Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002633
Parecer: P000402005
Nº do Documento: PPA16022006004000
Descritores: FUNDAÇÃO
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PRIVADO
INSTITUIÇÃO DE FUNDAÇÃO
FIM ESTATUTÁRIO
ESTATUTO
RECONHECIMENTO
INTERESSE PÚBLICO
ASSEMBLEIA DISTRITAL
ENSINO SUPERIOR UNIVERSITÁRIO PARTICULAR E COOPERATIVO
ESTABELECIMENTO DE ENSINO SUPERIOR PARTICULAR
TRANSFORMAÇÃO
FUSÃO
EFICÁCIA RETROACTIVA
Conclusões: 1ª – As assembleias distritais, previstas no artigo 291º, nº 2, da Constituição da República e reguladas pelo Decreto-Lei nº 5/91, de 8 de Janeiro, constituem organismos personalizados, de emanação autárquica e de direito público, integrados exclusivamente por autarcas, revelando a sua composição, organização e atribuições características das autarquias locais, estando ainda a estas equiparadas para efeitos de tutela administrativa (artigo 1º, nº 2, da Lei nº 27/96, de 1 de Agosto);
2ª – Enquanto pessoas colectivas públicas, as assembleias distritais, com respeito das limitações decorrentes das suas atribuições, com observância dos princípios fundamentais que vinculam a Administração Pública e autorizadas por diploma legal (artigo 30, nº 4, da Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro), podem criar fundações de direito privado
3ª – O Instituto Superior Miguel Torga constitui, nos termos dos seus Estatutos, uma escola de ensino superior universitário particular não integrada que tem como objectivos ministrar o ensino e promover a investigação na área do serviço social e da acção social, das ciências da informação e outras, cabendo-lhe designadamente conferir o grau de licenciatura em Serviço Social e em Ciências da Informação, bem como ministrar cursos de pós-graduação e de mestrado;
4ª – O funcionamento do estabelecimento de ensino de onde deriva – a Escola Normal Social de Coimbra – foi autorizado pelo Decreto-
-Lei nº 30135, de 14 de Dezembro de 1939, dentro dos quadros do ensino particular, tendo sido reconhecido pela Portaria nº 15/90, de 9 de Janeiro, então sob a denominação de Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, com base no regime jurídico constante do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 271/89, de 19 de Agosto, em vigor nessa data, sendo a Assembleia Distrital de Coimbra a sua entidade instituidora;

5ª – O Instituto Superior Miguel Torga é um estabelecimento de ensino, dotado de um património afectado à realização dos seus fins e garantido pela Assembleia Distrital de Coimbra, enquanto sua entidade instituidora;
6ª – Desprovido de personalidade jurídica e, consequentemente, sem capacidade (de gozo) de ser titular de direitos subjectivos ou de estar vinculado a obrigações (artigo 67º do Código Civil), a sua intervenção no acto de instituição de uma fundação não é juridicamente admissível;
7ª – A fundação de direito privado constitui uma pessoa colectiva de utilidade social, dotada de património próprio, específica e autonomamente afectado, por um ou vários instituidores, à realização de uma ou várias finalidades de interesse social, constituindo o exemplo típico e natural de pessoa colectiva de fim altruísta ou desinteressado e não lucrativo;
8ª – A realização do fim de interesse social que a fundação deve, por natureza, prosseguir, não obsta à sua participação em instrumentos societários, se se reconhecer que, também por essa via, o seu escopo é eficazmente atingido;
9ª – A devolução pela fundação da prossecução da sua finalidade a uma sociedade comercial, cujo escopo é a obtenção, através do exercício da actividade-objecto social, de lucros e a sua repartição pelos respectivos sócios, pode traduzir-se, na prática, no abandono da finalidade de interesse social que se propôs exercer, e em função da qual se operou o respectivo reconhecimento, ou no próprio esgotamento desse fim, situação esta que pode acarretar a sua extinção com base no disposto no artigo 192º, nº 2, alínea a), do Código Civil;
10ª – A prossecução do fim de uma fundação através da constituição de uma sociedade comercial equivale ainda a uma substituição daquela por esta, que o actual regime jurídico das fundações não prevê;
11ª – O reconhecimento específico das fundações é o acto administrativo, com uma função constitutiva, pelo qual adquirem personalidade jurídica (artigo 158º, nº 2, do Código Civil), estando abrangido pela regra da imediatividade dos seus efeitos jurídicos, consagrada no artigo 127º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo, não devendo, em princípio, ser-lhe reconhecida eficácia retroactiva;
12ª – A transmissão do Instituto Superior Miguel Torga para a Fundação Aeminium, operada pela sua instituidora – a Assembleia Distrital de Coimbra e, no futuro, para a sociedade comercial TORBIS – Administração de Estabelecimentos de Ensino Superior, Limitada, a fim de, então, ser concretizada a sua fusão com um outro estabelecimento de ensino superior particular universitário, de que é entidade instituidora a Fundação Bissaya Barreto, não traduz uma transmissão directa e formal da autorização do funcionamento dos cursos ministrados nesse Instituto, ou dos respectivos registos, transmissão que, aliás, o artigo 36º do actual Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 16/94, de 22 de Janeiro, não permite;
13ª – No circunstancialismo referido na conclusão anterior, verifica-se uma transmissão do estabelecimento de ensino de uma entidade instituidora para outra, situação que deve ser apreciada e decidida nos termos do disposto no artigo 56º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo;
14ª – Assim, essa transmissão, tal como a fusão, que vier a ocorrer, dos dois estabelecimentos de ensino superior particular – o Instituto Superior Miguel Torga e o Instituto Superior Bissaya Barreto – devem ser previamente comunicadas ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, podendo o respectivo reconhecimento ser revogado com fundamento na alteração dos pressupostos e circunstâncias subjacentes à sua atribuição;
15ª – As profundas alterações que necessariamente decorrem, quer da transmissão, quer da fusão dos estabelecimentos, justificam que a eventual concessão do reconhecimento do interesse público do estabelecimento deva ser feita por decreto-lei, nos termos do artigo 54º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo.

Texto Integral:

Senhor Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior,
Excelência:


I

Concordando com a proposta formulada pelo Secretário-Geral do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior[1], dignou-se Vossa Excelência solicitar ao Conselho Consultivo a emissão de parecer sobre um conjunto de questões suscitadas pelo pedido de reconhecimento da Fundação Aeminium[2].

Essa pretensão veio a revelar «várias e complexas questões jurídicas», que foram examinadas pelos serviços desse Ministério[3], persistindo ainda algumas dúvidas acerca das questões de direito levantadas nos documentos produzidos, «não tendo o decisor político tomado qualquer posição sobre o processo, favorável ou contrária à pretensão dos instituidores da Fundação Aeminium».

Tendo, entretanto, sido atribuído carácter de urgência, cumpre emitir parecer.
II
A compreensão das questões colocadas à atenção deste corpo consultivo aconselha que, previamente à sua apresentação, se registem alguns elementos fácticos que se retiram dos documentos constantes do processo[4].

Por escritura pública de 9 de Julho de 2003[5], a Assembleia Distrital de Coimbra, o Instituto Superior Miguel Torga[6] e Carlos Augusto Amaral Dias[7] instituíram uma fundação, denominada «Fundação Aeminium», a qual, nos termos dos Estatutos anexos, «é uma pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos, dotada de personalidade jurídica e constituída por tempo indeterminado» (artigo 1º), com sede provisória no Largo da Cruz de Celas, nº 1, freguesia de Santo António dos Olivais, concelho de Coimbra (artigo 2º).

De acordo com o artigo 3º dos seus Estatutos, sob a epígrafe «Fins»:

«A Fundação tem por objectivo principal a criação em conjunto com a Fundação Bissaya Barreto de um novo estabelecimento de ensino superior que integrará todos os direitos e obrigações do Instituto Superior Miguel Torga e, como acessório, a divulgação da cultura e da ciência».

O artigo 4º dos Estatutos, integrado no capítulo II, dedicado ao «Regime Patrimonial e Financeiro», tem o seguinte teor:
«Artigo 4º
Património

O património da Fundação Aeminium é constituído:

a) Pelos bens descritos na relação que faz parte integrante desta escritura[[8]],
b) Por quaisquer rendimentos, subsídios, donativos, heranças, legados ou doações de entidades públicas ou privadas, portuguesas ou estrangeiras, e
c) Por todos os bens que à Fundação advirem a título gratuito ou oneroso.

Parágrafo único:
Os bens identificados na alínea a) constituirão a participação em espécie desta Fundação no capital social da sociedade a constituir com a Fundação Bissaya Barreto, para os efeitos previstos no Artigo 3º e que corresponderá a metade desse capital.»

Na mesma data, imediatamente após a instituição da Fundação Aeminium, entre esta e a Fundação Bissaya Barreto, foi constituída a sociedade comercial por quotas denominada «TORBIS – Administração de Estabelecimentos de Ensino Superior, Limitada»[9], tendo por objecto, nos termos do artigo 2º do respectivo pacto social, «a administração de estabelecimentos de ensino superior», dispondo ainda o seu artigo 3º o seguinte:

«A sociedade será instituidora de um novo estabelecimento de ensino ao qual serão afectos todos os bens, direitos e obrigações do Instituto Superior Bissaya Barreto e do Instituto Superior Miguel Torga, que serão incorporados por aumento de capital.»

O capital desta sociedade é de cinco mil euros, integralmente realizado em numerário, e corresponde à soma de duas quotas iguais de dois mil e quinhentos euros cada, pertencentes a cada uma das indicadas sócias (artigo 5º, n.º 1, do pacto social), prevendo-se que nos próximos três anos se procederá ao aumento do capital social, em numerário ou em espécie, até ao montante máximo de oito milhões de euros, obrigando-se as sócias a concretizar as respectivas entradas após interpelação (artigo 5º, n.º 2, do pacto social).

Em síntese, conjugando os indicados instrumentos jurídico-negociais (acto de instituição da fundação e contrato de sociedade), apura-se que a Assembleia Distrital de Coimbra, o estabelecimento de ensino superior de que é titular - o Instituto Superior Miguel Torga - e Carlos Augusto Amaral Dias instituem uma fundação – a Fundação Aeminium - cujo objectivo principal é a criação em conjunto com a Fundação Bissaya Barreto[10] de um novo estabelecimento de ensino superior de que será instituidora a sociedade «TORBIS – Administração de Estabelecimentos de Ensino Superior, Lda» e que resultará da fusão dos actuais Instituto Superior Miguel Torga (ISMT) e Instituto Superior Bissaya Barreto (ISBB), de que são entidades responsáveis ou titulares a Assembleia Distrital de Coimbra e a Fundação Bissaya Barreto, respectivamente. Essa fusão concretizar-se-á com a transferência e incorporação no capital social da referida sociedade comercial, através da adequada operação de aumento do capital, de todos os bens, direitos e obrigações desses dois estabelecimentos de ensino superior.

Exposto o substracto fáctico essencial ao seu enquadramento e compreensão, é chegado o momento de se apresentarem as questões colocadas no âmbito desta consulta:

«1. Têm as Assembleias Distritais competências para instituir fundações privadas?

2. É legalmente possível a intervenção do Instituto Superior Miguel Torga na instituição de uma Fundação?

3. Pode o fim de uma fundação ser prosseguido através da constituição de uma sociedade comercial?

4. Pode ser atribuída eficácia retroactiva ao reconhecimento de uma fundação?

5. O Instituto Superior Miguel Torga é ou não um estabelecimento de ensino particular, na medida em que foi instituído por uma entidade pública, a Assembleia Distrital de Coimbra?

6. A transmissão de estabelecimento que resulta da aquisição do património do ISMT pela Fundação Aeminium ou da subsequente transmissão deste, por conversão no aumento da sua quota da Sociedade Torbis, Ldª, constituída conjuntamente com a Fundação Bissaya Barreto, pode efectivar-se pela forma em que o foi – instituição da Fundação, completada pelo seu reconhecimento retroactivo, e constituição da sociedade através do respectivo instrumento público – e não implicará, pelo menos sob o ponto de vista formal, a transmissibilidade das autorizações de funcionamento dos respectivos cursos, proibida pelo art. 36º do EESPC [Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo]?

7. A fusão dos dois estabelecimentos de ensino superior – o ISMT e o ISBB – e a sua posterior transformação de institutos de ensino politécnico para uma universidade ou instituto universitário não poderão ser feitas ao abrigo do art. 18º, n.º 2, da Lei n.º 1/2003, de 06/01 – ao contrário do que, expressamente, acontecia com o art. 20º, n.º 5, da revogada Lei nº 26/2000, de 23/08 – já que o regime previsto naquele preceito se aplica apenas aos estabelecimentos públicos e, não revoga, portanto, o art. 56º do EESPC?

8. Essas operações de fusão e transformação terão de ser feitas ao abrigo deste último preceito – que, aliás, não prevê expressamente a segunda – conjugando-o certamente com o art. 54º e, portanto, através de decreto-lei, visto que, em ambas, irão verificar-se alterações nas denominações (entidade instituidora e estabelecimento) e na natureza e objectivos dos estabelecimentos existentes relativamente àquele que se projecta criar ou instituir?»

III

1. A personalidade ou subjectividade jurídica, segundo MANUEL DE ANDRADE, é a «idoneidade ou aptidão para receber – para ser centro de imputação deles – efeitos jurídicos (constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas)»[11]. Em formulação mais sintética, a personalidade jurídica consiste «na aptidão para ser sujeito de relações jurídicas»[12].

A personificação jurídica de todo o ser humano encontra o seu fundamento na dignidade do Homem, sendo imposta ao Direito como um valor irrecusável.

2. O princípio que impõe a atribuição da qualidade de pessoa jurídica a toda a pessoa humana não tem carácter exclusivista. Ao lado das pessoas humanas singulares, o ordenamento jurídico atribui personalidade jurídica às designadas pessoas colectivas.

Como pondera CARVALHO FERNANDES, «[a] personificação jurídica, enquanto meio técnico, é uma criação do direito, que a configura segundo certos modelos orientados para determinados fins, impostos pelo enquadramento jurídico da vida de relação social. Isto explica que, no mundo do Direito, os diversos institutos não sejam arbitrariamente criados, pois os condiciona essa característica de meios postos ao serviço de fins e valores, que ordenam o próprio Direito. No caso concreto de personalidade jurídica, agindo o Direito, no tratamento dos interesses humanos, pela atribuição de direitos e pela adstrição a deveres, a sua imputação a entes jurídicos autónomos funciona como meio expedito de realização daquele fim»[13].

A personalidade jurídica, como meio técnico de organização de interesses, pode ser atribuída pelo Direito a entes que não sejam indivíduos humanos, sublinha MOTA PINTO[14]. «Nenhum obstáculo lógico ou ético impede que uma solução, eticamente fundada quanto aos indivíduos humanos, seja aplicada a outros substratos ligados a interesses dos homens, quando tecnicamente isso for aconselhável»[15].

A doutrina tem salientado a natureza instrumental que assume a personalidade colectiva, na medida em que é atribuída em função de certos fins ou interesses colectivos prosseguidos por cada pessoa colectiva, valorados pelo direito como merecedores de tutela e de tratamento por recurso à técnica da personificação[16].

Como se refere no Parecer nº 41/96[17], «a personalidade pode ser atribuída pela ordem jurídica, desde que haja “matéria personificável”, um substrato de interesses que possam ser realizados mediante uma vontade ao seu serviço, nada impedindo, por isso, que, “a par das pessoas singulares, cujo substrato é um ser humano, existam pessoas colectivas tendo por substrato um ser social x»

As pessoas colectivas, na definição de MOTA PINTO, «são organizações constituídas por uma colectividade de pessoas ou por uma massa de bens, dirigidos à realização de interesses comuns ou colectivos, às quais a ordem jurídica atribui a personalidade jurídica»[18]. Segundo CARVALHO FERNANDES, a pessoa colectiva é «um organismo social destinado a um fim lícito, a que o Direito atribui a susceptibilidade de direitos e vinculações» ou, numa fórmula sintética, «um substrato social personalizado»[19].

Uma pessoa colectiva representa um centro autónomo de relações jurídicas ou «de imputação de normas jurídicas»[20], com capacidade de ser titular de direitos subjectivos ou de se encontrar adstrito a obrigações, podendo, nessa qualidade, praticar diversos actos jurídicos, tendencialmente, todos os que se mostrarem convenientes para a prossecução dos seus fins e que a lei não proíba[21].

3. Os conceitos de pessoa colectiva apresentados revelam já os seus elementos constitutivos.

MOTA PINTO, aderindo à análise e terminologia de MANUEL DE ANDRADE, reconduz a dois os seus elementos constituintes: o substrato e o reconhecimento[22].

Na opinião deste Autor, o substrato é «o elemento de facto, o conjunto de dados anteriores à outorga da personalidade jurídica», integrado por vários subelementos: o elemento pessoal (presente nas pessoas colectivas de tipo corporacional ou associativo) ou patrimonial (patente nas pessoal colectivas de tipo fundacional), o elemento teleológico (fim ou causa determinante a prosseguir), o elemento intencional (o animus personificandi) e o elemento organizatório (a organização destinada a introduzir na pluralidade de pessoas e de bens existente uma ordenação unificadora)[23].

«O reconhecimento é o elemento de direito, redutor da dispersão e pluralidade do substrato, à qualidade de sujeito de Direito»[24].

