito após o crime, confortado pelo artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 19/2004, que permite a intervenção dos agentes de polícia municipal fora dos próprios limites territoriais do respectivo município «em situações de flagrante delito». O «local do cometimento do ilícito», referido no citado preceito, deve, assim, ser associado ao conceito de flagrante delito definido pelo artigo 256.º do CPP e não limitado a um certo e fixo espaço territorial. 2. Pergunta-se, em seguida, se os agentes das polícias municipais podem proceder a revista de segurança. A revista consiste no exame e inspecção de uma pessoa, a fim de se certificar se ela oculta ou não quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, armas ou outros objectos com os quais possa praticar actos de violência[76]. Apontam-se, em geral, dois tipos de revista: – Revista como meio de obtenção de prova; – Revista preventiva ou de segurança. A revista como meio de obtenção de prova é realizada nos termos dos artigos 174.º e 251.º, n.º 1, alínea a), do CPP. Tem como pressuposto a existência de indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova. A revista preventiva ou de segurança, está contemplada no artigo 251.º, n.º 1, alínea b), do CPP. Apresenta-se como uma medida cautelar a aplicar quando qualquer pessoa tenha de participar ou pretenda assistir a qualquer acto processual ou que, na qualidade de suspeito, deva ser conduzido a posto policial, sempre que houver fundadas razões para crer que aquela oculte armas ou outros objectos com os quais possa praticar actos de violência. A revista, com esta configuração, pode também ter lugar como medida preventiva a adoptar noutros contextos, nomeadamente, nos complexos desportivos em caso de manifestação de violência[77]. A lei processual admite ainda – artigo 174.º, n.º 5, alínea c), do CPP – a revista efectuada aquando da detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão, medida que se justificará «por razões de segurança física e de preservação da prova»[78]. No regime do processo penal, as revistas autorizadas pelo artigo 251.º do CPP constituem medidas cautelares quanto aos meios de prova e quanto à segurança dos actos processuais[79] e urgentes já que a sua utilidade se perderá, lembra MAIA GONÇALVES, «se não forem realizadas imediatamente, e que por isso o podem ser excepcionalmente sem autorização da autoridade judiciária, que normalmente se exige quando não é essa autoridade a ordená-las (art. 174.º, n.º 3)»[80]. «Trata-se, em suma – prossegue o mesmo Autor –, de casos em que os órgãos de polícia criminal podem ir além dos poderes já conferidos por outras disposições, realizando revistas (...) mesmo sem prévia autorização judiciária, desde que a demora na obtenção dessa autorização faça perder a utilidade da diligência ou a ponha em grave risco de perder-se ou proceder à revista de pessoas que tenham de participar ou pretendam assistir a qualquer acto processual, sempre que houver razões para crer que ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos de violência»[81]. Caracterizada a revista enquanto medida cautelar de polícia e compreendida a sua razão de ser, estamos em condições de afirmar que os órgãos de polícia municipal podem (e devem) adoptá-la nos casos expressamente previstos na lei (princípio da tipicidade legal), desde que verificado o respectivo condicionalismo legal, ou seja, no que respeita à revista de prevenção e segurança, desde que existam razões para crer que as pessoas visadas ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos de violência. No que especificamente se prende com a revista de segurança, a sua efectivação está expressamente contemplada no artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2004, no âmbito do exercício dos poderes de autoridade dos órgãos de polícia municipal, nos termos já referidos. Também na sequência da detenção de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito [artigo 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004], os agentes da polícia municipal devem proceder à sua revista por motivos de segurança própria e de terceiros [cfr. artigo 174.º, n.º 5, alínea c), do CPP][82]. VIII 1. No âmbito da previsão normativa do artigo 14.º, n.º 2, da Lei n.º 19/2004, pergunta-se:«a) Os agentes das polícias municipais podem, no exercício de funções de fiscalização, proceder à identificação de infractores? O não acatamento dá origem a crime de desobediência? b) As polícias municipais também podem proceder a identificação durante a realização de fiscalizações relativas ao cumprimento do Código da Estrada (Parecer CC PGR n.º 13/1996)? E o não acatamento dá origem a crime de desobediência? Com referência ao mesmo preceito, mas agora à disposição compreendida no seu n.º 1, são formuladas (grupo III) outras duas questões: – A recusa de identificação por parte do suspeito de crime ou do infractor (artigo 14.º, n.º 2), quando solicitada, fá-lo incorrer em crime de desobediência (...)? – Nesse caso, o suspeito pode ser detido como consequência dessa desobediência? Considerando que todas estas questões estão entre si ligadas, desde logo porque têm como elemento essencial de referência o citado preceito legal, é de toda a conveniência o seu exame em conjunto, que se segue. 2. Recorde-se o teor do artigo 14.º da Lei n.º 19/2004: «Artigo 14.º Poderes de autoridade 1 – Quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos que tenham sido regularmente comunicados e emanados do agente de polícia municipal será punido com a pena prevista para o crime de desobediência 2 – Quando necessário ao exercício das suas funções de fiscalização ou para elaboração de autos para que são competentes, os agentes de polícia municipal podem identificar os infractores, bem como solicitar a apresentação de documentos de identificação necessários à acção de fiscalização, nos termos da lei.» Esta disposição, inserida no capítulo III, dedicado aos agentes de polícia municipal, aplica-se, essencialmente, como já sucedia na anterior lei quadro das polícias municipais, aprovada pela Lei n.º 140/99[83], à actividade desenvolvida pelos agentes de polícia municipal no exercício das competências de fiscalização do cumprimento das normas regulamentares municipais e da aplicação das normas legais cuja competência esteja cometida aos municípios, abarcando ainda a fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária [artigo 4.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 19/2004][84]. Estamos, portanto, numa das áreas «típicas do campo de atribuição e competência da polícia municipal»[85], enquanto serviço ao qual está cometida a específica incumbência de, na respectiva área territorial de actuação (correspondente à do respectivo município), fiscalizar «o cumprimento das leis e regulamentos que disciplinem matérias relativas às atribuições das autarquias e à competência dos seus órgãos» (artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004). No desempenho dessa actividade de fiscalização compete aos órgãos de polícia municipal a elaboração dos autos de contra-ordenação pelas correspondentes infracções e, bem assim, à elaboração dos autos de notícia por infracções de natureza criminal em cujo inquérito possam participar, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 19/2004 [artigo 4.º, n.º 1, alínea g)]. Prevê-se ainda a elaboração dos autos de notícia por infracções cuja fiscalização não seja da competência do município, nos casos em que a lei o imponha ou permita, com remessa dos mesmos à autoridade competente [artigo 4.º, n.º 1, alínea h)]. O citado artigo 14.º, n.º 2, da Lei n.º 19/2004 prevê a possibilidade de os agentes de polícia municipal procederem à identificação dos infractores quando necessário ao exercício das suas funções de fiscalização ou para a elaboração dos autos para que são competentes. Trata-se, cumpre dar nota, de uma identificação que não se confunde com a identificação – medida cautelar de polícia – contemplada no n.º 4 do artigo 3.º daquele diploma para os suspeitos da prática de qualquer crime. A identificação a que alude o n.º 2 do artigo 14.º dirige-se, «aos infractores de normas administrativas a que estão obrigados e sujeitos a fiscalização camarária, típicas do campo de atribuição e competência da polícia municipal»[86], visando igualmente os suspeitos pela prática de ilícitos criminais em cuja investigação os órgãos de polícia municipal podem intervir (cfr. artigo 3.º, n.º 3). A exigência da identificação a tais infractores ou suspeitos pelos agentes deste serviço de polícia exprime, por seu lado, o «poder de autoridade» (é esta a epígrafe do preceito) que lhes assiste. Essa «auctoritas» encontra-se explicitamente afirmada no artigo 49.º do regime geral do ilícito de mera ordenação social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, com o seguinte teor: «Artigo 49.º Identificação pelas autoridades administrativas e policiais As autoridades administrativas competentes e as autoridades policiais podem exigir ao agente de uma contra-ordenação a respectiva identificação.» No entendimento que este Conselho Consultivo já expressou, «um agente de serviço de polícia municipal, competente para fiscalizar o cumprimento de posturas e regulamentos» deve ser considerado agente de autoridade[87]. Lê-se, a este propósito, no parecer n.º 31/88: «Como escreveu MARCELLO CAETANO, “A policia é actuação de autoridade, pois pressupõe o exercício de um poder condicionante de actividades alheias, garantido pela coacção sob a forma característica da Administração, isto é, por execução prévia" x2. Ou ainda: "As autoridades de polícia têm sob as suas ordens agentes de execução, constituindo nalguns casos forças militarizadas, mas o facto de os agentes policiais constituírem corpos regidos pela disciplina militar não tira carácter civil à função que desempenham. A actividade policial é, na verdade, um processo jurídico de desenvolvimento da Administração pública, e não uma forma de pura afirmação de força" x3. As câmaras municipais são autoridades de polícia municipal (Código Administrativo, artigo 50º e MARCELLO CAETANO, ob. cit., pág. 1161), e os agentes daquela polícia actuam sob as suas ordens. Como negar-lhes a qualidade de agentes de autoridade no exercício das funções de fiscalização do cumprimento de posturas e regulamentos sem lhes negar simultaneamente poderes de intervenção no exercício de actividades individuais que violem ou ponham em perigo os interesses gerais protegidos e prevenidos nas disposições dessas posturas e regulamentos? Negar-lhes essa qualidade equivaleria a privá-los do poder de impor aos particulares determinadas condutas para cumprimento de disposições constantes de regulamentos e posturas municipais: afastar uma viatura estacionada em local vedado, ordenar a vendedores ambulantes que cessem as suas actividades em locais não permitidos, intimar os utentes de jardins, parques e piscinas a cessarem imediatamente actos que constituam infracção a preceitos de higiene, etc. Em suma: se a esses agentes não fosse reconhecido o poder de se fazerem obedecer quando ditam ordens para impedir, limitar ou fazer cessar violações de disposições regulamentares nem mesmo poderia assentar-lhes o qualificativo de agentes de polícia»[88]. 