Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003127
Parecer: CA01522004
Nº do Documento: PCA120520110015200
Descritores: PRÉDIO RÚSTICO
FRACCIONAMENTO
RECTIFICAÇÃO DE ESTREMAS
DIVISÃO
EMPARCELAMENTO
REPARCELAMENTO
DESANEXAÇÃO
LOTEAMENTO URBANO
CONSTITUIÇÃO DE UM SÓ LOTE
ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO
FUNÇÃO NOTARIAL
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Livro: 00
Numero Oficio: 2486
Data Oficio: 09/02/2010
Pedido: 09/08/2010
Data de Distribuição: 09/08/2010
Relator: FÁTIMA CARVALHO
Sessões: 01
Data da Votação: 05/12/2011
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MJ
Entidades do Departamento 1: MINISTRO
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 06/06/2011
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 04-07-2011
Nº do Jornal Oficial: 126
Nº da Página do Jornal Oficial: 27932
Indicação 2: ASSESSOR: SUSANA PIRES
Área Temática:DIR REG NOT/DIR CIV*DIR REAIS
Ref. Pareceres:P000461992Parecer: P000461992
P000731996Parecer: P000731996
P001152003Parecer: P001152003
Legislação:DL 555/99 DE 16/12 ART2 I) ART4 N3 ART41 ART42 N1 ART49 ART50 ART51 ART77 N1 E);DL 177//2001 DE 04/06; L 15/2002 DE 22/02; L 13/2000 DE 20/07; DL 157/2006 DE 08/08; DL 157/2006 DE 08/08; L 60/2007 DE 04/09 ART4 N2 N3; DL 18/2008 DE 29/01; DL 26/2011 DE 30/03; L 28/2010 DE 02/09; DL 46673 DE 29/11/1965; DL 289/73 DE 06/06 ART1 ART27; DL 342/79 DE 27/08; DL 400/84 DE 31/12 ART3; DL 448/91 DE 29/11 ART1 N1 ART8; DL 380/99 DE 22/09 ART18 N2 ART84 ART85 ART87 ART90; DL 53/2000 DE 07/04; DL 310/2003 DE 10/12; L 58/2005 DE 29/12; L 56/2007 DE 31/08; DL 316/2007 DE 19/09; DL 46/2009 DE 20/02; DL 181/2009 DE 07/08; L 2/2011 DE 06/01; DL 384/88 DE 25/10; CONST76 ART65 N4; L 48/98 DE 11/08 ART6 ART14 ART15; CCIV66 ART280 N1 ART294 ART1381 A); CNOT96 ART46 E SS ART70 ART71; DL 26/2001 DE 04/02 ART11; L 51/2004 DE 29/10; CRP84 ART16 ART68 ART69
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC STA DE 14/10/1993
AC STA DE 22/10/1999
AC TCONST N329/99 DE 20/07/1999
AC TCONST N517/99 DE 11/11/1999
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões:

Texto Integral:




Senhor Ministro da Justiça,
Excelência:

I


1. Dignou-se o Senhor Secretário de Estado da Justiça do anterior governo constitucional solicitar parecer deste Conselho Consultivo[1] sobre a questão de saber se «a divisão de prédio rústico, para rectificação de estremas de prédio contíguo, em que a parte sobrante é pelo adquirente destinada a construção urbana, configura ou não uma operação de loteamento, disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro».

O parecer então solicitado foi aprovado, por unanimidade, na sessão do Conselho Consultivo de 27 de Julho de 2006 e enviado ao gabinete daquele membro do governo[2].

Eram as seguintes as conclusões então extraídas:

1.ª – O actual conceito de operação de loteamento definido pelo artigo 2.º, alínea i), do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, compreende a constituição de um ou mais lotes, a destinação à edificação urbana e, entre as acções que lhes dão origem, passou a incluir, para além da divisão de um ou mais prédios, também o emparcelamento e o reparcelamento;

2.ª – Os loteamentos constituídos por um só lote são apenas aqueles que resultam do emparcelamento, enquanto anexação voluntária de prédios autónomos em um só lote; já a divisão (e o reparcelamento), enquanto acções de que resulta a formação de unidades prediais autónomas, darão sempre origem a loteamentos constituídos por, pelo menos, dois lotes;

3.ª – As operações de loteamento devem conformar-se com os instrumentos de gestão territorial aplicáveis e estão condicionadas pela situação e classificação dos solos, devendo integrar-se em perímetro urbano e em solo urbanizado ou cuja urbanização esteja programada em plano municipal de ordenamento do território, nos termos do artigo 41.º do mesmo diploma legal;

4.ª – A “pertinência” do prédio a solo com a caracterização referida na conclusão anterior, não constituindo elemento objectivo da noção legal de operação de loteamento que consta do artigo 2.º, alínea i), do Decreto-Lei n.º 555/99, encontra-se, de um modo geral, subjacente à noção de loteamento que resulta de uma compreensão integrada e sistemática das disposições normativas que regem as intervenções urbanísticas e dos princípios que enformam o direito do ordenamento do território e do urbanismo;

5.ª – A vontade manifestada pelo adquirente quanto ao destino que pretende dar ao lote adquirido, não tendo a virtualidade de alterar a natureza do prédio nem de constituir direitos de utilização urbanística, assume relevância na medida em que, conjugada com os elementos de ordem objectiva que integram o conceito legal de operação de loteamento, revela a existência de um negócio jurídico cuja validade pressupõe a emissão de um alvará de loteamento, que deve ser identificado no respectivo instrumento notarial, nos termos do artigo 49.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 555/99;

6.ª – Idêntica declaração de vontade em acto de transmissão da parte sobrante de um prédio rústico, fora de uma operação de loteamento, cuja validade não pressupõe a existência e apresentação do correspondente título comprovativo de licença ou autorização administrativa, não obsta à celebração da escritura apesar de a realização efectiva da construção ficar dependente da sua obtenção;

7.ª – A actividade dos notários e dos conservadores do registo predial está sujeita à observância do princípio da legalidade devendo estes recusar a celebração ou o registo de actos nulos.

Sobre o referido parecer não incidiu despacho, quer de homologação, quer de não homologação.

2. Dignou-se, entretanto, Vossa Excelência solicitar «como condição prévia à decisão de homologação», que este Conselho se pronuncie sobre se «face à alteração do quadro legal operada pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, que vem dar uma nova noção de loteamento», se mantém a conclusão 2.ª daquele parecer[3].

Está em causa a definição de operação de loteamento decorrente da nova redacção dada por aquela lei à alínea i) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 555/99, que passou a dispor:
«Artigo 2.º
Definições
Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
(...)
i) “Operações de loteamento”: as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbano e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento.
(...).»

De facto, após a data em que o referido parecer foi emitido, ocorreram importantes alterações legislativas em matéria de urbanismo e de ordenamento do território, que não só se reflectem e alteram o conteúdo da conclusão 2.ª, como implicam também uma revisão de diversas outras passagens.

Deste modo, aceitando que se mantém o interesse da consulta, importa proceder a uma reelaboração de todo o texto do parecer e suas conclusões, pelo que se passará a emitir parecer complementar à luz da legislação actualmente em vigor.

3. São as seguintes as questões formuladas, de acordo com sugestão da (então) Direcção-Geral dos Registos e do Notariado[4]:

«1. Configurará uma operação de loteamento a divisão que teve por fim imediato a desintegração de uma parcela de terreno para rectificação de estremas e por efeito a constituição de um lote (área sobrante) destinado a edificação urbana ou seria indispensável que o prédio originário fosse fraccionado em duas ou mais unidades prediais, autónomas, em que pelo menos uma delas se destinasse imediata ou subsequentemente à edificação urbana? Qual o conceito de divisão (e de emparcelamento) acolhido pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro?
2. A noção de operação de loteamento constante do referido diploma integra ou não a pertinência do prédio a área situada dentro de perímetro urbano ou solo rural intervencionado, através de plano municipal de ordenamento do território?
3. Qual a relevância jurídica da declaração prestada pelo adquirente, no momento da divisão do prédio (ou em momento posterior), no sentido de implantar uma construção na parte sobrante do mesmo? Pode tal declaração determinar a natureza do prédio objecto do negócio? Podem os notários e os conservadores ignorá-la em face da verificação da localização do prédio em causa?
4. A acção de divisão do prédio rústico, para rectificação de estremas de prédio contíguo, em que a área sobrante é pelo adquirente destinada a construção urbana, enquadra-se ou não no conceito de operação de loteamento previsto naquele Decreto-Lei n.º 555/99?»

Na origem da solicitação residia uma situação concreta, relacionada com a «divisão de determinado prédio rústico em duas parcelas, uma destinada à rectificação de estremas de prédio rústico contíguo e a outra destinada pelo comprador a construção urbana», que suscitou a assunção de posições divergentes pelo notário que celebrou a escritura de compra e venda e pela conservadora do registo predial que efectuou o registo provisório por dúvidas da aquisição da parcela destinada a construção (a desanexar do prédio descrito na respectiva Conservatória). Considerou aquela conservadora que a transmissão de parte do prédio implicava a sua divisão, resultando, assim, do título submetido a registo a constituição de um lote destinado à construção urbana, em violação do regime jurídico aplicável aos loteamentos urbanos (designadamente artigos 2.º, alínea i), e 6.º do Decreto-Lei n.º 559/99, de 16/12)[5].

Do despacho proferido pela conservadora do registo predial foi interposto recurso hierárquico no âmbito do qual a mesma sustentou a sua posição argumentando que «enquanto se divide o prédio em duas parcelas rústicas de terreno, uma delas destinada à rectificação de estremas, se está dentro do conceito de fraccionamento de prédio legalmente permitido; mas se é transferida simultaneamente a propriedade da parte restante que, de imediato, se destina à construção urbana, deixaremos de estar dentro do conceito de fraccionamento para passar para o de loteamento urbano, já que o que está em tabela é o elemento finalístico, o qual se não altera, seja qual for a parcela que se desanexe»[6].

Ouvido, no mesmo procedimento de recurso, o notário que havia lavrado a escritura pública dos actos de transmissão de propriedade, argumentou este, nos seguintes termos:

«a) A parcela desanexada para rectificação de estremas não constitui uma unidade predial, não assume autonomia enquanto tal, resultando a sua função de um interesse protegido por lei, já que o art.º 1377.º, alínea c), do Código Civil, o permite, afastando a proibição de fraccionamento;
b) Uma operação de loteamento, nos termos da definição constante do art.º 2.º, alínea i), do RJUE, aprovado pelo Dec-Lei n.º 555/99, de 16/12, implica a constituição de pelo menos um lote destinado à edificação urbana, resultante da divisão de um ou vários prédios, mas, para tal, é necessário que, a par dele subsista um outro prédio ou conjunto de prédios ou uma parte do prédio que, por força do desmembramento, ganhou individualidade;
c) A parcela legalmente desanexada (para rectificação de estremas) do prédio originário – o qual, sem dúvida, foi materialmente dividido – nunca chegou a ter, realmente, autonomia predial».

Chamado a pronunciar-se, o Conselho Técnico da então Direcção-Geral dos Registos e do Notariado (doravante apenas Conselho Técnico) emitiu, em 31 de Julho de 2003, por maioria dos seus membros, um parecer[7] em que concluiu pela seguinte forma:

«I – O fraccionamento de prédio que tiver por objecto a desintegração de uma parcela de terreno para rectificação de estremas, ainda que a parte restante seja destinada pelo eventual adquirente a construção urbana, não configura uma operação de loteamento, nos termos previstos no art. 2.º, alínea i), do Dec.-Lei n.º 555/99, de 16/12, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 177/01, de 4/06.
II – Essencial ao conceito de divisão como acção integrada na noção de operação de loteamento, constante daqueles artigo e alínea, é o fraccionamento do prédio originário em duas ou mais unidades prediais autónomas, em que uma delas, pelo menos, se destine, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana.
III – A parcela destacada para rectificação de estremas não revela autonomia predial, visando, como decorre do fim que presidiu ao fraccionamento, a alteração da configuração do prédio em cuja área vai ser integrada.»