A atribuição da personalidade colectiva opera, pois, com o reconhecimento, o qual pode revestir diversas modalidades, consoante a sua fonte e a natureza do acto de que deriva, sendo particularmente relevante a distinção entre reconhecimento normativo e reconhecimento individual, por concessão ou específico[25].

O reconhecimento é normativo quando resulta directamente de uma norma jurídica aplicável a todas as entidades sociais que observam certos requisitos, nela própria estabelecidos.

O reconhecimento individual ou por concessão, pelo contrário, traduz-se num acto individual e discricionário de uma autoridade pública que, perante cada caso concreto, personificará ou não o substrato. Implica, pois, um acto individual da autoridade administrativa cujo conteúdo consiste na atribuição da personalidade jurídica a uma determinada entidade social.

Deste modo, no reconhecimento normativo, a atribuição da personalidade jurídica é feita de modo abstracto e genérico, enquanto no reconhecimento individual ou por concessão é casuística.

4. Esta distinção tem projecção imediata no regime jurídico geral das pessoas colectivas, como se vê do disposto nos dois números do artigo 158º do Código Civil.

Deste preceito extrai-se uma regra importante: o reconhecimento das pessoas colectivas de tipo associativo é normativo (condicionado), constituindo corolário imediato da ampla consagração do princípio da liberdade de associação, no actual sistema jurídico português[26]. Por sua vez, o reconhecimento das fundações é individual ou por concessão.

IV
1. De entre os tipos ou formas de pessoas colectivas privadas que a lei contempla[27], interessa destacar, pela saliência que detêm na economia deste parecer, as de tipo fundacional. Recorde-se que as questões que nos são colocadas foram suscitadas na sequência da instituição de uma concreta fundação e seu pedido de reconhecimento. Justifica-se, portanto, que se convoquem os aspectos essenciais relativos à configuração jurídica desta pessoa colectiva, aspectos que, sob diferentes pretextos e perspectivas, têm sido examinados pelo Conselho Consultivo[28].

As fundações são pessoas colectivas de substrato patrimonial, dependendo o seu reconhecimento da relevância social do fim que prosseguem (artigos 157º e 188º, nº 1, do Código Civil).

Como se escreve no Parecer nº 11/88:

«A fundação, como conceito de matriz jurídica (-), constitui uma pessoa colectiva de natureza privada e utilidade social, dotada de património próprio, específica e autonomamente afectado por um ou vários instituidores, visando a realização de uma ou várias finalidades de interesse social (caridade, educação, desenvolvimento científico, das artes e das letras), possuindo, para tanto, uma administração própria.

(...)

O Código Civil de 1966 aceitou esta noção de fundação na disciplina que estabelece nos artigos 185º e seguintes.

Os traços característicos de uma fundação residem no acto unilateral do fundador de afectação de uma massa de bens - "universitas rerum" - a um escopo tipicamente altruístico, de relevante interesse social x1.

O substrato, o “suporte de facto”, da fundação – pessoa jurídica é constituído assim, essencialmente, por dois elementos: o património e uma finalidade especial de afectação. O património integra a massa de bens afectados pelo fundador à prossecução da obra que tem intenção de realizar; esta especificidade de afectação patrimonial, dirigida à finalidade concebida, é independente de qualquer substrato pessoal, tanto em relação à pessoa do fundador, que permanece de fora da instituição, como em relação ao universo dos possíveis beneficiários e da obra que pretende realizar que, como tais, são estranhos à fundação, situando-se para além dela.

A finalidade constitui, além do património, elemento essencial do substractum da fundação. A massa de bens tem de ser afectada à prossecução da finalidade colectiva, lícita, possível, devidamente especificada x2 e de natureza altruísta x3. Erigida como pessoa jurídica de finalidade determinada, a fundação deve conter ínsita uma ideia de permanência, de durabilidade, de realização continuada da obra pretendida pelo fundador; porém, não pressupõe, como estrutura da noção conceitual, qualquer ideia de perpetuidade. A lei portuguesa admite claramente uma fundação temporária – artigo 192º, nº 1, alínea a), do Código Civil.

(...)

O nascimento da fundação de direito privado pressupõe a prática de dois actos jurídicos diferentes: o acto de instituição e o acto de reconhecimento.

O acto de instituição constitui um acto jurídico de direito privado; o acto de reconhecimento releva da competência da autoridade pública, assumindo a natureza de acto administrativo.

O acto de instituição (ou fundação), de direito privado, constituirá uma declaração de vontade, que disponha sobre a afectação de bens (da massa patrimonial - universitas rerum) à prossecução da finalidade determinada, e do qual se deduza a intenção do fundador, ou instituidor, de criar, erigir, um novo ente (a fundação) dotado de personalidade jurídica. A declaração de vontade tanto pode consistir em acto entre vivos, como integrar uma disposição mortis causa.

Assim caracterizado, o acto de instituição reveste a natureza de um negócio jurídico unilateral (de natureza gratuita) x4.

O reconhecimento, por sua vez, é o acto administrativo através do qual o Estado atribui personalidade jurídica ao suporte de facto, ao "substractum" constituído por vontade privada, com essa finalidade. A entidade de facto criada por vontade de um particular transforma-
-se, por acto do Estado, em centro autónomo de relações jurídicas, sujeito a direitos e deveres.


O reconhecimento, através do qual se atribui personalidade jurídica à fundação, constitui aqui um reconhecimento específico, feito caso a caso, em termos que envolvem a apreciação casuística da conveniência e oportunidade da concessão da personalidade jurídica».

Dispõe o artigo 158º, n.º 2, do Código Civil, que «as fundações adquirem personalidade jurídica pelo reconhecimento, o qual é individual e da competência da autoridade administrativa», estabelecendo, por seu turno, o artigo 188º do mesmo Código, o seguinte:
«Artigo 188º
(Reconhecimento)

1 - Não será reconhecida a fundação cujo fim não for considerado de interesse social pela entidade competente.
2 - Será igualmente negado o reconhecimento, quando os bens afectos à fundação se mostrem insuficientes para a prossecução do fim visado e não haja fundadas expectativas de suprimento da insuficiência.
3 - Negado o reconhecimento por insuficiência do património, fica a instituição sem efeito, se o instituidor for vivo; mas, se já houver falecido, serão os bens entregues a uma associação ou fundação de fins análogos, que a entidade competente designar, salvo disposição do instituidor em contrário.»

Extrai-se do regime contido nestas disposições que o reconhecimento por parte da autoridade administrativa está dependente da existência de dois pressupostos: o interesse social do fim e a suficiência dos bens afectados à fundação com vista à prossecução daquele fim.

2. Relativamente à natureza do acto de reconhecimento da fundação de direito privado, a doutrina tem considerado que ele se integra no contexto de um poder discricionário «no âmbito do qual a Administração Pública dispõe (...) de um amplo juízo estimativo sobre o fim e o património da fundação, de cuja formulação positiva decorrerá a existência do sujeito fundacional como pessoa colectiva»[29].

Delimitando o âmbito da discricionariedade de que dispõe a Administração, sublinham SÉRVULO CORREIA e RUI MEDEIROS que «[n]o âmbito do procedimento de reconhecimento do interesse social da fundação, o Governo goza, indiscutivelmente, de uma margem de livre apreciação no que concerne à aplicação do conceito (tipicamente) indeterminado interesse social da fundação»[30]. Com efeito, prosseguem estes Autores, «estando em causa um poder administrativo do Governo, que se consubstancia na prática de um acto administrativo de reconhecimento da fundação, a verificação do interesse social da fundação envolve a aplicação de um conceito cuja determinação de sentido não se processa somente mediante juízos lógico-
-discursivos, isto é, em sede de interpretação»
[31]. O conceito verdadeiramente indeterminado caracteriza-se, justamente – afirmam os Autores que vimos citando – por conferir ao órgão competente para a prática do acto administrativo uma margem de livre decisão, pelo que, no âmbito da indeterminação, o sentido não é extraído mas decidido[32].

O reconhecimento será igualmente negado quando o património se mostrar insuficiente (artigo 188º, nº 2). Nesta situação, já não se trata, segundo HEINRICH EWALD HÖRSTER, de fazer uso de um poder discricionário da Administração, mas de um acto vinculado, baseado na aplicação de critérios objectivos, como de resto resulta da formulação da lei [«cujo fim não for considerado», no nº 1 do artigo 188º; «quando os bens (...) se mostrem insuficientes», no nº 2 do artigo 188º][33].

SÉRVULO CORREIA e RUI MEDEIROS sustentam que «uma vez verificado o interesse social da fundação e a suficiência do respectivo património, não há espaço na lei para admitir um poder discricionário de decisão quanto ao reconhecimento»[34].

Todavia, como se afirma no Parecer nº 132/2004, «emerge do regime jurídico traçado que a autoridade competente para o reconhecimento detém amplos poderes discricionários quando esteja em causa a apreciação do interesse social dos fins da fundação, bem como da suficiência do património afectado à mesma».

3. A primeira questão colocada nesta consulta - se as assembleias distritais têm competência para instituir fundações privadas - convoca o exame da problemática da instituição de fundações por iniciativa de entes públicos, sobre a qual este Conselho já, por diversas vezes, teve ensejo de se pronunciar.

Previamente, e antecipando a caracterização das assembleias distritais como sujeitos de direito público, cumpre examinar a sua natureza e seu actual regime jurídico.





V

1. A Constituição da República, na sua versão originária, integrava, no Título relativo ao «Poder local», o artigo 263º que, sob a epígrafe «Distritos», dispunha:
«Artigo 263º
Distritos

1. Enquanto as regiões não estiverem instituídas, subsistirá a divisão distrital.
2. Haverá em cada distrito, em termos a definir por lei, uma assembleia deliberativa, composta por representantes dos municípios e presidida pelo governador civil.
3. Compete ao governador civil, assistido por um conselho, representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito.»

Dando concretização a este preceito constitucional, o artigo 82º da Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro[35], integrado no capítulo IV, dedicado ao distrito, veio dispor:
«Artigo 82º
Órgãos

1. Enquanto não estiverem instituídas as regiões, subsistirá a divisão distrital.
2. Haverá em cada distrito uma assembleia distrital, com funções deliberativas, e um conselho distrital.»

As assembleias distritais actuam na circunscrição territorial ocupada pelo distrito, surgindo configuradas, na sistemática da Lei nº 79/77, como órgão do distrito.

Para uma melhor compreensão destes organismos, e daqueles de que são sucedâneos, será aconselhável que, em breve apontamento, se observe a evolução sofrida pela administração distrital no âmbito da qual têm operado.

2. Examinando o período de duração da divisão distrital, anterior à Constituição de 1976, assinala MARCELLO CAETANO as seguintes seis fases[36]:

«A 1ª fase vai desde a sua criação até 1878: o distrito tem um órgão administrativo (a junta geral) que a partir de 1840 passou a ser eleito pelas câmaras e conselhos municipais. A junta não era um órgão autárquico, tanto mais que estava reservada ao governador civil a execução das suas deliberações e que este presidia ao Conselho de Distrito, órgão permanente de tutela e do contencioso. A posição do governador civil era, pois, preponderante e, senão de direito, pelo menos de facto, o distrito é simples circunscrição de administração do Estado.
Inicia-se a 2ª fase com o Código de 1878. As juntas gerais recebem numerosas e importantes atribuições de fomento e assistência, meios financeiros para os exercer, a faculdade de executar as suas deliberações mediante comissões executivas permanentes, por elas eleitas e independentes do governador civil e do Conselho de Distrito. O distrito passa, pois, a ser, de direito e de facto, autarquia local, e como tal se mantém no Código de 1886.
A 3ª fase vai de 1892 a 1913. O distrito deixa de ter personalidade jurídica, desaparecem as juntas gerais e ficam apenas existindo comissões distritais junto do governador civil, que é a única autoridade na circunscrição e o único representante dos respectivos interesses.
Uma 4ª fase vai de 1913 a 1937, em que o distrito volta a ser autarquia local, como na 2ª fase.
Nos termos da Constituição de 1933, a Lei nº 1940, base XXI, e o Código de 1936 consagraram o regime da 3ª fase, mais acentuado, reduzindo o distrito a círculo de administração-geral despido de todo o carácter autárquico (1937 a 1959).
Pela reforma sofrida pelo Código Administrativo de 1959 (Dec.-Lei nº 42536, de 28 de Setembro) inicia-se a 6ª fase, de regime semelhante às 2ª e 4ª».

3. No Decreto-Lei nº 42536, os distritos foram concebidos como autarquias supermunicipais destinadas a reunir os esforços dos municípios, a orientá-los e a apoiá-los, podendo ser definidos, segundo FREITAS DO AMARAL, como «as autarquias locais de carácter supra-municipal cuja área coincidia com a dos governos civis»[37], sublinhando a doutrina, como dá conta o mesmo Autor, «a necessidade de não confundir os distritos enquanto autarquias locais com os distritos, ou governos civis, enquanto circunscrições administrativas: as áreas eram coincidentes, mas a natureza jurídica era completamente distinta»[38].

4. Com a Constituição de 1976, volta a colocar-se a questão que FREITAS DO AMARAL equaciona da seguinte forma: «o distrito continua a ser, ainda que transitoriamente, uma autarquia local, ou terá sido degradado à condição de mera circunscrição administrativa?»[39].

«Pela parte que nos toca – escreve este Autor -, já defendemos a primeira opinião, embora sublinhando o regime aberrante definido para o distrito como autarquia [x5]. A partir da 1ª edição deste Curso, porém, inclinamo-nos para a tese que vê no distrito uma simples circunscrição, e que não considera a Assembleia Distrital e o Conselho Distrital como órgãos (autárquicos) do distrito, mas como órgãos (desconcentrados) do Estado.
Com efeito, a Constituição diz claramente, no artigo 238º, nº 1, que as autarquias locais no Continente são as “freguesias, os municípios e as regiões administrativas”, omitindo assim da lista os distritos. E no artigo 295º, nº 1 [[40]], nem sequer se refere à entidade jurídica distrito, mas apenas à divisão distrital, o que se ajusta muito mais à ideia do distrito como circunscrição do que como autarquia. Por outro lado, nem a Constituição nem a lei prevêem um corpo administrativo para gerir os assuntos distritais, sendo certo que o distrito não é hoje em dia governado por órgãos eleitos. Isto, apesar de haver uma “assembleia deliberativa” em cada distrito, “composta por representantes dos municípios” (CRP, art. 291º, nº 2).
Tudo aponta, assim, no sentido de que o distrito voltou a perder personalidade e autonomia, tendo sido riscado do mapa das autarquias locais. Este novo golpe na autarquia distrital, reconvertendo-a em mera circunscrição administrativa onde actuam certos órgãos locais do Estado, mostra bem que o distrito não é – e nunca foi – uma entidade sentida pelos portugueses como uma autêntica e genuína autarquia local, isto é, como emanação autónoma da vontade, e representativa dos interesses, da população da respectiva área»[41].

5. Hoje, perante a actual redacção do nº 2 do artigo 291º da Constituição e da composição e actuais competências das assembleias distritais, a questão da sua qualificação jurídica pode voltar a colocar-se[42].

Na vigência da versão originária do artigo 263º da Constituição e da Lei nº 79/77, as assembleias distritais eram compostas pelo governador civil do distrito, a quem competia presidir, sem direito de voto, e executar as deliberações tomadas na prossecução das atribuições do distrito, pelos presidentes das câmaras municipais ou vereadores que os substituíssem e por dois membros de cada assembleia municipal (artigo 83º da Lei nº 79/77).

A 2ª Revisão Constitucional imprimiu uma nova redacção ao artigo 291º da Constituição[43], com a alteração dos seus n.os 1 e 2:
«Artigo 291º
Distritos

1. Enquanto as regiões administrativas não estiverem concretamente instituídas, subsistirá a divisão distrital no espaço por elas não abrangido.
2. Haverá em cada distrito, em termos a definir por lei, uma assembleia deliberativa, composta por representantes dos municípios
3. Compete ao governador civil, assistido por um conselho, representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito.»

A inovação que mais se salienta radica na exclusão do governador civil da composição das assembleias distritais, o que implicou a necessidade de se proceder a alterações no regime jurídico destas entidade.

6. Disso se veio a encarregar o Decreto-Lei nº 5/91, de 8 de Janeiro[44], editado ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei nº 25/90, de 9 de Agosto[45], de acordo com os seguintes princípios, enunciados no seu artigo 1º:

«Artigo 1.º Fica o Governo autorizado a legislar com o objectivo de alterar o regime jurídico das assembleias distritais, de acordo com os seguintes princípios:

a) Ajustar a sua composição, tendo em consideração a exclusão do governador civil na composição das assembleias distritais, determinada pela nova redacção do artigo 291º da Constituição, resultante da segunda revisão constitucional;
b) Actualizar as competências da assembleia distrital para delas excluir as que são manifestamente do âmbito da administração central, designadamente a segunda parte da alínea j) do nº 1 do artigo 87º da Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro;
c) Delimitar a duração do mandato, vinculado à exigência de representatividade autárquica;
d) Definir o seu regime financeiro e patrimonial;
e) Definir o regime da organização e funcionamento do órgão e seus serviços;
f) Sujeitar as assembleias distritais ao regime jurídico da tutela administrativa;
g) Regular o regime de transferência dos serviços que as assembleias distritais deliberem não continuar a assegurar, bem como dos estabelecimentos e respectivos bens móveis e imóveis a eles afectos e do pessoal dos mesmos que não foi integrado nos quadros privativos, nos termos do artigo 1º da Lei nº 14/86, de 30 de Maio.»