3. Vejamos agora se o não acatamento de uma ordem de identificação pode integrar um crime de desobediência. Como pondera JOSÉ LUÍS LOPES DA MOTA, «[o] tipo de crime de desobediência, que protege a função da autoridade pública (-), constituindo um crime de mera actividade, reconduz-se, na essência, à violação de um dever de obediência a uma ordem ou mandado legítimos emanados de autoridade ou funcionário competente e regularmente comunicado»[89]. O Código Penal contempla-o no artigo 348.º, nos seguintes termos: «Artigo 348.º Desobediência 1 – Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação. 2 – A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada.» «Substancialmente – considera CRISTINA LÍBANO MONTEIRO – pratica um acto de desobediência quem faltar à obediência devida. No adjectivo “devida” estão implícitos os requisitos que a lei seguidamente aponta. Só é devida obediência a ordem ou mandado legítimos. Condição necessária de legitimidade é a competência in concreto da entidade de onde emana a ordem ou mandado. Para que o destinatário saiba se está ou não perante uma ordem ou um mandado desse tipo, torna-se indispensável que este chegue ao seu conhecimento e pelas vias normalmente utilizadas – que lhe seja regularmente comunicado. Faltar à obediência devida não constitui, porém, por si só, facto criminalmente ilícito. A dignidade penal da conduta exige, para além do que fica dito, que o dever de obediência que se incumpriu tenha uma de duas fontes: ou uma disposição legal que comine, no caso, a sua punição; ou, na ausência desta, a correspondente cominação feita pela autoridade ou pelo funcionário competentes para ditar a ordem ou o mandado»[90]. Na síntese efectuada no parecer n.º 13/96, de 22 de Maio de 1997[91], «o preenchimento dos elementos do tipo passará pela existência de: – Uma ordem ou mandado não acatados, e que se analisam na imposição de praticar ou deixar de praticar certo facto; – Legalidade formal da ordem ou mandado. Se a lei estipular certas formalidades, a emissão da ordem ou mandado tem que obedecer a tais formalidades. Na falta de estipulação dessas formalidades, poderá ser utilizada qualquer das formas admitidas em direito; – Legalidade substancial: um acto é substancialmente legal quando é transmitido em execução de uma norma jurídica imperativa para a autoridade, ou quando uma lei confere à autoridade um poder discricionário, e a autoridade emite a ordem no exercício e dentro de tal poder; – Competência para a emissão da ordem ou mandado: "cada funcionário ou autoridade detém uma parcela do poder, um tempo para o seu exercício e uma área de jurisdição. Ora é precisamente dentro de tais limitações e balizas que os servidores públicos cumprem as suas tarefas na realização do interesse superior do Estado" x4. – Regularidade na transmissão, porque os destinatários da norma ou mandado têm que tomar conhecimento pleno deles. Se a lei não exigir uma modalidade própria de transmissão, qualquer uma serve, desde que adequada, de acordo com as regras de experiência comum». Ainda a respeito deste tipo incriminador, tem sido referido o seu carácter subsidiário, no sentido de que «a operação de subsunção de um comportamento à previsão do actual art. 348.º do Código Penal não poderá deixar de depender da prévia verificação da não existência de norma que especialmente o qualifique de forma diversa, havendo sempre que indagar da existência desta especialidade»[92]. Prossegue o Autor que vimos acompanhando: «Em síntese, uma vez que nem todas as desobediências constituem crime subsumível ao art. 348.º, parece poder fundadamente afirmar-se que a concreta qualificação de um comportamento como crime de desobediência deve ser equacionada em três momentos: em primeiro lugar, pela verificação da subsunção a uma norma que preveja um ilícito próprio; em segundo, pela verificação da subsunção a uma norma que concretamente o qualifique como crime de desobediência (simples ou qualificado), cominando a punição da desobediência; finalmente, pela subsunção directa ao n.º 1, e respectiva al. b), do art. 348.º do Código Penal»[93]. Da análise empreendida sobre os elementos objectivos do tipo legal de desobediência, consideramos que o não acatamento de uma ordem de identificação dada por agente da polícia municipal no exercício das suas funções configura uma conduta com relevância penal, podendo integrar, verificados os demais elementos típicos, a prática de um crime de desobediência. Tal conduta é subsumível a normas que concreta e expressamente a qualificam e punem como crime de desobediência. Essas normas estão contidas no artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004 e no artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 40/2000, de 17 de Março[94]. Por outro lado, tal como se constatou no parecer n.º 13/96, também aqui «não se vislumbram outras normas de tipo sancionatório, designadamente a nível contra-ordenacional, que funcionem como normas especiais em relação ao artigo 348.º do Código Penal». Consideramos também que um eventual recurso ao mecanismo compulsório facultado pelo artigo 250.º do CPP não impede a incriminação daquela conduta. Os procedimentos aí previstos podem, de resto, revelar-se ineficazes para o apuramento da identidade. Assim, como também se pondera naquele parecer, «tal não impede, a nosso ver, que esgotados sem êxito os meios compulsórios referidos [naquele preceito] e reiterada a ordem de identificação, o indivíduo renitente não venha a cometer o crime de desobediência». 4. A questão subsequente respeita à actuação das polícias municipais «durante a realização de fiscalizações relativas ao cumprimento do Código da Estrada». Poderão essas entidades proceder também a identificação nessas intervenções? E dará o não acatamento das ordens origem ao crime de desobediência? A questão foi já apreciada por esta instância consultiva no parecer n.º 13/96, expressamente referido pela entidade consulente[95], interessando agora determinar se, perante o actual quadro normativo e face aos poderes de autoridade conferidos aos agentes de polícia municipal, é de manter a doutrina aí vertida. Convocando as disposições legais a considerar para o exame da questão, cumpre dar conta, antes de mais, que estão atribuídas às polícias municipais competências em matéria de fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária, incluindo a participação de acidentes de viação que não envolvam procedimento criminal – artigo 4.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 19/2004. Recorde-se ainda, nomeadamente, que estas entidades detêm competências para elaboração dos autos de notícia e de contra-ordenação por infracções às normas constantes dos regulamentos municipais e por infracções às normas de âmbito nacional cuja competência de aplicação ou de fiscalização esteja deferida legalmente ao município – artigos 4.º, n.º 1, alínea g), e 3.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 19/2004. Assumindo natureza de contra-ordenação a infracção às normas do direito estradal implicadas no citado artigo 4.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 19/2004, interessa convocar também a norma contida no artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 433/82, segundo a qual: «As autoridades administrativas competentes e as autoridades policiais podem exigir ao agente de uma contra-ordenação a respectiva identificação». Das normas de direito estradal, assumem particular relevância as disposições constantes do artigo 4.º do Código da Estrada[96] e do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro. Sob a epígrafe «Ordens das autoridades», o primeiro preceito indicado estabelece que: «Artigo 4.º Ordens das autoridades 1 – O utente deve obedecer às ordens legítimas das autoridades com competência para regular e fiscalizar o trânsito, ou dos seus agentes, desde que devidamente identificados como tal. 2 – Quem infringir o disposto no número anterior é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 3 – Quem desobedecer ao sinal regulamentar de paragem das autoridades referidas no n.º 1 é sancionado com coima de (euro) 500 a (euro) 2500, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.» E o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, dispõe: «Artigo 5.º Fiscalização do trânsito 1 – A fiscalização do cumprimento das disposições do Código da Estrada e legislação complementar incumbe: a) À Direcção-Geral de Viação e à Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana, em todas as vias públicas; b) À Guarda Nacional Republicana e à Polícia de Segurança Pública, em todas as vias públicas; c) Ao Instituto das Estradas de Portugal, nas vias públicas sob a sua jurisdição; d) Às câmaras municipais, nas vias públicas sob a respectiva jurisdição. 2 – A competência referida na alínea c) do número anterior é exercida através do pessoal de fiscalização designado para o efeito e que, como tal, seja considerado ou equiparado a autoridade ou seu agente. 3 – A competência referida na alínea d) do n.º 1 é exercida através: a) Do pessoal de fiscalização das câmaras municipais designado para o efeito e que, como tal, seja considerado ou equiparado a autoridade ou seu agente; b) Das polícias municipais; c) Do pessoal de fiscalização de empresas públicas municipais designado para o efeito e que, como tal, seja considerado ou equiparado a autoridade ou seu agente, com as limitações decorrentes dos respectivos estatutos e da delegação de competências e após credenciação pela Direcção-Geral de Viação. 4 – Cabe à Direcção-Geral de Viação promover a uniformização dos modos e critérios e coordenar o exercício da fiscalização do trânsito, expedindo, para o efeito, as necessárias instruções. 5 – Cabe ainda à Direcção-Geral de Viação aprovar, para uso na fiscalização do trânsito, os aparelhos ou instrumentos que registem os elementos de prova previstos no n.º 4 do artigo 170.º do Código da Estrada, aprovação que deve ser precedida, quando tal for legalmente exigível, pela aprovação de modelo, no âmbito do regime geral do controlo metrológico. 6 – As entidades fiscalizadoras do trânsito devem remeter à Direcção-Geral de Viação cópia das participações de acidente de que tomem conhecimento, sempre que lhes seja solicitado.» O citado parecer n.º 13/96 foi emitido na vigência da versão originária do artigo 4.