O referido parecer foi objecto de homologação pelo então Director-Geral dos Registos e Notariado que, no entanto, atendendo às divergências de entendimento suscitadas no seio do próprio Conselho Técnico, sugeriu que fosse solicitado parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, com vista à «interpretação do direito e à uniformização de procedimentos».

4. Do parecer emitido pelo referido Conselho Técnico extraem-se, de entre outros, os seguintes fundamentos invocados em abono da tese que fez vencimento:

– A rectificação de estremas constituiu a finalidade primordial do negócio;
– Da divisão operada não resultou a constituição de lotes, ou mesmo de um lote, visto que a parcela desanexada destinada à rectificação de estremas não releva para o efeito;
– A parcela destacada de um anterior prédio rústico com vista à rectificação de estremas de um outro não apresenta autonomia predial, existindo apenas transitoriamente como objecto do negócio jurídico sendo o seu destino imediato a junção a outro prédio, que mantém a finalidade rústica, rectificando a sua configuração;
– Da operação de fraccionamento efectuada relativamente ao primeiro prédio não resultou alteração substancial porquanto se mantiveram dois prédios autónomos, como acontecia antes, embora com fisionomia diversa, já que um deles foi ampliado através da integração de uma parcela do outro, ficando este diminuído na respectiva área;
– O conceito de divisão acolhido no Decreto-Lei n.º 555/99 continua a implicar a constituição de mais do que um prédio ainda que só um se destine à edificação urbana;
– A declaração do comprador no sentido de destinar a parte sobrante do prédio rústico dividido à construção não apresenta “nexo de causalidade” com o fraccionamento nem foi esse o intuito que presidiu à divisão material operada: «a constituição eventual de um lote aparece, na situação concreta, como operação residual do destaque de parcela para rectificação de estremas (elemento finalístico) permitida por lei»;
– A mera declaração de vontade manifestada, relevando para efeitos fiscais ou para o exercício do direito de preferência, não se pode sobrepor à natureza rústica ou urbana, dependente sobretudo de factores objectivos emergentes do diploma que consagra as bases da política do ordenamento do território e do urbanismo ou de outros instrumentos de gestão territorial;
– Não é ao notário ou ao conservador, mas às câmaras municipais, que compete fiscalizar as situações que possam constituir operações de loteamento e verificar se estão reunidos os requisitos legalmente exigidos.

Em declaração de voto, um dos subscritores do parecer acrescentou, ainda, em abono da mesma solução:

– O fraccionamento para arredondamento de estremas tem enquadramento específico e excepcional no Código Civil no qual se não podem subsumir as regras sobre operações de loteamento previstas na lei;
– Se o prédio sobrante fosse transmitido em data posterior ao fraccionamento «já não se conjecturaria qualquer violação às regras dos loteamentos».

Em sentido diverso, escreveu-se em voto de vencido:

«1 – É operação de loteamento sujeita a licença ou autorização administrativas a acção que tenha por objecto ou por efeito a constituição de um lote destinado imediata ou subsequentemente à edificação urbana, que resulte da divisão de um prédio (cfr. arts 2.º, i) e 4.º, n.º 2, a), e n.º 3, a), do D.L. n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção do D.L. n.º 177/2001, de 4 de Junho) (...).
2 – Não constando da escritura pública que titula o negócio jurídico de que resulta a constituição de lote destinado à edificação urbana o número do alvará e a data da sua emissão pela câmara municipal, nos termos exigidos pelo art. 49.º, nº 1, do citado D.L. n.º 555/99, o registo do facto deverá ser efectuado provisoriamente por dúvidas (cfr. art. 70.º do C.R.P.) (...).
3 – O registo poderá ser convertido: a) em face de documento comprovativo do alvará emitido anteriormente à titulação do facto, ou b) comprovando-se que o fraccionamento do prédio – que teve por fim imediato a desintegração de um terreno para rectificação de estremas, nos termos do disposto na alínea c) do art. 1377.º do Cód. Civil – foi legalmente efectuado e que o mesmo prédio não está situado dentro de perímetro urbano ou em solo rural intervencionado através de plano municipal de ordenamento do território (cfr. arts.s 38.º e 41.º do mencionado D.L. n.º 555/99, e art. 91.º, 2, a) e n.º 3 , do D.L. n.º 380/99, de 22 de Setembro (...).»

5. Expostos os principais argumentos invocados a favor de cada uma das teses cujo confronto suscitou o pedido de parecer, cumpre emiti-lo, repete-se, à luz do ordenamento jurídico actualmente em vigor que, além do mais, alterou a definição de loteamento, eliminando o emparcelamento como uma das operações que lhe podem dar origem.


II

Impõe-se, em primeiro lugar, uma breve retrospectiva do conceito de loteamento consagrado nos diplomas legais que, sucessivamente, têm regulado a matéria, bem como dos traços gerais do respectivo regime de licenciamento, ilustrada com alguns contributos recolhidos na doutrina[8].

1. A primeira sistematização e regulamentação global das operações de loteamento urbano foi levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 29 de Novembro de 1965[9], num período em que a construção clandestina tinha atingido significativa dimensão, quase sempre, segundo a nota preambular, «a partir de loteamentos também clandestinos» e, muitas vezes, sem que estivessem asseguradas as indispensáveis infra-estruturas urbanísticas. Influenciado pela legislação francesa, pretendeu o legislador dotar as autoridades administrativas competentes dos meios legais que lhes permitissem uma eficiente intervenção nas operações de loteamento urbano, que passaram a exigir licenciamento municipal titulado por alvará.

O loteamento foi definido como «a operação ou o resultado da operação que tenha por objecto ou tenha tido por efeito a divisão em lotes de um ou vários prédios fundiários, situados em zonas urbanas ou rurais, para venda ou locação simultânea ou sucessiva, e destinados à construção de habitações ou de estabelecimentos comerciais ou industriais».

Segundo OSVALDO GOMES[10], para haver loteamento urbano exigiam-se, então, os seguintes requisitos cumulativos: «1.º – realização de uma operação urbanística; 2.º – divisão em lotes de um ou vários prédios fundiários; 3.º – destinar-se a venda ou locação simultânea ou sucessiva; 4.º – destinar-se à construção de habitações ou de estabelecimentos comerciais ou industriais».

Reconhecendo que o regime legal consagrado «deixava à margem de qualquer disciplina uma série de situações que, não se concretizando através de contratos de venda ou de locação, logravam, na prática, os mesmos efeitos»[11], o Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho, revogou aquele diploma anterior e consagrou o novo regime dos loteamentos urbanos[12] .

Pretendia-se alargar o conceito de loteamento mas o legislador adoptou a técnica de não o definir, antes delimitando o seu campo de aplicação pela seguinte forma: «A operação que tenha por objecto ou simplesmente tenha como efeito a divisão de qualquer área de um ou vários prédios, situados em zonas urbanas ou rurais, e destinados imediata ou subsequentemente à construção, depende de licença da câmara municipal da situação do prédio ou prédios, nos termos do presente diploma» (artigo 1.º).

Estando as operações de loteamento, bem como a celebração de negócios jurídicos relativos a terrenos por elas abrangidos, dependentes da prévia obtenção de alvará, exigia-se que nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos notariais relativos aos actos ou negócios atrás referidos se indicasse o número e data do alvará, sob pena de aqueles actos serem nulos e de não poderem ser sujeitos a registo (artigo 27.º).

Segundo MARIA DO PATROCÍNIO PAZ FERREIRA e LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA[13], este preceito «com o seu carácter preventivo-repressivo constituía a peça-chave da operacionalidade do diploma, permitindo uma reacção eficaz contra os loteamentos urbanos ilegais».

Seguiu-se o Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, que manteve a sujeição a licenciamento municipal das operações de loteamento definidas, pelo artigo 3º, como «todas as acções que tenham por objecto ou por efeito a divisão em lotes, qualquer que seja a sua dimensão, de um ou vários prédios, desde que pelo menos um dos lotes se destine imediata ou subsequentemente à construção urbana»[14].

De referir que este diploma isentava de licenciamento e não qualificava como operação de loteamento a celebração de negócio jurídico que tivesse como efeito a transmissão, através do seu destaque, de uma única parcela de prédio inscrito ou participado na matriz desde que fossem observadas determinadas condições. A figura do “destaque” manteve-se até ao presente pelo que a ela voltaremos, mais adiante, neste parecer.

Exigia-se (no mesmo sentido do que seria já a ratio do diploma anterior mas com uma versão textual mais clara[15]) que, nos títulos de arrematação, nos instrumentos judiciais e nos instrumentos notariais relativos a actos ou negócios que implicassem, directa ou indirectamente, o fraccionamento de prédios rústicos com constituição de lotes destinados à construção, ou urbanos com logradouros, constasse a data do alvará[16], devendo também os documentos ser exibidos no acto. Excepcionaram-se, contudo, expressamente, os casos de fraccionamento de terrenos destinados a constituir ou a ampliar logradouros de prédios urbanos bem como os resultantes de sucessão mortis causa.

Aquele normativo foi, por seu turno, revogado pelo Decreto-Lei n.º 448/91, de 29/11, através do qual se quis proceder a uma “reformulação profunda” do regime dos loteamentos urbanos e das obras de urbanização. Prosseguindo objectivos de simplificação procedimental, de transparência, de protecção de direitos dos promotores das respectivas operações, o novo diploma evidenciou, ainda, preocupações de preservação de valores ambientais e do ordenamento do território tendo presente que «as operações de loteamento urbano e as obras de urbanização constituem, seguramente, uma das formas mais relevantes de ocupação do solo».

Dispunha o artigo 1.º, n.º 1, em termos similares aos correspondentes dispositivos dos diplomas anteriores, que estavam sujeitas a licenciamento municipal as operações de loteamento e as obras de urbanização, e o artigo 3º manteve a mesma definição de operações de loteamento.

Dando expressão aos novos valores urbanísticos, numa perspectiva integrada do ordenamento do território, o artigo 8.º estabeleceu como princípio geral que «As operações de loteamento só podem realizar-se em áreas classificadas pelos planos municipais de ordenamento do território como urbanas ou urbanizáveis».

Manteve-se a isenção de licenciamento relativamente aos “destaques”.

Manteve-se, igualmente, a exigência de que, nos títulos de arrematação, nos instrumentos judiciais e nos instrumentos notariais relativos a actos ou negócios jurídicos de que resultasse directa ou indirectamente a divisão em lotes, ou a transmissão de lotes legalmente constituídos, devia constar o número do alvará, a data da sua emissão pela câmara municipal e a certidão do registo predial.

Não foi, contudo, mantida a excepção expressa relativamente ao fraccionamento de terrenos destinados a constituir ou a ampliar logradouros de prédios urbanos nem aos casos de sucessão mortis causa, omissão que suscitou dúvidas quanto à intenção que havia presidido ao legislador e que foi objecto do parecer deste Conselho n.º 46/92, de 29 de Outubro de 1992[17].

2. O actual regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, ao qual foram, entretanto, introduzidas diversas e significativas alterações[18].

Afirmava-se, no preâmbulo do diploma, que «as operações de loteamento e as obras de urbanização, tal como as obras particulares, concretizam e materializam as opções contidas nos instrumentos de gestão territorial, não se distinguindo tanto pela sua natureza como pelos seus fins». Optou-se, assim, pela regulação do conjunto daquelas operações urbanísticas através de um único diploma, tanto mais que – prosseguia aquele preâmbulo – «em regra, ambas são de iniciativa privada e a sua realização está sujeita a idênticos procedimentos de controlo administrativo».