Em conformidade, os artigos 1º e 2º do citado Decreto-Lei nº 5/91 estabelecem o seguinte:

«Artigo 1º - 1 - Enquanto não estiverem instituídas em concreto as regiões administrativas subsiste a divisão distrital.
2. Há em cada distrito uma assembleia distrital com funções deliberativas e um conselho consultivo que assiste o governador civil.

Art. 2º Compõem a assembleia distrital:

a) Os presidentes das câmaras municipais ou vereadores que os substituam;
b) Dois membros de cada assembleia municipal, devendo um deles ser o respectivo presidente ou o seu substituto e o outro eleito de entre os presidentes de junta de freguesia.»

As competências da assembleia distrital estão definidas no artigo 5º desta Lei, preceito que também interessa conhecer:

«Art. 5º Compete à assembleia distrital:

a) Elaborar o seu regimento;
b) Promover a coordenação dos meios de acção distritais de que disponha;
c) Deliberar sobre a criação ou manutenção de serviços que, na área do distrito, apoiem tecnicamente as autarquias locais;
d) Dar parecer, sempre que solicitado, sobre questões relacionadas com o desenvolvimento económico e social do distrito;
e) Aprovar recomendações sobre a rede escolar no respeitante aos níveis de ensino que constituem a educação pré-escolar, o ensino básico e o ensino secundário, bem como coordenar a acção das autarquias locais no âmbito do equipamento escolar;
f) Deliberar sobre a criação e manutenção de museus etnográficos, históricos e de arte local;
g) Deliberar sobre a investigação, inventariação e conservação dos valores locais e arqueológicos, históricos e artísticos e sobre a preservação e divulgação do folclore, trajos e costumes regionais;
h) Solicitar informações e esclarecimentos ao governador civil em matéria de interesse do distrito;
i) Estabelecer as normas gerais de administração do património próprio do distrito sob sua jurisdição;
j) Aprovar o plano anual de actividades, o orçamento e suas revisões ou alterações e o relatório e as contas da assembleia distrital;
l) Gerir o quadro de pessoal por si fixado;
m) Exercer os demais poderes que lhe sejam conferidos por lei.»

Comparando o elenco das competências definidas neste preceito com o que figurava no artigo 87º da Lei nº 79/77, não se evidenciam significativas diferenças. Realça-se, no entanto, o facto de ter desaparecido a competência para «aprovar o programa anual dos subsídios a atribuir pelo governo civil e as contas e relatórios respectivos, sob proposta do governador civil» que figurava na alínea j) – 2ª parte – do artigo 87º da Lei de 1977.

O artigo 6º regula a mesa da assembleia distrital, estabelecendo que é constituída por um presidente e dois secretários, sendo eleita pela assembleia, de entre os seus membros, por escrutínio secreto, pelo período do mandato autárquico.

O artigo 7º enuncia as competências do presidente da mesa da assembleia distrital.

O artigo 9º, sobre as receitas destes organismos, dispõe o seguinte:

«Constituem receitas das assembleias distritais:

a) O produto das contribuições de cada município;
b) O produto da cobrança de taxas pela prestação de serviços ou pelo aproveitamento de bens de utilização pública;
c) O rendimento de bens próprios e o produto da sua alienação;
d) Quaisquer outros rendimentos permitidos por lei.»

O artigo 11º, respeitando à tutela administrativa a que ficam sujeitas as assembleias distritais, dispõe:

«Art. 11.º As assembleias distritais ficam sujeitas à tutela administrativa prevista na Lei nº 87/89, de 9 de Setembro, nos mesmos termos em que o são as autarquias locais.»

Os artigos 13º e 14º estabelecem normas sobre o pessoal integrado nos quadros das assembleias distritais e do pessoal não providos nesses quadros e sobre a responsabilidade pela manutenção dos respectivos serviços. Nos termos daquele artigo 14º, os encargos com o pessoal dos seus quadros e com a manutenção dos respectivos serviços «passam a ser integralmente suportado pelas assembleias, através das contribuições dos municípios integrantes, estabelecidos de acordo com os critérios de repartição fixados por cada assembleia».

O artigo 15º versa sobre a propriedade dos bens móveis e imóveis adstritos aos serviços e estabelecimentos «cujos fins as assembleias distritais deliberem não continuar a assegurar e que vão ser prosseguidos pela Administração Central», a qual se considera transferida para o Estado (artigo 15º, nº 1)[46].

7. Dos preceitos legais que vêm de se citar[47], poder-se-á afirmar que as assembleias distritais constituem estruturas personalizadas, de direito público, integradas exclusivamente por autarcas, titulares de órgãos próprios que exercitam competências legalmente definidas, e detentoras de património próprio, que administram com autonomia, com quadros de pessoal afecto aos respectivos serviços.

Das mesmas disposições retira-se, em primeira impressão, que as assembleias distritais actuam no ordenamento jurídico-administrativo em conexão com as autarquias locais, em especial, com os municípios.

Tentando captar a natureza da assembleia deliberativa, prevista no nº 2 do (então) artigo 291º da Constituição, actual assembleia distrital, escrevem, em anotação, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA:

«Não é líquido o que deve entender-se por subsistência da divisão distrital (nº 1), nomeadamente quanto a saber se a estrutura prevista no nº 2 significa a manutenção de uma autarquia distrital ou apenas uma organização de coordenação intermunicipal. É agora inequívoco, depois da revisão de 1989, que se não trata nem de uma estrutura de administração periférica do Estado, nem sequer de uma estrutura mista de articulação entre o Estado e os municípios, diferentemente do que poderia dar a entender a redacção originária, em que o governador civil integrava a assembleia distrital, à qual presidia mesmo»[48].

«As autarquias locais são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas», conforme definição contida no artigo 235º, nº 2, da Constituição.

Perante os elementos essenciais contidos nesta definição – território, agregado populacional, interesses próprios deste agregado e órgãos representativos da população[49] – as autarquias locais podem ser caracterizadas como «as pessoas colectivas públicas de natureza associativa e base territorial que visam prosseguir os interesses próprios dos residentes em circunscrições administrativas do território nacional, através de órgãos representativos ou electivos, dispondo, para o efeito, de autonomia em relação ao Estado-Administração»[50].

As assembleias distritais evidenciam, na sua orgânica, estrutura e atribuições, características das autarquias locais, em termos de, sem grande dificuldade, poderem ser consideradas como uma sua espécie.

No entanto, o artigo 238º, nº 1, da Constituição, consagra as seguintes três categorias de autarquias locais no continente: as freguesias, os municípios e as regiões administrativas, categorias que, segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «são um numerus clausus, não podendo ser criadas outras (princípio da tipicidade)»[51].

Nesta conformidade, as assembleias distritais não constituem autarquias locais.

8. Porém, não assumindo essa natureza, há que salientar que as assembleias distritais são integradas por membros que «beneficiam da sua qualidade de autarcas, representantes directos das populações que os elegeram», como referiu o Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território na apresentação da proposta de lei nº 131/V de autorização legislativa (Regime jurídico das assembleias distritais) de que resultou a Lei nº 25/90, de 9 de Agosto[52], justificando-se, nomeadamente, a sua sujeição ao regime da tutela administrativa a que também estão sujeitas as autarquias locais pelo facto de a prossecução das suas atribuições de interesse público serem suportadas com meios financeiros da mesma natureza.

No debate parlamentar foi suscitada, em diversos momentos, a questão da natureza jurídica destes organismos e, concretamente, a questão de saber se constituem ou não uma autarquia. Perante a afirmação de que «não constituem uma autarquia»[53], foi questionada por um deputado a razão de ser do pedido de autorização legislativa formulado pelo Governo[54].

Embora a discussão da dita proposta de lei não esclareça, em termos decisivos, a natureza das assembleias distritais, foi sublinhado o facto de a supressão do governador civil da sua composição mais acentuar a sua natureza de verdadeiro órgão do poder local[55].

Como acima se referiu, estas comungam dos elementos essencialmente caracterizadores das autarquias locais, sendo hoje claro, após a revisão constitucional de 1989, que não constituem órgãos estaduais actuando a nível periférico.

A própria sujeição das assembleias distritais ao regime da tutela administrativa previsto na Lei nº 87/89, de 9 de Setembro, actualmente, na Lei nº 27/96, de 1 de Agosto, «nos mesmos termos em que o são as autarquias locais», estabelecida no artigo 11º do Decreto-Lei nº 5/91, constitui elemento decisivo no sentido da não inclusão destes organismos na administração directa do Estado sobre a qual o Governo exerce um poder de direcção, nos termos do artigo 199º, alínea d), da Constituição.

A própria Lei nº 27/96, sobre o respectivo âmbito de aplicação, procede, no seu artigo 1º, à equiparação das assembleias distritais, a par de outros entes públicos personalizados, às autarquias locais, para efeitos desse diploma. Tem interesse transcrever esse preceito:
«Artigo 1º
Âmbito

1 – A presente lei estabelece o regime jurídico da tutela administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e entidades equiparadas, bem como o respectivo regime sancionatório.
2 – Para efeitos do presente diploma, são consideradas entidades equiparadas a autarquias locais as áreas metropolitanas, as assembleias distritais e as associações de municípios de direito público.»

Em face do exposto, constituindo as assembleias distritais estruturas personalizadas de emanação autárquica, integradas exclusivamente por autarcas e prosseguindo atribuições situadas em domínios que correspondem a interesses específicos da população de uma determinada circunscrição territorial (distrito), afigura-se-nos que se lhes possa atribuir a natureza de organismo autárquico, ainda que atípico.

VI

1. A questão da instituição de fundações privadas pelo Estado ou por outras pessoas colectivas públicas já foi tratada pelo Conselho Consultivo, encontrando-se sedimentado um entendimento ao qual aderimos, por não se descortinarem razões para a sua modificação[56].

1.1. Discorrendo sobre «as zonas de “interpenetração do público e do privado”, propícias à génese de formações híbridas», lê-se no Parecer nº 611/2000 (ponto 3.2):

«Há quem fale de “entidades colectivas sem personalidade jurídica pública”, isto é, de “pessoas colectivas de estatuto privado integrantes da administração indirecta do Estado (ou de uma região autónoma ou de uma autarquia local)”, tais como as “ fundações e associações criadas por entidades públicas para prosseguir objectivos das entidades instituidoras” x6.

«As associações agrupam-se em duas espécies x7.

«A primeira compreenderia as “associações integralmente constituídas por entidades públicas” x8, enquanto a segunda seria integrada pelas “associações de entidades públicas e privadas” x9.

«Tais “associações privadas criadas por iniciativa pública” não mereceriam, aliás, as reservas opostas pela opinião em apreço às fundações da mesma natureza, as quais se perfilariam em torno dos aspectos seguintes x10.

«Por um lado, observa-se, não existe entre nós “qualquer norma constitucional ou legal a que possa ser atribuído o sentido de uma habilitação genérica da Administração Pública para instituir fundações”, salvo, desde recente data e limitada aos municípios, a do artigo 53º, nº 2, alínea l), da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro.

«É certo “que a prossecução de atribuições públicas por entidades privadas não se encontra constitucionalmente proibida”, podendo, pois, admitir-se a instituição de fundações privadas “para prosseguir fins públicos determinados”. Mas isso desde que observadas certas “limitações e constrangimentos”: os derivados da “excepcionalidade da administração pública por entes privados”; da proibição do uso desse procedimento para evitar a observância dos chamados dados fundamentais da administração pública, tais como “os controlos ministerial e parlamentar, a vinculação aos direitos fundamentais” x11. Determinadas tarefas não poderiam sequer deixar de ser desempenhadas por entes públicos x12.

«Por outro lado, a instituição de fundações de direito privado por entidades públicas, envolvendo a separação entre a fundação e o fundador, que a lei civil postula, implicaria, para a tese exposta, um “abandono definitivo” pelo ente público “dos interesses públicos de cuja prossecução a lei o encarregou”.

«Outros pontos de vista apresentam-se, porém, menos restritivos relativamente à admissibilidade destas figuras transaccionais das “fundações públicas de direito privado”.

«Desde logo porque, “reconhecendo a doutrina do direito público ampla capacidade de gestão privada às pessoas colectivas de direito público, nada impede que estas últimas criem fundações exclusivamente ao abrigo do direito privado, por negócio jurídico privado, ficando as fundações públicas assim criadas sujeitas no seu funcionamento apenas ao direito privado” x13.

«E existindo “pessoas colectivas públicas de direito privado (v.g., empresas públicas de regime geral, sociedades de capitais públicos, sociedades de economia mista controlada, cooperativas mistas, associações públicas de direito privado, etc.)”, nada também impede «que qualquer delas crie fundações de direito privado que serão igualmente públicas por serem de iniciativa pública e afectarem um património público ao serviço de fins de interesse social que a entidade instituidora pretende prosseguir, mas que são fundações de direito privado porque criadas ao abrigo do direito privado (Código Civil), por negócio jurídico privado, ficando apenas sujeitas ao direito privado» x14

1.2. No Parecer nº 2/2001, depois da referência a ordenamentos jurídicos de outros países, onde se observa «uma diversidade de soluções», retomando o caso português, afirma-se:

«(...) a verdade é que, apesar das hesitações, o Estado e outras pessoas colectivas públicas, mesmo sem texto legal autorizante, ao contrário do que se passa para as autarquias x15, vêm instituindo fundações de direito privado. Quanto à pessoa colectiva Estado, a Fundação da Casa de Bragança x16 constitui senão o primeiro, pelo menos, um dos primeiros exemplos, a que muitos outros se seguiram x17, sendo a Fundação para a Protecção e Gestão Ambiental das Salinas do Samouco, o último caso publicado x18.

«Por outro lado, há também exemplos de fundações que foram instituídas por negócio jurídico privado x19.

«Decorre do exposto que o Estado e outras pessoas colectivas públicas, sós ou em colaboração com outras entidades, têm instituído fundações para prosseguirem as atribuições que lhes são cometidas»[57].

1.3. No Parecer nº 160/2004, o Conselho teve, como já se disse, a oportunidade de se pronunciar sobre o tema, retomando, no essencial, os desenvolvimentos teóricos dos Pareceres anteriormente citados, tendo concluído (conclusão 2ª):

«O Estado e as outras pessoas colectivas públicas podem criar pessoas colectivas de direito público ou pessoas colectivas de direito privado. O respectivo regime jurídico é o que resultar da sua natureza e espécie, do respectivo estatuto e das normas que se lhes apliquem».

1.4. Por fim, cumpre referir o tratamento jurídico dispensado a esta temática no Parecer nº 48/2004, no âmbito do qual foi suscitada a questão de saber se os Municípios ou as Freguesias podem, por si ou em co-
-instituição, instituir fundações criadas ao abrigo do Código Civil.


Depois de uma referência à actividade desenvolvida pela «Comissão de reforma do regime jurídico das fundações», presidida por RUI ALARCÃO[58], e pela comissão encarregada do regime jurídico dos institutos públicos e, entre eles, das fundações públicas, presidida por VITAL MOREIRA[59], aquele Parecer dá conta da publicação da Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro – lei quadro dos institutos públicos – «conceito em que se integram, como espécie, as fundações públicas em sentido estrito, ou seja, as pessoas colectivas públicas de substracto fundacional, dotadas de um “acervo patrimonial” afectado a determinada finalidade de interesse público específico, sob a égide do direito administrativo».

As fundações instituídas por entes públicos ao abrigo do direito privado ficaram excluídas do âmbito de aplicação do diploma, como decorre do seu artigo 4º, nº 3, do seguinte teor:

«3 – As sociedades e as associações ou fundações criadas como pessoas colectivas de direito privado pelo Estado, Regiões Autónomas, ou autarquias locais não são abrangidas por esta lei, devendo essa criação ser sempre autorizada por diploma legal.»

Prossegue o mesmo Parecer[60]:

«O actual enquadramento normativo não permite às autarquias – destituídas que são de poder legislativo – criar fundações públicas regidas pelo direito público, já que se impõe que a instituição ocorra através de acto legislativo; aliás, a lei quadro apenas contempla a criação de institutos públicos pelo Estado e pelas Regiões Autónomas x20.

«Nada obsta, porém, a que os entes autárquicos instituam fundações de direito privado desde que autorizadas por diploma legal, nos termos da norma supra citada.

«Afigura-se-nos que tal autorização tanto poderá ser conferida casuisticamente (implicando já o reconhecimento específico da fundação, à semelhança do que acontece com a concessão de reconhecimento a algumas fundações através de lei especial x21, como poderá ser conferida através de uma habilitação genérica constante de norma legal, tal como é atribuída aos municípios pela alínea l) do nº 2 do artigo 53º da Lei nº 169/99; neste caso, suscitar-se-á a necessidade de reconhecimento por acto administrativo, através do qual é outorgada personalidade jurídica à organização fundacional x22.

«Assim, face ao direito constituído – e posto que não foi ainda aprovado um regime jurídico específico para as fundações de direito privado instituídas por entidades públicas, o qual constituiria um tertio genus fundado na confluência de razões de interesse público com mecanismos de gestão privada – as fundações de direito público seguem o regime estabelecido na lei quadro dos institutos públicos e as fundações de direito privado seguem o regime estabelecido no Código Civil. E será neste segundo grupo que (...) se abrigam as fundações criadas pelos municípios mediante a habilitação genericamente conferida pela Lei nº 169/99.»