º do Código da Estrada. Este preceito sofreu duas alterações: – A primeira ocorreu com o Decreto-Lei n.º 265-A/2001, tendo abrangido o n.º 2 com a alteração da coima e expressão em euros, e aditamento do segmento «se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal»; – A segunda alteração foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, constituindo a actual versão. O texto actual da norma contida no n.º 1 do artigo 4.º do Código da Estrada corresponde, no essencial, à versão originária do mesmo preceito[97]. Naquele parecer foi ponderada a hipótese de o texto do artigo 4.º do Código da Estrada admitir também a possibilidade de a autoridade policial exigir a identificação dos utentes das vias públicas. «A partir dos termos amplos em que o preceito está redigido, fosse qual fosse a ordem, desde que legítima, teria que ser obedecida, sob pena de condenação na coima do nº 2 do preceito. Tal ordem poderia ser para obter uma identificação na sequência de comportamentos que revelassem responsabilidade civil, contra-ordenacional ou criminal, ou, sem que o destinatário da ordem tivesse praticado qualquer acto ilícito, com objectivos meramente disciplinadores, ordenadores ou fiscalizadores de tráfego». Não se acolheu, no entanto, esse entendimento, com base no elemento histórico e teleológico de interpretação. No âmbito da previsão do n.º 4 do artigo 2.º do anterior Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39672, de 20 de Maio de 1954[98], «[e]ntendia-se então, pacificamente, que só a desobediência ao sinal de paragem fazia o seu autor incorrer em responsabilidade contravencional, integrando a prática do crime de desobediência o não acatamento das restantes ordens legítimas da autoridade (-). Houve porém, a pretensão explícita de alterar tal estado de coisas, como o revela a Lei nº 63/93, de 21 de Agosto, que autorizou o Governo a aprovar um novo C. E.» Prossegue o mesmo parecer: «O artigo 2.º de tal Lei, que define o seu sentido e extensão, diz- -nos no seu n.º 2: "A autorização referida no artigo anterior contemplará: a) A punição, como actos ilícitos de mera ordenação social, da violação das normas disciplinadoras do trânsito nas vias abertas ao trânsito público; (...)" E o n.º 4 do preceito diz-nos que: "O Governo poderá proceder à revisão ou revogação das normas penais incriminadoras relativas à violação das normas sobre o trânsito, visando a sua adaptação às normas do Código da Estrada, desde que não sejam alterados os tipos de crime ou agravados os limites das sanções aplicáveis." Parece então que o propósito de descriminalização, de que o actual Código da Estrada se fez eco, não vai para além do círculo das "normas disciplinadoras do trânsito". Se porventura a desobediência a uma ordem de identificação fosse crime face ao anterior Código da Estrada, o legislador só estaria autorizado a transformar tal comportamento em contra-ordenação, ao abrigo da citada Lei n.º 63/93, se se entendesse que aquela desobediência se traduzia na violação de uma norma disciplinadora do trânsito, o que nos parece de arredar. Por normas disciplinadoras do trânsito entendemos, na verdade, apenas as que nos indicam o modo como o trânsito se deve processar. Mas a consideração dos fins prosseguidos pelo legislador no n.º 1 do artigo 4º, do actual Código da Estrada, parece apontar no mesmo sentido. O preenchimento dos elementos do tipo legal em causa não passa, à primeira vista, pela limitação, do conteúdo das ordens a certo domínio. As ordens têm que ser legítimas e emanadas das entidades "competentes para fiscalizar o trânsito". Porém, é bom de ver que o sentido da referência subjectiva só se alcança, tendo em conta a função inerente à qualidade de autoridade ou agente fiscalizador do trânsito. Ou seja, a própria fiscalização do trânsito. Estando em causa a identidade do utente da via, e não o seu comportamento, só de forma mediata, lateral ou indirecta é que se poderia defender que tal questão de identidade se prenderia com a fiscalização do trânsito». De acordo com este entendimento, considerou-se, no citado parecer, que «a ordem dada por um elemento da G.N.R. para que certo indivíduo se identifique, na sequência do cometimento de uma contra-ordenação, subtrai-se à previsão do n.º 1 do artigo 4.º do C.E.». «Nesta linha – afirma-se ali –, o desvalor deste concreto comportamento do infractor não é, mediatamente, o prejuízo causado no ordenamento do tráfico. Não lesa pois os interesses que justificam a organização do trânsito de certa maneira, antes se revela no propósito de se subtrair à acção repressiva da autoridade, refugiando-se no anonimato. Se em ambas as desobediências o bem jurídico imediatamente protegido é o respeito às ordens da autoridade, a natureza do conteúdo das ordens desobedecidas, e portanto os interesses que as ditaram, são suficientemente diferentes para que não repugne atribuir consequências também diversas a tais desobediências. A desobediência a ordens disciplinadoras ou reguladoras do trânsito implicará pois o cometimento de uma contra-ordenação, e a recusa a revelar a identificação, um crime de desobediência, desde que, obviamente, os respectivos elementos típicos se mostrem preenchidos (-)». Das conclusões ali tiradas, assumem particular relevo na economia deste parecer, as seguintes: «O artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, autoriza as autoridades administrativas competentes e as autoridades policiais a exigir a identificação do agente de qualquer contra-ordenação em geral, incluindo portanto as que tenham sido cometidas por violação do disposto no Código da Estrada [4.ª conclusão]; «O não acatamento de ordens de identificação, proferidas ao abrigo das disposições mencionadas nas conclusões anteriores, podia implicar o cometimento do crime de desobediência do artigo 388.º do Código Penal, na redacção anterior à actual, e pode implicar o cometimento do crime do artigo 348.º do Código Penal vigente [6.ª conclusão]». Perante a norma contida no artigo 4.º, n.º 1, do Código da Estrada que, já se disse, não difere, em substância da sua versão primitiva, consideramos que é de manter o entendimento que o Conselho Consultivo expôs no citado parecer n.º 13/96, com expressão final nas conclusões que se transcreveram. As polícias municipais, no exercício das suas competências de fiscalização do cumprimento das disposições do Código da Estrada [artigo 5.º, n.os 1, alínea d), e 3, alínea b), do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro], podem exigir aos agentes de contra-ordenações a respectiva identificação (artigos 14.º, n.º 2, da Lei n.º 19/2004 e 49.º do Decreto-Lei n.º 433/82). Pelos fundamentos expostos no número anterior e tendo presente o disposto no artigo 4.º, n.º 1, do Código da Estrada, e nos artigos 14.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004, e 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 40/2000, de 17 de Março, a recusa de identificação pode implicar o cometimento de um crime de desobediência do artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal[99]. No caso em apreço, cumpre sublinhar que o dever de obediência funda-se em disposição legal que comina a sua punição, não se colocando, por isso, a necessidade de recurso à «cominação funcional» prevista na alínea b) do n.º 1[100]. 5. Pergunta-se se no caso de verificação do crime de desobediência por recusa de identificação por parte do suspeito de crime ou do infractor, quando solicitada, ele «pode ser detido como consequência dessa desobediência». O direito à liberdade, proclamado no artigo 27.º da Constituição da República, significa «direito à liberdade física, à liberdade de movimentos, ou seja, o direito a não ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar»[101]. Não sendo um direito absoluto, o direito à liberdade admite restrições, traduzidas em medidas de privação total ou parcial dela, medidas essas que, segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «só podem ser as previstas nos n.os 2 e 3 (...), não podendo a lei criar outras – princípio da tipicidade constitucional das medidas privativas da liberdade»[102]. Uma das restrições a esse direito concretiza-se com a detenção, «medida cautelar de privação da liberdade pessoal, de natureza precária e excepcional, não necessariamente dependente de mandato judicial, dirigida à prossecução de finalidades taxativamente enumeradas na lei, de duração não superior a 48 horas»[103]. Perante os termos e o enquadramento fáctico da questão formulada, reputa-se suficiente o exame dos pressupostos da detenção em flagrante delito, medida restritiva prevista no n.º 3, alínea a), do artigo 27.º da Constituição. A ela se referem os artigos 254.º, n.º 1, alínea a), e 255.º, n.º 1, do CPP: «Artigo 254.º Finalidades 1 – A detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada: a) Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção; ou b) (...). Artigo 255.º Detenção em flagrante delito 1 – Em caso de flagrante delito, por crime punível com pena de prisão: a) Qualquer autoridade judiciária ou entidade policial procede à detenção; b) Qualquer pessoa pode proceder à detenção, se uma das entidades referidas na alínea anterior não estiver presente nem puder ser chamada em tempo útil.» Tendo em consideração as normas contidas nos preceitos que vêm de se transcrever, um suspeito que recuse identificar-se a agente da polícia municipal, incorrendo, nos termos já vistos, na prática de um crime de desobediência previsto no artigo 14.º da Lei n.º 19/2004 e punido com pena de prisão pelo artigo 348.º, n.º 1, do Código Penal, pode ser detido por qualquer entidade policial em caso de flagrante delito para, eventualmente, ser submetido a julgamento sob a forma sumária. Perante a contemporaneidade entre a execução desse crime e a sua verificação pelo próprio agente de polícia municipal que emitiu a ordem de identificação, ou seja, ocorrendo o flagrante, afigura-se-nos que esse agente deve ordenar a detenção nos termos do citado artigo 255.º, n.º 1, alínea a), do CPP, e do artigo 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004. Na sequência da detenção, o agente de polícia municipal deverá proceder à entrega imediata do detido à autoridade judiciária – Ministério Público – para, eventualmente, promover o julgamento em processo sumário [artigo 381, n.º 1, alínea a), do CPP]. IX 1. Cabe agora enfrentar as questões colocadas no grupo II, relativas à «Detenção e entrega imediata à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competente». Tais questões têm como referente normativo o artigo 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004. Nos termos desse preceito: «1 – As polícias municipais, na execução das suas atribuições próprias, são competentes em matéria de: (…); e) Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal». Este preceito reproduz o artigo 4.