As operações de loteamento, tal como as obras de urbanização, constituem efectivamente uma das formas de intervenção dos particulares na ocupação dos solos, tendo por isso importantes implicações em sede de ordenamento do território, de ambiente, de recursos naturais, da qualidade de vida das populações, etc. Daí a sua sujeição ao controlo preventivo da Administração que compreendia, na versão originária do diploma, a licença e a autorização[19].

No que mais especificamente releva no âmbito deste parecer, o regime introduzido por este diploma alargou o conceito de loteamento, definindo o artigo 2.º, alínea i), pela seguinte forma “operações de loteamento”: «acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento».

Consagrava, pois, o novo diploma, na redacção originária do artigo 2.º, a possibilidade de constituição de lotes não apenas através da divisão, mas também através de operações de emparcelamento ou de reparcelamento. Por outro lado, quanto à destinação dos lotes passou o legislador a referir a edificação urbana, conceito mais amplo que o de construção urbana, utilizado nos diplomas anteriores[20].

Foi à luz desse normativo que se colocou a questão que deu origem ao pedido de parecer e que foi elaborado o parecer anteriormente emitido por este Conselho Consultivo.

No entanto, mais tarde, com as alterações introduzidas ao artigo 2.º pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro (que entrou em vigor seis meses mais tarde), a alínea i) deixou de fazer alusão às operações de emparcelamento. As “operações de loteamento” passaram, então, a ser definidas pela seguinte forma: «acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento».

Esta definição manteve-se até à presente data, apesar de o diploma ter sofrido ainda outras alterações (sobretudo pelo Decreto-Lei n.º 26/2010), pelo que será à luz desta nova definição que se irá agora equacionar a resolução das questões colocadas.

2.1. O emparcelamento (urbano) – conceito que deixou de estar incluído no campo de aplicação da norma – era definido por FERNANDA PAULA OLIVEIRA e DULCE LOPES[21] como «toda a acção voluntária de anexação de prédios autónomos, da qual resulta a constituição de um lote, destinando-se este, imediata ou subsequentemente à construção urbana»[22].

Por seu turno, o reparcelamento é um dos instrumentos de execução dos planos de ordenamento do território e a sua noção, critérios e efeitos encontram-se previstos nos artigos 131.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro[23], que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial; o reparcelamento da propriedade é aí definido como «operação que consiste no agrupamento de terrenos localizados dentro de perímetros urbanos delimitados em plano municipal de ordenamento do território e na sua posterior divisão ajustada àquele, com a adjudicação dos lotes ou parcelas resultantes aos primitivos proprietários ou a outras entidades interessadas na operação».

O licenciamento da operação de reparcelamento tem como efeitos, nos termos do artigo 133.º, «a constituição de lotes para construção ou de parcelas para urbanização», «a substituição, com plena eficácia real, dos antigos terrenos pelos novos lotes ou parcelas», «a transmissão para a câmara municipal, de pleno direito e livre de quaisquer ónus ou encargos, de parcelas de terrenos para espaços verdes públicos e de utilização colectiva, infra-estruturas, designadamente arruamentos viários e pedonais e equipamentos públicos que, de acordo com a operação de reparcelamento, devam integrar o domínio público».

FERNANDA PAULA OLIVEIRA e DULCE LOPES[24] referiam que o reparcelamento é uma «operação urbanística de transformação fundiária que ocorre sempre que estejam em causa vários prédios e através da qual se altera a divisão inicial (aumentando ou diminuindo o número de lotes, desde que, neste último caso, não se trate da constituição de um só lote visto que aí estaremos já perante uma operação de emparcelamento)». E acrescentavam que se trata de uma operação complexa, que engloba o agrupamento de terrenos (emparcelamento) e a posterior divisão em lotes (loteamento), ou seja, uma operação que, sendo distinta e mantendo a autonomia relativamente àquelas outras, as envolve.

2.2. Na vigência da redacção originária da norma, e conforme adiante melhor desenvolveremos, era pacificamente aceite que os loteamentos de um só lote eram apenas aqueles que resultavam do emparcelamento.

Porém, a alínea i) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 555/99 foi objecto de alteração pela Lei n.º 60/2007, que eliminou a operação de emparcelamento como um dos modos de constituição de loteamentos; no entanto, não foi eliminada do texto da mesma norma a referência a loteamentos de um só lote, o que originou o novo pedido de parecer a fim de que este Conselho esclarecesse se mantinha a conclusão 2.ª do anterior parecer que, dizia expressamente: «Os loteamentos constituídos por um só lote são apenas aqueles que resultam do emparcelamento, enquanto anexação voluntária de prédios autónomos em um só lote; já a divisão (e o reparcelamento), enquanto acções de que resulta a formação de unidades prediais autónomas, darão sempre origem a loteamentos constituídos por, pelo menos, dois lotes».

Por outro lado, através da introdução de uma nova norma (n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 555/99), o legislador fez depender da vontade dos proprietários a sujeição a licenciamento dos actos de reparcelamento da propriedade de que resultem parcelas não destinadas imediatamente a urbanização ou edificação.

Na indagação das razões que presidiram a estas alterações legislativas, os trabalhos preparatórios da Lei n.º 60/2007[25] aludem sempre e apenas aos propósitos da simplificação e agilização de procedimentos, no âmbito mais geral do Programa denominado “Simplex”, bem como à facilitação dos actos e negócios jurídicos de transmissão da propriedade.

Na exposição de motivos que precedeu a respectiva proposta de lei diz-se, a dado passo:

«Também ao nível do regime dos loteamentos, emparcelamentos e reparcelamentos foi efectuado um apuramento das operações que de facto devem estar submetidas ao seu regime. Assim, eliminou-se do seu âmbito os meros emparcelamentos e fez-se depender a sujeição dos reparcelamentos a licenciamento da vontade dos titulares, sempre que as parcelas que dele resultem não sejam destinadas imediatamente a urbanização ou edificação».

E, da intervenção da deputada Cláudia Couto Vieira, retira-se, em abono das soluções propostas:

«Esta iniciativa, prosseguindo a implementação do Programa denominado Simplex, propõe uma reforma estruturante, ambiciosa e audaz do regime jurídico actualmente em vigor e tem como objectivo fundamental simplificar o procedimento de licenciamento urbanístico através da redefinição dos modelos de controlo prévio administrativo, introduzindo soluções compatíveis com o desenvolvimento económico, com o controlo da legalidade urbanística e com a utilização de novas tecnologias e formas de relacionamento entre as diversas entidades envolvidas».

E, mais adiante, após se referir expressamente à eliminação dos meros emparcelamentos e à sujeição dos reparcelamentos a licenciamento em função da vontade dos titulares, desde que as parcelas que daí resultem não se destinem imediatamente a urbanização ou edificação, afirmou: «Estas medidas irão encurtar de forma substancial o tempo de realização desses negócios e facilitar a transmissão da propriedade, com as consequências económicas que daí advêm».

Na doutrina (ainda escassa relativamente às questões suscitadas com estas alterações), FERNANDA PAULA OLIVEIRA justifica a restrição da noção de loteamento operada pela Lei n.º 60/2007 com razões de ordem prática, derivadas do conjunto de problemas suscitados pela submissão de um emparcelamento de prédios aos procedimentos de controlo preventivo e ao regime material previsto para as operações de loteamento; tais problemas decorriam, segundo a mesma Autora, em especial, da obrigatoriedade de aplicação de encargos urbanísticos que «claramente não se justificavam em operações de transformação fundiária tão simples»[26].

2.3. Também o regime de controlo prévio das operações de loteamento estabelecido no Decreto-Lei n.º 555/99 foi alterado pela Lei n.º 60/2007 e, ainda, pela Lei n.º 26/2010.

De facto, na redacção originária, que, no essencial, se manteve até à entrada em vigor da Lei n.º 60/2007, o controlo prévio das operações urbanísticas era feito através da concessão de licença ou de autorização. O n.º 2 do artigo 4.º sujeitava a licença administrativa, entre outras:

«a) As operações de loteamento em área não abrangida por plano de pormenor ou abrangida por plano de pormenor que não contenha as menções constantes das alíneas a), c), d), e) e f) do n.º 1 do artigo 91.º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro[27]».

E o n.º 3 sujeitava a autorização administrativa:

«a) As operações de loteamento em área abrangida por plano de pormenor que contenha as menções referidas na parte final da alínea a) do número anterior».

As alterações introduzidas em 2007 e em 2010, ditadas por uma preocupação de simplificação de procedimentos, determinaram que o controlo prévio das operações urbanísticas passasse a ser realizado através da licença, da autorização e da comunicação prévia; verificou-se uma redução dos casos sujeitos a autorização (tendência que se vinha já verificando) e a figura de comunicação prévia estendeu-se a várias situações e passou a constituir o regime regra, aplicável aos casos não expressamente dispensados de controlo prévio.

Nos termos do artigo 4.º, é o seguinte o regime de controlo prévio actualmente aplicável[28]:

«Artigo 4.º
Licença, comunicação prévia e autorização de utilização
1 – A realização de operações urbanísticas depende de controlo prévio, que pode revestir as modalidades de licença, comunicação prévia ou autorização de utilização, nos termos e com as excepções constantes da presente secção.
2 – Estão sujeitas a licença administrativa:
a) As operações de loteamento;
b) (...).
c) As obras de construção, de alteração ou de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor que contenha os elementos referidos nas alíneas c), d) e f) do n.º 1 do artigo 91.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial;
d) a f) (...).
3 – A sujeição a licenciamento dos actos de reparcelamento da propriedade de que resultem parcelas não destinadas imediatamente a urbanização ou edificação depende da vontade dos proprietários.
4 – Estão sujeitas a comunicação prévia as seguintes operações urbanísticas:
a) (...);
b) (...);
c) As obras de construção, de alteração ou de ampliação em área abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor que contenha os elementos referidos nas alíneas c), d) e f) do n.º 1 do artigo 91.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial;
d) a h) (...).
5 – (...).»

Recorde-se que a norma do n.º 3, acima transcrita, é completamente inovadora e foi justificada igualmente pela simplificação e “encurtamento” do tempo de realização dos respectivos negócios e consequente “facilitação” da transmissão da propriedade.

2.4. Interessa, ainda, no âmbito do parecer, referir os casos que têm sido objecto de dispensa de licença ou autorização (na redacção originária do diploma) ou de isenção de controlo prévio (segundo a terminologia actual). Assim, têm sido abrangidos por tal dispensa ou isenção, nos termos do artigo 6.º, entre outros casos, as obras de conservação, as obras de alteração no interior dos edifícios ou suas fracções (sob certas condições), os destaques e determinadas obras de escassa relevância urbanística.

Entre as situações abrangidas pela isenção a figura do “destaque” merece uma especial referência. À semelhança dos regimes legais anteriormente vigentes trata-se de uma isenção fundamentada na simplicidade da operação em causa.

Dispõem, nesta parte, os n.ºs 4 e seguintes do artigo 6.º do diploma em análise, nos seguintes termos:

«(...)
4 – Os actos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial que se situe em perímetro urbano estão isentos de licença desde que as duas parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos.
5 – Nas áreas situadas fora dos perímetros urbanos, os actos a que se refere o número anterior estão isentos de licença quando, cumulativamente, se mostrem cumpridas as seguintes condições:
a) Na parcela destacada só seja construído edifício que se destine exclusivamente a fins habitacionais e que não tenha mais de dois fogos;
b) Na parcela restante se respeite a área mínima fixada no projecto de intervenção em espaço rural em vigor ou, quando aquele não exista, a área de unidade de cultura fixada nos termos da lei geral para a região respectiva.
6 – Nos casos referidos nos n.ºs 4 e 5, não é permitido efectuar, na área correspondente ao prédio originário, novo destaque nos termos aí referidos por um prazo de 10 anos contados da data do destaque anterior.
7 – O condicionamento da construção bem como o ónus do não fraccionamento, previstos nos n.ºs 5 e 6 devem ser inscritos no registo predial sobre as parcelas resultantes do destaque, sem o que não pode ser licenciada ou comunicada qualquer obra de construção nessas parcelas.
8 – (...).
9 – A certidão emitida pela câmara municipal comprovativa da verificação dos requisitos de destaque constitui documento bastante para efeitos de registo predial da parcela destacada.
10 – (...).»