A Lei nº 169/99, de 18 de Setembro[61], que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias, habilita os municípios a instituírem fundações. É o seguinte o conteúdo da norma, contida no artigo 53º, preceito que, na parte que aqui releva, se transcreve:
«Artigo 53º
Competências

1 – (...)
2 – Compete à assembleia municipal em matéria regulamentar e de organização e funcionamento, sob proposta da câmara:
(...)
l) Municipalizar serviços, autorizar o município, nos termos da lei, a criar fundações e empresas municipais e a aprovar os respectivos estatutos, bem como a remuneração dos membros dos corpos sociais, assim como a criar e a participar em empresas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, fixando as condições gerais da participação;
m) Autorizar o município, nos termos da lei, a integrar-se em associações e federações de municípios, a associar-se com outras entidades públicas, privadas ou cooperativas e a criar ou participar em empresas privadas de âmbito municipal que prossigam fins de reconhecido interesse público local e se contenham dentro das atribuições cometidas aos municípios, em quaisquer dos casos fixando as condições gerais dessa participação;
(...).»

«No que respeita às competências da assembleia de freguesia, bem como da junta de freguesia e do respectivo Presidente, as respectivas normas não consagram a possibilidade de criação de fundações. De facto, apenas se prevê, entre as competências daquele primeiro órgão, elencadas no artigo 17º, “Autorizar a freguesia a participar em empresas de capitais públicos de âmbito municipal, para a prossecução de actividades de interesse local, cujo objecto se contenha nas atribuições da freguesia” e “Autorizar a freguesia a estabelecer formas de cooperação com entidades públicas ou privadas, no âmbito das suas atribuições” (alíneas e) e g), respectivamente)»[62].

O Parecer que se vem acompanhando fornece outros contributos doutrinários sobre a temática da instituição de fundações pelas autarquias locais que interessa reter.

Escreve-se aí:

«No Relatório apresentado pelo grupo de trabalho que elaborou o anteprojecto da lei quadro dos institutos públicos considerou-se, a propósito dos entes criadores dos diversos tipos de institutos públicos, que, “teoricamente”, em função do ente criador, estes podem ser estaduais, regionais, autárquicos, institucionais e associativos x23; no entanto, logo se acrescentou que tal elenco não significava que todos fossem admissíveis face à lei interna então em vigor, explicitando-se:”(...) Assim, se se entender que os IP apenas podem ser criados por acto legislativo, afastadas ficam logo as últimas três espécies apontadas, dado o respectivo ente criador não dispor de competência legislativa.
Mas, mesmo que seja possível a criação administrativa de IP – o que não parece ser a melhor solução –, sempre se há-de entender que se trata de questão sob reserva da lei, ou seja, que só é possível uma autarquia, um IP ou uma associação pública criar um IP desde que isso esteja legalmente previsto, designadamente nos respectivos estatutos.
Sabendo-se que nem os IP nem as associações públicas têm uma lei geral que os regule, a resposta para a referida questão dependerá de caso para caso, embora na busca a que se procedeu não se tenha encontrado um único caso desses, ou seja, que a lei os habilitasse a criar, eles próprios, por acto e vontade sua, um IP.
Já é diferente com as autarquias locais que, como se sabe, têm um estatuto geral, vertido na Lei nº 169/99 (de 18 de Setembro). Resulta desse diploma que nem as freguesias nem os municípios se encontram legalmente habilitados a criar institutos públicos. Os municípios só podem criar empresas públicas municipais mas não entes institucionais públicos.”

«A este propósito, anota-se: “A lei refere a possibilidade de eles criarem ”fundações” – alínea l) do nº 2 do art. 53º da Lei nº 169/99 – mas tudo indica que aí estão em causa as fundações instituídas ao abrigo da lei civil, logo com personalidade de direito privado, e não as fundações públicas, como modalidade de institutos públicos”.

«Por seu turno, PACHECO DE AMORIM x24, em breve anotação, refere-se à possibilidade de as autarquias, com fundamento na “lata autonomia” que a Constituição lhes reconhece, disporem de uma “administração indirecta”. E, argumentando em tal sentido, alude expressamente à capacidade que, nos termos da lei, os municípios já têm para constituir sociedades, associações e fundações de direito privado, para as quais podem inclusivamente transferir atribuições e competências por contrato de concessão.

«No que especificamente concerne à possibilidade de instituição de fundações, e tendo presente o disposto no artigo 53º da Lei nº 169/99, refere o Autor:

«“Ora, sendo o criador das “fundações” previstas no primeiro dos preceitos citados um ente público, e dada sobretudo a localização desta permissão legal (na alínea l) e não na alínea m) do referido artigo), poder-se-á entender que a norma se destina sobretudo a acobertar (explicitamente) a criação de fundações de direito público, ou seja, de pessoas colectivas públicas de tipo fundacional ou institucional (sejam elas fundos, estabelecimentos ou serviços personalizados).
Não deixe de se referir, in fine, o decorrer da aplicação conjugada das disposições do Código Civil sobre as fundações e do citado preceito da Lei nº 169/99 que, mesmo nas fundações municipais de direito privado, à semelhança das empresas municipais, não poderão deixar de ser qualificadas, quanto à sua natureza, como pessoas colectivas públicas (...)”.»

2. Perante o exposto, estamos em condições de responder à primeira questão colocada: a de saber se as Assembleias Distritais têm competência para instituir fundações privadas.

Tendo tais entidades sido caracterizadas como organismos personalizados de natureza autárquica, poder-se-ia entender que essa competência encontraria suficiente acolhimento na norma contida no artigo 53º, nº 2, alínea l), da Lei nº 169/99, acima reproduzida.

No entanto, a natureza autárquica assinalada às assembleias distritais, ou a sua própria equiparação às autarquias locais (para efeitos de sujeição ao regime da tutela administrativa) não se configuram como elementos suficientes para se recorrer à habilitação contida naquele preceito legal já que ele se reporta, especificamente, aos municípios. Os poderes para a instituição de fundações são conferidos pela Lei nº 169/99 aos municípios e não também às freguesias[63].

De todo o modo, como se referiu, não existem dúvidas quanto à legitimidade do Estado ou outras pessoas colectivas públicas, isoladamente ou em colaboração com outras entidades, para a instituição de fundações regidas pelo direito privado para a prossecução das atribuições que lhes são cometidas, devendo sublinhar-se que, a partir da vigência da Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro, que aprovou a lei quadro dos institutos públicos[64], essa legitimidade está dependente de prévia autorização por diploma legal (artigo 3º, nº 4).

Constituindo as assembleias distritais pessoas colectivas públicas autónomas, dispõem, desde que autorizadas por diploma legal, de legitimidade para criarem fundações se a sua instituição for considerada relevante para a prossecução das suas atribuições.

Refira-se que na situação que motivou esta consulta, a exigência daquela específica habilitação legal constante do citado artigo 3º, nº 4, da Lei nº 3/2004, não se aplica uma vez que a instituição da Fundação Aeminium ocorreu em data anterior (9 de Julho de 2003) à da entrada em vigor daquele diploma.

3. O pressuposto assinalado, relativo às atribuições do ente público, implica que se reexaminem as atribuições e competências das assembleias distritais, fixadas no artigo 5º do Decreto-Lei nº 5/91.

Efectivamente, a fundação que foi instituída – a Fundação Aeminium – tem por objectivo principal, recorde-se, a criação, em conjunto com a Fundação Bissaya Barreto, de um novo estabelecimento de ensino superior que integrará todos os direitos e obrigações do Instituto Miguel Torga e, como acessório, a divulgação da cultura e da ciência.

No elenco das matérias da competência das assembleias distritais, destaca-se, pela sua pertinência para o objecto desta consulta, a sua intervenção, através da aprovação de recomendações, sobre «a rede escolar no respeitante aos níveis de ensino que constituem a educação pré-
-escolar, o ensino básico e o ensino secundário» e, bem assim, uma intervenção no domínio da coordenação das autarquias locais «no âmbito do equipamento escolar» [artigo 5º, alínea e), do Decreto-Lei nº 5/91].


Não está contemplada, nessa lista, uma intervenção das assembleias distritais no domínio do ensino superior, nem as autarquias locais prosseguem atribuições nesse domínio.

Nesta perspectiva, poder-se-ia concluir pela ilegitimidade da Assembleia Distrital de Coimbra na instituição de uma fundação cujo principal escopo se insere num domínio (ensino superior) estranho às suas atribuições e competências.

Esta conclusão deve, a nosso ver, ser afastada. Como adiante se verá, a Assembleia Distrital de Coimbra apresenta-se como a entidade instituidora de um estabelecimento de ensino superior universitário – no caso, o Instituto Superior Miguel Torga. Adquiriu o alvará desse estabelecimento na sequência das alterações jurídico-administrativas que envolveram entidades públicas de que é, de certo modo, herdeira.

O ordenamento jurídico não pode ser indiferente a uma situação fáctica validamente surgida e que se tem mantido ao longo do tempo válida, estável nos seus aspectos essenciais e reconhecida pela Administração.

Nesta conformidade, entendemos que, no caso concreto, a Assembleia Distrital de Coimbra pode, legitimamente, instituir uma fundação, regida pelo direito privado, com o escopo assinalado.





VII
1. Suscita-se a questão de saber se «é legalmente possível a intervenção do Instituto Superior Miguel Torga (ISMT) na instituição de uma Fundação» (2ª pergunta).

A resposta a esta questão passa pelo exame da natureza jurídica desse estabelecimento de ensino e do modo como se insere na rede escolar de estabelecimentos de ensino superior. Assim, parece-nos de toda a conveniência que, em simultâneo, se enfrente uma outra questão suscitada: a de saber se «o ISMT é ou não um estabelecimento de ensino particular, na medida em que foi instituído por uma entidade pública, a Assembleia Distrital de Coimbra» (5ª pergunta).

2. O Instituto Superior Miguel Torga, adiante designado abreviadamente por ISMT, constitui uma escola de ensino superior universitário, sendo sua entidade instituidora a Assembleia Distrital de Coimbra.

A natureza e objectivos deste estabelecimento de ensino estão contemplados no artigo 1º dos seus Estatutos[65], do seguinte teor:
«Artigo 1º
Natureza

O Instituto Superior Miguel Torga, adiante designado abreviadamente por ISMT, é uma escola de ensino superior universitário particular não integrada que tem como objectivos ministrar o ensino e promover a investigação na área do serviço social e da acção social, das ciências da informação e outras, cabendo-lhe designadamente conferir o grau de licenciatura em Serviço Social e em Ciências da Informação, bem como ministrar cursos de pós-graduação e de mestrado».

Os fins e competências estão assinalados nos artigos 4º e 5º.

O capítulo II dos Estatutos trata «Das relações entre a entidade instituidora e o ISMT». Os artigos 6º e 7º, aí integrados, dispõem o seguinte:
«Artigo 6º
Titularidade do alvará

A titularidade do alvará pertence à Assembleia Distrital de Coimbra, à qual compete, nos termos da lei, exercer as funções de entidade instituidora.
Artigo 7º
Competências da entidade instituidora

Compete à entidade instituidora:

a) Criar e assegurar as condições para o normal funcionamento do ISMT;
b) Aprovar o presente estatuto, bem como as suas alterações;
c) Assumir a responsabilidade pela gestão económica e financeira, sem prejuízo da autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira;
d) Ratificar a eleição dos membros do conselho directivo, nos termos do artigo 19º, nº 1;
e) Aprovar os planos de actividade e os orçamentos elaborados pelos órgãos de gestão competentes da escola;
f) Delegar no conselho directivo a competência para contratar o pessoal indispensável ao normal funcionamento da escola.»

Nos termos do artigo 8º, o ISMT dispõe de património próprio, garantindo a entidade instituidora aquele que actualmente lhe está afecto, bem como o exigível ao seu desenvolvimento.

Como garantias estatutárias, e para prosseguir os seus objectivos, o ISMT dispõe de estrutura orgânica autónoma, gestão e organização democráticas, bem como de independência na elaboração dos seus regulamentos internos (artigo 9º).

Os artigos 10º e 11º dos Estatutos dispõem sobre a autonomia científica, cultural e pedagógica de que goza o ISMT e, bem assim, sobre a sua autonomia administrativa e financeira.

3. A Constituição da República reconhece a todos o direito à educação e à cultura (artigo 73º, nº 1), garantindo no seu artigo 43º o «núcleo dos direitos essenciais em matéria educativa»[66]: a liberdade de aprender, a liberdade de ensinar, a não confessionalidade do ensino público e o direito de criação de escolas particulares e cooperativas.

A Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei nº 46/86, de 14 de Outubro[67], estabelece, como se enuncia no seu artigo 1º, nº 1, o quadro geral do sistema educativo. Em termos de organização geral, o sistema educativo compreende a educação pré-escolar, a educação escolar e a educação extra-escolar, compreendendo a educação escolar os ensinos básico, secundário e superior (artigo 4º, n.os 1 e 3, do mesmo diploma).

No domínio do ensino superior, cabe ao Estado, entre outras atribuições, «[g]arantir a liberdade de criação e funcionamento de estabelecimentos de ensino», e «[c]riar uma rede de estabelecimentos públicos que, no respeito pelas liberdades de aprender e de ensinar, cubra as necessidades de toda a população», conforme disposto no artigo 1º, alíneas a) e b), da Lei nº 1/2003, de 6 de Janeiro[68].

Nos termos do artigo 2º, nº 1, do mesmo diploma, para a prossecução dessas atribuições, compete ao Governo (a) criar estabelecimentos públicos de ensino superior, e (b) reconhecer interesse público aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que pretendam ministrar cursos conferentes de grau.

O artigo 9º desta Lei rege sobre o reconhecimento do interesse público dos estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo que pretendam ministrar cursos conferentes de grau. Nos termos do nº 1, esse reconhecimento pode ser requerido ao Governo, verificados os requisitos legais, dispondo o nº 2 que:

«2 – O reconhecimento de interesse público a um estabelecimento de ensino superior particular e cooperativo determina a sua integração no sistema educativo e confere à entidade instituidora o gozo dos direitos e faculdades concedidos legalmente às pessoas colectivas de utilidade pública relativamente às actividades conexas com a criação e o funcionamento desse estabelecimento.»

O valor do ensino superior particular e cooperativo[69] é reconhecido pelo Estado como expressão concreta da liberdade de aprender e ensinar e do direito da família a orientar a educação dos seus filhos, assim o afirma o nº 1 do artigo 57º da Lei de Bases do Sistema Educativo, estabelecendo-se no nº 2 que «O ensino particular e cooperativo rege-se por legislação e estatuto próprios, que devem subordinar-se ao disposto na presente lei».

4. O actual Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo consta do Decreto-Lei nº 16/94, de 22 de Janeiro[70], doravante designado abreviadamente por EESPC, diploma que, nos termos do seu artigo 1º, «rege a constituição, a organização e o funcionamento de estabelecimentos de ensino superior instituídos por pessoas colectivas de direito privado».

Da norma que se vem de citar, retira-se que os estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo contemplados pelo Estatuto são os que têm como entidades instituidoras «pessoas colectivas de direito privado».

Esta regra encontra-se reafirmada quanto à legitimidade para a criação de estabelecimentos, matéria de que se ocupa o artigo 12º, com a seguinte redacção:
«Artigo 12º
Legitimidade

1 – Podem criar estabelecimentos de ensino as pessoas colectivas de direito privado constituídas para esse efeito.
2 – O reconhecimento das fundações cujo escopo compreenda a criação do estabelecimento de ensino compete ao Ministro da Educação, nos termos do artigo 188º do Código Civil.»

Trata-se, se bem observamos, de uma alteração ao anterior regime estatutário do ensino superior particular e cooperativo, contido no Decreto-
-Lei nº 271/89, de 19 de Agosto, em cujo âmbito, conforme artigo 2º, nº 4, se entendia por “entidade instituidora” «toda a pessoa colectiva pública não estadual, particular ou cooperativa que seja responsável pela criação e funcionamento de um estabelecimento de ensino superior particular e cooperativo»
[71].

Das normas que o EESPC contempla relativamente à entidade instituidora dos estabelecimentos de ensino, interessa conhecer as que se contêm nos seus artigos 5º, 17º e 19º.

Conforme preceitua o artigo 5º, nº 1, deste diploma, «A entidade instituidora organiza e gere os respectivos estabelecimentos de ensino, designadamente nos domínio administrativo, económico e financeiro», devendo dotá-los de um estatuto que, no respeito da lei, defina os seus objectivos e estrutura orgânica, bem como o seu projecto científico, cultural e pedagógico, a forma de gestão e organização que adoptam e outros aspectos fundamentais da sua organização e funcionamento (artigo 17º, nº 1).

As competências da entidade instituidora estão condensadas no artigo 19º do Estatuto, nos termos seguintes:
«Artigo 19º
Entidade instituidora

1 – Compete à entidade instituidora de um estabelecimento de ensino:

a) Criar e assegurar as condições para o normal funcionamento do estabelecimento de ensino, assegurando a sua gestão administrativa, económica e financeira;
b) Submeter a registo o estatuto do estabelecimento de ensino e as suas alterações;
c) Afectar ao estabelecimento de ensino um património específico em instalações e equipamento;
d) Designar, nos termos do estatuto, os titulares do órgão de direcção do estabelecimento de ensino e destituí-los livremente;
e) Aprovar os planos de actividade e os orçamentos elaborados pelos órgãos do estabelecimento de ensino;
f) Contratar docentes, ouvido o órgão científico do estabelecimento de ensino;
g) Contratar pessoal não docente, ouvido o órgão de direcção do estabelecimento de ensino;
h) Requerer autorização de funcionamento de cursos e reconhecimento de graus, precedendo parecer do órgão científico do estabelecimento de ensino.