º, n.º 1, alínea e), da anterior lei quadro das polícias municipais (Lei n.º 140/99), tendo-se substituído unicamente a expressão «no exercício das suas funções», que constava do corpo do artigo, pela expressão actual «na execução das suas atribuições próprias». 2. Pergunta-se: 2.1. «Os agentes das polícias municipais, nas situações do artigo 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, podem entregar o detido em situação de flagrante delito ao órgão de polícia criminal? Se há poder de detenção, podem as polícias municipais elaborar todo o expediente no momento da entrega, formalizando a detenção?» No capítulo anterior considerámos admissível que um agente de polícia municipal detenha quem tenha injustificadamente recusado identificar-se na sequência de sua ordem que lhe foi dada, pressuposta a verificação do flagrante delito. O citado artigo 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004, uma das disposições então invocadas para legitimar aquela actuação, concretiza, quanto aos agentes de polícia municipal, o poder que a lei processual penal confere a «qualquer entidade policial» para proceder à detenção em flagrante delito por crime, público ou semi-público, punível com pena de prisão [artigo 255.º, n.os 1, alínea a), e 4, do CPP]. O preceito estabelece que a entrega à autoridade judiciária ou à autoridade policial da pessoa detida seja «imediata». No domínio da detenção em flagrante delito, no condicionalismo legal, os órgãos de polícia municipal não podem prevalecer-se do prazo de 48 horas previsto no artigo 254.º, n.º 1, alínea a), do CPP. Quando a detenção for efectuada por «qualquer pessoa», nos termos do artigo 255.º, n.º 1, alínea b), do CPP, o detido deve ser entregue à autoridade judiciária ou à entidade policial, cabendo-lhes redigir «auto sumário de entrega», conforme dispõe o n.º 2 daquele preceito. A polícia municipal não deve ser equiparada, neste domínio, a essa «qualquer pessoa», uma vez que se trata, sem dúvida, de «entidade policial». Embora, em princípio, não detenha poderes de órgão de polícia criminal como as demais forças de segurança, enquanto «entidade policial» actua com autonomia em certas situações expressamente referidas no CPP, destacando-se a sua competência para a elaboração de auto de notícia relativamente a crime de denúncia obrigatória que presencie (artigo 243.º do CPP) ou para a detenção em flagrante delito (artigo 255.º do CPP)[104]. Nesta conformidade, caberá às polícias municipais a elaboração de auto de notícia e de detenção. A «entrega imediata», referida no artigo 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004, pretende significar que o detido deve ser entregue com urgência, no mais curto espaço de tempo possível, exigência que, crê-se, não é prejudicada pela elaboração daquele auto pela polícia municipal[105]. 2.2. «E se não houver flagrante delito (artigo 3.º, n.º 4), os agentes das polícias municipais podem entregar o detido ao órgão de polícia criminal? Neste caso, é o órgão de polícia criminal que formaliza a detenção?» Como já se referiu, a intervenção dos órgãos de polícia municipal no condicionalismo fáctico previsto no artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2004 pressupõe o flagrante delito[106]. 2.3. «Os agentes das polícias municipais também podem proceder directamente, sem intermediação de qualquer órgão de polícia criminal, à entrega a autoridade judiciária do detido em situação de flagrante delito? Neste caso, elaboram o auto e procedem à formalização da detenção (artigo 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004)?» De acordo com o disposto no preceito legal citado, o agente de polícia municipal pode entregar – directamente à autoridade judiciária – Ministério Público – a pessoa detida, não se exigindo a intermediação de qualquer órgão de polícia criminal. Em tal caso, pelas razões já referidas, a polícia municipal deverá proceder à elaboração do respectivo auto. 2.4. «Os agentes das polícias municipais podem, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, quando verifiquem o cometimento de um crime, proceder directamente, sem intermediação de qualquer órgão de polícia criminal, à condução do suspeito a autoridade judiciária? Neste caso, elaboram o auto e procedem à formalização da detenção?» 2.5. «Em qualquer dos casos, a entrega deve acontecer no local onde se verificou o crime (esperando pelo órgão de polícia criminal) ou pode ter lugar nas instalações destas forças de segurança?» Estas duas questões têm como referente normativo o artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2004. Os órgãos de polícia municipal exercitam competências próprias dos órgãos de polícia criminal quando actuam ao abrigo do disposto no citado artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2004. Quando directamente verifiquem o cometimento de qualquer crime podem proceder à identificação e revista dos suspeitos no local do cometimento do ilícito. Como já referimos, consideramos que o preceito exige a verificação do flagrante delito para que a intervenção dos órgãos de polícia criminal seja legítima. Nesse condicionalismo, se os agentes de polícia municipal detiverem os suspeitos, poderão, nos termos já referidos, proceder à sua entrega à autoridade judiciária, não se impondo, portanto, a intermediação de qualquer órgão de polícia criminal. A entrega dos suspeitos pode, no entanto, como faculta o citado preceito, ser feita ao órgão de polícia criminal competente, podendo efectivar-se no próprio local onde se verificou o crime, nas instalações da autoridade de segurança receptora, ou nas instalações da polícia municipal. Existirão circunstâncias que aconselharão que a entrega se processe no próprio local, nomeadamente quando se trate de confrontar os suspeitos com vestígios ou objectos ali deixados. O que importa é que, como bem decorre da lei, a entrega se efectue no espaço de tempo mais célere que for possível. 2.6. «Os agentes das polícias municipais podem proceder à constituição de arguido?» O CPP não nos fornece directamente um conceito de arguido, contrariamente ao que sucedia no CPP de 1929, cujo artigo 251.º estabelecia que «É arguido todo aquele sobre quem recai forte suspeita de ter perpetrado uma infracção, cuja existência esteja suficientemente comprovada». No entender de GERMANO MARQUES DA SILVA, a noção há-de alcançar-se por via indirecta, «tomando como base os elementos fornecidos pelos artigos 57.º a 59.º e a definição de suspeito, que consta do art. 1.º, n.º 1, al. e)»[107]. A constituição de arguido opera-se, por três vias diferentes: – Pela prática de um acto processual específico – artigo 57.º, n.º 1, do CPP; – Pela ocorrência de um certo facto previsto na lei, seguido de declaração de constituição de arguido – artigos 58.º e 59.º, n.º 1, do CPP; e – A pedido de quem entenda, verificadas certas circunstâncias, estar a ser tratado como suspeito – artigo 59.º, n.º 2, do CPP. Perante a questão colocada, adquirem relevo as situações contempladas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 58.º do CPP. São elas: – Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal – alínea a); – For realizada detenção de um suspeito, nos termos dos artigos 254.º a 261.º – alínea c); – For levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e o mesmo lhe for comunicado – alínea d). Na economia deste parecer pode acontecer ainda que a constituição de arguido se opere, nos termos do artigo 59.º, n.º 2, do CPP, a pedido de quem entenda, verificadas certas circunstâncias, estar a ser tratado como suspeito. Por seu lado, a constituição de arguido tem lugar mediante comunicação feita ao visado por uma autoridade judiciária ou por um órgão de polícia criminal. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 58.º do CPP: «2 – A constituição de arguido opera-se através da comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal, de que a partir desse momento aquele deve considerar-se arguido num processo penal e da indicação e, se necessário, explicação dos direitos e deveres processuais referidos no artigo 61.º que por essa razão passam a caber-lhe.» Note-se que, conforme dispõe o n.º 3 do mesmo preceito, a constituição de arguido feita por órgão de polícia criminal é comunicada à autoridade judiciária e por esta apreciada, em ordem à sua validação. Como se vê, para além da autoridade judiciária, somente os órgãos de polícia criminal podem proceder à constituição de arguido. No caso presente, deparamo-nos com uma entidade que não constitui órgão de polícia criminal. Como expressamente estabelece o n.º 5 do artigo 3.º da Lei n.º 19/2004, «é vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal». Consequentemente, em princípio, os órgãos de polícia municipal não detêm competência para constituir alguém como arguido. Sucede, porém, que o próprio preceito ressalva as competências cometidas aos órgãos de polícia municipal nos números anteriores, que são típicas de órgãos de polícia criminal, como já se disse. De entre tais competências, cumpre sublinhar a competência, prevista no n.º 3, para o levantamento de auto de notícia e «desenvolvimento de inquérito» por determinados ilícitos criminais. Assim, nos inquéritos penais abertos por factos, com relevância criminal, «estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativas», os agentes de polícia municipal coadjuvam o Ministério Público «com vista à realização das finalidades do processo» (artigo 55.º, n.º 1, do CPP), actuando como órgãos de polícia criminal. Em tais inquéritos, detêm, pois, os órgãos de polícia municipal competência para a constituição de arguido. X Relativamente à apreensão de material na sequência de fiscalizações, pergunta-se se as polícias municipais são competentes para, na sequência de fiscalização realizada, por exemplo, em mercados e feiras, e da detecção de certos materiais (designadamente, contrafeitos), proceder à sua apreensão. No âmbito desta questão, releva especialmente a norma contida no artigo 4.º, n.º 1, alínea f), da Lei n.º 19/2004. Os órgãos de polícia municipal devem denunciar os crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas. E devem praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente. A norma remete para as disposições do CPP relativas às medidas cautelares e de polícia, constantes dos artigos 248.º e segs. No que releva para o exame da questão, cumpre referir que, nos termos do artigo 249.º, n.os 1 e 2, alínea c), do CPP: «Artigo 249.º Providências cautelares quanto aos meios de prova 1 – Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova. 2 – Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior: a) (...); b) (...); c) Proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, bem como adoptar as medidas cautelares necessárias à conservação ou manutenção dos objectos apreendidos. 