FERNANDA PAULA OLIVEIRA[29], referindo-se à figura do “destaque”, e considerando que se trata de «uma operação de loteamento que, por ser tão simples, fica isenta de prévio controlo municipal, desde que cumpra com determinados requisitos», afirma que uma operação de loteamento que justifique uma isenção de controlo por ser verdadeiramente simples é apenas aquela de que resultam somente dois lotes. A mesma Autora e DULCE LOPES[30] referiam, ainda, que, embora a lei não fosse expressa, se devia continuar a considerar que do destaque apenas podem resultar duas parcelas e não mais.

2.5. Prosseguindo a análise do diploma em vigor, mostra-se conveniente transcrever o disposto no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 555/99 (“Localização”), que reflecte uma perspectiva integrada das operações de loteamento no âmbito mais global do ordenamento do território e da planificação urbanística:

«As operações de loteamento só podem realizar-se nas áreas situadas dentro do perímetro urbano e em terrenos já urbanizados ou cuja urbanização se encontre programada em plano municipal de ordenamento do território.»

E o artigo 42.º, nº 1:

«O licenciamento de operação de loteamento que se realize em área não abrangida por qualquer plano municipal de ordenamento do território está sujeito a parecer prévio favorável da CCDR, ao qual se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 13.º.»

E merecem ainda referência, no âmbito deste parecer, as seguintes disposições do mesmo diploma legal:
«Artigo 49.º
Negócios jurídicos
«1 – Nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos notariais relativos a actos ou negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, a constituição de lotes nos termos da alínea i) do artigo 2.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 6.º e 7.º, ou a transmissão de lotes legalmente constituídos, deve constar o número do alvará, a data da sua emissão pela câmara municipal e a certidão do registo predial.
(...).»
«Artigo 50.º
Fraccionamento de prédios rústicos
1 – Ao fraccionamento de prédios rústicos aplica-se o disposto nos Decretos-Leis n.ºs 384/88, de 25 de Outubro, e 103/90, de 22 de Março[31].
2 – Os negócios jurídicos de que resulte o fraccionamento ou divisão de prédios rústicos são comunicados pelas partes intervenientes à câmara municipal do local da situação dos prédios, a qual promove a comunicação dos mesmos ao Instituto Geográfico Português.
3 – A comunicação a que se refere o número anterior é efectuada no prazo de 20 dias a contar da celebração do negócio.»
«Artigo 51.º[32]
Informação registral
O conservador do registo predial remete mensalmente à CCDR, até ao dia 15 de cada mês, cópia dos elementos respeitantes às operações de loteamento e respectivos anexos cujos registos tenham sido requeridos no mês anterior.»


III

1. Na sequência do regime introduzido pelo Decreto-Lei n.º 555/99, a doutrina assinalou que o punctum saliens do conceito de loteamento deixou de ser a divisão fundiária para passar a ser a transformação fundiária.

De facto, tradicionalmente, a divisão do prédio (ou o fraccionamento) era o elemento preponderante da operação de loteamento.

Na vigência da legislação anterior a 1999 não oferecia dúvidas que no preenchimento do conceito de operação de loteamento estava implicada a criação de mais do que um lote. Quer a doutrina, quer a jurisprudência davam como assente esse elemento, considerado conatural ao conceito material de loteamento.

OSVALDO GOMES[33] salientava que, para haver divisão, é necessário que esteja em causa uma propriedade contínua, podendo a divisão abranger prédios pertencentes a proprietários diferentes e sendo admissíveis loteamentos parciais, ou seja, aqueles que apenas incidem sobre uma parte do prédio. O mesmo Autor distinguia entre divisão material e divisão jurídica, decorrendo a primeira de «simples actos materiais que conduzam à divisão do prédio em lotes, mesmo quando permaneçam na titularidade da mesma pessoa», e havendo divisão jurídica quando «o objecto do negócio ou o seu efeito seja a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios».

E evidenciava que o loteamento não é, face à nossa lei, um mero «somatório de unidades interdependentes e autónomas, mas de lotes destinados a conservar, apesar da sua fragmentação, uma verdadeira coesão resultante do plano de conjunto preestabelecido», acrescentando que estavam excluídas do regime de loteamentos urbanos as situações em que, havendo embora divisão jurídica da propriedade, não haja lugar à formação de unidades autónomas.

Tenha-se, aliás, em conta a definição de loteamento dada pelo Autor: «operação urbanística de divisão de um ou vários prédios em parcelas autónomas, de qualquer área, destinadas, imediata ou subsequentemente, à construção, sujeita a prévia autorização ou licenciamento dos órgãos administrativos competentes e de que resultam alterações na titularidade, objecto e limites dos direitos reais que incidem sobre o referido prédio ou prédios»[34].

ALVES CORREIA[35], numa análise comparativa entre o conceito legal de loteamento na ordem jurídica portuguesa e na ordem jurídica francesa, referia também que, entre nós, a lei não impunha um número mínimo de lotes («bastam dois») nem determinada área para cada um deles. E distinguia entre o loteamento acção e o loteamento resultado consoante a destinação para construção urbana fosse imediata ou subsequente, respectivamente.

No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, designadamente pelos acórdãos de 14 de Outubro de 1993 e de 22 de Outubro de 1999[36], concluindo o primeiro que «não constitui loteamento urbano a divisão de prédio comum em que só um dos lotes seja afecto à construção» e que «não pode falar-se de loteamento num caso de divisão de terreno rústico de 3600 metros quadrados em dois lotes, um dos quais se destinou à construção de uma moradia e o outro manteve o seu destino rústico». E escreveu-se, no segundo aresto, que o requisito de divisão jurídica ou material de um ou vários prédios em lotes ou parcelas, exigida para o preenchimento de uma operação de loteamento no âmbito do Decreto-Lei n.º 400/84, «apenas se tem por preenchido quando da operação de divisão de um ou vários prédios até aí indivisos, resultarem, ou surgirem parcelas autónomas, ou lotes, sob pena de se estar a defraudar o regime e fim legais dos loteamentos definidos pelo legislador».

As hipóteses de desanexação de uma só parcela de terreno destinada à construção eram consideradas como não sujeitas ao regime jurídico dos loteamentos[37]. Conforme referia OSVALDO GOMES[38], só uma segunda divisão, com o mesmo fim, constituiria um loteamento urbano, admitindo que «(...) a lei consagra a livre alienação do primeiro lote destinado à construção (...)».

Vejamos alguns dos casos indicados pelo mesmo Autor como exemplos de inexistência de loteamento:

– não constitui loteamento a desanexação de uma só parcela de um prédio rústico para construção, pois que não existe divisão em lotes destinados imediata ou subsequentemente à construção, mas existe apenas um lote com tal destino;

– não há divisão em lotes nem loteamento se o proprietário de um prédio urbano com logradouro aí ergue uma construção, pois que o terreno onde se implanta a construção anterior já tinha essa destinação[39];

– não há loteamento se o destino da divisão for o de rectificar estremas, ou se, desanexada uma parcela para rectificação de estremas, houver posteriormente uma divisão para fins de uma construção; só se a parcela desanexada for posteriormente destinada à construção haverá loteamento, pois que se permite tal afectação subsequente.

Do mesmo modo, refere FERNANDO CONDESSO[40]: «quando o proprietário de um terreno fizer uma só construção e não haja loteamento, a licença de construção não pode ser recusada com fundamento em falta de loteamento, que só procederá se vier depois a pretender-se efectivar uma segunda construção, sem prejuízo dos direitos adquiridos. Neste caso de destaque, há no entanto loteamento quando o proprietário pretende realizar no mesmo prédio, uma segunda construção, isto é, ao todo, duas ou mais construções».

2. Este entendimento, pacificamente aceite no domínio da legislação anterior a 1999, não se alteraria radicalmente com o alargamento do conceito de loteamento introduzido pelo Decreto-Lei n.º 555/99, na sua redacção originária, apesar de o artigo 2.º, alínea i), se referir já a loteamentos de um só lote. Recorde-se a definição legal de “operações de loteamento” que constava desse preceito legal: «acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou reparcelamento».

De facto, conjugando a introdução da menção a “um ou mais lotes” (onde antes se falava apenas em lotes), com a introdução de novas actividades que poderão estar na génese da constituição dos lotes – o emparcelamento e o reparcelamento, onde antes se previa apenas a divisão – e tomando em conta o conteúdo destas novas actividades, designadamente da primeira («anexação de prédios autónomos, da qual resulta a constituição de um lote»), concluía-se que, pela natureza das actividades em causa, os loteamentos de um só lote tinham a sua origem em acções de emparcelamento urbano, e que, sendo as operações originárias a divisão ou o reparcelamento de propriedade (que compreende materialmente um emparcelamento seguido de uma divisão) se continuava a exigir a constituição de, pelo menos, dois lotes[41].

FERNANDA PAULA OLIVEIRA e DULCE LOPES[42], após darem conta de que a noção legal de loteamento urbano introduzida pelo Decreto-Lei n.º 555/99, na versão originária, era «a mais ampla de todas», referiam que a mesma abrangia todas as operações de transformação ou de recomposição fundiárias que podiam ser agrupadas em três categorias: loteamentos em sentido estrito (divisão jurídica em lotes de um só prédio); emparcelamentos (unificação de vários prédios num só lote); reparcelamentos (transformação fundiária de vários prédios em vários lotes, quer o número de lotes seja superior ao número de prédios preexistentes, quer seja inferior – excluindo a situação de emparcelamento).

E consideravam que a divisão jurídica da propriedade que está em causa nos loteamentos urbanos era (face ao Decreto-Lei n.º 555/99) aquela que «dá lugar à formação de unidades autónomas, isto é, a que dá origem a novos prédios urbanos perfeitamente individualizados e objecto de direito de propriedade nos termos gerais».

Acresce que o legislador de 1999 continuou a isentar de licença (ou de autorização), sob certas condições, os destaques de uma só parcela de prédio com descrição predial, proibindo a efectivação de novo destaque na parte restante no prazo de dez anos, o que conferia actualidade à anterior doutrina que considerava que só com a realização de uma segunda construção se estava perante uma operação de loteamento, com as devidas consequências.

Do mesmo modo, manteve actualidade o entendimento de que não era havido como loteamento «o fraccionamento fundiário que visa outras finalidades, como a rectificação de estremas dos prédios», já que se continuava a exigir que, pelo menos, um dos lotes constituídos se destinasse à edificação urbana.

3. Vejamos, então, se a mesma doutrina se mantém, agora, face à nova redacção da alínea i) do artigo 2.º que, tendo eliminado o emparcelamento como uma das operações que poderiam estar na base do loteamento, continuou contudo a referir-se à constituição de um ou mais lotes.

Uma hipótese que se pode colocar é a de aquela referência ter ficado na norma, por mera inadvertência do legislador, tendo deixado contudo de ter correspondência prática já que, fora dos emparcelamentos, não haveria possibilidade de se constituir um só lote.

Essa hipótese conforta-se com a omissão, nos trabalhos preparatórios da lei, de qualquer elemento revelador da intenção do legislador de alterar os modelos estruturantes ou de introduzir diferentes conceitos básicos.

Outra perspectiva é, porém, defendida por FERNANDA PAULA OLIVEIRA[43].