2 – As competências próprias da entidade instituidora devem ser exercidas sem prejuízo da autonomia pedagógica, científica e cultural do estabelecimento de ensino, de acordo com o disposto no acto constitutivo da entidade instituidora e no estatuto do estabelecimento.»

5. Como se vê, a entidade instituidora do ISMT, e detentora do respectivo alvará, é a Assembleia Distrital de Coimbra, caracterizada como entidade personalizada de direito público.

Por seu lado, de acordo com as disposições do respectivo estatuto, o ISMT é uma escola de ensino superior universitário particular não integrada.

À luz do actual Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, os estabelecimentos de ensino superior particular são criados por «pessoas colectivas de direito privado constituídas para esse efeito» (artigo 12º), assumindo, por conseguinte, essas entidades privadas a qualidade de instituidoras para todos os efeitos.

No caso presente, surge-nos como instituidora do ISMT uma entidade pública, situação que se deverá às circunstâncias que rodearam a criação deste estabelecimento de ensino e às vicissitudes pelas quais passou, ao longo do tempo.

6. As origens deste estabelecimento de ensino remontam ao ano de 1937 com a criação em Coimbra, por iniciativa das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, com o apoio de Bissaya Barreto, então presidente da Junta de Província da Beira Litoral, da Escola Normal Social[72].

Esta Escola mereceu em 14 de Dezembro de 1939 o reconhecimento oficial por parte do Governo, dentro do quadro dos estabelecimentos de ensino particular, através do Decreto-Lei nº 30.135, dessa data, que estabeleceu «os princípios gerais de orientação e coordenação a que hão-de submeter-se, em harmonia com os artigos 42º a 44º da Constituição Política, os estabelecimentos de educação para o serviço social» (do preâmbulo).

Assim, nos termos do artigo 1º desse diploma:

«Artigo 1º Pelo Ministério da Educação Nacional e dentro do quadro dos estabelecimentos de ensino particular poderá ser autorizado o funcionamento de institutos destinados à formação de assistentes de serviço social, com ou sem especialização, por modo a assegurar-se a satisfação das necessidades de pessoal técnico, tanto para os serviços públicos como para as instituições particulares que, em qualquer forma da sua actividade, se proponham fins de educação e auxílio social.
§ único. Ficam desde já autorizados para todos os efeitos deste decreto-lei, desde que ao regime por ele estabelecido se sujeitem, o Instituto do Serviço Social e a Escola Normal Social, existentes em Lisboa e Coimbra respectivamente.»[73]

Em 1940, o Ministério da Educação Nacional concede o alvará[74] da Escola Normal Social à Junta de Província da Beira Litoral[75], presidida por Bissaya Barreto.

Por despacho ministerial de 29 de Março de 1962, o curso de Serviço Social ministrado na Escola Normal Social foi reconhecido como curso superior.

Entretanto, a denominação deste estabelecimento de ensino foi alterada para Instituto de Serviço Social de Coimbra e, depois, para Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra (ISSSC)[76].

Por força da evolução da organização administrativa portuguesa, titularidade do alvará de funcionamento deste Instituto Superior transitou para a Junta Distrital de Coimbra[77] e, com a extinção deste organismo, para a Assembleia Distrital de Coimbra, que, assim, detém, actualmente, o papel de entidade instituidora.

Com a Lei nº 9/79, de 19 de Março, que aprovou a lei de bases do ensino particular e cooperativo, o ISSSC foi enquadrado nos objectivos do Sistema Nacional de Educação, gozando das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública.

Pela Portaria nº 15/90, de 9 de Janeiro, e «ao abrigo e nos termos dos artigos 17º, nº 2, 18º, nº 1, 19º, 21º, nº 1, 25º e 53º do Decreto-Lei nº 271/89, de 19 de Agosto[78] (...), [é] reconhecido o Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, de que é titular a Assembleia Distrital de Coimbra, a funcionar nas instalações que possui em Coimbra» (artigo 1º), sendo ainda autorizado o início do funcionamento nesse Instituto do curso superior de Serviço Social, de acordo com o plano de estudos anexo ao diploma (artigo 2º).

Pelo Decreto-Lei nº 12/98, de 24 de Janeiro, a requerimento da Assembleia Distrital de Coimbra, o Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra passou a designar-se Instituto Superior Miguel Torga (artigo único)[79].

7. Perante os elementos expostos, conclui-se que o surgimento do estabelecimento de ensino vocacionado para o serviço social, de onde deriva o ISMT, se processou «dentro do quadro dos estabelecimentos do ensino particular», expressão utilizada no artigo 1º do Decreto-Lei nº 30.135, e nesse quadro se manteve ao longo dos anos.

Por seu lado, como já foi referido, e como os indicados instrumentos normativos e estatutários evidenciam, a Assembleia Distrital de Coimbra obteve a titularidade do alvará do ISMT e assumiu validamente o estatuto de sua instituidora em data muito anterior à da publicação do vigente EESPC.

8. Quanto à questão da admissibilidade da intervenção do ISMT na instituição de uma fundação, a resposta tem de ser negativa.

A possibilidade de instituição de fundações por uma pluralidade de pessoas tem sido admitida pela doutrina. MARCELLO CAETANO, sublinhando que, na maioria dos casos, o que se verifica é uma pessoa física ou uma pessoa colectiva destacar do seu património uma parte, maior ou menor, para com ela constituir o património afectado a certo fim, dá nota de serem «cada vez mais frequentes (...) os casos de instituição colectiva»[80], integrando neste tipo a fundação «que seja instituída por uma pluralidade de pessoas outorgando simultaneamente no acto de instituição»[81].

Esta possibilidade de instituição conjunta não é afastada pela natureza unilateral do negócio jurídico fundacional, na medida em que, como sublinha CARLA AMADO GOMES, «[a] unilateralidade resulta da inexistência de qualquer acordo de vontades essencial à geração da nova entidade jurídica»[82] .

O ISMT é um estabelecimento dotado de um património autónomo, afectado à realização dos seus fins e garantido pela sua entidade instituidora – a Assembleia Distrital de Coimbra (cfr. artigo 8º dos Estatutos do ISMT).

Desprovido de personalidade jurídica, não pode actuar no comércio jurídico como um «centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos»[83] e, consequentemente, sem capacidade (de gozo) de ser titular de direitos subjectivos ou de estar vinculado a obrigações (artigo 67º do Código Civil).

Assim, não é admissível a intervenção do ISMT, por carência de personalidade jurídica, no acto da instituição da Fundação Aeminium.

No entanto, a sua intervenção em nada afecta a validade desse acto, consubstanciado na escritura pública de instituição dessa Fundação, tendo em consideração, precisamente, o facto, já realçado, da natureza unilateral do negócio jurídico fundacional, não se descortinando, mesmo nas fundações instituídas por uma pluralidade de pessoas, qualquer indício de correspectividade nas prestações.

VIII

1. A 3ª questão suscitada nesta consulta tem a seguinte formulação: «Pode o fim de uma fundação ser prosseguido através da constituição de uma sociedade comercial?»

Presumimos que esta questão vem colocada porque, recorde-se, o fim principal da Fundação Aeminium, inscrito no artigo 3º dos seus Estatutos - criação em conjunto com a Fundação Bissaya Barreto de um novo estabelecimento de ensino superior que integrará todos os direitos e obrigações do Instituto Superior Miguel Torga - irá ser prosseguido através da constituição de uma sociedade comercial com a Fundação Bissaya Barreto, aliás, já concretizada[84], cujo objecto social é a «administração de estabelecimentos de ensino superior», entidade societária que «será instituidora de um novo estabelecimento de ensino ao qual serão afectos todos os bens, direitos e obrigações do Instituto Superior Bissaya Barreto e do Instituto Superior Miguel Torga, que serão incorporados por aumento de capital».

2. A aquisição da personalidade jurídica, nos termos do artigo 158º do Código Civil, implica que a pessoa colectiva possui capacidade específica de gozo. Domina, nesta matéria, o princípio da especialidade das pessoas colectivas.

Como se escreve no Parecer nº 73/94, de 9 de Fevereiro de 1995:

«Em primeiro lugar, a pessoa jurídica tem diante de si (...) um programa finalístico adequado à prossecução daqueles interesses em função dos quais lhe foi reconhecida personalidade e em cuja consecução reside a sua ratio essendi.

«Nisto consiste a capacidade e a limitação, ínsita no denominado "princípio da especialidade", que lhe vai originalmente implicada: só para a satisfação dos interesses que constituem fins ou atribuições do ente jurídico podem ser exercitados direitos e contraídas obrigações x25».

«Com efeito, a problemática da capacidade de gozo das pessoas colectivas deve ser enquadrada em função do seu fim», escreve-se no Parecer nº 13/95.

O princípio da especialidade (do fim) encontra expressão no disposto pelo artigo 160º do Código Civil:
«Artigo 160º
Capacidade

1 - A capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins.
2 - Exceptuam-se os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade singular.»

A propósito deste princípio, ensina HEINRICH EWALD HÖRSTER que «as opiniões doutrinais convergem no sentido de o art. 160º ter consagrado para a capacidade das pessoas colectivas o princípio da especialidade do fim, embora com larga atenuação do seu rigor (...). O Código adoptou assim uma posição intermédia entre a “ultra vires theory” do direito anglo-saxónico (onde a capacidade é funcional, atribuída apenas em função do escopo que é a razão de ser da pessoa colectiva) e a atribuição de uma capacidade geral (...)»[85].

O direito vigente revela «um sensível alargamento do âmbito da capacidade de gozo da pessoa colectiva»[86]. Neste sentido, escrevem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em anotação ao artigo 160º do Código Civil: «[n]ão obstante a especialização consagrada neste artigo quanto à capacidade de gozo de direitos, admite-se que a pessoa colectiva pratique actos convenientes à prossecução dos seus fins. Estes actos podem afastar-
-se, quanto ao seu objecto, dos fins da pessoa colectiva (...). Consagra-se, por conseguinte, o princípio da especialidade, mas com uma larga atenuação do seu rigor»
[87].

Nesta conformidade, afigura-se-nos que a realização dos fins sociais que as fundações devem, por natureza, prosseguir, não entra, necessariamente, em contradição com a sua participação em instrumentos societários, se se reconhecer que, também por esta via, o seu escopo é eficazmente, atingido.

CARLOS BLANCO DE MORAIS, apesar de considerar «de duvidosa possibilidade em face dos artºs 157º e 188º do C. C. que uma fundação desenvolva directamente actividades comerciais e industriais com fins lucrativos», refere, todavia, ser «admissível, à semelhança do direito germânico, a existência de fundações “gestoras de rendas”, oriundas de uma dada massa de bens»[88]. Parece também possível, prossegue este Autor, «analogamente ao direito francês, a instituição de uma fundação por parte de uma empresa, a qual lhe afecte regularmente prestações pecuniárias determinadas, a título de dotação patrimonial (-); parece finalmente admissível a fundação “holding” titular de participações sociais em sociedades comerciais»[89].

«Constata-se deste modo - conclui o Autor que vimos citando - a ductilidade do regime jurídico das fundações em Portugal, sendo apenas essencial, nas relações entre as mesmas e as empresas nos cenários acima descritos (bem como noutros possíveis) que o seu escopo social seja assegurado, e que as fundações não constituam uma forma dissimulada de desenvolvimento de actividades lucrativas em termos passíveis de ser concretizado desvio ao seu finalismo desinteressado»[90].

3. No caso presente, a Fundação Aeminium pretende prosseguir a sua finalidade social primária – criação em conjunto com a Fundação Bissaya Barreto de um novo estabelecimento de ensino superior que integrará todos os direitos e obrigações do Instituto Superior Miguel Torga – através de uma sociedade comercial que será instituidora de um novo estabelecimento de ensino ao qual serão afectos todos os bens, direitos e obrigações do Instituto Superior Bissaya Barreto e do Instituto Superior Miguel Torga.

Este complexo modelo organizatório terá constituído a forma que as referidas Fundações encontraram para criar e manter a tutela conjunta do estabelecimento de ensino superior que resultará da fusão anunciada entre o ISMT e o ISBB. Uma vez que o Estatuto do Ensino Superior Privado e Cooperativo não prevê a figura da instituição de um estabelecimento de ensino superior por meio de duas pessoas jurídicas autónomas[91], a constituição conjunta da sociedade TORBIS terá sido configurada como o expediente jurídico adequado à concretização desse fim.

No entanto, não se pode deixar de olhar com perplexidade para esta solução, tendo em atenção a caracterização das pessoas colectivas fundacionais pelo ordenamento jurídico vigente.

As fundações, importa sublinhar, constituem o exemplo típico e natural de pessoas colectivas de fim altruísta ou desinteressado e não lucrativo[92].

Nestas entidades, como salienta MENEZES CORDEIRO, «o substrato redunda num valor ou num acervo de bens, que potenciará a actuação da pessoa considerada»[93], representando as fundações, segundo o mesmo Autor, «um congelamento de bens: subtraídos à livre alienabilidade e incursos num tipo de gestão muito cauteloso e tendente, apenas, a perceber rendimentos assegurados»[94].

Na justificação da necessidade de reconhecimento destas entidades, o Autor que vimos seguindo alude ao «duplo controlo» que o Estado pretende conservar: «quer apreciando, aquando da constituição, se os fins sociais preconizados justificam o sacrifício de certo modo imposto ao dinamismo da sociedade [com aquele «congelamento de bens»], quer fiscalizando, depois, o funcionamento do ente»[95].

O fim ou escopo de uma sociedade comercial, entendida como «aquela categoria jurídica que, integrando a facti species do art. 980 CC, tenha por objecto a prática de actos de comércio e para isso se constitua segundo um dos tipos constantes do Código das Sociedades Comerciais ou do respectivo diploma de sociedade de direito especial»[96], é, segundo COUTINHO DE ABREU, «a obtenção, através do exercício da actividade-
-objecto social, de lucros e a sua repartição pelos sócios»
[97] [98] O fim social, prossegue este Autor, «não se basta, assim, com a persecução de lucros, exige ainda a intenção de os dividir pelos sócios (...) não é suficiente o “lucro objectivo”, é também necessário o “lucro subjectivo”[99].

Importa referir, no entanto, que, em vez da verificação de lucros, podem ocorrer perdas, elemento que integrando-se na noção genérica de sociedade[100], constituirá fundamento à assinalada posição cautelosa relativamente à administração do património fundacional e ao entendimento segundo o qual as fundações não podem desenvolver directamente actividades lucrativas.

Constituindo a dotação fundacional o elemento potenciador da fundação, os fins que esta entidade visa prosseguir podem, na verdade, ser inviabilizados com a entrega dos bens que integram aquela dotação a uma sociedade, perante os riscos decorrentes do respectivo giro comercial.

Ao mesmo tempo, a devolução a uma sociedade comercial da prossecução do escopo principal da fundação, pode traduzir-se, na prática, no abandono, por esta, da finalidade de interesse social que se propôs exercer, e em função da qual se operou o respectivo reconhecimento, ou no próprio esgotamento desse fim, situação esta que pode acarretar a sua extinção com base no disposto no artigo 192º, nº 2, alínea a), do Código Civil.

Numa perspectiva próxima, dir-se-á que a prossecução do fim de uma fundação através da constituição de uma sociedade comercial equivale a uma substituição subjectiva que a lei não consente.

Debruçando-se sobre a questão de saber se as fundações e associações stricto sensu «são susceptíveis de ter por objecto exclusivo a gestão duma actividade económica lucrativa, designadamente de uma empresa comercial», PINTO FURTADO considera-a como constituindo «uma hipótese radical que opera a própria substituição, no contexto societário, da sociedade-instituição por uma fundação ou associação stricto sensu»[101]. E acrescenta: «Em termos de lógica formal, isto parece, à primeira vista, muito difícil de conceber, por se traduzir num autêntico fenómeno teratológico: uma sociedade com a forma de associação stricto sensu ou de fundação, figuras estas desenhadas na lei com objectivos muito diversos e até antagónicos dos daquela»[102].

IX

1. «Pode ser atribuída eficácia retroactiva ao reconhecimento de uma fundação?»

Esta questão, que agora cumpre enfrentar, parece decorrer da circunstância de a Fundação Aeminium ter outorgado (com a Fundação Bissaya Barreto) o contrato de constituição da sociedade por quotas «TORBIS – Administração de Estabelecimentos de Ensino Superior, L.da», não estando ainda reconhecida encontrando-se, portanto, desprovida de personalidade jurídica.

O artigo 42º, nº 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais (CSC)[103], comina a nulidade para o contrato de sociedade por quotas pela falta do mínimo de dois sócios fundadores.

Perante esta situação, a atribuição da eficácia retroactiva ao acto de reconhecimento desta fundação, à data da celebração do contrato de sociedade, poderia, sugere-se no processo, sanar aquele vício.

2. Reafirmando o que já foi dito sobre este elemento de direito constitutivo das fundações[104], cumpre sublinhar que, antes da verificação do respectivo reconhecimento individual, apenas existe um substrato de bens, uma “instituição” consistente na afectação ou destinação de certos bens à realização de um fim, já que o reconhecimento tem efeito constitutivo, ou seja, transforma esse ente de facto num ente ou pessoa jurídica.

Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Maio de 1991, «a instituição ou substrato patrimonial constituído para certo fim, antes de ocorrer o seu reconhecimento individual pela entidade ministerial, não é considerado como capaz de actuar individualmente na vida jurídica, de ser uma unidade autónoma, para efeitos jurídicos, do instituidor»[105].