3 – (...).» Recorde-se que também no exercício de poderes de autoridade se confere (artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2004) aos agentes da polícia municipal competência para procederem a revista de suspeitos de crime que tenham verificado, no caso de existência de indícios de que ocultam na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com a infracção (artigo 174.º, n.º 1, do CPP). Em resultado dessa medida cautelar, pode haver lugar à apreensão dos «objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir a prova» (artigo 178.º, n.º 1, do CPP). Relativamente às infracções às normas regulamentares municipais e às normas de âmbito nacional cuja competência de fiscalização também caiba ao município, ilícitos que, na sua grande maioria, assumem natureza de contra-ordenações, adquire saliência o disposto nos artigos 48.º e 48.º-A, do Decreto-Lei n.º 433/82. Nos termos do n.º 1 do artigo 48.º daquele diploma, «as autoridades policiais e fiscalizadoras deverão tomar conta de todos os eventos ou circunstâncias susceptíveis de implicar responsabilidade por contra-ordenação e tomar as medidas necessárias para impedir o desaparecimento de provas». O artigo 48.º-A, sobre apreensão de objectos, dispõe: «Artigo 48.º-A Apreensão de objectos 1 – Podem ser provisoriamente apreendidos pelas autoridades administrativas competentes os objectos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de uma contra-ordenação, ou que por esta foram produzidos, e bem assim quaisquer outros que forem susceptíveis de servir de prova. 2 – Os objectos são restituídos logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeitos de prova, a menos que a autoridade administrativa pretenda declará-los perdidos. 3 – Em qualquer caso, os objectos são restituídos logo que a decisão condenatória se torne definitiva, salvo se tiverem sido declarados perdidos.» As disposições legais indicadas constituem suporte bastante para os órgãos de polícia municipal praticarem os actos cautelares, nomeadamente apreensões, que, pela sua urgência e necessidade, se justifiquem para assegurar os meios de prova, quer no caso de crimes, quer no caso de contra-ordenações que verifiquem no exercício das suas funções. Relativamente às infracções de natureza criminal, os órgãos de polícia municipal actuarão em cooperação com os órgãos de polícia criminal a quem competirá a elaboração do relatório exigido pelo artigo 253.º do CPP. Já nos casos de intervenção no âmbito de matéria contra-ordenacional, as polícias municipais, enquanto entidades administrativas instrutoras dos processos de contra-ordenação da sua competência – artigo 4.º, n.º 1, alínea i), da Lei n.º 19/2004 – actuam com autonomia. No exercício das suas atribuições, podem e devem proceder à apreensão dos «objectos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de uma contra-ordenação, ou que por esta foram produzidos, e bem assim quaisquer outros que forem susceptíveis de servir de prova» (artigo. 48.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82). XI Pergunta-se, finalmente se:«Em todos os casos, e ante o disposto na lei, algumas das soluções revestirão carácter diverso quando estiverem em causa as Polícias Municipais de Lisboa e Porto?» O Código Administrativo de 1940 consagrou a possibilidade de as câmaras municipais instituírem um serviço de polícia municipal, a cargo de guardas e graduados requisitados à polícia de segurança pública, ou de zeladores ou guardas campestres (artigo 163.º, § 2.º). Nos concelhos de Lisboa e Porto, os serviços de polícia municipal foram confiados a um corpo privativo militarizado. Foram, então, aprovados nesses municípios os respectivos regulamentos de polícia municipal, vigorando no município de Lisboa o Regulamento aprovado por despacho do Presidente da Câmara, datado de 4 de Agosto de 1959[108]. A Lei n.º 32/94, de 29 de Agosto, instituiu os serviços municipais de polícia, tendo estabelecido as suas atribuições e competências e os limites da respectiva actuação. O seu artigo 13.º, em sede de disposições transitórias, estabelece que «Os municípios que disponham já de serviço municipal de polícia deverão adequá-lo ao regime prescrito na presente lei no prazo de 60 dias a partir da data da sua entrada em vigor» (n.º 1). Quanto aos municípios de Lisboa e Porto, o n.º 2 do mesmo preceito estabelece as regras a respeitar quanto à conversão dos seus corpos de polícia municipal nos correspondentes serviços de polícia. A Lei n.º 140/99, de 28 de Agosto, consagra igualmente no capítulo das disposições finais e transitórias um preceito dedicado às Polícias Municipais de Lisboa e do Porto. Eis o seu teor: «Artigo 22.º Regime especial das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto As Polícias Municipais de Lisboa e do Porto poderão beneficiar de um regime especial transitório por um período não superior a cinco anos.» Esse regime transitório nunca foi definido, devendo fazer-se uma referência ao Decreto-Lei n.º 39/2000, de 17 de Março, diploma que, regulamentando aquela Lei, veio a estabelecer as regras a observar na deliberação da assembleia municipal que crie, para o respectivo município, o serviço de polícia municipal, bem como os regimes de transferências financeiras e de carreiras do pessoal. Sob a epígrafe «Regime especial transitório de Lisboa e do Porto», dispõe o seu artigo 23.º: «1 – Os municípios de Lisboa e do Porto, no prazo máximo estabelecido no artigo 22.º da Lei n.º 140/99, de 28 de Agosto, promovem a aplicação do regime previsto no presente diploma. 2 – O regime especial transitório das polícias municipais de Lisboa e do Porto, bem como as condições de eventual integração dos agentes da Polícia de Segurança Pública em funções naqueles municípios são estabelecidos pelo Governo em diploma próprio.» Também a actual lei quadro das polícias municipais (Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio) se refere, nas disposições finais e transitórias, às Polícias Municipais de Lisboa e Porto, nos seguintes termos: «Artigo 21.º Regime especial das Polícias Municipais de Lisboa e Porto O regime das Polícias Municipais de Lisboa e Porto é objecto de regras especiais a aprovar em decreto-lei.» Prevendo-se o estabelecimento de «regras especiais» para as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, o certo é que elas ainda não foram editadas. Para além disso, a crer na reflexão que a norma similar constante do projecto de lei suscitou aquando da discussão parlamentar, tais normas especiais decorrem do facto de as Polícias Municipais de Lisboa e Porto terem «um regime transitório por uma razão que não tem propriamente a ver com as respectivas funções e a sua natureza mas, sim, com a situação do respectivo pessoal. (...) são situações que ultrapassam, largamente, a capacidade de uma lei-quadro da Assembleia da República, pelo que terão de ser resolvidas através de regulamentação própria do Governo»[109]. Assim, afigura-se-nos que o regime jurídico quanto às atribuições e limites das suas competências deverá ser o que se encontra definido na Lei n.º 19/2004. Os regulamentos das polícias municipais daquelas autarquias, em obediência ao princípio da legalidade da actividade administrativa, não podem contrariar actos de valor legislativo, e, desde logo a Constituição, devendo, portanto, respeito à disciplina jurídica essencial e injuntiva contida naquele diploma. XII Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões: 1.ª – As polícias municipais são, de acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa no espaço territorial correspondente ao do respectivo município; 2.ª – As polícias municipais exercem funções que se inserem nas atribuições dos municípios, actuando prioritariamente na fiscalização do cumprimento quer das normas regulamentares municipais, quer das normas de âmbito nacional cuja competência de aplicação ou de fiscalização esteja cometida ao município e ainda na aplicação efectiva das decisões das autoridades municipais (artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004); 3.ª – Nos termos do artigo 237, n.º 3, da Constituição da República, as polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais, exercendo, em cooperação com as forças de segurança, funções de segurança pública nos domínios contemplados no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 19/2004; 4.ª – As polícias municipais não constituem forças de segurança, estando-lhes vedado o exercício de competências próprias de órgãos de polícia criminal, excepto nas situações referidas no artigo 3.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 19/2004; 5.ª – A identificação e revista de suspeitos, medidas cautelares de polícia previstas no artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 19/2004, podem ser adoptadas pelos órgãos de polícia municipal unicamente em situação de flagrante delito; 6.ª – Os órgãos de polícia municipal podem proceder à revista de segurança no momento da detenção de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, desde que existam razões para crer que as pessoas visadas ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos de violência – artigos 251.º, n.º 1, alínea b), e 174.º, n.º 5, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP); 7.ª – Os agentes de polícia municipal podem exigir a identificação dos infractores quando necessário ao exercício das suas funções de fiscalização ou para a elaboração de autos para que são competentes (artigos 14.º, n.º 2, da Lei n.º 19/2004, e 49.º do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro; 8.ª – O não acatamento dessa ordem pode integrar a prática do crime de desobediência previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004, 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 40/2000, de 17 de Março, e 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal; 9.ª – As polícias municipais, no exercício das suas competências de fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária [artigos 4.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 19/2004, e 5.º, n.os 1, alínea d), e 3, alínea b), do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro], podem exigir aos agentes das contra-ordenações que verifiquem a respectiva identificação, podendo a sua recusa implicar o cometimento de um crime de desobediência, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do Código da Estrada e das disposições legais citadas na conclusão anterior; 10.ª – O infractor que tenha recusado identificar-se pode ser detido em caso de flagrante delito pelo agente de polícia municipal para ser apresentado ao Ministério Público e, eventualmente, ser submetido a julgamento sob a forma de processo sumário, nos termos dos artigos 255.