Segundo esta Autora, a alusão do legislador a loteamentos de um só lote, apesar de ter excluído o emparcelamento como modo da sua constituição, «corresponde a uma novidade em termos de definição legal, na medida em que tal situação apenas era legalmente referida quando ao conceito eram reconduzidos os emparcelamentos». E defende que essa opção se prende com «a noção de lote que é pressuposto deste novo diploma», que corresponde a «unidades prediais com um estatuto urbanístico preciso, por conter uma edificabilidade definida e estabilizada: lote é a nova unidade predial que pode ser objecto autónomo de negócios jurídicos privados e para o qual é definida uma concreta área de construção, área de implementação, número de pisos e número de fogos (alínea e) do n.º 1 do artigo 77.º)»[44].

No essencial, e segundo esta tese, «uma unidade predial (terreno) com o estatuto de lote não equivale a uma unidade predial (terreno) que não tenha esse estatuto». O elemento diferenciador das primeiras é o seu destino («imediata e subsequentemente») à edificação; já as segundas unidades prediais, sem estatuto de lote, ainda que genericamente admitam edificação, exigirão outros actos de gestão urbanística que definam essa possibilidade e os termos da sua efectivação.

Por outro lado, a Autora que vimos seguindo, define loteamento, em sentido estrito, como «conduta voluntária que dá origem à formação de unidades prediais autónomas (novos prédios urbanos perfeitamente individualizados e objecto de direito de propriedade nos termos gerais), as quais se destinam imediata e subsequentemente a edificação urbana». E conclui que os loteamentos são, “precisamente”, «as operações de transformação fundiária que dão origem a lotes destinados à construção urbana, ainda que apenas a um»[45].

Em contrapartida, não serão operações de loteamento, as que se traduzam «numa mera divisão fundiária, que, não obstante dar origem a novas unidades prediais – que terão a capacidade edificativa que em cada momento os instrumentos de planificação lhe defiram – não criam lotes urbanos (isto é, novas unidades prediais com uma capacidade edificativa precisa e estabilizada por acto administrativo)».

Noutra perspectiva, e dada a circunstância de nem todas as operações de transformação fundiária corresponderem a operações urbanísticas – podendo também não ser essa a intenção dos seus promotores (designadamente em casos de divisão de terrenos resultante de outros negócios ou actos jurídicos como vendas, partilhas, divisão de coisa comum, etc.) – considera também a Autora que não é aceitável a sujeição de tais operações ao controlo administrativo dos municípios, através dos procedimentos previstos para as operações urbanísticas.

Este entendimento pode, efectivamente, justificar a norma introduzida pelo legislador (n.º 3 do artigo 4.º do diploma), que deixa na disponibilidade dos proprietários a sujeição a licenciamento das operações de reparcelamento que não tenham em vista a imediata edificação. Tais reparcelamentos seriam assim operações de transformação fundiária mas não operações de loteamento, e as parcelas deles resultantes não seriam lotes; e de facto o legislador não se lhes refere como lotes mas apenas como parcelas.

O mesmo entendimento conforta-se, ainda, com a intenção, anunciada pelo legislador, de facilitar os actos e negócios jurídicos de transmissão de propriedade.

4. Apesar de se reconhecer a coerência lógica da tese exposta, a solução das questões colocadas na presente consulta não impõe que a mesma seja, desde já, seguida. De facto, seja qual for o entendimento que se adopte quanto à susceptibilidade de serem constituídos, actualmente, por divisão ou reparcelamento, loteamentos de um só lote, esse entendimento não é determinante para a solução da situação que nos é colocada, já que em nenhum dos casos se estará perante uma operação de loteamento.

Sendo a desanexação de uma parcela de um prédio rústico destinada à rectificação de estremas – e não havendo elementos que indiciem uma hipótese de fraude nesta declaração – a parte sobrante não constitui uma unidade predial autónoma de modo a ser caracterizável como lote e elemento constituinte de um loteamento urbano. E isso quer na tradicional acepção de lote, como mera unidade predial autónoma, sinónimo de talhão, fracção, parcela (segundo a qual todos os loteamentos constituídos por divisão ou reparcelamento teriam de ter mais de um lote), quer na acepção de lote como unidade predial autónoma destinada de modo concreto e efectivo à edificação (segundo a qual poderia haver loteamentos resultantes de operações de divisão ou reparcelamento com apenas um lote, na medida em que apenas relativamente a uma das unidades prediais autónomas constituídas, se verificasse a efectiva destinação à edificação urbana).

Em nenhuma das acepções a referida parte sobrante do prédio rústico fraccionado teria tal estatuto e virtualidade.

Na caracterização da figura de loteamento assume preponderância o factor “coesão” de diversas unidades em função da operação urbanística planeada. Ou, como refere OSVALDO GOMES[46], exige-se uma “visão de conjunto”, o que exclui do conceito de loteamento as divisões que não apresentem entre si uma conexão, ou seja, «que não criem urbanismo».

Naturalisticamente, subjaz à ideia de loteamento, um “talhamento” do terreno através do qual se constituem parcelas autónomas, «com possibilidade de vida própria»[47], embora ligadas pela afectação à realização urbanística em vista. E isso independentemente de uma só dessas parcelas ou várias delas serem efectivamente destinadas à construção.

No caso em apreço, desanexada que foi uma parcela do prédio, na sua primitiva configuração, com vista à rectificação de prédio contíguo, a venda simultânea da parte sobrante – que continua a ser o mesmo prédio, embora com a sua área reduzida – ainda que destinada pelo adquirente à construção urbana, não constitui a criação de uma nova unidade predial autónoma nem se insere num tal contexto urbanístico. Note-se, aliás, que se essa parte sobrante permanecesse na titularidade do primitivo proprietário ou se fosse objecto de transmissão em momento posterior, e ainda que em qualquer das hipóteses viesse a ser destinada à construção, não se colocaria a hipótese de se estar a realizar uma operação de loteamento, pois não se patenteava já o elemento “divisão”.

Estamos perante um mero fraccionamento de prédio rústico, e o acto de transmissão de propriedade efectuado não deve ser configurado como operação de loteamento, por não reunir os respectivos pressupostos. Aliás esta solução está de acordo com os desideratos de simplificação e facilitação dos actos e negócios de transmissão da propriedade, que o legislador exprimiu, bem como com a sua vontade de não “empurrar” os proprietários para a promoção de complexas operações urbanísticas que não pretendem realizar[48].


IV

Passemos agora à ponderação das questões subsequentes, designadamente as que se prendem com a “pertinência” dos prédios abrangidos por operações de loteamento a perímetro urbano ou a solo rural intervencionado através de plano municipal de ordenamento do território, e com a consequente relevância ou irrelevância da declaração de vontade manifestada pelo adquirente no sentido de destinar a parcela adquirida à construção.

1. A Constituição da República Portuguesa estabelece no seu artigo 65.º, nº 4, que «O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística.»

Através do ordenamento do território são prosseguidos objectivos globais, que visam uma organização integrada dos espaços; por seu turno o urbanismo, enquanto disciplina jurídica, estabelece as normas sobre intervenção e utilização dos solos, sobretudo no que respeita à edificação e à infraestruturação que se mostram condicionadas, a montante, «por um variado e heterogéneo conjunto de regimes que devem obter uma expressão unitária, e operativa, no chamado direito do ordenamento do território»[49].

As bases da política do ordenamento do território e do urbanismo encontram-se consagradas na Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto, e foram desenvolvidas pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro[50]. Nos termos do artigo 1.º, n.º 2, do primeiro diploma, «a política de ordenamento do território e urbanismo define e integra as acções promovidas pela Administração Pública, visando assegurar uma adequada organização e utilização do território nacional, na perspectiva da sua valorização, designadamente no espaço europeu, tendo como finalidade o desenvolvimento económico, social e cultural integrado, harmonioso e sustentável do País, das diferentes regiões e aglomerados urbanos».

Entre os objectivos prosseguidos pela política de ordenamento do território e do urbanismo, enunciados no artigo 6.º daquele primeiro diploma, inscrevem-se a promoção da «melhoria das condições de vida e de trabalho das populações, no respeito pelos valores culturais, ambientais e paisagísticos», «a preservação e defesa dos solos com aptidão natural ou aproveitados para actividades agrícolas, pecuárias ou florestais (...)», «a rentabilização de infra-estruturas...», «a recuperação ou reconversão de áreas degradadas», «a reconversão de áreas urbanas de génese ilegal».

A política do ordenamento do território e do urbanismo assenta no sistema de gestão territorial que se organiza nos planos nacional, regional e municipal; este último define «de acordo com as directrizes de âmbito nacional e regional, e com opções próprias de desenvolvimento estratégico, o regime de uso do solo e a respectiva programação».

A ocupação, utilização e transformação dos solos subordinam-se aos fins, princípios e objectivos prosseguidos pela política do ordenamento do território e devem conformar-se com o regime de uso definido nos instrumentos de planeamento territorial (artigo 14.º). O regime de uso do solo é, por sua vez, definido em instrumentos de planeamento territorial mediante a sua classificação e qualificação; a classificação assenta na distinção fundamental entre solo urbano e solo rural e determina o destino básico dos terrenos (artigo 15.º).

Entende-se por solo rural «aquele para o qual é reconhecida vocação para as actividades agrícolas, pecuárias, florestais ou minerais, assim como o que integra os espaços naturais de protecção ou de lazer, ou que seja ocupado por infra-estruturas que não lhe confiram o estatuto de solo urbano»; por seu turno entende-se por solo urbano «aquele para o qual é reconhecida vocação para o processo de urbanização e de edificação, nele se compreendendo os terrenos urbanizados ou cuja urbanização seja programada, constituindo o seu todo o perímetro urbano» (ainda artigo 15.º da Lei n.º 48/98).

A classificação do solo como urbano permite, pois, a definição do perímetro urbano e a inserção em categorias que possibilitam as operações de urbanização e de edificação.

A qualificação dos solos regula, com respeito pela sua classificação básica, «o aproveitamento dos terrenos em função da actividade dominante que neles possa ser efectuada ou desenvolvida, estabelecendo o respectivo uso ou edificabilidade».

Conforme se referiu, o sistema de gestão territorial desenvolve-se no âmbito nacional, regional e municipal. No âmbito municipal é concretizado através dos planos intermunicipais e dos planos municipais de ordenamento do território, compreendendo estes últimos os planos directores municipais, os planos de urbanização e os planos de pormenor.

Os planos municipais de ordenamento do território (que mais relevam no âmbito deste parecer) são instrumentos de natureza regulamentar, aprovados pelos municípios, que vinculam quer as entidades públicas, quer os particulares e que, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, do Decreto-Lei nº 380/99, estabelecem, «no quadro definido pelos instrumentos de gestão territorial cuja eficácia condicione o respectivo conteúdo, os parâmetros de ocupação e de utilização do solo adequados à concretização do modelo de desenvolvimento adoptado».

O plano director municipal (PDM), cuja disciplina jurídica consta do artigo 84.º e seguintes do mesmo decreto-lei, define o modelo de organização municipal do território, estabelecendo, nos termos do artigo 85.º, designadamente, «a caracterização económica, social e biofísica, incluindo a da estrutura fundiária da área de intervenção», «a definição e caracterização da área de intervenção...», «a referenciação espacial dos usos e das actividades nomeadamente através da definição das classes e das categorias de espaços», «a definição de estratégias para o espaço rural identificando aptidões, potencialidades e referências aos usos múltiplos possíveis», «a identificação e delimitação dos perímetros urbanos, com a definição do sistema urbano municipal».