Só com a obtenção da personalidade jurídica, através do reconhecimento, o substrato passa a poder exprimir, como sujeito de relações jurídicas, uma vontade própria.

Assim, a mencionada sociedade comercial, constituída em acto imediatamente subsequente ao da instituição da Fundação Aeminium mostra-se originariamente inquinada por um vício gerador da sua invalidade. Em termos jurídicos, está reduzida a um sócio quando, tendo sido constituída como sociedade por quotas, deveria ter, pelo menos, dois sócios.

Refira-se que, não obstante existirem fundamentos geradores da nulidade do contrato de sociedade que são susceptíveis de sanação (cfr. artigo 42º, nº 2, do CSC), no que a doutrina designa por situações de invalidade mista[106], a acção para declaração da nulidade desse contrato deve ser intentada em determinados prazos, previstos no artigo 44º, nº 1, do CSC, devendo salientar-se que, consoante estabelece o nº 2 do mesmo preceito, a acção pode ser intentada a todo o tempo pelo Ministério Público.

3. Retomando elementos já, a seu tempo, explanados sobre a caracterização do reconhecimento específico das entidades fundacionais, acrescentar-se-á que esse acto «constitui virtualmente o mais significativo de todos os actos jurídicos praticados pelas autoridades públicas no que respeita a fundações de direito privado, dado que é em razão da sua outorga que as instituições em causa adquirem personalidade jurídica (Artº 158º, nº 2, do C. Civil)»[107].

Trata-se de um acto que assume, sem margem para dúvidas, a natureza de acto administrativo [cfr. artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo (CPA)] dotado de efeitos constitutivos[108].

A natureza constitutiva do acto tem sido realçada na doutrina. CARVALHO FERNANDES considera, a propósito, que o «reconhecimento» é uma «designação infeliz», pois «a intervenção da lei, na personalidade colectiva, é constitutiva e não meramente declarativa de uma qualidade anterior que se imponha ao Direito»[109], sublinhando que «a atribuição da personalidade, ou personificação colectiva, consiste, sempre, na constituição da qualidade de pessoa. Trata-se, por consequência, de uma criação da norma e não de simples reconhecimento de algo preexistente»[110].

Também PINTO FURTADO, dissertando sobre o reconhecimento normativo, traduzido no registo definitivo, último requisito legal da constituição das sociedades do Código das Sociedades Comerciais e, consequentemente, o elemento que funciona e produz a personalidade jurídica das mesmas, refere que «[c]om ele, a pessoa colectiva surge como novo sujeito de direitos e obrigações, no plano jurídico. Ele tem (...) função constitutiva. Ele é, em suma, o fiat criador da pessoa. Daí, que não possa ser-lhe reconhecida eficácia retroactiva – e é isso que justifica que a regularização de uma sociedade incompletamente constituída opere unicamente ex nunc»[111].

4. No domínio da eficácia dos actos administrativos, o princípio vigente é o da «imediatividade dos efeitos jurídicos»[112], contido no nº 1 do artigo 127º do CPA que dispõe:

«1 – O acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio acto lhe atribuam eficácia retroactiva ou diferida.»

Tem-se em consideração a retroactividade designada por MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, por retroactividade stricto sensu, para caracterizar a situação em que «a projecção dos efeitos de um acto para o passado não deriva de ele se referir a um acto anterior, mas da vontade legal ou administrativa de o pôr a influir sobre situações constituídas no passado»[113].

Esses casos de «retroactividade autêntica ou propriamente dita supõem regular situações jurídicas já constituídas com efeitos retroactivos e dificilmente podem ser admitidos no direito administrativo»[114].

O artigo 128º do CPA contempla hipóteses de eficácia retroactiva dos actos administrativos no seu sentido amplo, no sentido de «projecção dos seus efeitos “para trás”, a situações passadas e a efeitos gerados antes da sua prática»[115].

A eficácia retroactiva começa por ser característica de certas classes de actos administrativos legalmente estabelecidos no nº 1 daquele preceito, enunciando-se no nº 2 os actos a que o seu autor pode atribuir expressamente eficácia retroactiva.
«Artigo 128º
Eficácia retroactiva

1 – Têm eficácia retroactiva os actos administrativos:

a) Que se limitem a interpretar actos anteriores;
b) Que dêem execução a decisões dos tribunais, anulatórias de actos administrativos, salvo tratando-se de actos renováveis;
c) A que a lei atribua efeito retroactivo.

2 – Fora dos casos abrangidos pelo número anterior, o autor do acto administrativo só pode atribuir-lhe eficácia retroactiva:

a) Quando a retroactividade seja favorável para os interessados e não lese direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, desde que à data a que se pretende fazer remontar a eficácia do acto já existissem os pressupostos justificativos da retroactividade;
b) Quando estejam em causa decisões revogatórias de actos administrativos tomadas por órgãos ou agentes que os praticaram, na sequência de reclamação ou recurso hierárquico;
c) Quando a lei o permitir.»

5. Os actos constitutivos, entendidos, no direito administrativo, como aqueles que criam, modificam ou extinguem direitos ou situações jurídicas, começam a produzir os seus efeitos, segundo FREITAS DO AMARAL, a partir do momento em que são praticados ou num momento posterior, se a sua eficácia for diferida para mais tarde por uma condição suspensiva ou por um termo inicial. «Portanto, conclui o mesmo Autor, um acto constitutivo ou tem eficácia imediata ou tem uma eficácia diferida: em princípio, não pode ter eficácia retroactiva»[116].

Confortados por esta perspectiva doutrinária e perante a apontada natureza do acto administrativo de reconhecimento das fundações – acto constitutivo e com função constitutiva ou criadora de um ente colectivo personalizado – consideramos que, em princípio, não pode ser-lhe reconhecida eficácia retroactiva.

Por outro lado, parece-nos que tal possibilidade não encontra, manifestamente, apoio em qualquer das alíneas do nº 1 do transcrito artigo 128º do CPA, nem se vislumbra que a autoridade administrativa seja detentora, no momento do acto de reconhecimento, dos pressupostos de facto necessários para lhe atribuir eficácia retroactiva ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2, do mesmo preceito[117].

X
1. As últimas três questões envolvem aspectos jurídicos decorrentes da transmissão do estabelecimento de ensino superior, denominado Instituto Superior Miguel Torga para a Fundação Aeminium e desta para a sociedade comercial TORBIS – Administração de Estabelecimentos de Ensino Superior, L.da, em data futura, e da sua projectada fusão com um outro estabelecimento de ensino superior, o Instituto Superior Bissaya Barreto, de que é entidade instituidora a Fundação Bissaya Barreto. Serão, por isso, examinadas conjuntamente.

2. Suscita-se a questão de saber se uma solução dessas «não implicará, pelo menos sob o ponto de vista formal, a transmissibilidade das autorizações de funcionamento dos respectivos cursos, proibida pelo art. 36º do EESPC» (questão 6ª).

Na sistemática do EESPC, o seu capítulo IV é dedicado ao «Reconhecimento e autorizações» e abrange quatro secções, a primeira das quais, abarcando os artigos 50º a 56º-A, se refere ao «Reconhecimento de interesse público» dos estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo e a segunda à «Autorização do funcionamento de cursos e pedido de reconhecimento de grau» (artigos 57º a 67º).

No capítulo relativo à consagração dos princípios fundamentais, o artigo 7º, precisamente sob a epígrafe «Reconhecimento do interesse público», estabelece que as entidades instituidoras podem requerer ao Ministro da Educação que seja reconhecido o interesse público dos respectivos estabelecimentos de ensino, verificados os requisitos estabelecidos neste diploma (nº 1).

O reconhecimento do interesse público a um estabelecimento de ensino determina, dispõe o nº 2 do mesmo preceito, a sua integração no sistema educativo e confere à entidade instituidora o gozo dos direitos e faculdades concedidos legalmente às pessoas colectivas de utilidade pública relativamente às actividades conexas com a criação e funcionamento desse estabelecimento.

No capítulo e secção que o Estatuto dedica ao «Funcionamento de cursos e atribuição de graus», interessa conhecer, no que especialmente releva para a economia deste parecer, as normas contidas nos artigos 33º, 34º, 35º e 36º que dispõem:

«Artigo 33º
Cursos graduados

Só nos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo reconhecidos como de interesse público podem ser ministrados cursos que confiram grau académico ou o diploma de estudos superiores especializados.
Artigo 34º [118]
Funcionamento
1 – O funcionamento de um curso conferente de grau ou diploma de estudos superiores especializados carece de autorização do Ministro da Educação.
2 – Com o pedido de autorização de funcionamento de cursos será requerido o reconhecimento dos respectivos graus ou diplomas.
3 – O funcionamento, num estabelecimento de ensino superior particular ou cooperativo reconhecido nos termos da lei, de um curso que pretenda conferir o grau de bacharel, licenciado, mestre ou doutor sem a prévia autorização de funcionamento e reconhecimento de grau nos termos deste diploma determina:

a) O indeferimento do requerimento de autorização de funcionamento e reconhecimento de grau se apresentado, qualquer que seja o momento em que o tenha sido ou venha a ser;
b) O encerramento do curso.

4 – (...);
5 – (...).
Artigo 35º
Revogação da autorização de funcionamento

O incumprimento dos requisitos legais ou das disposições estatutárias e a não observância dos critérios científicos que determinam a autorização de funcionamento de cursos podem determinar a sua revogação.
Artigo 36º
Intransmissibilidade

As autorizações de funcionamento de cursos são intransmissíveis.»

3. A necessidade de reconhecimento de interesse público como condição para a integração do ensino superior particular e cooperativo no sistema de ensino superior constitui um princípio que, expressamente consagrado no artigo 13º, alínea b), da Lei nº 26/2000, de 23 de Agosto - lei de organização e ordenamento do ensino superior, entretanto revogada pela Lei nº 1/2003, de 6 de Janeiro –, se mantém vigente.

Efectivamente, para além do destaque que lhe é conferido pelo EESPC, nas disposições legais já transcritas e noutras que se vão indicar, cumpre referir o princípio geral consagrado no nº 1 do artigo 13º da Lei nº 1/2003, de 6 de Janeiro, que, nos termos do sumário oficial, «Aprova o Regime Jurídico do Desenvolvimento e da Qualidade do Ensino Superior», segundo o qual:

«1 – O início de funcionamento de novos estabelecimentos de ensino superior onde se pretendam ministrar cursos fica dependente de autorização ou reconhecimento de interesse público do estabelecimento, no caso do ensino particular e cooperativo, pelo Ministro da Ciência e do Ensino Superior, ouvido o Conselho Consultivo da Ensino Superior.»

4. O procedimento administrativo conducente ao reconhecimento de interesse público do estabelecimento de ensino particular e cooperativo está regulado nos artigos 50º a 56º-A do EESPC, já citados.

O artigo 50º, relativo ao pedido de reconhecimento, dispõe:


«Artigo 50º
Pedido de reconhecimento

O funcionamento de estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo onde se pretendam ministrar cursos que confiram o grau de bacharel, licenciado, mestre, doutor ou o diploma de estudos superiores especializados só pode ter lugar após o reconhecimento de interesse público do estabelecimento.»

O artigo 51º rege sobre a instrução daquele pedido de reconhecimento de interesse público, enunciando no seu nº 1 um conjunto de elementos com que deve ser instruído pela respectiva entidade instituidora: indicação do estabelecimento de ensino, respectivo projecto científico, documento comprovativo do registo da sua denominação, escritura de constituição e estatutos da entidade requerente, indicação dos cursos a ministrar e seus planos de estudos, bem como dos diplomas que se pretendem conferir, planta (ou seu projecto) do edifício ou edifícios em que funciona o estabelecimento, indicação do equipamento técnico e didáctico a afectar a cada curso, plano económico e financeiro que garanta a cobertura das despesas inerentes ao funcionamento por um período correspondente ao número de anos do curso de maior duração mais dois, etc.

O nº 2 desse preceito determina que «o pedido de reconhecimento de interesse público deve ser acompanhado do pedido de autorização de funcionamento dos cursos que o estabelecimento se propõe ministrar.

Refira-se que, de acordo com o disposto no artigo 59º, nº 3, da Lei de Bases do Sistema Educativo, «A autorização para a criação e funcionamento de instituições e cursos de ensino superior particular e cooperativo, bem como a aprovação dos respectivos planos de estudos e o reconhecimento oficial dos correspondentes diplomas, faz-se, caso a caso, por decreto-lei».

Retomando a análise do EESPC, o seu artigo 52º respeita à apreciação do pedido de reconhecimento do interesse público com intervenção do Departamento do Ensino Superior, regendo o artigo subsequente sobre a decisão.

Os artigos 54º e 56º, este último particularmente implicado neste segmento da consulta, têm o seguinte teor:
«Artigo 54º
Forma

1 – O reconhecimento de interesse público de um estabelecimento de ensino é feito por decreto-lei.
2 – Do diploma de reconhecimento devem constar:

a) A denominação da entidade instituidora;
b) A denominação e localização do estabelecimento de ensino;
c) A natureza e os objectivos do estabelecimento de ensino.
Artigo 56º
Transmissão, integração ou fusão de estabelecimento

A transmissão, integração ou fusão dos estabelecimentos de ensino reconhecidos como de interesse público devem ser comunicadas previamente ao Ministro da Educação, podendo o respectivo reconhecimento ser revogado com fundamento na alteração dos pressupostos e circunstâncias subjacentes à sua atribuição.»

Em face de todos os instrumentos normativos e preceitos que se apontaram, é fácil constatar que nos deparamos com um domínio que, pela relevância dos interesses envolvidos e pelas suas implicações em variadas comunidades humanas (Estado, entidades instituidoras, alunos, pais), convoca um extenso conjunto de poderes de fiscalização e de regulação por parte da Administração.

5. Estando compreensivelmente consagrada a regra da intransmissibilidade das autorizações de funcionamento dos cursos (artigo 36º do EESPC) ou da intransmissibilidade do «registo de cursos», como se lhe refere a Lei nº 1/2003 (artigo 28º), interessa determinar se ela é infringida pela transmissão do Instituto Superior Miguel Torga para a Fundação Aeminium, operada pela sua instituidora – a Assembleia Distrital de Coimbra ou, eventual e futuramente, para a sociedade comercial «TORBIS», já constituída para concretizar a fusão desse estabelecimento de ensino superior com um outro, da mesma natureza, de que é titular a Fundação Bissaya Barreto.

Afigura-se-nos que o esquema jurídico sinteticamente descrito não implica uma transmissão directa e formal da autorização do funcionamento dos cursos, ou dos respectivos registos, ministrados no ISMT.

O que ocorre nesse circunstancialismo é uma alteração quanto ao sujeito-entidade titular do estabelecimento. Trata-se, a nosso ver, de uma situação subsumível à previsão do artigo 56º do EESPC. Isto é, tratar-se-á de uma autêntica transmissão do estabelecimento, envolvendo, no caso, o Instituto Superior Miguel Torga que transita da esfera jurídica de uma entidade (a Assembleia Distrital de Coimbra) para uma outra entidade (a Fundação Aeminium).

Será, portanto, à luz do citado artigo 56º que essa transmissão se tem de processar, desde logo, através da comunicação prévia à entidade ministerial com a tutela do ensino superior, presentemente, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

No anterior estatuto do ensino superior particular e cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 271/89, de 19 de Agosto, a transmissão de estabelecimentos de ensino superior particular em funcionamento só podia fazer-se para entidade instituidora de estabelecimento de ensino superior particular já reconhecido e implicava um processo de autorização em tudo idêntico ao originário processo de reconhecimento.

Esta norma não figura no actual EESPC, prevendo-se agora que o reconhecimento do interesse público do estabelecimento objecto da transmissão pode ser revogado com fundamento na alteração dos pressupostos subjacentes à sua atribuição.

A autoridade administrativa procederá necessariamente ao confronto dos elementos que, a seu tempo, com o pedido de reconhecimento do interesse público, foram apresentados pela entidade instituidora do estabelecimento de ensino (cfr. artigo 51º, nº 1, do EESPC) com aqueles que lhe hão-de ser fornecidos com a comunicação (prévia) da sua transmissão, não deixando de apreciar a idoneidade da nova entidade instituidora proposta. De facto, a alteração quanto à entidade instituidora não pode deixar de relevar para a decisão a proferir.

O resultado dessa comparação ditará a revogação do reconhecimento com fundamento na alteração dos pressupostos que estiveram na base da sua atribuição ou a manutenção do reconhecimento de interesse público do estabelecimento, facto a publicitar pela forma prescrita no artigo 54º do mesmo diploma, ou seja, por decreto-lei.

6. Os instrumentos jurídico-negociais que surgem nesta consulta apontam para uma futura fusão dos estabelecimentos de ensino superior de que são entidades instituidoras a Assembleia Distrital de Coimbra – Fundação Aeminium e a Fundação Bissaya Barreto: o Instituto Superior Miguel Torga e o Instituto Superior Bissaya Barreto, respectivamente.

No processo foi ponderada a aplicação do artigo 18º, nº 2, da Lei nº 1/2003, preceito que tem a seguinte redacção:
«Artigo 18º
Criação de estabelecimentos públicos de ensino superior

1 – A criação de estabelecimentos públicos de ensino superior, bem como a transformação ou a fusão dos já existentes, fica condicionada à sua adequação à rede de estabelecimentos de ensino superior.
2 – A criação, transformação e fusão de estabelecimentos públicos de ensino superior é feita por decreto-lei.»