º, n.º 1, alínea a), do CPP, e 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004; 11.ª – Os agentes das polícias municipais somente podem deter suspeitos no caso de crime público ou semi-público punível com pena de prisão, em flagrante delito, cabendo-lhes proceder à elaboração do respectivo auto de notícia e detenção e à entrega do detido, de imediato, à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal; 12.ª – Não sendo as polícias municipais órgãos de polícia criminal, está vedado aos respectivos agentes a competência para a constituição de arguido, a não ser nos inquéritos penais que podem desenvolver, conforme disposto no artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 19/2004; 13.ª – De acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea f), da Lei n.º 19/2004, e do artigo 249.º, n.os 1 e 2, alínea c), do CPP, os órgãos de polícia municipal devem, perante os crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, até à chegada do órgão de polícia criminal competente, competindo-lhes, nomeadamente, proceder à apreensão dos objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir a prova (artigo 178.º, n.º 1, do CPP); 14.ª – Os agentes de polícia municipal, relativamente às infracções às normas regulamentares cuja fiscalização lhes está cometida, que revistam natureza de contra-ordenações, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 48.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, podem ordenar a apreensão dos objectos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de tais ilícitos, ou que por eles foram produzidos, e bem assim quaisquer outros que forem susceptíveis de servir de prova; 15.ª – O regime jurídico quanto às atribuições e competências das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto é o que se encontra definido pela Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio. VOTO DE VENCIDO (António Leones Dantas) - Vencido, quanto à matéria das conclusões 8.ª, 9.º e 10.º Depois de na conclusão 7.ª se afirmar, correctamente, que os agentes da polícia municipal «podem exigir no exercício das suas funções de fiscalização ou para elaboração de autos para que são competentes» a identificação dos infractores, afirma-se nas conclusões 8.ª, 9.ª e 10.ª, que o incumprimento do dever de identificação, - o «não cumprimento dessa ordem» -, referido na conclusão 8.º, e a recusa de satisfação da exigência da identidade, prevista na conclusão 9.º, integram a prática do crime de desobediência, p. p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 14.º, n.º 1 da Lei n.º 19/2004, 5.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 40/2000, de 17 de Março e 348.º, do Código Penal, (Conclusão 8.ª), e as mesmas disposições legais, conjugadas com o artigo 4.º, n.º1 do Código da Estrada, (Conclusão 9.ª). Deduz-se do teor do n.º1 do artigo 14.º da Lei n.º19/2004, de 20 de Maio, que aquela norma permite que os agentes da polícia municipal profiram ordens dirigidas aos cidadãos visados com a sua actividade policial, no sentido da sua identificação e que a faculdade de exigência da identificação prevista no n.º 2 do mesmo artigo fundamenta igualmente a punição da recusa de satisfação dessa exigência como crime de desobediência Confunde-se, deste modo, no parecer a existência de uma obrigação de identificação com o sancionamento do incumprimento dessa obrigação, ou a não satisfação da exigência de identificação. Ora, quer num caso quer noutro, a existência de uma obrigação de identificação não legitima o recurso à ordem de identificação, nos termos do n.º1 do referido artigo e ao crime de desobediência para punir a sua violação, permitindo apenas, em primeiro lugar, a própria exigência da identificação, e, em caso de recusa, a realização das diligências previstas no artigo 250.º do Código de Processo Penal tendentes à obtenção desse elemento. Por outro lado, da norma do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro e do n.º 2 do artigo 14.º, da Lei n.º 19/2004, apenas decorre a obrigação de identificação relativamente aos autores de uma infracção. Na versão inicial daquele diploma, do referido artigo 49.º, do regime geral das contra-ordenações tinha um n.º 2 onde se previa que «se esta não for imediatamente possível, em caso de flagrante delito podem as autoridades policiais deter o indivíduo pelo tempo necessário à identificação» e um n.º3 que referia que “esta deve processar-se no mais curto espaço de tempo, não podendo nunca a detenção exceder 24 horas”. Às razões da revogação destes números 2 e 3, não será alheio o debate que se travou sobre a constitucionalidade desta forma de detenção([110]). O regime da detenção para identificação de suspeitos tem assento no artigo 250.º do Código de Processo Penal que disciplina as condições em que as forças policiais podem exigir a identificação – n.º 1 deste artigo -, estabelecendo depois nos demais números os procedimentos necessários à efectivação da mesma, que são aplicáveis no âmbito do direito das contra-ordenações, por força do princípio da subsidiariedade, decorrente do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro. A redacção em vigor daquele artigo 250.º do Código de Processo Penal aproveitou o debate que rodeou a conformação da obrigação de identificação que veio a ser aprovada na Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro([111]). No âmbito dos procedimentos tendentes à identificação previstos naquele artigo não está prevista a possibilidade de os agentes da autoridade darem uma ordem à pessoa a identificar no sentido de esta fornecer a identidade, e, em caso de recusa de cumprimento, a detenção dessa pessoa, em flagrante delito, pela prática de um crime de desobediência. Seria uma forma simples de coagir um cidadão à identificação, mas violadora de princípios fundamentais, nomeadamente do princípio da subsidiariedade da intervenção penal. A norma do artigo 14.º da Lei n.º 19/2004, interpretada nos termos constantes do parecer, atribui aos agentes da polícia municipal poderes que o Código de Processo Penal recusa aos polícias em geral, obrigando-os aos procedimentos previstos no referido seu artigo 250.º. De facto, aquele dispositivo impõe às autoridades que averigúem a identidade da pessoa a identificar e, em caso de recusa de colaboração desta, estabelece um conjunto de mecanismos que podem realizar esse objectivo. Deste modo, se é possível a identificação do agente de uma infracção sem a imputação de um crime e as restrições de direitos que dessa imputação decorrem, através dos procedimentos previstos naquela norma, carece de qualquer legitimidade a ordem de identificação e o fundamento do recurso ao direito penal para realizar esse objectivo. Tal como se considerou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 108/99([112]), citado no Acórdão daquele tribunal n.º 99/02, proferido no processo n.º 482/02, de 27 de Fevereiro de 2002: «O direito penal, enquanto direito de protecção, cumpre uma função de ultima ratio. Só se justifica, por isso, que intervenha para proteger bens jurídicos - e se não for possível o recurso a outras medidas de política social, igualmente eficazes, mas menos violentas do que as sanções criminais. É, assim, um direito enformado pelo princípio da fragmentariedade, pois que há-de limitar-se à defesa das perturbações graves da ordem social e à protecção das condições sociais indispensáveis ao viver comunitário. E enformado, bem assim, pelo princípio da subsidiariedade, já que, dentro da panóplia de medidas legislativas para protecção e defesa dos bens jurídicos, as sanções penais hão-de constituir sempre o último recurso»([113])([114]). A obrigação de identificação, quando existe, não legitima deste modo a ordem do agente da autoridade para que o cidadão se identifique e muito menos a punição como desobediência da recusa de identificação, sobretudo quando existem outras formas que permitem de forma válida identificar o visado com essa ordem. Ao nível do processo penal, são pontuais os casos em que os cidadãos têm o dever de se identificar, com a cominação de que a recusa é criminalmente punida. As razões subjacentes a essa conformação do dever de identificação prendem-se com a especificidade dos actos em que existe e com a categoria da entidade perante a qual os mesmos ocorrem, nomeadamente nos interrogatórios judiciais. Nenhum desses factores legitimantes existe nas situações invocadas nas conclusões 8.ª e 9.ª deste parecer, para que se possa invocar o artigo 348.º do Código Penal, como forma de sancionamento do incumprimento do dever de identificação. A interpretação das normas dos artigos 14.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 19/2004, 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 40/2000, de 17 de Março, 4.º, n.º1 do Código da Estrada e 49.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, no sentido subjacente às conclusões 8.ª, 9.ª e 10.ª, viola, deste modo, o princípio da subsidiariedade da intervenção penal, consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República. [1] Ofício sem número, com data de entrada na Procuradoria-Geral da República de 25 de Fevereiro de 2008. [2] Os trechos assinalados pertencem ao ofício referido na nota anterior, onde constam igualmente as questões que, na sequência, se transcrevem. [3] No ofício, certamente por lapso, indica-se o parecer com o n.º 131/1996. [4] Vide nota anterior. [5] Manual de Direito Administrativo, Tomo II, 10.ª edição, 6.ª reimpressão, Almedina, p. 1150. [6] MARCELLO CAETANO, ob. cit., p. 1151. Do mesmo Autor, v. Princípios Fundamentais de Direito Administrativo, Reimpressão da edição Brasileira de 1977, 1.ª Reimpressão Portuguesa, Almedina, 2003, 2003, pp. 270-271. [7] SÉRVULO CORREIA, “Polícia”, Dicionário Jurídico da Administração Pública, Volume VI, Lisboa, 1994, pp. 393 e segs. Sobre o conceito de polícia, v. MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE, Teoria Geral do Direito Policial, Tomo I, Almedina, 2005, pp. 14-21, PAULO DANIEL PERES CAVACO, “A polícia no direito português, hoje”, Estudos de Direito de Polícia, 1.