Por seu turno, o plano de urbanização concretiza, para «uma determinada área do território municipal, a política de ordenamento do território e de urbanismo, fornecendo o quadro de referência para a aplicação das políticas urbanas e definindo a estrutura urbana, o regime de uso do solo e os critérios de transformação do território», e pode abranger «qualquer área do território do município incluída em perímetro urbano por plano director municipal eficaz e ainda o solo rural complementar de um ou mais perímetros urbanos, que se revele necessário para estabelecer uma intervenção integrada de planeamento» (artigo 87.º).

Finalmente, o plano de pormenor «desenvolve e concretiza propostas de organização espacial de qualquer área do território municipal, definindo com detalhe a concepção da forma de ocupação e servindo de base aos projectos de execução das infra-estruturas, da arquitectura dos edifícios e dos espaços exteriores, de acordo com as prioridades estabelecidas nos programas de execução constantes do plano director municipal e do plano de urbanização»; pode, ainda, «desenvolver programas de acção territorial» (artigo 90.º).

2. A planificação urbanística constitui, actualmente, o modelo de definição dos modos de utilização e do destino dos solos e determina a conformação do direito de propriedade do solo. Daí que se fale no “princípio da reserva do plano”.

Como refere ALVES CORREIA[51], «a escolha do destino e dos modos de utilização dos solos foi transferida para o plano urbanístico». Citando a doutrina alemã, «o actual direito dos solos passou a ser regido por um novo princípio: o da repartição do poder sobre o solo entre a comunidade política – representada pelos municípios – e o proprietário», podendo dizer-
-se que «objecto do direito de propriedade não é hoje mais o solo em si, mas, em certo sentido, o solo “planificado”».


Decorre dos princípios que inspiram o ordenamento do território e o urbanismo que se considera hoje ultrapassada a concepção do jus aedificandi como uma componente necessária do direito de propriedade do solo; predomina na doutrina e na jurisprudência a aceitação de que, como se escreveu em acórdãos do Tribunal Constitucional, «atenta a função social da propriedade privada e os relevantes interesses públicos que confluem na decisão de quais sejam os solos urbanizáveis, o direito de edificar vem, assim, a ser inteiramente modelado pelos planos urbanísticos»[52].

A classificação do solo como urbano define, como vimos, o perímetro urbano e permite a sua inserção em categorias que possibilitam as operações urbanísticas. Assim, estas operações estão subordinadas às definições e delimitações estabelecidas pelos planos de gestão urbanística, designadamente pelos planos municipais de ordenamento do território.

A “vinculação situacional do solo” é, pois, um dado incontornável e daí, pensa-se, a relevância dada pela entidade consulente à “pertinência“ do prédio «a área situada dentro do perímetro urbano ou solo rural intervencionado, através de plano municipal de ordenamento do território» colocando concretamente a questão de tal “pertinência” integrar a noção legal de loteamento.

3. É à luz dos princípios expostos, que relevam do interesse público e que conformam o direito de propriedade, que se há-de enquadrar a exigência do artigo 41.º do Decreto-Lei nº 555/99, no sentido de que as operações de loteamento só podem ter lugar em áreas situadas no perímetro urbano e em terrenos já urbanizados ou cuja urbanização se encontre programada em plano municipal do ordenamento do território.

Recorde-se que os procedimentos prévios aplicáveis – de licença administrativa ou comunicação prévia – e o seu grau de exigência e formalismo variam consoante a operação esteja ou não prevista em plano de pormenor com determinadas menções.

Recorde-se, também, que o artigo 42.º admite a possibilidade de tais operações terem lugar em área não abrangida por plano municipal de ordenamento do território, exigindo, nesse caso, parecer prévio favorável da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional; por outro lado, o artigo 38.º do mesmo diploma legal determina a aplicação aos empreendimentos turísticos do regime jurídico das operações de loteamento (sempre que se pretenda efectuar a divisão jurídica do terreno em lotes), mas excepciona a aplicação do disposto no artigo 41.º.

Assim, embora com excepções expressamente previstas, não oferece dúvidas que a situação e classificação dos solos, de acordo com as definições e delimitações emergentes dos planos municipais de ordenamento do território, condicionam a realização de operações de loteamento, podendo ditar a sua inviabilidade.

Na expressão de ALVES CORREIA[53]:
«O condicionamento da realização de operações de loteamento e de obras de urbanização e a sua sujeição a licenciamento municipal pressupõem a superação do princípio da liberdade de divisão fundiária, enquanto faculdade inerente ao direito de propriedade do solo. A necessidade de assegurar que os loteamentos urbanos se localizem nas áreas mais adequadas, sob o ponto de vista do ordenamento do território, bem como a exigência de que as parcelas colocadas pelo loteador à disposição do adquirente de lotes para construção estivessem dotadas das infra-estruturas urbanísticas necessárias foram as causas do aparecimento, nos vários países europeus, de uma disciplina jurídica integral dos loteamentos urbanos e do estabelecimento de fortes restrições a este tipo de actividade urbanística dos particulares».

A “pertinência” (no sentido de localização[54]) dos prédios a solo incluído no perímetro urbano ou em solo rural intervencionado, não constitui um dos elementos ou pressupostos objectivos presentes na noção legal de operação de loteamento, tal como é definida pelo artigo 2.º, alínea i), do Decreto-Lei nº 555/99. Contudo, resulta da disciplina global do diploma e de uma compreensão integrada das disposições relevantes do sistema de ordenamento do território e urbanismo, bem como das finalidades que prossegue, que, de um modo geral, subjaz à actual noção de loteamento a localização do prédio ou prédios a lotear em solos assim caracterizados pelos instrumentos de gestão territorial.

4. Não se nos afigura, contudo, que daí resulte a total irrelevância da vontade manifestada pelo proprietário ou, in casu, pelo adquirente no acto da escritura. Por um lado, é o próprio conceito legal de loteamento que inclui um elemento de ordem subjectiva, volitivo, que consiste na intenção de construir ou edificar; por outro lado, poderá haver construção ou edificação fora de uma operação de loteamento, designadamente nos casos de destaques ou outros igualmente isentos de licença de loteamento[55].

A vontade manifestada pelo adquirente assume importância já que, associada aos demais elementos de ordem objectiva, permite determinar a operação que está em causa e, consequentemente, definir quais as formalidades e exigências aplicáveis, designadamente em sede de escritura e registo.

Relevam, então, as normas que impõem aos notários ou aos conservadores de registo predial a verificação dos requisitos legais exigidos, designadamente, no caso de operações de loteamento, a existência de licença administrativa titulada por alvará e lhes impõem o dever de não celebrar as escrituras ou de recusar os registos (ou o de os realizar provisoriamente, por dúvidas) em caso de os mesmos se não mostrarem preenchidos.

Conforme referem ainda FERNANDA PAULA OLIVEIRA e DULCE LOPES[56], sempre que os actos ou negócios jurídicos celebrados possam ser qualificados como recondutíveis à noção de loteamento urbano, «o notário terá que se recusar a celebrar o acto notarial se antes não tiver sido desencadeado o procedimento administrativo de licenciamento ou autorização e emitido o respectivo alvará, efectuando assim, também, um controlo preventivo das operações em causa, de forma a evitar a concretização de loteamentos clandestinos».

Refere, aliás, o Conselho Técnico, em outro parecer emitido[57], que aceita «sem qualquer constrangimento» que os actos ou negócios jurídicos de que resulte a divisão ou uma nova divisão no caso de reparcelamento em lotes destinados a edificação sejam nulos. E ainda: «(...) parece-
-nos que o negócio de que resulte a divisão fundiária será legalmente impossível se os lotes se situarem em solo rural não intervencionado, e será contrário à lei se os prédios de que resulte a divisão fundiária não licenciada se situarem em perímetro urbano ou em solo rural intervencionado. Em ambos os casos a sanção será a nulidade (artigo 280.º, n.º 1, CC)»
[58].

Do exposto decorre que, quando está em causa uma operação de loteamento, a vontade manifestada pelo adquirente no acto da escritura quanto à finalidade ou destino que pretende dar ao terreno não é irrelevante. Não no plano da constituição de direitos (pois que não será essa declaração de vontade que legitima o uso ou destino pretendidos), mas na medida em que a vontade manifestada contém indicadores relevantes ou essenciais quanto às exigências de validade do negócio, que, implicando uma operação de loteamento, pressupõe a existência de uma licença administrativa titulada por alvará e impõe a sua identificação, nos termos previstos no artigo 49.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 555/99.

A vontade manifestada pelo adquirente será, pois, relevante para a dimensão preventiva da actividade notarial ou registral, que não admite a celebração ou o registo de actos nulos, bem como para a determinação dos formalismos a observar.

5. Já quando apenas está em causa a transmissão de um prédio rústico reduzido na sua área inicial – fora de uma operação de loteamento –não valem, face à declaração do adquirente no sentido de o destinar à construção, as mesmas considerações.

De facto, diferentemente do que acontece com os actos ou negócios de que resulte a constituição de lotes ou a transmissão de lotes já constituídos, bem como em outros casos especificamente previstos[59], o legislador não exige para a realização desse negócio e para a celebração da respectiva escritura notarial a existência ou a apresentação de documento que titule o licenciamento da operação pretendida pelas entidades administrativas competentes.

As menções que a escritura deve conter são, assim, as genericamente previstas nos artigos 46.º e seguintes do Código do Notariado, designadamente, e para além das que respeitam à identificação e poderes das partes, as que respeitam à identificação do prédio (inscrição matricial, descrição predial), ao pagamento do imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis, etc.

Não impondo o legislador a apresentação de qualquer documento que comprove o licenciamento da realização da construção pretendida, e não se patenteando qualquer causa de nulidade do negócio, não se vê fundamento para o notário se recusar a lavrar a escritura.

A declaração de vontade manifestada pelo adquirente, certificada pelo instrumento notarial, mostra-se irrelevante no plano administrativo-urbanístico, pois que não será por o adquirente declarar que pretende construir que o poderá fazer. Tudo dependerá dos procedimentos de controlo prévio que vierem a ser accionados junto das entidades competentes e que estão condicionados pelas definições e delimitações previstas para a área onde se localiza o prédio[60].

Não resultando da eventual inviabilidade de realização da construção pretendida – que poderá até não ser definitiva, já que os planos são susceptíveis de revisão e os solos podem ser reclassificados – a nulidade do negócio realizado, não existe fundamento para a recusa do notário em celebrar a escritura nem do conservador para lavrar o registo.

6. A actividade dos notários, bem como a dos conservadores, rege-
-se pelo princípio da legalidade e sobre eles impende o dever de não celebrar ou de não registar actos nulos.


Não lhes competindo substituir-se às entidades administrativas, designadamente às câmaras municipais, na fiscalização do cumprimento das normas urbanísticas, os notários e conservadores, para além de estarem obrigados a proceder a determinadas verificações não podem também ignorar casos evidentes de fraude à lei ou de actos, negócios ou títulos manifestamente afectados de nulidade.

O artigo 11.º do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro[61], estabelece o “princípio da legalidade”, nos seguintes termos:

«1 – O notário deve apreciar a viabilidade de todos os actos cuja prática lhe é requerida, em face das disposições legais aplicáveis e dos documentos apresentados ou exibidos, verificando especialmente a legitimidade dos interessados, a regularidade formal e substancial dos referidos documentos e a legalidade substancial do acto solicitado.
2 – O notário deve recusar a prática de actos:
a) Que forem nulos, não couberem na sua competência ou pessoalmente estiver impedido de praticar;
b) (...).
3 – O notário não pode recusar a sua intervenção com fundamento na anulabilidade ou ineficácia do acto, devendo, contudo, advertir os interessados da existência do vício e consignar no instrumento a advertência feita.»