Da expressão literal deste preceito, resulta que o seu âmbito de aplicação se limita aos estabelecimentos públicos de ensino superior. A transformação ou a fusão de estabelecimentos de ensino superior público será processada através de decreto-lei.

7. A fusão dos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo, reconhecidos como de interesse público, deverá processar-se nos termos do artigo 56º do EESPC.

Como sucede com o procedimento para a transmissão desses estabelecimentos, cujos termos já se expuseram, a sua fusão deve ser previamente comunicada à entidade ministerial competente a qual, no exercício da discricionariedade que lhe confere o citado artigo 56º lhe confere[119], apreciará e decidirá pela manutenção do reconhecimento do interesse público ou pela sua revogação com fundamento na alteração dos pressupostos e circunstâncias subjacentes à sua atribuição.

Tal como referimos quanto à transmissão do estabelecimento, também se considera adequado que o reconhecimento do estabelecimento de ensino superior que resultar da fusão de dois outros deverá ser efectuado através de decreto-lei, nos termos do artigo 54º do EESPC.

A profunda alteração que necessariamente decorre dessa fusão, ao nível da natureza e denominação da «nova» entidade instituidora, da natureza, denominação e localização do «novo» estabelecimento de ensino, dos cursos a ministrar e respectivos planos de estudos, dos pertinentes planos económicos e financeiros, entre outros aspectos (cfr. artigo 51º, nº 1), justificam a aplicação do citado artigo 54º do EESPC.

XI
Termos em que se formulam as seguintes conclusões:

1ª – As assembleias distritais, previstas no artigo 291º, nº 2, da Constituição da República e reguladas pelo Decreto-Lei nº 5/91, de 8 de Janeiro, constituem organismos personalizados, de emanação autárquica e de direito público, integrados exclusivamente por autarcas, revelando a sua composição, organização e atribuições características das autarquias locais, estando ainda a estas equiparadas para efeitos de tutela administrativa (artigo 1º, nº 2, da Lei nº 27/96, de 1 de Agosto);

2ª – Enquanto pessoas colectivas públicas, as assembleias distritais, com respeito das limitações decorrentes das suas atribuições, com observância dos princípios fundamentais que vinculam a Administração Pública e autorizadas por diploma legal (artigo 30, nº 4, da Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro), podem criar fundações de direito privado;

3ª – O Instituto Superior Miguel Torga constitui, nos termos dos seus Estatutos, uma escola de ensino superior universitário particular não integrada que tem como objectivos ministrar o ensino e promover a investigação na área do serviço social e da acção social, das ciências da informação e outras, cabendo-lhe designadamente conferir o grau de licenciatura em Serviço Social e em Ciências da Informação, bem como ministrar cursos de pós-graduação e de mestrado;

4ª – O funcionamento do estabelecimento de ensino de onde deriva – a Escola Normal Social de Coimbra – foi autorizado pelo Decreto-
-Lei nº 30135, de 14 de Dezembro de 1939, dentro dos quadros do ensino particular, tendo sido reconhecido pela Portaria nº 15/90, de 9 de Janeiro, então sob a denominação de Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, com base no regime jurídico constante do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 271/89, de 19 de Agosto, em vigor nessa data, sendo a Assembleia Distrital de Coimbra a sua entidade instituidora;


5ª – O Instituto Superior Miguel Torga é um estabelecimento de ensino, dotado de um património afectado à realização dos seus fins e garantido pela Assembleia Distrital de Coimbra, enquanto sua entidade instituidora;

6ª – Desprovido de personalidade jurídica e, consequentemente, sem capacidade (de gozo) de ser titular de direitos subjectivos ou de estar vinculado a obrigações (artigo 67º do Código Civil), a sua intervenção no acto de instituição de uma fundação não é juridicamente admissível;

7ª – A fundação de direito privado constitui uma pessoa colectiva de utilidade social, dotada de património próprio, específica e autonomamente afectado, por um ou vários instituidores, à realização de uma ou várias finalidades de interesse social, constituindo o exemplo típico e natural de pessoa colectiva de fim altruísta ou desinteressado e não lucrativo;

8ª – A realização do fim de interesse social que a fundação deve, por natureza, prosseguir, não obsta à sua participação em instrumentos societários, se se reconhecer que, também por essa via, o seu escopo é eficazmente atingido;

9ª – A devolução pela fundação da prossecução da sua finalidade a uma sociedade comercial, cujo escopo é a obtenção, através do exercício da actividade-objecto social, de lucros e a sua repartição pelos respectivos sócios, pode traduzir-se, na prática, no abandono da finalidade de interesse social que se propôs exercer, e em função da qual se operou o respectivo reconhecimento, ou no próprio esgotamento desse fim, situação esta que pode acarretar a sua extinção com base no disposto no artigo 192º, nº 2, alínea a), do Código Civil;

10ª – A prossecução do fim de uma fundação através da constituição de uma sociedade comercial equivale ainda a uma substituição daquela por esta, que o actual regime jurídico das fundações não prevê;

11ª – O reconhecimento específico das fundações é o acto administrativo, com uma função constitutiva, pelo qual adquirem personalidade jurídica (artigo 158º, nº 2, do Código Civil), estando abrangido pela regra da imediatividade dos seus efeitos jurídicos, consagrada no artigo 127º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo, não devendo, em princípio, ser-lhe reconhecida eficácia retroactiva;

12ª – A transmissão do Instituto Superior Miguel Torga para a Fundação Aeminium, operada pela sua instituidora – a Assembleia Distrital de Coimbra e, no futuro, para a sociedade comercial TORBIS – Administração de Estabelecimentos de Ensino Superior, Limitada, a fim de, então, ser concretizada a sua fusão com um outro estabelecimento de ensino superior particular universitário, de que é entidade instituidora a Fundação Bissaya Barreto, não traduz uma transmissão directa e formal da autorização do funcionamento dos cursos ministrados nesse Instituto, ou dos respectivos registos, transmissão que, aliás, o artigo 36º do actual Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 16/94, de 22 de Janeiro, não permite;

13ª – No circunstancialismo referido na conclusão anterior, verifica-
-se uma transmissão do estabelecimento de ensino de uma entidade instituidora para outra, situação que deve ser apreciada e decidida nos termos do disposto no artigo 56º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo;


14ª – Assim, essa transmissão, tal como a fusão, que vier a ocorrer, dos dois estabelecimentos de ensino superior particular – o Instituto Superior Miguel Torga e o Instituto Superior Bissaya Barreto – devem ser previamente comunicadas ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, podendo o respectivo reconhecimento ser revogado com fundamento na alteração dos pressupostos e circunstâncias subjacentes à sua atribuição;

15ª – As profundas alterações que necessariamente decorrem, quer da transmissão, quer da fusão dos estabelecimentos, justificam que a eventual concessão do reconhecimento do interesse público do estabelecimento deva ser feita por decreto-lei, nos termos do artigo 54º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo.