º volume, Seminário de Direito Administrativo de 2001/2002, sob a regência de JORGE MIRANDA, AAFDL, Lisboa, 2003, pp. 65 e segs., e JOÃO RAPOSO, Direito Policial, Tomo I, Almedina, 2006, pp. 24-27. [8] Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 656. [9] PAULO DANIEL PERES CAVACO, “A polícia no direito português, hoje”, Estudos de Direito de Polícia, cit., p. 106. [10] Os direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª edição (Reimpressão da edição de 2004), Almedina, Janeiro de 2006, pp. 358-359. [11] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pp. 955-956. [12] SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 406. [13] Manual de Direito Administrativo, cit., pp. 1153-1155. [14] Ob. cit., p. 29. [15] A Questão das Polícias Municipais, Coimbra Editora, 2003, p. 101. Da mesma autora, v. Competências dos Serviços de Polícia Municipal – Sentido e Limites de Actuação, CEFA – Centro de Estudos e Formação Autárquica, Coimbra, 2002, pp. 31-33. [16] SÉRVULO CORREIA, ibidem, p. 407. [17] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, cit., p. 955. [18] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 583/96, de 16 de Abril de 1996, disponível em http://tribunalconstitucional.pt/acordaos. [19] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, cit., p. 955. [20] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, idem, ibidem. [21] Manual de Direito Administrativo, cit., p. 1176. Nos termos do artigo 3.º, n.º 2, alínea b) da lei orgânica da Polícia de Segurança Pública (PSP), aprovada pela Lei n.º 53/2007, de 31 de Agosto, constituem atribuições da PSP «Garantir a ordem e tranquilidade públicas e a segurança e protecção das pessoas e dos bens». A lei orgânica da Guarda Nacional Republicana (GNR), aprovada pela Lei n.º 63/2007, de 6 de Novembro, contém disposição homóloga [artigo 3.º, n.º 1, alínea b)]. [22] De 25 de Março de 1999, publicado no Diário da República, II série, n.º 24, de 29 de Janeiro de 2000, entendimento retomado no parecer n.º 162/2003, de 18 de Dezembro de 2003, publicado no Diário da República, II série, n.º 74, de 27 de Março de 2004. No mesmo sentido, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 583/96, já citado, e n.º 489/99, de 27 de Novembro de 1989, publicado no Diário da República, II série, de 1 de Fevereiro de 1990. [23] Rectificada pela Declaração inserta no Diário da República, I série, n.º 185, de 13 de Agosto de 1987, e alterada pela Lei n.º 8/91, de 1 de Abril. [24] O preceito contempla ainda a Guarda Fiscal, entidade que foi entretanto extinta pelo Decreto-Lei n.º 230/93, de 26 de Junho, criando-se a Brigada Fiscal integrada na GNR. [25] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 489/89, já citado. «Na Lei de Segurança Interna – lê-se no mesmo Acórdão –, as normas do artigo 15.º, sobre as autoridades de polícia e do artigo 16.º (maxime n.º 2), sobre as medidas de polícia não se afiguram, face ao texto constitucional (e a outros lugares da mesma Lei) susceptíveis de qualquer “extensão”. Essa extensão operar-se-ia através de uma errada consideração da enumeração do artigo 14.º como enumeração aberta». [26] Manual de Direito Administrativo, cit., p. 1170. [27] Ibidem. Sobre este tema, v., do mesmo Autor, Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, cit., pp. 273-274. [28] MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, cit., p. 1166, e JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, ob. cit., tomo III, p. 673. [29] De 3 de Fevereiro de 2005, publicado no Diário da República, II série, n.º 8, de 11 de Janeiro de 2008, com rectificação, quanto ao número do parecer, inserta no Diário da República, II série, n.º 26, de 6 de Fevereiro de 2008. x GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit. [Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993], p. 956. x1 Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 489/89, de 13 de Julho de 1989, e n.º 160/91, de 24 de Abril de 1991 (Diário da República, II Série, respectivamente, n.º 27, de 1 de Fevereiro de 1990, p. 1131 e segs., e n.º 203, de 4 de Setembro de 1991, p. 8953 e segs.). [30] Sobre medidas de polícia, v. ainda os pareceres do Conselho Consultivo n.os 9/96- -B/Complementar e 162/2003, já citados, e n.º 95/2003, de 6 de Novembro de 2003 (Diário da República, II série, n.º 54, de 4 de Março de 2004). [31] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista..., cit., p. 956. [32] Idem, ibidem. [33] V. pareceres n.os 25/94, de 12 de Janeiro de 1995, e 31/88, de 18 de Agosto de 1988. Neste último parecer examinou-se a questão de saber se as câmaras municipais podiam criar polícias municipais ou serviços de polícia municipal e, na hipótese afirmativa, qual a natureza jurídico-institucional de tais organismos, qual o estatuto do respectivo pessoal e qual o acervo de atribuições e competências que lhe poderiam ser conferidas. [34] Da Questão das Polícias Municipais, cit., p. 154. [35] Idem, p. 156. PEDRO JOSÉ LOPES CLEMENTE alude ainda ao «insucesso do modelo de “serviço municipal de polícia”» (“A Polícia Municipal”, A Polícia em Portugal, INA – Instituto Nacional de Administração, Oeiras, 2006, pp. 103 e segs.). [36] MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE, Teoria Geral do Direito Policial, cit., p. 24. [37] Proposta de Lei n.º 222/VII – Estabelece a forma de criação das polícias municipais, publicada no Diário da Assembleia da República (DAR), II série A, n.º 24, de 17 de Dezembro de 1998. O relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias está publicado no DAR, II série A, n.º 33, de 23 de Janeiro de 1999, encontrando-se a discussão daquela proposta documentada no DAR, I série, n.º 41, de 29 de Janeiro de 1999. [38] Este o motivo por que nos dispensamos de examinar as disposições constantes da Lei n.º 140/99, matéria que este Conselho Consultivo teve a oportunidade de abordar no parecer n.º 74/2003, de 23 de Outubro de 2003 (ponto VI), publicado no Diário da República, II série, n.º 158, de 7 de Julho de 2004. [39] Projecto de lei n.º 366/IX – Revisão da lei quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais, publicado no DAR, II série-A, n.º 12, de 5 de Novembro de 2003. Do respectivo procedimento legislativo, adquire realce o relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, inserto no DAR, II série-A, n.º 28, de 15 de Janeiro de 2004. A discussão na generalidade encontra-se documentada no DAR, I série, n.º 38, de 15 de Janeiro de 2004. [40] Os autos de transgressão [alínea g)] e os processos de transgressão [alínea i)] deixaram de ter aplicação por força da conversão em contra-ordenações, operada pela Lei n.º 30/2006, de 11 de Julho, das contravenções e transgressões ainda então vigentes no ordenamento jurídico nacional. [41] Podem actuar fora do território do respectivo município em situações de flagrante delito ou em emergência de socorro, mediante solicitação da autoridade municipal competente (artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 19/2004). [42] Dispõe este preceito: «3 – A aplicação da presente lei não prejudica o exercício de quaisquer competências das forças de segurança.» [43] Ob. cit., p. 458. [44] Ob. cit., p. 44. [45] CATARINA SARMENTO E CASTRO, A Questão das Polícias Municipais, cit., p. 340. Sobre este tema, v. também MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE, “Enquadramento jurídico das polícias municipais – Do quadro constitucional ao quadro ordinário”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Germano Marques da Silva, Almedina, 2004, pp. 251 e segs. [46] CATARINA SARMENTO E CASTRO, ibidem, pp. 340-341. [47] Sobre o sentido e alcance da cooperação entre as polícias municipais e as forças de segurança, v. CATARINA SARMENTO E CASTRO, A Questão das Polícias Municipais, cit., pp. 254 e segs. Para esta Autora, «a cooperação das polícias municipais com as forças nacionais de segurança em matéria de protecção das comunidades (locais, no caso de cada município) e da tranquilidade pública, traduz-se no exercício articulado, por parte dos dois tipos de corpos policiais, das suas competências na matéria. Estas são realizadas numa situação de paridade, sem que qualquer destas entidades detenha qualquer poder de direcção que pudesse traduzir uma relação de hierarquia» (ob. cit., p. 257). [48] TERESA PIZARRO BELEZA e FREDERICO DE LACERDA COSTA PINTO, Direito Processual Penal – Os sujeitos processuais e as partes civis – tópicos de estudo, Lisboa, 2001, policop., p. 75. [49] Curso de Processo Penal, I, 4.ª edição revista e actualizada, Editorial Verbo, 2000, p. 275. [50] Ibidem. Sobre esta figura, v. MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado, 16.ª edição – 2007, Almedina, Coimbra, 2007, p. 53. [51] Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, Coimbra Editora, 2003, pp. 121-122. [52] Ob. cit., p. 121 (nota 2). [53] Modelos de Polícia e Investigação Criminal, “O modelo português – a dependência funcional”, intervenção no 1.º Congresso de Investigação Criminal, Porto, 16 e 17 de Março de 2006, Edições Gailivro, Julho de 2006, pp. 97 e segs. (p. 99). Sobre o sentido e alcance dos órgãos de polícia criminal, v., do mesmo Autor, O Ministério Público e os Órgãos de Polícia Criminal no Novo Código de Processo Penal, Porto, 1993, pp. 99-104. [54] Ibidem. [55] Alterada pelo Decreto-Lei n.º 305/2002, de 13 de Dezembro, e pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro. [56] Como sucede, por exemplo, com a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), nos termos do artigo 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 274/2007, de 30 de Julho. [57] Trata-se de fórmula textual próxima da que é utilizada no artigo 3.º, n.º 2, alínea e), da lei orgânica da Polícia de Segurança Pública (PSP), aprovada pela Lei n.º 53/2007, de 31 de Agosto e no artigo 3.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 63/2007, de 6 de Novembro (lei orgânica da Guarda Nacional Republicana). Nos termos de tais disposições, constituem atribuições dessas forças de segurança «Desenvolver as acções de investigação criminal e contra-ordenacional que lhe sejam atribuídas por lei, delegadas pelas autoridades judiciárias ou solicitadas pelas autoridades administrativas». [58] Na expressão de MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE, Teoria Geral do Direito Policial, cit., p. 39. Trata-se, ainda segundo o mesmo Autor, de competências «precárias, residuais e subsidiárias», in Revistas e Buscas, 2.ª edição revista e aumentada, Almedina, 2005, p. 54. [59] Estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação. O diploma foi objecto de alterações, a última das quais foi operada pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, que o republicou. [60] Estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial. O diploma foi objecto de alterações, a última das quais ocorreu com o Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de Setembro, que o republicou. [61] Sob a epígrafe «Responsabilidade criminal», dispõe o artigo 100.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 555/99: «Artigo 100.º 1 – O desrespeito dos actos administrativos que determinem qualquer das medidas de tutela da legalidade urbanística previstas no presente diploma constitui crime de desobediência, nos termos do artigo 348.º do Código Penal.Responsabilidade criminal 2 – (…).» O artigo 106.º do Decreto-Lei n.º 380/99 prescreve: «Artigo 106.