Também o artigo 68.º do Código do Registo Predial estabelece o princípio da legalidade que, como se escreveu em anterior parecer deste Conselho[62], «significa que o conservador está estritamente vinculado à lei, devendo apreciar substancialmente a viabilidade do pedido de registo, verificando quatro elementos ou pressupostos fundamentais: a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos dispositivos neles contidosx1. Por isso o Conservador, vinculado a um princípio de legalidade substancial, deve, no caso de se não verificarem os pressupostos de legalidade, ou recusar o registo nas circunstâncias enumeradas no artigo 69.º, ou realizá-lo provisoriamente, por dúvidas, nos restantes casos.»[63]

Há que distinguir, neste contexto, as nulidades próprias dos actos notariais e registrais que estão previstas no Código do Notariado e no Código do Registo Predial (que respeitam às menções que obrigatoriamente devem conter, à competência do notário ou conservador, à capacidade das partes, e ainda, no caso do registo, à falsidade ou insuficiência do título com base no qual é lavrado)[64], das nulidades que respeitam ao próprio acto ou negócio jurídico que é objecto do instrumento notarial ou que é sujeito a registo. Se estes padecerem de nulidade, designadamente por violação de lei imperativa, nos termos do artigo 294.º do Código Civil, caberão nas hipóteses em que o notário e o conservador, em nome do princípio da legalidade, se devem recusar a celebrar a escritura e a lavrar o registo, respectivamente.

Assim, sendo essa a consequência caso se configurasse uma operação de loteamento não titulada por alvará, já numa situação como é afinal aquela que deu origem ao presente parecer, se nos afigura que, face aos deveres consagrados no Estatuto do Notariado, deverá apenas o notário advertir as partes para a circunstância de que a menção consignada quanto à intenção de construir não confere ao adquirente o respectivo direito, tudo dependendo das exigências de índole urbanística aplicáveis e da apreciação que seja feita, em sede própria, pelas entidades competentes na matéria.


V

Face ao exposto, extraem-se as seguintes conclusões:

1.ª – O actual conceito de operação de loteamento definido pelo artigo 2.º, alínea i), do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, compreende a constituição de um ou mais lotes, a destinação imediata ou subsequente à edificação urbana e, como acções que lhe dão origem, prevê a divisão de um ou mais prédios ou o seu reparcelamento;

2.ª – As operações de divisão e de reparcelamento implicam, por natureza, a constituição de duas ou mais unidades prediais autónomas, ainda que apenas uma delas se destine imediata ou subsequentemente à edificação urbana;

3.ª – O fraccionamento de um prédio rústico, em que uma parcela se destina à rectificação de estremas com prédio contíguo e a parte sobrante é vendida e destinada a construção urbana, não constitui uma operação de loteamento, já que dele não resultou a constituição de novas unidades prediais autónomas no âmbito de uma operação urbanística;

4.ª – As operações de loteamento devem conformar-se com os instrumentos de gestão territorial aplicáveis e estão condicionadas pela situação e classificação dos solos, devendo integrar-se em perímetro urbano e em solo urbanizado ou cuja urbanização esteja programada em plano municipal de ordenamento do território, nos termos do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 555/99;

5.ª – A “pertinência” do prédio a solo com a caracterização referida na conclusão anterior, não constituindo elemento objectivo da noção legal de operação de loteamento que consta do artigo 2.º, alínea i), do mesmo diploma legal, encontra-se, de um modo geral, subjacente à noção de loteamento que resulta duma compreensão integrada e sistemática das disposições normativas que regem as intervenções urbanísticas e dos princípios que enformam o direito do ordenamento do território e do urbanismo;

6.ª – A vontade manifestada pelo adquirente quanto ao destino que pretende dar ao lote adquirido, não tendo a virtualidade de alterar a natureza do prédio nem de constituir direitos de utilização urbanística, assume relevância na medida em que, conjugada com os elementos de ordem objectiva que integram o conceito legal de operação de loteamento, pode revelar a existência de um negócio jurídico cuja validade pressupõe a emissão de um alvará de loteamento, que deve ser identificado no respectivo instrumento notarial, nos termos do artigo 49.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 555/99;

7.ª – Idêntica declaração de vontade em acto de transmissão da parte sobrante de um prédio rústico, fora de uma operação de loteamento, não obsta à celebração da escritura apesar de a realização efectiva da obra de construção ficar dependente das exigências de índole administrativa e urbanística que se mostrem aplicáveis;

8.ª – A actividade dos notários e dos conservadores do registo predial está sujeita à observância do princípio da legalidade devendo estes recusar a celebração ou o registo de actos nulos.




ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 12 MAIO DE 2011.

Isabel Francisca Repsina Aleluia São Marcos – Maria de Fátima da Graça Carvalho (Relatora) – Manuel Pereira Augusto de Matos – Fernando Bento – António Leones Dantas – Maria Manuela Flores Ferreira – José David Pimentel Marcos – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita.






[1] Por ofício n.º 2332, de 26 de Novembro de 2004, com a referência P.º 278/2004.
[2] Por ofício n.º 31949/2006, de 1 de Agosto de 2006.
[3] Por ofício n.º 2486, Pr. 27872004, de 9 de Setembro de 2010.
Posteriormente, por ofício do gabinete do Senhor Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária (n.º 299, P.º 2256/2010, de 16 de Março de 2011) insistiu-se pela obtenção de parecer complementar.
[4] Actualmente Instituto dos Registos e do Notariado.
[5] Com fundamento em que não se tratava de um acto manifestamente nulo, já que a sua conversão se mostrava possível (mantendo-se a finalidade rústica da parcela submetida a registo) e com base no disposto nos artigos 68.º e 70.º do Código do Registo Predial foi o registo efectuado provisoriamente por dúvidas.
[6] Segundo extracto do parecer do Conselho Técnico da então Direcção-Geral dos Registos e do Notariado.
[7] Parecer n.º P.º R.P. 312/2002.DSJ.CT.
[8] Sobre o tema, entre outros: OSVALDO GOMES, Manual dos Loteamentos Urbanos, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1983, e “Loteamentos Urbanos”, Direito do Urbanismo, INA, 1989, página 393 e seguintes; FERNANDO CONDESSO, Direito do Urbanismo – Noções Fundamentais, Quid Iuris, Lisboa, 1999; ALVES CORREIA, Manual do Direito do Urbanismo, volume I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, e As Grandes Linhas da Recente Reforma do Direito do Urbanismo Português, Almedina, Coimbra, 1993; FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Direito do Urbanismo, CEFA, Coimbra, 1993, e “O Novo Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, A visão de um jurista”, Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, ano IV, 2.01, página 35 e seguintes; Loteamentos Urbanos Dinâmica das Normas de Planeamento, Almedina, Coimbra, 2009; Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão, Cejur-Centro de Estudos Jurídicos do Minho, 2010; “A alteração legislativa ao Regime Jurídico de Urbanização e Edificação: uma lebre que saiu gato?”, Direito Regional e Local, Outubro-Dezembro, 2007, página 53 e seguintes; MARIA DO PATROCÍNIO PAZ FERREIRA e LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA, O Novo Regime dos Loteamentos Urbanos, Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, Anotado, Almedina, Coimbra, 1985; JOSÉ MIGUEL SARDINHA, “Loteamentos: tramitação do processo de licenciamento dos pedidos de loteamento e das obras de urbanização”, Revista de Direito Autárquico, Lisboa, ano 2, n.º 1, Março de 1993, página 67 e seguintes, e Estudos de Direito do Urbanismo e do Ordenamento do Território, Lisboa, SPB, Editores e Livreiros, 1997; J.A.SANTOS, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Anotado e Comentado, Lisboa, Dislivro, 3.ª edição (revista e actualizada), 2008.
Cfr. também, entre outros, os pareceres deste Conselho: n.º 9/69, de 27 de Março de 1969, publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Julho de 1969; n.º 36/73, de 14 de Agosto de 1973; n.º 46/92, de 29 de Outubro de 1992; n.º 115/2003, de 23 de Outubro de 2003, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Fevereiro de 2005.
[9] Até então haviam sido adoptadas algumas providências legais dispersas tendentes a evitar a desorganizada ocupação do solo (artigo 29.º do Decreto-lei n.º 33921, de 5 de Setembro de 1944; base V, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 2099, de 14 de Agosto de 1959).
[10] Manual..., obra citada, página 66.
[11] Conforme preâmbulo.
[12] Com vista a operacionalizar este regime jurídico foi mais tarde publicado o Decreto-Lei n.º 342/79, de 27 de Agosto.
[13] O Novo Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos, obra citada, página 95.
[14] Ainda segundo MARIA DO PATROCÍNIO PAZ FERREIRA e LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA - obra citada, página 8 - eram, agora, os seguintes os requisitos exigidos para que se verificasse uma operação de loteamento urbano: existência de uma conduta voluntária; divisão fundiária em lotes; destinação dos lotes para construção.
[15] Cfr. AUTORES e obra citados nas notas anteriores, página 98.
[16] Ou da notificação judicial avulsa e publicação do extracto da respectiva certidão ou do trânsito em julgado da respectiva sentença, em casos de falta ou recusa de emissão de alvará.
[17] Concluiu este parecer, quanto à primeira situação, que «o fraccionamento de terrenos destinados a constituir ou a ampliar logradouros de prédios urbanos não constitui uma operação de loteamento, nos termos da alínea a) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 448/91, e, consequentemente, não está sujeito ao regime definido nesse diploma legal, nomeadamente à disciplina vertida no n.º 1 do artigo 53.º»; quanto às segundas situações, o parecer distinguiu os casos consoante resultasse ou não da sucessão mortis causa a criação de um lote de terreno destinado à construção urbana, enquadrável no conceito de operação de loteamento, considerando que na primeira hipótese – ao contrário da segunda – nenhuma razão se configurava para excluir a aplicação do mesmo regime legal.
[18] Este diploma revogou o Decreto-Lei n.º 448/91. Foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho e pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro. Pela Lei n.º 13/2000, de 20 de Julho, foi suspensa a eficácia do Decreto-Lei n.º 555/99 até ao dia 30 de Dezembro de 2000; pela Lei n.º 30-A/2000, foi prorrogada a suspensão até à entrada em vigor do decreto-lei a emitir ao abrigo de autorização legislativa concedida pela mesma lei.
Mais recentemente, sofreu um conjunto de sucessivas alterações através dos seguintes diplomas legais: Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto; Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro; Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro; Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março; e Lei n.º 28/2010, de 2 de Setembro.
[19] Uma das inovações do Decreto-Lei n.º 555/99 foi a de passar a sujeitar algumas das operações urbanísticas a um procedimento de autorização (anteriormente previa-se sempre a sujeição a licenciamento municipal), dispensando a intervenção de entidades externas ao município. Porém, através das alterações posteriormente introduzidas ao diploma, verificou-se uma redução das situações sujeitas a autorização.
[20] A edificação é definida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 555/99 num sentido mais amplo que o de construção (este referente apenas à “criação de novas edificações”), abrangendo «a actividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência».
O mesmo preceito legal define ainda:
“Operações urbanísticas” – «operações materiais de urbanização, de edificação ou de utilização do solo e das edificações nele implantadas para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água»;
“Obras de urbanização” – «obras de criação e remodelação de infra-estruturas destinadas a servir directamente os espaços urbanos ou as edificações, designadamente arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água, electricidade, gás e telecomunicações, e ainda espaços verdes e outros espaços de utilização colectiva».
[21] Implicações Notariais e Registrais das Normas Urbanísticas, Almedina, Coimbra, 2004, página 74.
[22] Este conceito de emparcelamento não se identificava, pois, com o tradicional e homólogo conceito associado às explorações agrícolas até porque se exige, conforme veremos, que as operações de loteamento apenas tenham lugar em solo urbano (Cfr. MOUTEIRA GUERREIRO (“O Direito dos Registos: O Prédio – o Loteamento, a Propriedade Horizontal e Problemas Conexos”, Scientia Iuridica, Universidade do Minho, Tomo L, n.º 289, Janeiro/Abril de 2001, página 187 e seguintes).
De facto, a necessidade de evitar a “pulverização” da pequena propriedade agrícola havia sido há muito sentida pelo legislador. Os artigos 1376.º e 1377.º do Código Civil proíbem o fraccionamento de terrenos aptos para a cultura em parcelas inferiores à área fixada para a unidade de cultura; excepcionam-se, no entanto, entre outros, os casos em que o fraccionamento se destina apenas à desintegração de terrenos para construção ou à rectificação de estremas.
Entendeu o legislador, conforme referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1987, volume III, página 263, que «o interesse de rectificação dos limites da propriedade imóvel se sobrepõe a qualquer outro, e, portanto, admitiu o parcelamento, mesmo que a parte restante não corresponda à unidade de cultura. Não deixou, porém, de se atender a que as rectificações não alteram, em termos substanciais, as áreas dos prédios contíguos».
[23] Alterado pelos Decretos-Leis n.º 53/2000, de 7 de Abril, n.º 310/2003, de 10 de Dezembro, e pela Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro. Mais recentemente, sofreu um conjunto de sucessivas alterações: Lei n.º 56/2007, de 31 de Agosto; Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de Setembro; Decreto-Lei n.º 46/2009, de 20 de Fevereiro; Decreto-Lei n.º 181/2009, de 7 de Agosto; e Lei n.º 2/2011, de 6 de Janeiro.
[24] Implicações..., obra citada, página 68.
[25] Publicados no Diário da Assembleia da República, II Série A, de 22 de Junho de 2007 (Proposta de Lei n.º 149/X), e I Série, de 6 de Julho de 2007 (actas de discussão na generalidade).
[26] “A alteração legislativa ao Regime de Urbanização e Edificação ...”, cit., página 60.
[27] As menções constantes das alíneas a), c), d), e) e f) do nº 1 do artigo 91º do Decreto-Lei n.º 380/99, respeitam a: definição e caracterização da área de intervenção; desenho urbano; distribuição das funções e definição de parâmetros urbanísticos; indicadores relativos a cores e materiais; operações de demolição e reabilitação das construções existentes.
[28] Nos termos do artigo 5.º, cabe às câmaras municipais a competência (delegável no presidente e subdelegável nos vereadores) para a concessão das licenças; cabe igualmente ao presidente da câmara a competência (com faculdade de delegação nos vereadores e de subdelegação em directores de serviço) para a concessão da autorização para utilização, bem como para a admissão ou rejeição da comunicação prévia.
Refira-se, também, que o artigo 68.º comina com nulidade as licenças, as admissões de comunicações prévias e as autorizações de utilização que, entre outras hipóteses, violem o plano municipal de ordenamento do território ou o plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou autorização de loteamento em vigor, ou, ainda, as que não tenham sido precedidas ou não estejam em conformidade com pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigíveis.
No entanto, o artigo 69.º veio consagrar um regime especial para a declaração de nulidade dos actos de gestão urbanística pela entidade que os praticou, bem como para a instauração de acção para declaração de nulidade, pelo Ministério Público, sujeitando-as a um limite temporal de dez anos, permitindo, de modo algo peculiar, a consolidação dos actos urbanísticos nulos.