[1] Constante na Informação n.º 2005/237/GSG, de 29 de Março de 2005. O pedido de parecer foi efectuado a coberto do ofício nº 2232 – Entª n.º 9115 – Proc. 56.98/03.969 -, de 13 de Abril de 2005, com data de entrada na Procuradoria-Geral da República, de 14 de Abril de 2005.
[2] O pedido de reconhecimento fora formulado pelos seus instituidores, a Assembleia Distrital de Coimbra e o Instituto Superior Miguel Torga, em 26 de Novembro de 2003, junto do Gabinete da então Ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior.
[3] Esse exame encontra-se condensado no Parecer nº 2004/18/GSG, de 9 de Junho de 2004, elaborado pelo Secretário-Geral do então denominado Ministério da Ciência e do Ensino Superior, e na Informação nº 2005/237/GSG, de 29 de Março de 2005, subscrita por Consultor Jurídico da Secretaria-Geral do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. As questões jurídicas levantadas nesse processo de reconhecimento suscitaram ainda a emissão de um parecer, assinado por três Juristas de uma Sociedade de Advogados.
[4] Referidos na nota precedente. Já na pendência deste processo, na sequência de solicitação, obteve-se cópia da escritura de instituição e estatutos da Fundação Aeminium e cópia da escritura de constituição da sociedade por quotas denominada «TORBIS – Administração de Estabelecimentos de Ensino Superior, Lda».
[5] Exarada a fls 76 e seguintes do Livro nº 753-B do 2º Cartório Notarial de Coimbra.
[6] O Instituto Superior Miguel Torga é, de acordo com os seus estatutos, «uma escola de ensino superior particular não integrada», actuando, nomeadamente, na área do serviço e da acção social. As origens, a evolução e a natureza jurídica deste estabelecimento de ensino superior encontram-se tratadas infra, no ponto VII e, em particular, no ponto VII.6.
[7] Outorgou na escritura por si e na qualidade de presidente do Instituto Superior Miguel Torga.
[8] Estes bens, a maioria dos quais, bens de equipamento, coincidem com a totalidade do património do Instituto Superior Miguel Torga e perfazem o valor total de € 3.806.487,41.
[9] O acto constitutivo está formalizado na escrita pública, lavrada, em 9 de Julho de 2003, no 2º Cartório Notarial de Coimbra, a fls. 78 e 79 do Livro n.º 763-B.
[10] Fundação particular de utilidade pública e fins de assistência, já instituída. Os respectivos Estatutos encontram-se publicados no Diário do Governo, III série, nº 277, de 26 de Novembro de 1958.
[11] Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I (Sujeitos e Objecto), Livraria Almedina, Coimbra, 1974, p. 30.
[12] CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição, por ANTÓNIO PINTO MONTEIRO e PAULO MOTA PINTO, Coimbra Editora, 2005, p.193.
[13] Teoria Geral do Direito Civil, I, 3ª edição, revista e actualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2001, p. 82.
[14] Ob. cit., p. 198.
[15] Ibidem.
[16] CARVALHO FERNANDES, ob. cit., p. 82.
[17] De 27 de Junho de 1996, acompanhando-se o Parecer nº 73/94, de 9 de Fevereiro de 1994.
x MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 10ª edição (5ª reimpressão), págs. 176 e segs.
[18] Ob. cit., p. 269.
[19] Ob. cit., p. 418.
[20] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral – Tomo III (Pessoas), Almedina, Coimbra, 2004, p. 549.
[21] Ibidem.
[22] Ob. cit., p. 271.
[23] Ob. cit., pp. 271 e 272.
[24] Idem, p. 280.
[25] Acompanha-se, neste segmento da exposição, o Parecer nº 13/95, de 27 de Abril de 1995 (Diário da República, II série, nº 152, de 4 de Julho de 1995).
[26] Regime vigente após a revisão do Código Civil, em 1977. O Decreto-Lei nº 594/74, de 7 de Novembro, instituíra já o princípio do reconhecimento normativo para todas as associações (cfr. artigo 4º), tornando-o apenas dependente do depósito de um exemplar do acto de constituição e dos estatutos no Governo Civil da área da sua sede.
[27] Para MENEZES CORDEIRO, vigora neste domínio o princípio da tipicidade: as pessoas colectivas, particularmente as privadas, «devem obedecer a uma das formas – dos “tipos” – previstas na lei. Consequência prática deste princípio, é a existência de um «numerus clausus de figuras relevantes», sendo que, segundo este Autor, «[n]o Direito Civil, a trilogia clássica de pessoas colectivas (...) é constituída pelas associações, pelas fundações e pelas sociedades civis – artigos 166º e seguintes, 185º e seguintes e 980º e seguintes (ob. cit., pp. 549 a 551).
[28] V., entre outros, os Pareceres n.os 81/82, de 11 de Novembro de 1982 (inédito), 11/88, de 26 de Maio de 1988 (inédito), 83/89, de 7 de Dezembro de 1989 (Boletim do Ministério da Justiça, nº 394-1990), 13/95, de 27 de Abril de 1995 (Diário da República, II série, nº 152, de 4 de Julho de 1995), 611/2000, de 11 de Janeiro de 2001 (Diário da República, II série, nº 55, de 6 de Março de 2001), 2/2001, de 18 de Abril de 2001 (Diário da República, II série, nº 245, de 22 de Outubro de 2001), 132/2004, inédito, 160/2004, de 17 de Fevereiro de 2005 (Diário da República, II série, nº 198, de 14 de Outubro de 2005), e, mais recentemente, o Parecer nº 48/2004, de 19 de Janeiro de 2005, inédito.
x1 Cfr. Parecer deste Conselho nº 22/84, de 10 de Maio de 1984.
x2 Cfr. MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral, cit.[Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, Coimbra, 1960], p. 95.
x3 Cfr. FERRER CORREIA, cit. [“Le Règime Juridique des Fondations Privées, Culturelles et Scientifiques”, in Estudos Vários de Direito Civil], pág. 485.
x4 Cfr. MOTA PINTO, Teoria Geral, cit. [Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição], pág. 304 (...).
[29] CARLOS BLANCO DE MORAIS, “Da Relevância do Direito Público no Regime Jurídico das Fundações Privadas”, Estudos em Memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Edições Lex, pp. 551 e segs. (p. 576). Sobre este tema e, em geral, sobre fundações, para além dos autores e estudos já citados, v. MARCELLO CAETANO, Das Fundações, Ática, 1962, e Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, revista e actualizada por DIOGO FREITAS DO AMARAL, Tomo I, Coimbra Editora, Lisboa, 1973, pp. 193/194, FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 343 e segs., FERRER CORREIA e ALMENO DE SÁ, “Algumas notas sobre as Fundações”, Revista de Direito e Economia, Ano XV, 1989, pp. 331 e segs., SÉRVULO CORREIA E RUI MEDEIROS, “Restrições aos poderes do Governo em matéria de reconhecimento e de alteração dos estatutos das fundações de direito privado”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62 – Lisboa, Abril 2002, pp. 347 e segs., JOÃO CAUPERS, “As Fundações e as Associações Públicas de Direito Privado”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pp. 97 e segs., CARLA AMADO GOMES, “Nótula sobre o regime de constituição das fundações particulares de solidariedade social em Portugal”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume XL – N.os 1 e 2, 1999, Coimbra Editora, pp. 157 e segs., ADALBERTO MACEDO, Sobre as Fundações Públicas e Privadas, DGTC/TC, 2001, Vislis Editores.
[30] “Restrições aos poderes do Governo em matéria de reconhecimento e de alteração dos estatutos das fundações de direito privado”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62 – Lisboa, Abril 2002, pp. 347 e segs. (p. 372).
[31] Idem, ibidem.
[32] Idem.
[33] A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, p. 406. V. Pareceres n.os 11/88 e 13/95.
[34] “Restrições aos poderes do governo ...”, cit., pp. 374-377.
[35] Diploma que definiu as atribuições das autarquias e competência dos respectivos órgãos.
[36] Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, revista e actualizada por DIOGO FREITAS DO AMARAL, Tomo I, Coimbra Editora, Lisboa, 1973, p. 358. Os itálicos pertencem ao original. Sobre este ponto, v. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 2ª edição, Almedina, 2001, pp. 522 a 528, MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, Volume I, Lex, Lisboa, 1999, pp. 383 a 388, e ANTÓNIO CÂNDIDO DE OLIVEIRA, Direito das Autarquias Locais, Coimbra Editora, 1993, pp. 54 e 55.
[37] Ob. cit., p. 530.
[38] Ibidem. No sistema de administração distrital reintroduzida pela reforma de 1959, verificava-se, como sublinha MARCELLO CAETANO, uma «administração de interesses gerais, a cargo do governador civil, de par com a administração de interesses distritais sob a forma autárquica por meio de um órgão próprio e eleito, dotado dos poderes de deliberação e execução» (ob. cit., p. 358).
[39] Ob. cit., p. 530.
x5 V. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo (lições policopiadas), I, 1984. p. 824 e segs.
[40] Actual artigo 291º, nº 1.
[41] Curso ..., cit., p. 531.
[42] Trata-se de questão que se suscita no Parecer nº 50/91, de 27 de Junho de 1991 (Diário da República, II Série, nº 246, de 25 de Outubro de 1991).
[43] Anterior artigo 295º, decorrente da Revisão Constitucional de 1982, que, por sua vez, alterara a numeração originária (artigo 263º).
[44] Rectificado pela Declaração de Rectificação nº 5/91, publicada no Diário da República, I Série A, nº 26 (Suplemento), de 31 de Janeiro de 1991, Declaração que veio a ser dada sem efeito pela Declaração de Rectificação nº 103/91, publicada no Diário da República, I Série A, nº 106, de 9 de Maio de 1991.
[45] Autorização legislativa sobre o regime jurídico das assembleias distritais.
[46] Nos termos do nº 3 do mesmo preceito, «Considera-se também transferida para o Estado a titularidade de arrendamentos de instalações onde se encontrem a funcionar serviços que a assembleia distrital delibere não continuar a assegurar e que passaram, por isso, a ser prestados pela Administração Central».
[47] Os artigos 17º a 20º do diploma em análise referem-se ao conselho consultivo que assiste o governador civil. O artigo 21º regula o acto de instalação das assembleias distritais após a entrada em vigor do diploma, estabelecendo o artigo 22º que:
«Em tudo o que não estiver disposto no presente diploma, aplicam-se ao funcionamento das assembleias distritais, com as devidas adaptações, as regras que, nesse domínio, vigoram para os órgãos municipais.»
[48] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, p. 1074, anotação II. Os destaques pertencem ao original.
[49] FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pp. 419 a 421.
[50] MARCELO REBELO DE SOUSA, ob. cit., p. 324.
[51] Ob. cit., p. 884.
[52] A discussão na generalidade da proposta de lei nº 131/V foi feita conjuntamente com o projecto de lei nº 536/V do PCP (Adapta a composição e forma das assembleias distritais ao regime introduzido pela segunda revisão constitucional) e encontra-se documentada no Diário da Assembleia da República (DAR), I Série, nº 77, de 23 de Maio de 1990, pp. 2547 e segs.
[53] Do Membro do Governo referido, DAR, cit. p. 2575.
[54] O pedido de autorização justificar-se-ia tendo em conta que a matéria relativa ao estatuto das autarquias locais se integra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [cfr. artigo 165º, nº 1, alínea q), da Constituição]
[55] Intervenção do Deputado Oliveira e Silva (PS), DAR, cit., p. 2578.
[56] A questão foi explicitamente examinada nos Pareceres nos 611/2000, 2/2001, 160/2004 e nº 48/2004, já referenciados (v. nota 28).
x6 JOÃO CAUPERS, op. cit. [Introdução ao Direito Administrativo, Âncora Editora, 2000], pp. 95 e segs.
x7 JOÃO CAUPERS, op. cit., pp. 100-101.
x8 A saber: associações representativas de municípios e freguesias, reguladas na Lei nº 54/98, de 18 de Agosto; as associações de divulgação científica de que é exemplo a Associação Ciência Viva de Estremoz, criada por cinco entidades públicas – uma fundação, uma universidade, um município e dois serviços regionais do Estado destituídos de personalidade jurídica; a Agência para a Energia, criada pelo Decreto-Lei nº 223/2000, de 9 de Setembro, tendo como associadas duas direcções-gerais e um instituto público.
x9 Assim: as associações de desenvolvimento regional previstas na alínea j) do nº 2 do artigo 64º da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro; os centros tecnológicos regulados pelo Decreto-Lei nº 249/86, de 25 de Dezembro, em que se associam «empresas industriais e respectivas associações e entidades públicas de âmbito estadual» (artigo 1º, nº 2).
x10 JOÃO CAUPERS, op. cit., pp. 97-100, que continuamos a seguir por perto, o qual apresenta três exemplos de «fundações de direito privado instituídas por iniciativa do Estado e de outros entes públicos, sozinhos ou em colaboração»: a Fundação Centro Cultural de Belém, criada pelo Estado com o objectivo de assegurar a gestão do Centro, cujos estatutos foram aprovados pelo Decreto-Lei nº 361/91, de 3 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei nº 391/99, de 30 de Setembro; a Fundação para a Computação Científica Nacional - desde 1996 Fundação para o Desenvolvimento dos Meios Nacionais de Cálculo Científico -, instituída, com o fim de desenvolver os meios nacionais de computação científica, pelos antigos Instituto Nacional de Investigação Científica e Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica - hoje Fundação para a Ciência e Tecnologia - e ainda pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil e pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas; a Fundação da Faculdade de Ciências, instituída em 1993 pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa para apoiar esta Faculdade, cujo presidente do conselho directivo é por inerência presidente do conselho de administração da Fundação.
x11 Trata-se do fenómeno também denominado sugestivamente de «fuga para o direito privado», traduzindo a adopção pela Administração Pública das «formas de organização» e/ou das «formas de actuação jurídico-privadas, para com isso se furtar ao regime de direito público a que normalmente está sujeita», com vantagens e inconvenientes, sem prejuízo de específicas vinculações, problemática estudada por MARIA JOÃO ESTORNINHO, op. cit. [A Fuga para o Direito Privado. Contributo para o Estudo da Actividade de Direito Privado da Administração Pública, colecção Teses, Livraria Almedina, Coimbra 1996], passim (cfr. págs. 17, 58 e segs., 167 e segs.).
x12 No sentido exposto, VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, apud JOÃO CAUPERS, op. cit., págs. 97/98.
x13 NUNO SÁ GOMES, Notas sobre a função e regime jurídico das pessoas colectivas públicas de direito privado, «Ciência e Técnica Fiscal», nºs 343/345, Julho-Setembro 1987, págs. 189/190, citando FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, e FAUSTO DE QUADROS, Fundações de Direito Público.
Aliás, a progressiva ampliação da capacidade de direito privado da Administração Pública e do inerente recurso aos instrumentos jusprivatísticos, lógico corolário do alargamento dos fins do Estado e das tarefas que tradicionalmente lhe incumbiam, constitui um processo histórico-evolutivo confirmado. Não podendo aqui ser minimamente abordado, o seu estudo foi desenvolvido por MARIA JOÃO ESTORNINHO, op. cit., págs. 23 e segs., para onde, com a devida vénia, se remete.
x14 SÁ GOMES, ibidem.
x15 Artigo 53.º, n.º 2, alínea l) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.
x16 Instituída pelo artigo 10.º, corpo e §7, do Decreto-Lei n.º 23 240, de 21 de Novembro de 1933.
x17 Entre outras, a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, criada pelo Decreto-Lei n.º 168/85, de 20 de Maio; Fundação Arpad Szènes-Vieira da Silva, criada pelo Decreto-Lei n.º 149/90, de 10 de Maio; Fundação de São Carlos instituída pelo Decreto-Lei n.º 75/93, de 10 de Março; Fundação das Descobertas, Decreto-Lei n.º 361/91, de 3 de Outubro; Fundação de Serralves, Decreto-Lei n.º 240-A/89, de 27 de Julho; Fundação Escola Portuguesa de Macau, criada pelo Decreto-Lei n.º 89-B/98, de 9 de Abril; Fundação Cartão do idoso, criada pelo Decreto-Lei n.º 102/97, de 28 de Abril, para mencionar apenas as mais recentes.
x18 Decreto-Lei n.º 306/2000, de 28 de Novembro. Nos termos do artigo 2.º, “a fundação é uma instituição de direito privado dotada de personalidade jurídica, durará por tempo indeterminado, tem a sua sede em Alcochete e rege-se pelos estatutos em anexo ao presente diploma, que dele fazem parte integrante”.
x19 Veja-se, entre outras, a Fundação Instituto Politécnico de Leiria, conforme publicação constante do Diário da República, III Série, n.º 17, de 20 de Janeiro de 2001, pág. 1437.
[57] V. o recente Decreto-Lei nº 18/2006, de 26 de Janeiro, pelo qual é instituída a Fundação Casa da Música, num «modelo fundacional baseado na parceria entre o Estado, autarquias e iniciativa privada» (do preâmbulo).
[58] Despacho do Secretário de Estado da Administração Interna, com o nº 9457/99, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Maio de 1999.
[59] Despacho do Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, nº 15.324/2000, de 11 de Julho de 2000, publicado no Diário da República, II Série, de 27 do mesmo mês e ano.
[60] Ponto III.3.
x20 Cfr. VITAL MOREIRA, Relatório citado [Relatório e Proposta de Lei-Quadro Sobre os Institutos Públicos, Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, 2001], página 396.
x21 Cfr. pareceres deste Conselho nº 13/95 e nº 2/2001, nos quais se dá conta de que, na prática, as fundações instituídas por entes públicos ao abrigo do direito privado têm sido objecto de reconhecimento, quer por diploma legal, quer por acto administrativo. (...).
x22 JOÃO CAUPERS, “As Fundações e as Associações Públicas de Direito Privado”, cit., página 330, inclina-se para a desnecessidade do acto de reconhecimento referindo que «(...) a partir do momento em que a lei atribui aos órgãos das autarquias locais o poder jurídico de instituir fundações, parece deixar de fazer sentido o monopólio do Estado relativamente ao acto de reconhecimento: se uma fundação é instituída por uma autarquia local – associada ou não a outras entidades –, então será razoável considerar que condicionar tal instituição ao reconhecimento pelo Estado agride o princípio da autonomia local».
[61] Alterada pela Lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro. De referir que, na redacção originária, a referência a empresas municipais, constante da alínea l) do preceito se restringia às empresas públicas municipais; no mesmo dispositivo nada constava sobre remunerações dos titulares dos corpos sociais. Por outro lado, a norma referente aos poderes de acompanhamento e fiscalização da assembleia municipal apenas aludia à actividade da câmara e dos serviços municipalizados, omitindo as fundações bem como as empresas municipais.
[62] Citado Parecer nº 48/2004.
x23 VITAL MOREIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, “Os Institutos Públicos e a Organização Administrativa em Portugal”, in Relatório e Proposta de Lei Quadro dos Institutos Públicos, cit., páginas 25 e 26.
x24 As Empresas Públicas no Direito Português, em especial as Empresas Municipais, Almedina, Coimbra, 2000, página 37.
[63] Aspecto também salientado no Parecer nº 48/2004.
[64] Este diploma, de acordo com o disposto no seu artigo 55º, entrou em vigor no dia 1 de Fevereiro de 2004.
[65] Publicados no Diário da República, Apêndice nº 35/2000, II Série, nº 59, de 10 de Março de 2000, através do Aviso nº 1665/2000 (2ª série) – AP, em cumprimento do disposto no artigo 72º do Decreto-Lei nº 16/94, de 11 de Novembro (Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo).
[66] ANTÓNIO PEDRO BARBAS HOMEM, “Regionalização, municipalização e localização da educação”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Manuel Gomes da Silva, edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 2001, pp. 789 e segs.
[67] Alterada pela Lei nº 115/97, de 19 de Setembro, e pela Lei nº 49/2005, de 30 de Agosto, que a republica.
[68] Diploma que, consoante sumário oficial, «Aprova o Regime Jurídico do Desenvolvimento e da Qualidade do Ensino Superior».
[69] Tendo em conta as questões implicadas nesta consulta, a atenção restringe-se à matéria relativa aos estabelecimentos de ensino superior particular, no que se entender relevante para a economia do parecer.
[70] Alterado, por ratificação, pela Lei nº 37/94, de 11 de Novembro, e pelo Decreto-Lei nº 94/99, de 23 de Março.
[71] No domínio do Decreto-Lei nº 100-B/85, de 8 de Abril, diploma que visou, como refere o seu preâmbulo, «fixar as regras e disposições que devem orientar a autorização de criação e funcionamento de estabelecimentos do ensino particular e cooperativo até à publicação do correspondente Estatuto, bem como regular a fiscalização da sua actividade e o eventual reconhecimento oficial dos seus cursos», a criação de estabelecimentos de ensino particular ou cooperativo de nível superior era facultada às pessoas, singulares ou colectivas (cfr. artigo 1º, nº 2).
[72] Segue-se, nesta nota, o resumo histórico patente no sítio da internet do Instituto Superior Miguel Torga - http://www.ismt.pt - e no preâmbulo dos seus estatutos.
[73] O Decreto-Lei nº 40.678, de 10 de Julho de 1956, veio reafirmar esta política, para a formação de outros profissionais, estabelecendo no seu artigo 1º: «Pelo Ministério da Educação Nacional, e dentro do quadro dos estabelecimentos de ensino particular, poderá ser autorizado o funcionamento de escolas destinadas à formação de assistentes sociais, de assistentes familiares e de monitoras familiares, por forma a assegurar a satisfação da necessidade de pessoal técnico, tanto dos serviços públicos como das instituições particulares, que, em qualquer aspecto da sua actividade, se proponham fins de educação e auxílio social nas suas formas de serviço social, educação familiar ou acção social.»
[74] Alvará nº 312, de 18 de Setembro de 1940.
[75] A Junta de Província constituía um órgão da província na vigência do Código Administrativo de 1940.
[76] Alterações autorizadas pelos Despachos Ministeriais de 16 de Março de 1965 e de 12 de Junho de 1969, respectivamente.
[77] A Junta Distrital foi instituída como um dos órgãos do distrito na sequência da reforma sofrida pelo Código Administrativo em 1959.
[78] Anterior Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, revogado pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 16/94.
[79] Existem outros instrumentos normativos referentes a este estabelecimento de ensino superior cuja indicação se dispensa. Em todos eles, porém, se apresenta o ISMT como integrado na rede escolar do ensino superior particular e a Assembleia Distrital de Coimbra como sua entidade instituidora.
[80] Das Fundações, cit., p. 12.
[81] Idem, p. 13.
[82] “Nótula sobre o regime de constituição das fundações ...”, estudo cit., p. 170. Com efeito, prossegue esta Autora, «mesmo havendo vários instituidores, o objecto do acto instituidor não é um contrato, em que as partes se obrigam reciprocamente a realizar determinadas prestações».
[83] Na expressão de LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, volume III – contratos em especial –, 3ª edição, Almedina, 2005, p. 255.
[84] TORBIS – Administração de Estabelecimentos de Ensino Superior, Limitada.
x25 MARCELLO CAETANO, op. cit. [Manual de Direito Administrativo, vol. I, 10ª edição (5ª reimpressão), revista e actualizada por FREITAS DO AMARAL, Coimbra, 1991], pág. 202; ANDRADE, op. cit. [Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I (Reimpressão), Coimbra, 1983], págs. 122 e segs.; MOTA PINTO, op. cit., [Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, 6ª reimpressão, Coimbra, 1992], págs.316 e seguintes (...).
[85] A Parte Geral ..., cit., p. 390.
[86] CARVALHO FERNANDES, ob. cit., p. 595.
[87] Código Civil Anotado, volume I, 4ª edição revista e actualizada com a colaboração de M. HENRIQUE MESQUITA, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 165. V., sobre este tópico, MOTA PINTO, ob. cit., p. 318-321, MARCELLO CAETANO, Das Fundações, cit., pp. 95 e segs., e FERRER CORREIA e ALMENO DE SÁ, “Algumas notas sobre as Fundações”, cit.
[88] “Regime Jurídico...”, cit., p. 570.
[89] Idem, p. 571.
[90] Ibidem.
[91] Cfr. artigo 12º, nº 1, do EESPC.
[92] Seguimos a classificação proposta por CARVALHO FERNANDES, ob. cit., pp. 477-480.
[93] Manual de Direito das Sociedades, I - Das sociedades em geral -, Almedina, 2004, p. 237.
[94] Tratado de Direito Civil Português, I, cit., p. 716.
[95] Ob. cit., p. 716.
[96] PINTO FURTADO, Curso de Direito das Sociedades, 5ª edição revista e actualizada, com a colaboração de NELSON ROCHA, Almedina, 2004, p. 93.
[97] Curso de Direito Comercial, vol. II – Das Sociedades – (2ª reimpressão da edição de 2002), Almedina, 2003, p. 14.
[98] Contrato de sociedade é, de acordo com a noção dada pelo citado artigo 980º do Código Civil, «aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade».
[99] Ibidem.
[100] COUTINHO DE ABREU, ob. cit., p. 21.
[101] Ob. cit., p. 188.
[102] Ob. cit., p. 189 (os itálicos pertencem ao original). Na sequência, o Autor refere que, parecendo absurda tal hipótese, «não falta quem o admita, pensando que o caso é puramente conceptualístico e transponível». Bastará, observa ainda, «atentar que é crescente, nas legislações, a “neutralidade” das formas jurídicas relativamente aos conteúdos económicos e na suficiência de um escopo lícito para o reconhecimento administrativo, quando exigido [com que se não contenta a nossa ordem positiva, aliás, relativamente às fundações (art. 188 CC) – menciona em nota].
[103] Invalidade também contemplada no artigo 11º, nº 2, da 1ª Directiva.
[104] V. supra pontos III.3. e IV.1. e 2.
[105] Apêndice do Diário da República, de 15 de Setembro de 1995, pp. 3117 e segs. Apreciando uma situação fáctica em que actua uma fundação desprovida de personalidade jurídica, por falta do necessário reconhecimento, v. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2005, e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 1 de Fevereiro de 2005, disponíveis, em texto integral, nas Bases Jurídico-Documentais do ITIJ, em http://www.dgsi.pt.
[106] Sobre o tema da invalidade do contrato de sociedade, v. PINTO FURTADO, ob. cit., pp. 213-217, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, ob. cit., pp. 143-153, e MARIA ELIZABETE RAMOS, “Constituição das Sociedades Comerciais”, Estudos de Direito das Sociedades, sob a coordenação de JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, 6ª edição, Almedina, 2003, pp. 59-68.
[107] CARLOS BLANCO DE MORAIS, “Regime jurídico das Fundações Privadas”, cit., p. 576.
[108] CARLOS BLANCO DE MORAIS, Estudo citado, p. 577. Segundo CARLA AMADO GOMES, «o acto administrativo condiciona a eficácia do acto institutivo, em termos constitutivos», Estudo citado, p. 178.
[109] Ob. cit., p. 436.
[110] Ibidem.
[111] Ob. cit., p. 260. Não obstante a análise estar centrada no reconhecimento normativo, afigura-se-nos que a mesma é extensível aos casos de reconhecimento específico por concessão.
[112] FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, com a colaboração de LINO TORGAL, Almedina, 2001, p. 363.
[113] Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, p. 614.
[114] JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS e FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Direito Administrativo, 2ª edição, Centro de Estudos e Formação Autárquica, Coimbra, 2003, p. 206.
[115] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, ob. cit., p. 618.
[116] FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. III, Lições aos alunos do curso de Direito, em 1988/1989, Lisboa, 1989, p. 160.
[117] Não se consideram as alíneas b) e c) deste preceito por manifesta inaplicabilidade.
[118] Na redacção do Decreto-Lei nº 94/99, de 23 de Março.
[119] Em recente tratamento do tema da discricionariedade administrativa, v. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral – Introdução e Princípios Fundamentais, tomo I, Publicações D. Quixote, 2004, pp. 180-183.