º O prosseguimento dos trabalhos embargados nos termos do artigo anterior constitui crime de desobediência, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal». Desobediência [62] Investigação geralmente de fácil execução, tendo em conta o relevo que a prova documental assumirá nestes casos. [63] V. exposição de motivos da proposta de lei n.º 222/VI, que esteve na origem da Lei n.º 140/99, de 28 de Agosto, publicada no DAR, II série-A, n.º 24, de 17 de Dezembro de 1998. [64] V. DAR, II série-A, n.º 12, de 5 de Novembro de 2003. Estabelecia essa disposição que: «3 – Para efeitos estritamente conexos com as suas funções e o exercício das suas competências, a hierarquia e os agentes das polícias municipais consideram-se órgãos de polícia criminal para os efeitos previstos na lei processual penal». A disposição foi questionada no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, aí se referindo que «as polícias municipais não podem ser qualificadas como órgãos de polícia criminal, mesmo para os efeitos estritamente conexos com as suas funções e o exercício das suas competências, uma vez que a Constituição lhes exclui competências que excedam os limites consignados no n.º 3 do artigo 237.º» (DAR, II série-A, n.º 28, de 15 de Janeiro de 2004) e não transitou para o texto final do projecto de lei, apresentado pela mesma Comissão, tendo sido substituída pelos actuais n.os 3, 4 e 5 do artigo 3.º da Lei n.º 19/2004. A votação na especialidade e a votação final global encontram-se documentadas no DAR, II série-A, n.º 49, de 1 de Abril de 2004, e no DAR, I série, n.º 72, de 2 de Abril de 2004, respectivamente [65] Regime geral das contra-ordenações. O diploma foi alterado pelos Decretos-Leis n.os 356/89, de 17 de Outubro, 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro. [66] Como sucede, por exemplo, com a fiscalização das disposições do Código da Estrada e legislação complementar nas vias públicas sob jurisdição das câmaras municipais [artigo 5.º, n.os 1, alínea d), e 3, alínea b), do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro], com a fiscalização da caça (artigo 143, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de Agosto), com a fiscalização da venda ambulante (Decreto-Lei n.º 122/79, de 8 de Maio), ou da actividade de comércio por grosso, exercida de forma não sedentária (Decreto-Lei n.º 259/95, de 30 de Setembro). [67] JOSÉ MANUEL DAMIÃO DA CUNHA, O Ministério Público e os Órgãos de Polícia Criminal …, cit., p. 137. [68] “O inquérito no novo Código de Processo Penal”, Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, Livraria Almedina, Coimbra – 1993, p. 71. [69] V. JOSÉ MANUEL DAMIÃO DA CUNHA, O Ministério Público e os Órgãos de Polícia Criminal …, cit., p. 137. [70] Citámos CATARINA SARMENTO E CASTRO, Competências dos Serviços de Polícia Municipal, cit., p. 43. [71] Supra, ponto III. [72] Trata-se de uma noção de suspeito muito mais restrita do que a resultante da definição constante do artigo 1.º, alínea e), do CPP. [73] Sobre o controlo da identidade, enquanto medida de polícia, v. parecer do Conselho Consultivo n.º 13/96, de 22 de Maio de 1997, publicado no Diário da República, II série, n.º 286, de 12 de Dezembro de 1997 [74] Curso de Processo Penal, II, 3.ª edição, revista e actualizada, Editorial Verbo, 2002, p. 236. [75] Idem, ibidem. [76] FERNANDO GONÇALVES e MANUEL JOÃO ALVES, Os Tribunais, as Polícias e o Cidadão – O Processo Penal Prático, Almedina, 2000, p. 115. [77] Sob a epígrafe Revista pessoal de prevenção e segurança, refere-se-lhe o artigo 12.º da Lei n.º 16/2004, de 11 de Maio, diploma que «[a]prova medidas preventivas e punitivas a adoptar em caso de manifestação de violência associadas ao desporto». [78] MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE, Processo Penal, Tomo I, Almedina, 2004, p. 321. [79] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ob. cit., p. 648. [80] Ob. cit., p. 555. [81] Idem, ibidem. [82] Também CATARINA SARMENTO E CASTRO admitia, na vigência da Lei n.º 140/99, «nos casos em que seja possível deter em flagrante delito, uma revista de mera segurança, para salvaguardar a própria vida» (A Questão das Polícias Municipais, cit., p. 345). «Em algumas situações – escreve esta Autora – parece também dever admitir-se a possibilidade de se proceder a uma revista de segurança: se a polícia municipal vai proceder, no âmbito das suas competências de detenção em flagrante delito, ao transporte de um suspeito para entrega a outras entidades de polícia, deve poder salvaguardar a sua própria segurança» (Competência dos Serviços de Polícia Municipal, cit., p. 74). [83] A Lei n.º 140/99 continha uma disposição – artigo 14.º – de teor exactamente igual ao do artigo 14.º da actual lei quadro das polícias municipais. [84] A punição pelo crime de desobediência encontra-se ainda prevista, nos mesmos termos do artigo 14.º, n.º 1, transcrito, no artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 40/2000, de 17 de Março, diploma que regula as condições e modo do exercício de funções de agente de polícia municipal. [85] MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE, Teoria Geral do Direito Policial, cit., p. 45. [86] MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE, Teoria Geral do Direito Policial, cit., p. 45. [87] Parecer n.º 31/88, de 18 de Agosto de 1988. x2 Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9.ª edição (reimpressão), Almedina, p. 1151. x3 Ibidem, p. 1159. [88] As expressões em itálico estão sublinhadas no original. [89] Crimes contra a Autoridade Pública, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa – 1998, separata das Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal, p. 426. [90] Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, dirigido por JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Coimbra Editora, 2001, p. 351. Sobre os elementos constitutivos do crime de desobediência e sua amplitude, v. MAIA GONÇALVES, Código Penal Português, Anotado e Comentado, 17.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 1000 e segs. [91] Referido no despacho em que se solicitou a emissão deste parecer (vide notas 3 e 4). x4 Cfr. LEAL HENRIQUES e SIMAS SANTOS, in Código Penal, 2.º volume, Lisboa, Rei dos Livros, 1996, p. 1089. [92] JOSÉ LUÍS LOPES DA MOTA, ob. cit., p. 437. [93] Ibidem. [94] Neste sentido, JOSÉ LUÍS LOPES DA MOTA, no domínio de vigência da Lei n.º 32/94, de 29 de Agosto, diploma que veio disciplinar as atribuições e competências dos serviços municipais de polícia, considerava integrar o crime de desobediência «o não cumprimento de ordens ou mandados legítimos emanados de funcionários de serviço municipal de polícia», em conformidade com o disposto no artigo 5.º daquela Lei (ob. cit., p. 444). [95] Na base do parecer estiveram os comportamentos de um cidadão e de um militar da GNR despoletados por um acidente de trânsito em que ambos foram intervenientes, tendo sucedido que o primeiro se recusou a acatar uma ordem de identificação emitida por aquele agente da autoridade. [96] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos Decretos-Leis n.os 2/98, de 3 de Janeiro, e 265-A/2001, de 28 de Setembro, pela Lei n.º 20/2002, de 21 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, que o republicou. [97] Na sua versão primitiva, dispunha o citado preceito: «1 – O utente da via deve obedecer às ordens legítimas das autoridades competentes para fiscalizar o trânsito e dos respectivos agentes, desde que devidamente identificados como tais». [98] Dispunha esse preceito: «4 – «Todos os condutores de veículos ou animais são obrigados a parar sempre que uma autoridade policial ou seu agente, devidamente uniformizados, lhes façam sinal para tal fim. Na ausência das autoridades ou agentes policiais, serão competentes para fazer o sinal de paragem referido no parágrafo anterior as autoridades que comandem forças militares na via pública, na medida do necessário para que essas forças transitem sem interrupção. A contravenção do disposto neste número será punida com a multa de 10.000$ a 50.000$ (artigo 2.º, c), do Decreto-Lei nº 240/89, de 26 de Julho). Exceptua-se o caso de o infractor cumprir tardiamente o sinal de paragem, em que a multa será de 1.500$ a 7.500$». [99] Perfilhando o entendimento de que, no âmbito da previsão do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 433/82, a «recusa injustificada de identificação» pode integrar o crime de desobediência, v. ANTÓNIO BEÇA PEREIRA, Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas Anotado, 7.ª edição, Almedina, 2007, p. 103. [100] Conforme refere CRISTINA LÍBANO MONTEIRO, esta alínea «existe tão só para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qual for a sua natureza (i. é, mesmo um preceito não criminal) prevê aquele comportamento desobediente» (Comentário Conimbricense do Código Penal, cit., p. 354). [101] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 478. [102] Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, cit., p. 479. Sobre este tópico, v. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pp. 297 e segs. [103] Com maiores desenvolvimentos sobre o tema da detenção, v. pareceres do Conselho Consultivo n.os 111/90, de 6 de Dezembro de 1990, inédito, e 35/99, de 13 de Julho de 2000 (Diário da República, II série, n.º 20, de 24 de Janeiro de 2001). [104] Sobre a intervenção das «entidades policiais» no processo penal e sua caracterização, v. JOSÉ MANUEL DAMIÃO DA CUNHA, O Ministério Público e os Órgãos de Polícia Criminal, cit., pp. 156 e segs. [105] Sobre o sentido e alcance da expressão «de imediato», constante do artigo 259.º do CPP, v. MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal, cit., p. 573. [106] V. VII.1. [107] Curso de Processo Penal, I, cit., p. 285. [108] Das diligências efectuadas, não foi possível obter cópia do regulamento da Polícia Municipal do Porto. [109] Intervenção do Deputado Luís Marques Guedes, um dos proponentes do projecto de lei, aquando da discussão na generalidade – DAR, I série, n.º 28, de 15 de Janeiro de 2008, p. 2176. [110] Sobre o debate que a conformação da obrigação de identificação suscitou antes da revisão constitucional de 1997, cfr. ALEXANDRE DE SOUSA PINHEIRO e JORGE MENEZES DE OLIVEIRA, “O Bilhete de identidade e os controlos de identidade”, Revista do Ministério Público, 1995, n.º 60, pp. 11 e ss. [111] Sobre o debate que rodeou a aprovação daquela lei, cfr. JOSÉ LUÍS LOPES DA MOTA, “Crimes Contra a Autoridade Pública”, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal, Volume II, Cej, 1998, 440, nota 87. [112] Acórdãos do Tribunal Constitucional, 42º vol., págs. 521-522 [113] Http//www.tribunalconstitucional.pt [114] Sobre a necessidade da tutela penal e o princípio da proporcionalidade, cfr. JORGE de FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, pp. 120 e ss. |