[29] O Novo Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, obra citada, página 42.
[30] Implicações..., obra citada, página 65 e seguintes.
[31] O Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, estabeleceu o novo regime de emparcelamento rural visando «adaptar o regime jurídico das operações de emparcelamento ao quadro constitucional vigente e introduzir as alterações que a experiência na aplicação da actual legislação de emparcelamento aconselha» (conforme preâmbulo).
As operações de emparcelamento previstas podem assumir as seguintes formas: emparcelamento integral; emparcelamento simples; emparcelamento de exploração; redimensionamento de explorações agrícolas; troca de terrenos e árvores. O emparcelamento simples consiste «na correcção da divisão parcelar de terrenos pertencentes a, pelo menos, dois proprietários, com a finalidade de melhorar as condições técnicas e económicas da exploração através da concentração, do redimensionamento, da rectificação de estremas e da extinção de encraves e servidões.»
Refira-se ainda, neste contexto, que o Decreto-Lei n.º 103/90, de 22 de Março, que desenvolveu as bases gerais aprovadas pelo diploma anterior, impôs a obrigatoriedade de anexação dos prédios rústicos contíguos com área global inferior ao dobro da unidade de cultura ou ao limite mínimo das explorações agrícolas e pertencentes ao mesmo proprietário.
[32] A versão originária da norma continha um n.º 2 (entretanto revogado), que dispunha: «A falta de entrega dos documentos referidos no número anterior determina a realização do registo como provisório.»
[33] Manual..., obra citada, página 82 e seguintes.
[34] Idem, página 93.
[35] As Grandes Linhas..., obra citada, página 80.
[36] Publicados nos apêndices ao Diário da República – Acórdãos da 1.ª Secção daquele Supremo Tribunal, do 4.º trimestre de 1993, e de 9 de Setembro de 2002, respectivamente.
[37] O conceito de loteamento construído pela jurisprudência francesa reportava-se também a uma operação tendente à criação de unidades distintas, sendo considerado que «uma simples amputação de uma propriedade» não tinha tal natureza (cfr. PAUL GUÉRIN, “Lotissement”, Encyclopédie Dalloz, Droit Administratif, volume II, página 20).
[38] Manual..., obra citada, página 84.
[39] Sobre este aspecto pronunciou-se este Conselho Consultivo, através do parecer n.º 46/92, citado.
[40] Direito do Urbanismo, obra citada, página 279 e seguintes.
[41] Neste sentido, FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Direito do Urbanismo, obra citada, página 125. Refere a Autora: «Se compararmos com o Decreto-Lei n.º 448/91, o loteamento não é só, agora, a divisão de prédios. De facto, a constituição de um lote ou de vários lotes resultantes do emparcelamento de prédios autónomos também é considerado, na perspectiva deste diploma, como uma operação de loteamento sujeita a controlo municipal. Daí que se preveja a constituição de “loteamentos de um só lote”.
[42] Implicações Notariais e Registrais das Normas Urbanísticas, obra citada, página 55.
[43] Loteamentos Urbanos e Dinâmica das Normas de Planeamento, obra citada, página 87 e seguintes; Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão, obra citada, página 205 e seguintes.
[44] O artigo 77.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 555/99, dispõe que o alvará de licença de operação de loteamento ou de obras de urbanização deve especificar, consoante forem aplicáveis, «número de lotes e indicação da área, localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos» (redacção já constante da versão originária do diploma).
[45] Cfr. Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão, obra citada, página 206 e seguintes.
[46] “Loteamentos Urbanos”, estudo citado, página 396.
[47] Cfr. ARNALDO RIZZARDO, Promessa de Compra e Venda e Parcelamento do Solo Urbano, Lei n.º 6766/79, Porto Alegre, Colecção Ajuris – 15, 1980, p.37.
[48] Cfr., mais uma vez, FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Loteamentos Urbanos.., obra citada, página 92.
[49] Cfr. ANTÓNIO CORDEIRO, Protecção de Terceiros em Face de Decisões Urbanísticas, Coimbra, Almedina, 1995, página 22 e seguintes.
Sobre as diversas acepções em que o termo “urbanismo” é utilizado, cfr. ALVES CORREIA, Manual..., obra citada, página 20 e seguintes.
Também FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Direito do Urbanismo, obra citada, página 9 e seguintes, dá conta das diversas noções de direito de urbanismo adoptadas pela doutrina, distinguindo, essencialmente, o conceito amplo (de ALVES CORREIA: «conjunto de normas e institutos que disciplinam não apenas a expansão e renovação dos aglomerados populacionais mas também o complexo das intervenções no solo e das formas de utilização do mesmo que dizem respeito às edificações, valorização e protecção das belezas paisagísticas e dos parques naturais, à recuperação de centros históricos, etc.») e o conceito restrito (de FREITAS DO AMARAL, que o limita ao “domínio da urbe”).
Cfr. também parecer deste Conselho n.º 115/2003, citado.
[50] Cfr. nota 23.
[51] Manual.., obra citada, página 617 e segs.
[52] Cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 329/99 e 517/99, publicados no Diário da República, II Série, de 20 de Julho de 1999 e de 11 de Novembro de 1999, respectivamente.
[53] Grandes linhas..., obra citada, página 82.
[54] Cfr. parecer do Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, de 26 de Setembro de 2002 (Proc. n.º C.P. 89/2002, DSJ-CT), publicado no Boletim dos Registos e Notariado, Outubro, 9/2002, II caderno, página 46 e seguintes.
[55] FERNANDA PAULA OLIVEIRA E DULCE LOPES (Implicações..., obra citada, páginas 67 e 68) evidenciavam que os destaques previstos na lei podem efectuar-se directamente no cartório notarial ou na conservatória de registo predial sem necessidade de procedimento prévio de licenciamento ou de autorização municipal, embora não haja «isenção do cumprimento das normas substanciais aplicáveis às operações urbanísticas em causa», devendo haver intervenção da câmara municipal através da emissão de uma certidão comprovativa da verificação dos requisitos de destaque ou de que foram cumpridas as normas aplicáveis.
[56] Implicações..., obra citada, página 57.
[57] Cfr. nota 47.
[58] No mesmo sentido as AUTORAS, obra e local citados na nota 48.
[59] No caso de constituição de propriedade horizontal o artigo 59.º do Código do Notariado exige a apresentação de documento passado pela câmara municipal comprovativo de que as fracções autónomas satisfazem os requisitos legais; também nos casos de transmissão de prédios urbanos ou fracções autónomas, o Decreto-Lei n.º 281/99, de 26 de Julho, exige a apresentação de licença de construção ou de utilização, conforme os casos.
[60] A mesma declaração é, no entanto, susceptível de produzir efeitos nos planos civilístico e tributário (cfr. artigo 1381.º alínea a) do Código Civil, sobre direito de preferência, e artigo 6.º do Código de Imposto Municipal).
[61] Alterado pela Lei n.º 51/2004, de 29 de Outubro.
[62] Parecer n.º 73/96, de 19 de Maio de 2000, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Novembro de 2000.
x1 (...) a regularidade formal dos títulos contém a imposição de que os actos devem obedecer à forma exigida por lei, prevendo-se, por isso, que só possam ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem (artigo 43.º, n.º 1); a validade dos actos dispositivos contidos no título impõe a verificação da legalidade dos próprios actos dispositivos, colocando em equação os conceitos de nulidade e anulabilidade dos actos e negócios jurídicos. Cfr. FERNANDO ELÍSIO RODRIGUES FONTINHA, Registo Predial, cit. páginas 51-53.
[63] É a seguinte a redacção actual destes preceitos legais:

«Artigo 69.º
“Recusa do registo”
1. O registo deve ser recusado nos seguintes casos:
a) Revogada;
b) Quando for manifesto que o facto não está titulado nos documentos apresentados;
c) Quando se verifique que o facto constante do documento já está registado ou não está sujeito a registo;
d) Quando for manifesta a nulidade do facto;
e) Quando o registo já tiver sido lavrado como provisório por dúvidas e estas não se mostrem removidas;
f) Revogada.
2. Além dos casos previstos no número anterior, o registo só pode ser recusado se, por falta de elementos ou pela natureza do acto, não puder ser feito como provisório por dúvidas.
3. No caso de recusa é anotado na ficha o acto recusado a seguir ao número e data da respectiva apresentação.»
«Artigo 70.º
“Registo provisório por dúvidas”
«Se as deficiências do processo de registo não forem sanadas nos termos do artigo 73.º, o registo deve ser feito provisoriamente por dúvidas quando existam motivos que obstem ao registo do acto tal como é pedido e que não sejam fundamento de recusa.»

[64] Cfr. artigos 70º e 71º do Código do Notariado e artigo 16º do Código do Registo Predial.